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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA FRANCIELE LUANE FISCHER DA VEIGA

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Academic year: 2021

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FRANCIELE LUANE FISCHER DA VEIGA

REVISÃO E RESOLUÇÃO CONTRATUAL EM TEMPOS PANDÊMICOS: UMA ANÁLISE DOUTRINÁRIA ACERCA DOS CONTRATOS DE PRESTAÇÃO DE

SERVIÇOS EDUCACIONAIS

FLORIANÓPOLIS 2021

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FRANCIELE LUANE FISCHER DA VEIGA

REVISÃO E RESOLUÇÃO CONTRATUAL EM TEMPOS PANDÊMICOS: UMA ANÁLISE DOUTRINÁRIA ACERCA DOS CONTRATOS DE PRESTAÇÃO DE

SERVIÇOS EDUCACIONAIS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Patrícia Russi de Luca, Esp.

Florianópolis 2021

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FRANCIELE LUANE FISCHER DA VEIGA

REVISÃO E RESOLUÇÃO CONTRATUAL EM TEMPOS PANDÊMICOS: UMA ANÁLISE DOUTRINÁRIA ACERCA DOS CONTRATOS DE PRESTAÇÃO DE

SERVIÇOS EDUCACIONAIS

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de Bacharel em Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Graduação em Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Florianópolis, (dia) de (mês) de (ano da defesa).

______________________________________________________ Professor e orientador Patrícia Russi de Luca, Esp

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Nome do Professor, titulação

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Nome do Professor, titulação

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

REVISÃO E RESOLUÇÃO CONTRATUAL EM TEMPOS PANDÊMICOS: UMA ANÁLISE DOUTRINÁRIA ACERCA DOS CONTRATOS DE PRESTAÇÃO DE

SERVIÇOS EDUCACIONAIS

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Sul de Santa Catarina, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de todo e qualquer reflexo acerca deste Trabalho de Conclusão de Curso.

Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em caso de plágio comprovado do trabalho monográfico.

Florianópolis, 11 de junho de 2021.

____________________________________

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Ao meu marido, que acendeu em mim a chama do Direito.

Ao meu filho, que me faz lutar por um mundo mais justo.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu marido, amante, amigo e companheiro, que por tantos finais de semana foi pai e mãe do nosso filho para que eu pudesse escrever com a dedicação e afinco necessários. És minha sorte grande. Saibas que é um prazer poder dividir a vida contigo.

Agradeço ao meu filho, parte de mim, que, em três anos de existência, ensinou-me mais que a vida inteira, tornou-me uma pessoa mais forte e melhor e por quem, nem em mil anos, eu conseguiria expressar todo o meu amor.

Agradeço aos meus pais, pelo incentivo e apoio incondicional desde sempre. Saibam que esta conquista também é de vocês e que reconheço todo o esforço que fizeram e ainda fazem por mim. Afinal, filhos são filhos pra vida toda, não é?

Agradeço à minha irmã pela amizade, pelas conversas, por ter uma memória tão melhor que a minha e me ajudar a relembrar dos bons momentos da infância e da vida.

Agradeço aos meus sogros sempre tão presentes, parceiros e generosos, que me acolheram de braços abertos, fazendo com que eu me sentisse verdadeiramente parte da família. Da mesma forma, agradeço aos meus cunhados e cunhada, minhas avós e avôs (em memória), minhas dindas e dindos, meus primos, meus tios, enfim, a toda a minha família, e também à família do meu marido, pela mesa cheia nos almoços de domingo, pelas risadas e pelo carinho. Eu amo todos vocês!

Agradeço aos meus amigos, meus compadres e meus afilhados, que são extensão da minha família, parceiros de festas, de viagens, de conversas, de conselhos. Saibam que podem contar comigo, como eu sei que posso contar com vocês.

Agradeço aos colegas da faculdade, especialmente, à Denise, à Alessandra e à Marione, pelos cafés compartilhados, os lugares guardados, o caderno dividido, as risadas trocadas, as histórias contadas.

Agradeço ao Tribunal de Justiça, meu trabalho diário, e financiador do curso.

Agradeço à Unisul pelos ensinamentos, por tantos professores incríveis, exemplos de profissionais e de vida.

Agradeço, por fim, à minha querida orientadora, Patrícia, pela amizade, pelo carinho, pela generosidade, pelo caráter ímpar, por ser um ser humano incrível e uma professora brilhante e pela ajuda inestimável neste trabalho.

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“Sonhar o sonho impossível, sofrer a angústia implacável, pisar onde os bravos não ousam, reparar o mal irreparável, amar um amor casto à distância, enfrentar o inimigo invencível, tentar quando as forças se esvaem, alcançar a estrela inatingível: essa é a minha busca.” (Dom Quixote).

