• Nenhum resultado encontrado

1 A criminalidade e a imigração no serviço doméstico carioca ( ).

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "1 A criminalidade e a imigração no serviço doméstico carioca ( )."

Copied!
12
0
0

Texto

(1)

1

A criminalidade e a imigração no serviço doméstico carioca (1870-1920).

Natália Batista Peçanha

*

Em fins do século XIX e princípios do XX, ser um trabalhador pobre, por si só já acarretava a tal individuo o peso das desconfianças e das tentativas de vigilâncias.

Desordeiros, vagabundos, “classe perigosa” era algumas das insígnias atribuídas aos trabalhadores que constantemente se viam na necessidade de criar estratégias para se desvencilhar do peso de ser um trabalhador pobre do Rio de Janeiro. Peso este que era muito maior quando se tratava de uma trabalhadora do sexo feminino. (CHALHOUB. 2001)

Os servidores domésticos, portanto, se inseriam perfeitamente em um grupo do mundo do trabalho que era alvo constante de preocupações em torno da honra e idoneidade de seus trabalhadores. Tal preocupação foi reforçada com o aumento no número de livres e libertos desempenhando atividades relacionadas ao serviço doméstico.

1

Esta alteração que começou a se delinear na segunda metade do século XIX foi fundamental para que se começasse a tramitar na Câmara diversos projetos com o objetivo de regulamentar o serviço doméstico.

2

Assim, questões como a rotatividade desses serviçais nos lares; bem como possíveis acordos entre donos de agências de locação e seus criados em prejuízo daqueles que se aventuravam a contratar criados pelos anúncios de jornais; eram algumas das pautas levantadas por parlamentares e até mesmo donos de agências de locação que se preocupavam em criar uma espécie de ordenação para tal atividade, pensando, claro, em satisfazer os anseios e preocupações dos patrões. Uma dessas propostas que nos chamou bastante atenção foi à criada pelo, então rábula, Evaristo de Moraes. Nela ele afirmava que a culpa para tal “crise”

*

Doutoranda em História pelo PPGH-UFRRJ; Bolsista Capes.

1

No censo de 1872 podemos perceber que a condição legal das criadas do Rio de Janeiro era: 63% livres e 37%

escravas. Estes dados representam o aumento das criadas livres em comparação às escravas, o que já passa a ocorrer também em 1870, no qual 57% das criadas eram livres, enquanto 43% eram escravas. Ver: GRAHAM, Sandra L. Proteção e obediência: criadas e seus patrões no Rio de Janeiro, 1860-1910. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. Tabela 3. p. 209.

2

Essa preocupação acerca da idoneidade dos criados e à necessidade de se regular o serviço doméstico era uma preocupação que não ficou restrita ao Rio de Janeiro. Sobre os processos de regulamentação do serviço doméstico em outros estados brasileiros ver MATOS, Maria Izilda Santos de. Porta adentro: criados de servir em São Paulo de 1890 a 1930. In: BRUSCHINI, Maria Cristina; SORJ, Bila (Org.). Novos olhares: mulheres e relações de gênero no Brasil. São Paulo: Marco Zero, 1994. p. 193- 212; Marcus J. M. de. De portas adentro e de portas afora: trabalho doméstico e escravidão no recife, 1822-1850. Afro-Ásia, 29/30, 2003. p. 41-78., BAKOS, Margaret Marchiori. Regulamentos sobre o serviço dos criados: um estudo sobre o relacionamento Estado e Sociedade no Rio Grande do Sul (1887-1889). Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 4, n. 7, p.

94-104, mar. 1984, dentre outros.

(2)

2

se dava, dentre outras coisas, às “grandes levas de imigrantes vadios, vindos da Republica da Argentina, em grande parte, e existentes aqui na Capital, onde se entregam á vida mais aventurosa aladroando enquanto podem”.

3

A partir desta afirmação, podemos depreender dois pontos para as nossas análises.

Primeiro, há que se pensar na criminalidade atrelada à figura dos criados.