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RESUMO

O presente trabalho tem como escopo apresentar, segundo a doutrina, as possibilidades de resolução e revisão dos contratos privados de prestação de serviços educacionais, diante da pandemia criada pelo vírus da Covid-19. Para isso, o método de abordagem utilizado é dedutivo e o procedimento é do tipo monográfico. Quanto à natureza, adota-se uma abordagem qualitativa, utilizando-se a técnica de pesquisa bibliográfica com material teórico sobre o assunto: livros, artigos científicos, legislação e decisões judiciais. Ao desenvolver o tema, inicia-se por aspectos destacados do Direito Contratual brasileiro, passando-se pelo conceito do termo contrato e seus princípios fundamentais, as diferenças e semelhanças entre o contrato civil e o contrato de consumo e as possibilidades de revisão e resolução contratual previstas no ordenamento jurídico. Num segundo momento, explora-se o direito à educação na Constituição Federal, explana-se a possibilidade de tal direito ser prestado por particulares e detalha-se a aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos privados educacionais. Por último, promove-se um estudo sobre revisão e resolução dos contratos de prestação de serviços educacionais em virtude da pandemia da Covid-19, examinando-se a pandemia criada pelo vírus da Covid-19, as medidas tomadas, os impactos causados sobre a prestação de serviços educacionais e as possibilidades de revisão e resolução contratual aplicáveis aos contratos privados de ensino. Conclui-se, em suma, que a resolução contratual (em alguns casos) e a revisão contratual (na grande maioria das demandas) são plenamente cabíveis, seja pela utilização da teoria da quebra da base objetiva do negócio jurídico (adotada pelo CDC) ou pela teoria da imprevisão/onerosidade excessiva (incrustrada no atual CC).

Palavras-chave: Pandemia. Contratos privados educacionais. Resolução contratual por

(9)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 9

2 DA TEORIA GERAL DOS CONTRATOS – ASPECTOS DESTACADOS ... 11

2.1 CONCEITO E PRINCÍPIOS DO DIREITO CONTRATUAL ... 11

2.2 DO CONTRATO CIVIL E DO CONTRATO DE CONSUMO ... 19

2.3 DA POSSIBILIDADE DE RESOLUÇÃO E REVISÃO CONTRATUAL ... 21

3 DO DIREITO À EDUCAÇÃO ... 31

3.1 O DIREITO À EDUCAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ... 31

3.2 DA POSSIBILIDADE DE PRESTAÇÃO POR PARTICULARES ... 36

3.3 DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AOS CONTRATOS PRIVADOS EDUCACIONAIS ... 38

4 REVISÃO E RESOLUÇÃO DOS CONTRATOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS EM VIRTUDE DA PANDEMIA DA COVID-19 ... 44

4.1 DA PANDEMIA CRIADA PELO VÍRUS DA COVID-19 ... 44

4.2 DO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS E DAS POSSIBILIDADES DE RESOLUÇÃO E REVISÃO CONTRATUAL ... 46

5 CONCLUSÃO ... 60

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1 INTRODUÇÃO

Em se tratando do Direito Contratual, um dos princípios mais emblemáticos é o da força obrigatória dos contratos, eternizado pela máxima pacta sunt servanda, que, em bom Português, significa que “os pactos devem ser cumpridos”.

Contudo, especialmente após a 1ª Guerra Mundial, percebeu-se que a ocorrência de eventos imprevisíveis, supervenientes ao contrato, poderiam torná-lo excessivamente oneroso a um dos contratantes, justificando a intervenção estatal com o intuito de reestabelecer o equilíbrio do contrato ou até mesmo de resolvê-lo, o que trouxe à tona a teoria da imprevisão.

Assim como a 1ª Guerra Mundial, a pandemia da Covid-19 afetou profundamente as relações jurídicas, provocou desequilíbrios contratuais em grande escala e de grande monta, fazendo com que os contratantes recorressem ao judiciário para buscar o reajustamento das prestações recíprocas ou a resolução de seus contratos.

Entre os mais afetados, estão os contratos privados educacionais. Isso porque, com a decretação do estado de calamidade pública em âmbito federal e o fechamento das escolas em todo o território nacional, a prestação do serviço foi impossibilitada. Em um segundo momento, diversos estabelecimentos educacionais passaram a oferecer aulas on line, em substituição às presenciais, entregando, de todo modo, serviço diverso do contratado.

É fato que a pandemia da Covid-19 está longe de ter um fim. Em função disso, considerando a fundamentalidade do direito à educação e a alternância entre fechamento e funcionamento das escolas, como forma de combate à propagação do vírus, é necessário delimitar as consequências jurídicas dos impactos causados nos contratos de prestação de serviços educacionais.

Ademais, a necessidade de tal estudo ficou ainda mais evidente quando, no início da pandemia, como mãe de um menino de dois anos que frequentava o maternal de uma instituição particular há um mês, após ter antecipado o pagamento das mensalidades do ano letivo inteiro e a recusa da escola em negociar a devolução do montante antecipado, não me restou outra alternativa, senão recorrer ao judiciário para solucionar a questão.