4

Para isto, no debruçamos a uma amostragem de matrículas de presos da Casa de Detenção da Corte e do Distrito Federal, no qual selecionamos os dados pertencentes àqueles que afirmavam ter como ocupação alguma atividade ligada ao serviço doméstico. Selecionamos um mês de registro dos anos de 1870, 1880, 1890, 1902, 1910 e 1920. No primeiro e último ano selecionado, possuímos o registro de criadas presas por diversos motivos, porém entre 1880 a 1910, o que possuímos são registros apenas de homens. Esta informação nos é bastante interessante, visto que as últimas pesquisas dedicadas ao tema do serviço doméstico tende a privilegiar, sobremaneira, a participação feminina em tal atividade

5

. Esta observação nos mostra que o campo de estudos que vem se formando acerca do tema do serviço doméstico ainda tem muito que explorar, dada à riqueza do tema. Assim, pretendemos destacar a importância da

3

Códice – notação 48-4-56 – Proposta para o estabelecimento de uma Empreza Municipal de Serviço Domestico, por Evaristo de Morais aos membros da Intendência Municipal do Rio de Janeiro, em 19 de março de 1892. AGCRJ. Esta proposta de Evaristo de Moraes não foi aprovada pelo advogado da Intendência Municipal, o Dr. Bandeira de Mello. O Dr. Bandeira de Mello afirmava que a proposta de Evaristo era inconcebível, dentre outras coisas, pois “importaria a violação do § 24 do art. 72 da Constituição Federal (é garantido o livre exercício de qualquer profissão moral, intelectual e industrial)” e “não caber ao poder municipal a atribuição de regulamentar o exercício de uma profissão qualquer de modo a excluir uma classe do regime contratual comum”. Códice – notação 48-4-56 – Dr. Bandeira de Mello Advogado da Intendência Municipal, em 03 de setembro de 1892. AGCRJ. Segundo Flávia Fernandes de Souza, várias vezes foram colocadas a questão da constitucionalidade dos projetos para regulamentação do serviço doméstico. Ainda segundo a autora, o “principal problema apontado era se os regulamentos propostos não violariam direitos garantidos na Constituição (tanto no Império, quanto na República). As dúvidas nesse sentido envolviam especialmente a questão da garantia da liberdade individual no que concerne ao âmbito do trabalho, a possibilidade de desconsideração de preceitos estabelecidos nas Ordenações Filipinas, que ainda regulava as questões de ordem civil no país, bem como as atribuições do poder municipal, que não envolviam matérias de contratos.” SOUZA, Flávia Fernandes de. op.cit. Nota 3. pp. 4-5.

4

No pós-abolição a associação entre criadagem e criminalidade era algo bastante comum e ratificado pela imprensa e pela intelectualidade da época, o que justificava as várias tentativas para se regulamentar o serviço doméstico. SOUZA, Flávia Fernandes de. op.cit. pp. 7-8.

5

Trabalhos sobre o serviço doméstico no Brasil até falam sobre a participação masculina, todavia esse personagem nunca é apresentado como um objeto principal de estudos. Ver, por exemplo: GRAHAM, Sandra L.

Proteção e obediência: criadas e seus patrões no Rio de Janeiro, 1860-1910. tradução de Viviana Bosi. São Paulo: Companhia das Letras, 1992; SOUZA, Flávia Fernandes de. Para casa de família e mais serviço: o trabalho doméstico na cidade do Rio de Janeiro no final do século XIX. Dissertação de mestrado. Orientadora:

Profª. Drª. Magali Gouveia Engel. São Gonçalo/RJ: UERJ-FFP/PPGHS, 2010; CARVALHO, Marcus J. M. de.

De portas adentro e de portas afora: trabalho doméstico e escravidão no recife, 1822-1850. Afro-Ásia, 29/30,

2003. p. 41-78; SILVA, Maciel Henrique Carneiro da. “qual queda, esta menina foi forçada”: solidariedades e

narrativas populares entre trabalhadoras domésticas (Salvador, 1900). Anais do XXVII Simpósio Nacional de

História: conhecimento histórico e diálogo social. Natal – RN: ANPUH-Brasil. 22 a 26 de julho de 2013; dentre

outros.