Nesse sentido, a presente pesquisa assenta-se no seguinte problema: diante da pandemia da Covid-19, qual a resposta da doutrina à possibilidade de revisão ou resolução dos contratos privados de prestação de serviços educacionais?

Para responder a tal questionamento, tem-se como objetivo geral verificar, através de uma análise doutrinária, as possibilidades de resolução [e revisão] dos contratos privados educacionais em virtude da pandemia da Covid-19.

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Com relação à metodologia, faz-se uma abordagem dedutiva com um procedimento do tipo monográfico, tendo em vista que se parte da compreensão do Direito Contratual e das nuances do direito à educação para então alcançar uma análise de compatibilidade entre eles, verificando-se as possibilidades de revisão e resolução contratual dos contratos de prestação de serviços educacionais em virtude da pandemia da Covid-19.

Quanto à natureza, adota-se uma abordagem qualitativa, utilizando-se a técnica de pesquisa bibliográfica com material teórico sobre o assunto: livros, artigos científicos, legislação, jurisprudências.

No que concerne à divisão do trabalho, há três capítulos de desenvolvimento, que correspondem também aos objetivos específicos. No primeiro deles, examina-se aspectos destacados do Direito Contratual brasileiro, passando-se pelo conceito do termo contrato e seus princípios fundamentais. Apresenta-se também as diferenças e semelhanças entre o contrato civil e o contrato de consumo e finaliza-se com as possibilidades de revisão e resolução contratual previstas no ordenamento jurídico.

No segundo capítulo de desenvolvimento, explora-se o direito à educação na Constituição Federal. Em seguida, explana-se a possibilidade de tal direito ser prestado por particulares e detalha-se a aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos privados educacionais.

No último capítulo de desenvolvimento, promove-se um estudo sobre revisão e resolução dos contratos de prestação de serviços educacionais em virtude da pandemia da Covid-19, examinando-se, primeiramente, a pandemia criada pelo vírus da Covid-19, as medidas tomadas e os impactos causados sobre a prestação de serviços educacionais. Finaliza-se com as possibilidades de revisão e resolução contratual aplicáveis aos contratos privados de ensino.

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2 DA TEORIA GERAL DOS CONTRATOS – ASPECTOS DESTACADOS

O presente capítulo visa examinar aspectos destacados do Direito Contratual brasileiro. Para tanto, inicialmente, examinar-se-á o conceito do termo contrato, bem como estudar-se-á seus princípios fundamentais. Em um segundo momento, serão apresentadas as diferenças e semelhanças entre o contrato civil e o contrato de consumo. Por último, serão detalhadas as possibilidades de revisão e resolução contratual previstas no ordenamento jurídico.

2.1 CONCEITO E PRINCÍPIOS DO DIREITO CONTRATUAL

Contratos existem desde os primórdios da civilização, quando o homem deixou de lado a violência para alcançar seus objetivos, em prol de arranjos contratuais, como forma de obter relações jurídicas mais estáveis (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2019, p. 39, v.4).

Destarte, tão antigo também é o seu conceito, que vem sendo moldado desde a época romana (TARTUCE, 2018, p. 1, v.3). Beviláqua (1977 apud TARTUCE, 2018, p. 3, v.3) traz a definição clássica e sucinta, que dispõe ser o contrato “[...] o acordo de vontades para o fim de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos”.

Flávio Tartuce (2018, p. 2, v.3), seguindo o conceito que consta no Código Civil Italiano, em seu art. 1.321, estipula que “o contrato é um negócio jurídico bilateral ou plurilateral que visa à criação, modificação ou extinção de direitos e deveres com conteúdo patrimonial [...]”.

Em complemento, Maria Helena Diniz (2019, p. 31-32, v.3) também esclarece que [...] O contrato repousa na ideia de um pressuposto de fato querido pelos contraentes e reconhecido pela norma jurídica como base do efeito jurídico perseguido. Seu fundamento é a vontade humana, desde que atue conforme à ordem jurídica. Seu

habitat é o ordenamento jurídico. Seu efeito é a criação, modificação ou extinção de

direitos e obrigações, ou melhor, de vínculos jurídicos de caráter patrimonial [...]. Ademais, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2019, p. 50, v.4), tendo em vista uma perspectiva civil-constitucional, apresentam o seguinte conceito de contrato:

[...] negócio jurídico bilateral, por meio do qual as partes, visando a atingir determinados interesses patrimoniais, convergem as suas vontades, criando um dever jurídico principal (de dar, fazer ou não fazer). E, bem assim, deveres jurídicos anexos, decorrentes da boa-fé objetiva e do superior princípio da função social.

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No que se refere aos princípios norteadores do Direito Contratual, Flávio Tartuce (2018, p. 51) evidencia que, “[...] os princípios assumem um papel de grande importância na atual codificação brasileira. Atualmente, é até comum afirmar que o Código Civil Brasileiro é um Código de Princípios, tão grande a sua presença na codificação vigente [...]”.

Nessa linha, conceitualmente, são eles “[...] regramentos básicos aplicáveis a um determinado instituto jurídico, no caso em questão, aos contratos [...]” (TARTUCE, 2018, p. 52, v.3).

Seguindo a doutrina clássica, inicialmente, serão abordados os princípios tradicionais do Direito Contratual: autonomia de vontade (atualmente nominada autonomia privada), liberdade contratual, força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda) e relatividade dos efeitos contratuais (DINIZ, 2019; GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2019; GOMES, 2019; GONÇALVES, 2019; TARTUCE, 2018).

Dando continuidade, considerando a atual concepção civil-constitucionalista do contrato, serão apresentados os princípios contemporâneos, quais sejam: função social do contrato, boa-fé objetiva e equivalência material (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2019; FARIAS; ROSENVALD, 2018).

Em sua concepção original, o princípio da autonomia de vontade tomou força com a Revolução Francesa, tendo em vista a ampla disseminação de ideais liberais e individuais em todas as áreas, incluindo o Direito Contratual (GONÇALVES, 2019, p. 41, v.3).

Nessa linha, conceitualmente, tal princípio fundamenta-se na liberdade de contratar. Isto é, trata-se da faculdade do homem de, por declaração de vontade, autorregulamentar seus interesses e suscitar efeitos tutelados pela ordem jurídica (BEZERRA DE MELO, 2019, p. 41; GOMES, 2019, p. 21; GONÇALVES, 2019, p. 40-41, v.3).

Sendo assim, a liberdade de contratar abrange três aspectos: o primeiro é a faculdade de contratar ou não, a decisão de estabelecer ou não um contrato; o segundo refere-se à escolha da pessoa com quem se celebrará o pacto; e o terceiro, por fim, reflete o conteúdo do acordo, a estipulação de suas cláusulas conforme a conveniência dos acordantes (BEZERRA DE MELO, 2019, p. 41).

Ocorre que a ampla liberdade contratual disciplinada no Código francês, que colocava a vontade pura como o centro de todas as avenças, tem sofrido profundas modificações ao longo do tempo, sobretudo, após a entrada em vigor do Novo Código Civil, em que, cada vez mais, a interferência estatal mostra-se crescente na relação contratual privada (VENOSA, 2019, p. 15, v.3).

(14)

Nesse sentido, diversos doutrinadores têm proposto a substituição do antigo princípio da autonomia de vontade pelo remodelado princípio da autonomia privada, tendo em vista, principalmente, a incorporação de limitações de ordem pública, visando o interesse coletivo e o fim social (FARIAS; ROSENVALD, 2018; TARTUCE, 2018).

Para Flávio Tartuce (2018, p.58, v.3):

Ressalta-se que o contrato de hoje é constituído por uma soma de fatores, e não mais pela vontade pura dos contratantes, delineando-se o significado do princípio da autonomia privada, pois outros elementos de cunho particular irão influenciar o conteúdo do negócio jurídico patrimonial. Na formação do contrato, muitas vezes, percebe-se a imposição de cláusulas pela lei ou pelo Estado, o que nos leva ao caminho sem volta da intervenção estatal nos contratos ou dirigismo contratual. Como exemplo dessa ingerência estatal ou legal, pode-se citar o Código de Defesa do Consumidor e mesmo o Código Civil de 2002, que igualmente consagra a nulidade absoluta de cláusulas tidas como abusivas.

Outro princípio de suma importância, consequência lógica do princípio da autonomia privada, é o princípio da força obrigatória dos contratos, decorrente da máxima pacta sunt

servanda (MELO, 2019, p. 43).

Nas palavras de Orlando Gomes (2019, p. 32), tal princípio:

[...] consubstancia-se na regra de que o contrato é lei entre as partes. [...] O contrato obriga os contratantes, sejam quais forem as circunstâncias em que tenha de ser cumprido. Estipulado validamente seu conteúdo, vale dizer, definidos os direitos e obrigações de cada parte, as respectivas cláusulas têm, para os contratantes, força obrigatória [...].

Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2018, p. 164, v.4) enfatizam, ainda, que “[...] em atenção ao princípio da segurança jurídica, a parte recalcitrante se curvará à coerção estatal, tal e qual prescreve o art. 389 do Código Civil1.” Isso porque “[...] a força obrigatória do contrato simboliza um ambiente social de confiança na segura circulação de bens e serviços” (FARIAS, ROSENVALD, 2018, p. 164, v.4).