(3)

3

participação masculina no serviço doméstico, ao apresentar que criminosos eram esses que circulavam pelas casas e ruas do Rio de Janeiro de fins do século XIX e princípios do XX.

Em segundo lugar, ao relermos a afirmação de Evaristo de Moraes fica evidente a preocupação deste à entrada de imigrantes vindos de portos como o de Buenos Aires.

Estamos, portanto, falando de criados que se entregavam a vida do crime, mas que não eram quaisquer criados. A afirmação, ou melhor, a preocupação de Evaristo de Moraes destinava-se aos servidores imigrantes que se avolumavam na então Capital Federal. Isto, no contexto da chamada “grande imigração”, período em que milhares de europeus chegavam ao continente com a esperança de, uma vez se instalando em solo americano, tentar “fazer a América”.

(FAUSTO, 2000)

Desta forma, o objetivo do presente artigo é verificar a participação dos imigrantes europeus no serviço doméstico carioca e, sobretudo, pensar a questão da criminalidade dentro dessa esfera do mundo do trabalho.

***

No dia 19 de março de 1892, é oferecida à apreciação da Intendência Municipal do Rio de Janeiro uma proposta para o estabelecimento de uma “Empreza Municipal de Serviço Doméstico que venha regularizar tão importante dependência da vida particular”. Como causas principais as irregularidades que acometem o serviço doméstico carioca são apontados dois motivos: as “grandes levas de imigrantes vadios vindos da República Argentina, em grande parte”, ponto este já mencionado anteriormente; e, as “agências intermediarias que sem responsabilidade alguma introduzem nos seios das famílias esses péssimos elementos de dissolução e de latrocínio”

6

. Esta era mais uma das muitas propostas tramitadas na Intendência Municipal, que tinham como ponto em comum: a visão negativa em torno das pessoas que desempenhavam atividades domésticas. Visão compartilhada pela imprensa e pelos literatos da época.

Júlia Lopes de Almeida, por exemplo, em dois textos – um romance e um manual dedicado às futuras donas de casa

7

, esboçou a imagem que parte da sociedade tinha dessa atividade. Ao narrar a história fictícia de D. Amanda: mulher honesta, casada, mãe de uma

6

Códice – Notação 48-4-56. op.cit.

7

ALMEIDA, Julia Lopes. Livro das donas e donzelas. 1906. pp. 18-19. Disponível em www.nead.unama.br .

Acessado em 10 de agosto de 2011; e _____. A Intrusa. Introdução e estabelecimento do texto por Elódia

Xavier, da UFRJ. Rio de Janeiro: Edições do Departamento Nacional do Livro. Fundação Biblioteca Nacional,

1994.

(4)

4

menina e tendo um bom relacionamento com seu marido, achada morta com um tiro de garrucha no peito e um bilhete que revelava – “Morro porque não posso suportar empregados”, Júlia Lopes de Almeida começa a discorrer sobre a “realidade” do serviço doméstico carioca. E mais uma vez o que encontramos é uma crítica a entrada de “certos”

imigrantes em solo brasileiro. De acordo com Júlia, apesar de muitas criadas terem origem européia, estas

(...) emigram das aldeias esfomeadas e de povoações do interior, bandos de criaturas só habituadas ao plantio das vinhas ou à colheita do trigo.

As das cidades, já desbastadas da crosta nativa e mais ou menos educadas essas deixam se ficar gozando nos poucos intervalos da sua vida trabalhosa, os gozos das capitais. Porque lá da se esta anomalia: Quem trabalha não é a dona da casa, é a criada! (ALMEIDA, 1906: p.18-19)

Essa visão negativa a respeito das criadas estrangeiras é ratificada em um trecho do romance A Intrusa, onde o personagem Caldas previne o personagem Argemiro acerca da contratação de criadas por anúncios de jornais:

- Olha que essas madamas trazem anzóis nas saias... Quando menos pensares... estás fisgado... E tu que és bom peixe! É uma raça abominável, a das governantas... Verás amanhã que afluência de francesas velhas à tua porta! Feia ou bonita, a mulher é sempre perigosa. Eu deixar-me-ia ficar sossegadinho nos braços do Feliciano!

8

(Grifo meu)

Essas afirmações e representações em torno dos (as) criados (as) estrangeiros (as) nos faz questionar uma idéia de que havia um consenso em relação ao papel do imigrante na construção de uma ética do trabalho (CHALHOUB, 2001: pp. 64-89). Uma imagem de que o imigrante é bem visto e desejado como um trabalhador ideal frente à imagem construída de um liberto, que uma vez com a posse de sua liberdade não desejaria mais trabalhar (Ibidem).

Trabalhos recentes vêm nos mostrando que essa posse da “liberdade” pelos libertos não deve ser pensada como um total afastamento de sua vida pré-manumissão. Henrique Espada Lima, afirma que na cidade de Desterro, muitos libertos realizavam contratos de trabalhos para, dentre outras coisas, trocarem dívidas pelo comprometimento de ficar trabalhando “como se fora sua cativa”, por períodos que podiam ultrapassar os 20 anos (LIMA, 2005: pp. 289-326).

O que nos mostra que a “transição” do trabalho escravo para o trabalho livre não estabelece

8

ALMEIDA, Júlia Lopes de. A Intrusa. Introdução e estabelecimento do texto por Elódia Xavier, da UFRJ. Rio

de Janeiro: Edições do Departamento Nacional do Livro. Fundação Biblioteca Nacional, 1994. p.10.

(5)

5

um corte seco separando essas duas condições. (LIMA, 2005: p.296). Os próprios anúncios de aluguéis de criados(as), presentes no Jornal do Commércio, nos permitem verificar essa

“precariedade” da noção de trabalho livre em fins do século XIX e princípios do XX.

Governante - Uma moça allemã, de boa educação, chegada há pouco, offerece-se para casa de familia para ensiinar meninas, sabendo allemão, inglez, portuguez e piano, não faz questão de ordenado, mas exige bom tratamento: carta a E. 13, no Allens Hotel, rua Humaytá. (grifo meu)

9

No anúncio acima, o que verificamos é uma imigrante alemã se ofertando como uma governanta que fala e ensina alemão, inglês, português e piano e que, além disso, não faz questão do ordenado. Esta característica nos é bastante significativa, pois estamos falando de uma mulher livre, que nunca esteve na condição de escrava, mas que pretende se lançar a uma relação de trabalho em que o salário é trocado pelo “bom tratamento”, ou seja, a ausência do trabalho, neste caso, não determina a inserção desta mulher em uma relação de trabalho escravo.

Somado ao que foi mencionado anteriormente, outro ponto que merece ser destacado é a idéia de um consenso em relação ao imigrante europeu como um trabalhador ideal. Se pensarmos na fala de Evaristo de Moraes ou nos romances de Júlia de Lopes de Almeida, só para dar um exemplo, fica claro que o imigrante europeu não era uma figura tão desejável para o serviço doméstico

10

por, na fala desses personagens, se entregarem à gatunagem; a ociosidade; não desempenhar bem as funções contratadas, etc.

Fazendo um levantamento da presença de servidores domésticos registrados nos livros de matrículas da Casa de Detenção da Corte e do Distrito Federal, pretendemos verificar em quais atividades esses imigrantes presos se enquadravam e quais crimes eram mais comuns, dentre outros dados que vão nos permitir traçar um perfil dos imigrantes europeus que rompiam com o modelo ideal do “trabalhador morigerado”. Para isso selecionamos de forma aleatória um mês de cada ano analisado, ou seja, 1870, 1880, 1890, 1900, 1910 e 1920. Este espaçamento de dez anos se deu, pois, a princípio, gostaríamos, apenas, de ter uma noção de que servidor doméstico estava sendo preso, quais os principais crimes e etc. Todavia, ao observamos a riqueza da fonte analisada, estamos realizando um levantamento menos

9

JC, 01 novembro de 1897.