Na mesma direção, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2019, p.72, v. 4) arrematam: “Sem o reconhecimento da obrigatoriedade dos contratos, a palavra dos homens careceria de força jurídica, em franco prejuízo à segurança das relações negociais.”.

1 Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado (BRASIL, 2002).

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Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2019, p. 48, v.3), “A única limitação a esse princípio, dentro da concepção clássica, é a escusa por caso fortuito ou força maior, consignada no art. 393 e parágrafo único do Código Civil2”.

Contudo, sobretudo após a 1ª Guerra Mundial, fato extraordinário que desestabilizou as relações contratuais, gerando onerosidade excessiva às partes contratantes, observou-se que a obrigatoriedade absoluta dos contratos teria que ser relativizada, possibilitando a intervenção judicial para o reajuste do equilíbrio das prestações contratuais (GONÇALVES, 2019, p. 49, v.3).

Sobre o tema, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2019, p.73, v. 4) complementam: “em uma época como a atual, em que os contratos paritários cedem lugar aos contratos de adesão, o pacta sunt servanda ganhou um matiz mais discreto, temperado por mecanismos jurídicos de regulação do equilíbrio contratual, a exemplo da teoria da imprevisão.”.

Em brilhante síntese, Marco Aurélio Bezerra de Melo (2019, p. 43) arremata:

Diversos dispositivos legais, por regras ou princípios, minoram o rigor do princípio da obrigatoriedade, como, exemplo, a lesão e a revisão do contrato por onerosidade excessiva, mas é importante frisar que o indigitado princípio é vital para a coexistência social, assim como o respeito às leis. Desse modo, o princípio da obrigatoriedade e a função social, este como elemento fiscalizador da liberdade de contratar, não encerram uma situação antagônica. Ao contrário, devem se harmonizar, sob pena de ruptura do sistema de proteção à segurança jurídica [...].

As circunstâncias excepcionais ou extraordinárias, que autorizam a revisão e/ou resolução contratual, como as supracitadas teorias da imprevisão e onerosidade excessiva, serão amplamente exploradas no item 2.3 do presente capítulo.

É de suma importância explicitar que o princípio da força obrigatória dos contratos somente obriga as partes envolvidas, não atingindo terceiros (MELO, 2019, p. 45). Tal afirmação introduz o princípio da relatividade dos efeitos do contrato, segundo o qual, “[...] a avença apenas vincula as partes que nela intervieram, não aproveitando nem prejudicando terceiros, salvo raras exceções” (DINIZ, 2019, p.55, v.3).

2 Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir (BRASIL, 2002).

(16)

Adicionalmente, Maiorca (1981, apud VENOSA, 2019, p. 19, v.3) explica que:

Temos de entender por parte contratual aquele que estipulou diretamente o contrato, esteja ligado ao vínculo negocial emergente e seja destinatário de seus efeitos finais. Por outro lado, deve ser considerado como terceiro, com relação ao contrato, quem quer que apareça estranho ao pactuado, ao vínculo e aos efeitos finais do negócio. Com relação às exceções que atingem o princípio da relatividade, existem contratos que têm efeitos externos, os quais alcançam terceiros. Cita-se, como exemplo, as estipulações em favor de terceiro, presentes nos arts. 436 a 438 do Código Civil3.

Tal como ocorreu com os princípios da autonomia privada e da força obrigatória dos contratos, o princípio da relatividade dos efeitos do contrato, atualmente, tornou-se claramente mais flexível. Assim:

Como todos os demais princípios tradicionais aqui descritos, também se verifica, na modernidade, sem trocadilho, a “relativização do princípio da relatividade subjetiva”, quando se constata, por exemplo, a violação das regras de ordem pública e interesse social, como no caso da declaração de nulidade de cláusula contratual abusiva, em atuação judicial do Ministério Público, na defesa dos consumidores (CDC, art. 51, § 4º) (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2019, p. 75, v. 4).

Nota-se, portanto, hodiernamente, uma grande influência dos princípios contemporâneos sob os princípios clássicos, remodelando-os, tendo em vista a moderna concepção civil-constitucional do contrato, com a incorporação de normas de cunho moral e social (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2019, p.78, v.4).

Para Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2018, p. 153, v. 4), “[...] atualmente, há uma amálgama entre os princípios clássicos e os contemporâneos do contrato, como modelos que convivem e interagem em uma linha de ponderação de interesses”.

Diante do exposto, passa-se, agora, a analisar os princípios contemporâneos do Direito Contratual, quais sejam: função social do contrato, boa-fé objetiva e equivalência material dos contratantes.

3 Art. 436. O que estipula em favor de terceiro pode exigir o cumprimento da obrigação. Parágrafo único. Ao terceiro, em favor de quem se estipulou a obrigação, também é permitido exigi-la, ficando, todavia, sujeito às condições e normas do contrato, se a ele anuir, e o estipulante não o inovar nos termos do art. 438.