10

Só para ter uma noção, em 1872, havia 55.012 pessoas desempenhando o serviço doméstico, enquanto que

havia 17.021 lavradores, 25.586 criados e jornaleiros, 8.039 marítimos, por exemplo. Ver: SOARES, Luis

Carlos.

10

SOARES, Luiz Carlos. O “Povo de Cam” na Capital do Brasil: a escravidão urbana no Rio de

Janeiro do século XIX. Rio de Janeiro: Faperj – 7 Letras, 2007. Tabelas XLII, XLIII, XLIV e XLV. Pp. 414-417.

(6)

6

espaçado, para que possamos observar mais detidamente se há alterações no perfil desses criminosos e nos crimes cometidos ao longo dos anos. Mas, para a presente pesquisa estamos lançando mão dos dados coletados nesse material apresentado. Assim, realizamos o levantamento de 248 referências a criminosos que afirmavam ter como ocupação alguma atividade ligada ao serviço doméstico, 84 eram mulheres e 164 homens, dos quais 84 eram imigrantes e 50 portugueses.

11

Tabela 1

Fonte: Fichas de Matrículas das Casas de Detenção da Corte e do Distrito Federal. Disponível em:

www.godocs.com.br/aperj.

Esses dados nos permitem verificar alguns aspectos importantes sobre o serviço doméstico carioca e a imigração. Além disso, apesar de não estarmos verificando processos criminais, nos quais poderíamos ter acesso às vozes dessas pessoas; essas fichas nos permitem mais do que verificar os crimes cometidos, ter um perfil das pessoas alvo de fiscalizações e criminalizações no período estudado; a média de idade dessas pessoas; o estado civil; a cor; a

11

Sobre a participação dos estrangeiros no serviço doméstico, de acordo com os censos de 1870 e 1920, cerca de

20% a 26% dos criados (as) do Rio de Janeiro eram estrangeiros. Sendo este, um dos principais espaços de

trabalho para as mulheres estrangeiras que se afixavam na cidade. SOUZA, Flávia Fernandes de. op.cit. p. 10

(7)

7

nacionalidade; dentre outros aspectos que nos permite traçar um perfil social desses criados (as) que aumentavam a “crise” do serviço doméstico carioca.

Assim, podemos destacar em num primeiro momento um dado interessante. No ano de 1920, por exemplo, todo o mês de maio, período selecionado como amostragem deste ano, os criminosos eram mulheres e, ou não tinham profissão declarada ou desempenhavam alguma atividade doméstica e em sua grande maioria se enquadravam no Art. 399 do Código Penal:

Art. 399. Deixar de exercitar profissão, ofício, ou qualquer mister em que ganhe a vida, não possuindo meios de subsistência e domicílio certo em que habite; prover a subsistência por meio de ocupação proibida por lei, ou manifestamente ofensiva da moral e dos bons costumes.

Pena de prisão celular por quinze a trinta dias.

12

Como podemos verificar, o presente artigo penalizava as pessoas que não exerciam ofício, mas também aqueles que obtinham seu meio de subsistência por meio de ocupações proibidas em lei, ou que ofendiam a moral e os bons costumes. O que nos faz supor que, talvez, uma parte dessas mulheres presas que se diziam criadas, pudessem, na verdade, desempenhar outra atividade que não a do serviço doméstico – a prostituição, por exemplo.

Ou simplesmente poderiam fazer parte do que o Dr. Lassance Cunha chamava de,

“prostituição clandestina”, que era aquela exercida por mulheres com outras ocupações, não vivendo exclusivamente da prostituição – como o caso das domésticas, sobretudo quando escravas. (CUNHA, 1845 Apud SOARES, 1992: pp. 28-29)

Essas mulheres presas, geralmente estavam na casa dos 20 anos, em sua grande parte eram solteiras e afirmavam desempenhar atividades como doméstica, cozinheiras, lavadeiras, amas secas ou costureiras. Essas mulheres presas, tanto no ano de 1920, quanto nos anos de 1870 e 1880, seguiam o padrão mencionado anteriormente e possuíam, como mais uma característica o fato de serem em sua grande maioria nacionais. Em 1920, das 36 presas, 32 eram nacionais, 1 era espanhola e 3 não foi possível identificar a nacionalidade.

Esta característica já muda um pouco se pensarmos nos homens presos. É evidente que o número de nacionais é maior do que o de estrangeiros, porém o número de criminosos estrangeiros, sobretudo, portugueses, espanhóis e italianos é bem significativo. Dos 164 homens detidos, 83 eram brasileiros, 46 portugueses, 5 italianos, 17 espanhóis e os 13 restantes eram de nacionalidades como Prússia, EUA, Bélgica, países do continente africano, Chile, Argentina, e Suíça.

12

Código Penal dos Estados Unidos do Brazil. Decreto n. 847 de 11 de outubro de 1890. Disponível em:

http://legis.senado.gov.br .

(8)

8

As profissões mais comuns desses criminosos eram as de cocheiros, cozinheiros e copeiros, profissões essas, realmente bastante ocupadas por homens. Só para termos uma idéia, para o período estudado identificamos nos anúncios do Jornal do Commércio, 149 referências a copeiros do sexo masculino, enquanto o número de mulheres desempenhando a mesma função era de 97.

13

Os crimes cometidos por essas pessoas geralmente se enquadravam no artigo 399 do código penal, ligado à vadiagem, além da desordem e da embriaguez. Os crimes de gatunagem ou furto, geralmente eram cometidos por aquelas profissionais que desempenham suas funções dentro das casas dos patrões, como a função de copeiro e a de cozinheiro. Para termos uma idéia no ano de 1902, houve 13 crimes de gatunagem ou furto, sendo 7 cometidos por copeiros, 4 por cozinheiros, 1 por cocheiro e 1 por jardineiro. Desses gatunos, 5 eram portugueses, 5 eram brasileiros, 1 argentino, 1 italiano e 1 espanhol. Geralmente, esses homens eram solteiros, na casa dos 20 anos e quando brasileiro, na maioria das vezes ou era da cor preta ou parda, assim ocorre também para o caso feminino.

Esses dados nos revelam mais uma coisa: uma é a variedade de nacionalidades que entravam pelo Porto do Rio de Janeiro. Analisando algumas fichas de vapores que atracaram no porto do Rio de Janeiro, verificamos alguns vindos do Porto de Buenos Aires e Rio da Prata, como por exemplo, o vapor francês Béarn procedente de Rio da Prata.

14

Neste vapor foram embarcados, em Buenos Aires, 41 passageiros das seguintes nacionalidades: 6 espanhóis, 27 italianos, 2 alemães, 2 ingleses, 1 australiano e 3 franceses. Em 07 de abril de 1876, o vapor Minho, procedente de Buenos Aires possuía 10 passageiros, sendo 1 brasileiro, 1 argentino (sendo este camareiro), 2 espanhóis, 3 ingleses e 3 italianos.

Ao encontrarmos estrangeiros domésticos cometendo crimes, como o de gatunagem, logo nos veio à mente a fala de Evaristo de Moraes, que mencionamos no início, ou seja, que um dos motivos para que o serviço doméstico estivesse em uma condição problemática era o fato de muitos gatunos estrangeiros estarem entrando no Rio de Janeiro, sobretudo pela República da Argentina.

Esses exemplos vêem nos mostrar que provavelmente os portos argentinos servissem como um ponto de parada daqueles navios que traziam as levas de imigrantes europeus, visto

13

Esses dados são frutos de um levantamento de anúncios presentes no Jornal do Commercio no período de 1872 à 1917, realizado para um outro trabalho.

14

Vapor francês Béarn procedente do Rio da Prata. Entrado em 11 de junho de 1896. In. Acervos sobre

estrangeiros. Disponível em:

http://www.an.gov.br/sian/principal_pesquisa.asp?busca=multinivel/multinivel_consulta4.asp?v_codReferenciaP

ai_ID=567717. Acessado em 10 de setembro de 2014.