Art. 437. Se ao terceiro, em favor de quem se fez o contrato, se deixar o direito de reclamar-lhe a execução, não poderá o estipulante exonerar o devedor.

Art. 438. O estipulante pode reservar-se o direito de substituir o terceiro designado no contrato,

independentemente da sua anuência e da do outro contratante. Parágrafo único. A substituição pode ser feita por ato entre vivos ou por disposição de última vontade (BRASIL, 2002).

(17)

Tais princípios são verdadeiras cláusulas gerais, conforme lecionam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2019, p.77, v.4):

Como se pode notar, trata-se de cláusulas gerais ou conceitos abertos (indeterminados) que, à luz do princípio da concretude, devem ser preenchidos pelo juiz, no caso concreto, visando a tornar a relação negocial economicamente útil e socialmente valiosa. Aliás, de nada adianta concebermos um contrato com acentuado potencial econômico ou financeiro se, em contrapartida, nos depararmos com um impacto negativo ou desvalioso no campo social.

No que concerne à função social do contrato, é preciso, primeiramente, buscar entender a importância do contrato na vida em sociedade, o seu lugar no cenário social, já que diariamente celebramos uma infinidade de contratos, desde o momento em que acordamos - ao acendermos uma luz, ao utilizarmos gás, ou internet, ao pegarmos um ônibus, ao comprarmos um pão, pagando uma conta no supermercado ou utilizando uma rede social. (MELO, 2019, p. 46).

Para Caio Mário da Silva Pereira (2020, p.9, v.3):

[...] O mundo moderno é o mundo do contrato. E a vida moderna o é também, e em tão alta escala que, se se fizesse abstração por um momento do fenômeno contratual na civilização de nosso tempo, a consequência seria a estagnação da vida social. O

homo economicus estancaria as suas atividades. É o contrato que proporciona a

subsistência de toda a gente. Sem ele, a vida individual regrediria, a atividade do homem limitar-se-ia aos momentos primários.

Não à toa, conforme já mencionado, sobretudo, após a 1ª Guerra Mundial, a função social do contrato vem encontrando espaço no ordenamento jurídico nacional (GONÇALVES, 2019, p. 49, v.3). Exemplo claro traz o art. 8º do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015), in

verbis: “Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do

bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”.

Além disso, segundo Flávio Tartuce (2020, p. 66, v. 3), “em matéria de contratos, o Código Civil de 2002 foi o primeiro entre todos – e continua sendo, em todo o planeta –, a afirmar a função social do contrato como limite à autonomia privada, pelo que está previsto nos seus arts. 421 e 2.035, parágrafo único.”.

Sendo assim, o art. 421 da atual codificação, recentemente alterado pela Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019), que corrigiu defeitos técnicos do texto original, assim dispõe: “A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. Parágrafo

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único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.” (BRASIL, 2002).

Consoante os ensinamentos de Flávio Tartuce (2018, p. 61, v.3),

Desse modo, os contratos devem ser interpretados de acordo com a concepção do meio social onde estão inseridos, não trazendo onerosidade excessiva às partes contratantes, garantindo que a igualdade entre elas seja respeitada, mantendo a justiça contratual e equilibrando a relação onde houver a preponderância da situação de um dos contratantes sobre a do outro. Valoriza-se a equidade, a razoabilidade, o bom senso, afastando-se o enriquecimento sem causa, ato unilateral vedado expressamente pela própria codificação, nos seus arts. 884 a 886. Por esse caminho, a função social dos contratos visa à proteção da parte vulnerável da relação contratual.

Não menos importante, é o art. 2.035, parágrafo único, também do Código em vigor, que situa a função social dos contratos como preceito de ordem pública (TARTUCE, 2018, p. 68, v. 3) ao dispor que “Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.” (BRASIL, 2002).

Para Sílvio de Salvo Venosa, o princípio da função social do contrato é limitação clara do princípio da autonomia privada (2019, p. 23, v.3), vejamos:

Na contemporaneidade, a autonomia de vontade clássica é substituída pela autonomia privada, sob a égide de um interesse social. Nesse sentido, o Código aponta para a liberdade de contratar sob o freio da função social. Há, portanto, uma nova ordem jurídica contratual, que se afasta da teoria clássica, tendo em vista mudanças históricas tangíveis. [...].

Nessa linha, traz-se à tona o princípio da boa-fé objetiva. Primeiramente, convém explicitar que há duas extensões da boa-fé, a subjetiva e a objetiva (GONÇALVES, 2019, p. 54, v.3). “A boa-fé subjetiva não é um princípio, e sim um estado psicológico em que a pessoa possui a crença de ser titular de um direito que em verdade só existe na aparência. O indivíduo se encontra em escusável situação de ignorância sobre a realidade dos fatos e da lesão a direito alheio [...]” (FARIAS, ROSENVALD, 2018, p. 174, v.4).