(9)

9

que a Argentina era um grande receptor de estrangeiros na América Latina. (FAUSTO, op.cit). Mas também poderiam servir para aqueles imigrantes que não estavam satisfeitos com sua condição na Argentina e que queriam tentar melhorar de vida indo para o Rio de Janeiro.

Essa grande leva de pessoas chegando diariamente nas Américas começou a gerar no fim do século XIX, um medo de que junto com esses trabalhadores chegassem também criminosos. Portanto, a desconfiança de Evaristo de Moraes aos imigrantes vindo da República Argentina, talvez esteja relacionado a essa idéia de “criminalidade viajante”. De acordo com o literato brasileiro Elysio de Carvalho: “Somos hospitaleiros até a imprudência, e por isso mesmo, e porque a vida é fácil, a vigilância pequena e a tolerância excessiva, o Rio vai se tornando um refúgio de criminosos escorraçados de todas as partes do mundo”.

(CARVALHO, 1913: pp.222-223 Apud GALEANO, 2012: p. 72). Esse medo dos criminosos viajantes estava bastante inserido em uma preocupação do fim do século, dos efeitos nocivos da imigração descontrolada. (GALEANO, 2010: p.72) De acordo com Diego Galeano:

Nas últimas décadas do século XIX, foi tomando força um discurso que associava o aumento da população estrangeira com a presença de uma criminalidade nova e a cada dia mais robusta. Esta idéia circulou – com diferentes nuances – desde Buenos Aires até o Rio de Janeiro, abrangendo, obviamente, São Paulo. No Brasil, desde os primeiros anos republicanos já se ouviam vozes de advertência sobre os efeitos da imigração no crime urbano. A construção de estatísticas criminais que desagregava as taxas por nacionalidade era um sintoma desta preocupação.(GALEANO, 2012: 74-75)

Como estamos falando de um jovem rábula, que depois virá a ser um importante jurista brasileiro, talvez o que a afirmação de Evaristo de Moraes esteja refletindo é um discurso compartilhado entre seus pares, no qual via essa imigração desenfreada como algo maléfico e que ao atingir o serviço doméstico atingiria, por conseguinte a base da sociedade que era a família. Além disso, uma vez esse imigrante contrariando a imagem idealizada de morigerado e exemplo de bom trabalhador, ao se jogar a vida da gatunagem, ele acabava contribuindo para uma imagem pejorativa dos servidores domésticos, que era disseminada por diversos meios de comunicação, além de contribuir como mais uma justificativa para a regulação e vigilância dessa atividade. Uma vez, que se até aqueles criados (as) que deveriam ser honrados e bons trabalhadores não estavam sendo, o que se pensar dos escravos e libertos?

Se o Brasil lutava para se tornar uma nação moderna, precisava, portanto proteger a honra da família, nada melhor do que vigiar os servidores domésticos – membros da “classe perigosa”

que estavam em contato direto com ela. (CAULFIELD,2000:109)

(10)

10

REFERÊNCIAS

Fontes:

Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro - AGCRJ

Códice – notação 48-4-56 – Proposta para o estabelecimento de uma Empreza Municipal de Serviço Domestico, por Evaristo de Morais aos membros da Intendência Municipal do Rio de Janeiro, em 19 de março de 1892. AGCRJ.

Códice – notação 48-4-56 – Dr. Bandeira de Mello Advogado da Intendência Municipal, em 03 de setembro de 1892. AGCRJ.

Arquivo Nacional – NA

Fichas de Vapores.

Vapor francês Béarn procedente do Rio da Prata. Entrado em 11 de junho de 1896

http://www.an.gov.br/sian/principal_pesquisa.asp?busca=multinivel/multinivel_consulta4.asp

?v_codReferenciaPai_ID=567717.

Arquivo Público do Estado do rio de Janeiro – APERJ

Fichas de Matrículas das Casas de Detenção da Corte e do Distrito Federal. Disponível em:

www.godocs.com.br/aperj.

Biblioteca Nacional - BN Jornal do Commercio – RJ

Senado do Brasil

Código Penal dos Estados Unidos do Brazil. Decreto n. 847 de 11 de outubro de 1890.