Em contrapartida, a boa-fé objetiva, atuante no direito das obrigações (FARIAS, ROSENVALD, 2018, p. 175, v.4), é a que “[...] impõe ao contratante um padrão de conduta, de agir com retidão, ou seja, com probidade, honestidade e lealdade, nos moldes do homem comum, atendidas as peculiaridades dos usos e costumes do lugar” (GONÇALVES, 2019, p. 53, v.3).

(19)

Carlos Roberto Gonçalves (2019, p. 56, v. 3) esclarece, ainda, que:

A boa-fé objetiva constitui um modelo jurídico, na medida em que se reveste de variadas formas. Não é possível catalogar ou elencar, a priori, as hipóteses em que ela pode configurar-se, porque se trata de uma norma cujo conteúdo não pode ser rigidamente fixado, dependendo sempre das concretas circunstâncias do caso. No entanto, essa imprecisão se mostra necessária, num sistema aberto, para que o intérprete tenha liberdade de estabelecer o seu sentido e alcance em cada caso. No Código Civil de 2002 (BRASIL, 2002), o principal dispositivo relacionado à boa-fé objetiva é o art. 422, que assim determina: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. Para Flávio Tartuce (2018, p.101, v.3), “[...], trata-se de uma cláusula geral, a ser preenchida pelo aplicador do Direito caso a caso, de acordo com a ideia de senso comum”.

Maria Helena Diniz (2019, p.55, v.3), sintetiza a boa-fé objetiva da seguinte forma: Segundo esse princípio, na interpretação do contrato, é preciso ater-se mais à intenção do que ao sentido literal da linguagem, e, em prol do interesse social de segurança das relações jurídicas, as partes deverão agir com lealdade e confiança recíprocas, auxiliando-se mutuamente na formação e na execução do contrato. Daí estar ligado ao princípio da probidade.

Da análise dos dispositivos do Código Civil de 2002 que mencionam a boa-fé objetiva, extrai-se três funções (BRASIL, 2002; VENOSA, 2019, p. 21, v.3): a interpretativa, presente no art. 113: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.”; a de controle dos limites do exercício de um direito, disposta no art. 187: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”; e, por fim, a de integração do negócio jurídico, destacada no art. 422, já discutido anteriormente.

Nessa esteira, derivado dos princípios da função social e da boa-fé objetiva, o princípio da equivalência material ou do equilíbrio contratual visa, como o nome diz, à manutenção da equivalência material entre as prestações (MELO, 2019, p. 94).

Sobre o referido princípio, lecionam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2018, p. 256, v.4):

[...] A ofensa à equivalência material poderá implicar invalidade, resolução, revisão contratual ou reparação por danos. Com efeito, na justa proporção entre as prestações, em todas as etapas do processo obrigacional, reside o sinalagma. A sua ausência propicia o rompimento da intangibilidade contratual. [...].

(20)

Em suma, enfatiza-se que, em sua concepção moderna, “todos os princípios contratuais estão ligados ao do respeito e proteção à dignidade da pessoa humana (CF, art. 1°, III), dando tutela jurídica aos contratantes para que se efetivem a função social da propriedade (CC, art. 1.118), a do contrato (CC, art. 421) e a justiça social (CF, art. 170)” (DINIZ, 2019, p. 54, v.3). 2.2 DO CONTRATO CIVIL E DO CONTRATO DE CONSUMO

Os direitos do consumidor foram introduzidos pela primeira vez no ordenamento jurídico, na Constituição Federal de 1988 (CF/1988), no art. 5°, XXXII, in verbis: “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor” (BRASIL, 1988). Da mesma forma, o art. 170, V, da CF/1988 introduz a defesa do consumidor como princípio da ordem econômica (BRASIL, 1988). Sendo assim, em 11/09/1990, foi promulgado o Código de Defesa do Consumidor (CDC) (Lei n. 8.078/1990).

Para Paulo Lôbo (2020):

O direito do consumidor provocou mudanças substanciais no direito contratual, pois não trata de situações especiais e episódicas, mas da maior parte das relações negociais entretecidas no mundo atual pelas pessoas físicas, que necessitam dos produtos e serviços lançados no mercado de consumo, para sua existência ou para seu lazer. Segundo Sílvio de Salvo Venosa (2019, p.9, v.3), “esse diploma veio atender aos reclamos de proteção da contratação em massa aqui enfocada e colocou nosso país no rol das mais modernas legislações protetivas dessa negociação. [...]”.

Ao contrário do Código Civil, que disciplina as relações contratuais paritárias, o Código de Defesa do Consumidor aplica-se, às relações definidas como de consumo, as quais subentende-se desiguais e, por isso, merecedoras de tutela específica visando à proteção do consumidor, reconhecido como vulnerável, nos termos do art. 4º, I, do CDC (BRASIL, 1990b; LÔBO, 2020).