Disponível em: http://legis.senado.gov.br .

(11)

11

Bibliografia

ALMEIDA, Julia Lopes. A Intrusa. Introdução e estabelecimento do texto por Elódia Xavier, da UFRJ. Rio de Janeiro: Edições do Departamento Nacional do Livro. Fundação Biblioteca Nacional, 1994.

______. Livro das donas e donzelas. 1906. pp. 18-19. Disponível em www.nead.unama.br . Acessado em 10 de agosto de 2011;

BAKOS, Margaret Marchiori. Regulamentos sobre o serviço dos criados: um estudo sobre o relacionamento Estado e Sociedade no Rio Grande do Sul (1887-1889). Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 4, n. 7, p. 94-104, mar. 1984

CARVALHO, Marcus J. M. de. De portas adentro e de portas afora: trabalho doméstico e escravidão no recife, 1822-1850. Afro-Ásia, 29/30, 2003. p. 41-78

CAULFIELD, Sueann. Em defesa da honra: moralidade, modernidade e nação no Rio de Janeiro (1918-1940). Campinas, Sp: Editora da Unicamp/ Centro de Pesquisa em História Social da Cultura, 2000.

FAUSTO, Boris. (org). Fazer a América: a imigração em massa para a América Latina. 2 ed.

São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000.

GALEANO, Diego A. Criminosos viajantes, vigilantes modernos. Circulações policiais entre Rio de Janeiro e Buenos Aires, 1890-1930. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS – PPGHIS, 2012.

GRAHAM, Sandra L. Proteção e obediência: criadas e seus patrões no Rio de Janeiro, 1860- 1910. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

MATOS, Maria Izilda Santos de. Porta adentro: criados de servir em São Paulo de 1890 a

1930. In: BRUSCHINI, Maria Cristina; SORJ, Bila (Org.). Novos olhares: mulheres e

relações de gênero no Brasil. São Paulo: Marco Zero, 1994. p. 193- 212

(12)

12

SILVA, Maciel Henrique Carneiro da. “qual queda, esta menina foi forçada”: solidariedades e narrativas populares entre trabalhadoras domésticas (Salvador, 1900). Anais do XXVII Simpósio Nacional de História: conhecimento histórico e diálogo social. Natal – RN:

ANPUH-Brasil. 22 a 26 de julho de 2013; dentre outros.

SOUZA, Flávia Fernandes de. Para casa de família e mais serviço: o trabalho doméstico na cidade do Rio de Janeiro no final do século XIX. Dissertação de mestrado. Orientadora: Profª.

Drª. Magali Gouveia Engel. São Gonçalo/RJ: UERJ-FFP/PPGHS, 2010.

Referências

Documentos relacionados

O desenvolvimento desta pesquisa está alicerçado ao método Dialético Crítico fundamentado no Materialismo Histórico, que segundo Triviños (1987)permite que se aproxime de

4 Este processo foi discutido de maneira mais detalhada no subtópico 4.2.2... o desvio estequiométrico de lítio provoca mudanças na intensidade, assim como, um pequeno deslocamento

•   O  material  a  seguir  consiste  de  adaptações  e  extensões  dos  originais  gentilmente  cedidos  pelo 

iv. Desenvolvimento de soluções de big data aplicadas à gestão preditiva dos fluxos de movimentação portuária de mercadorias e passageiros. d) Robótica oceânica: criação

A Tabela 3 apresenta os resultados de resistência ao impacto Izod e as caracterizações térmicas apresentadas em função dos ensaios de HDT, temperatura Vicat e a taxa de queima do

Preliminarmente, alega inépcia da inicial, vez que o requerente deixou de apresentar os requisitos essenciais da ação popular (ilegalidade e dano ao patrimônio público). No

O enfermeiro, como integrante da equipe multidisciplinar em saúde, possui respaldo ético legal e técnico cientifico para atuar junto ao paciente portador de feridas, da avaliação

A hipótese que orienta este estudo é de que revistas em quadrinhos, — como quaisquer outras formas de produção cultural em uma sociedade de con- sumo —, não estão isolada