Nessa linha, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2018, p. 311, v.4) ensinam que:

A Lei 8.078/90 é qualificada pela horizontalidade, pois não tem como objetivo simplesmente regular uma matéria, mas praticar um corte sobre todas as outras disciplinas jurídicas para uma eficiente proteção jurídica de um sujeito especial de relações obrigacionais. O princípio da vulnerabilidade define o campo protetivo do CDC.

(21)

Ademais, sobre as inovações contempladas pelo CDC, Venosa (2019, p.10, v.3) explica ainda que:

[...] foram trazidos para o bojo da lei, [...], princípios de direito contratual que a doutrina contratual já adotava de há muito, na exegese de proteção do contratante mais fraco. Nesse diapasão, encontramos na letra expressa dessa lei, entre outros, o princípio geral da boa-fé (art. 51, IV), da obrigatoriedade da proposta (art. 51, VIII), da intangibilidade das convenções (art. 51, X, XI e XIII). Ao coibir a vantagem exagerada do fornecedor, o Código de Defesa do Consumidor reaviventa os princípios tradicionais da lesão nos contratos e da excessiva onerosidade (art. 51, §1º), também reativados pelo atual Código Civil. [...].

Ressalta-se que o Código Civil de 2002 incorporou princípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana, a solidariedade social e a igualdade em sentido amplo, refletindo em uma aproximação ao Código de Defesa do Consumidor, considerando que ambos possuem uma principiologia social do contrato (TARTUCE, 2018, p.8, v. 3).

Desse modo, inúmeros doutrinadores tem defendido, na atualidade um diálogo das

fontes entre o Código Civil de 2002 e o Código de Defesa do Consumidor, através do qual

ambos sistemas não se anulam, mas se complementam (FARIAS; ROSENVALD, 2018, p. 3010, v.4; GONÇALVES, 2019, p. 32, v.3; TARTUCE, 2018, p.8, v.3).

Justifica-se a utilização do diálogo das fontes no Brasil, tendo em vista que a base principiológica das duas legislações é muito semelhante (TARTUCE, 2019, p. 10, v.3). A tese foi trazida para o Brasil por Claudia Lima Marques (2007 apud TARTUCE, 2018, p. 11, v.3) que esclarece:

Parece-me que o CDC tende a ganhar com a entrada em vigor do CC/2002, pois seus princípios básicos são quase os mesmos. Como vimos, quatro são os princípios básicos do CDC que afetam diretamente o novo direito obrigacional brasileiro: o da vulnerabilidade, o da confiança, o da boa-fé e o do equilíbrio contratual. O primeiro tem reflexo direto no campo de aplicação do CDC, isto é, determina quais relações contratuais estarão sob a égide desta lei tutelar e de seu sistema de combate ao abuso. O segundo estabelece as bases da garantia legal de produtos e serviços e possibilita a imputação de uma responsabilidade objetiva para toda a cadeia de fornecimento. O terceiro princípio é basilar de toda conduta contratual, mas aqui deve ser destacada a função limitadora da liberdade contratual. O quarto princípio tem maiores reflexos no combate à lesão ou à quebra de base do negócio, mas pode ser aqui destacada a sua função de manutenção da relação no tempo. Note-se que, à exceção do princípio especial da vulnerabilidade, que dá sustento à especialidade do CDC, os outros três princípios do CDC encontram-se hoje incorporados no sistema geral do direito privado, pois presentes no novo Código Civil, como vimos.

Além do mais, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, além do Código Civil de 2002, defendem a aplicação conjunta de leis especiais e leis gerais, como o são o CDC

(22)

e o referido Código Civil, respectivamente (MARQUES, 2003 apud GONÇALVES, 2019, p. 32, v.3).

Na mesma linha, Sílvio de Salvo Venosa (2019, p.14, v.3) entende que:

A lei do consumidor é exemplo claro do desaparecimento da utilidade da divisão clássica do Direito em privado e público. Hoje, mais do que ontem, os ramos interpenetram-se. O Código de Defesa do Consumidor é exemplo característico de um direito social, nem público, nem privado. O exame da teoria geral dos contratos e dos contratos em espécie não ficará mais completo sem a premissa básica que ora colocamos, qual seja, verificar o alcance do pacto dentro do Código de Defesa do Consumidor.

Em síntese, segundo Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2018, p. 310, v.4), “[...] a Constituição Federal direciona o sistema jurídico de forma holística; o Código Civil ocupa o posto de centralidade do direito privado e o microssistema consumerista atual de forma especial, podendo se servir do Código Civil em caráter de complementaridade.”.

2.3 DA POSSIBILIDADE DE RESOLUÇÃO E REVISÃO CONTRATUAL

No que concerne à extinção dos contratos (arts. 472 a 480 do Código Civil), a terminologia utilizada na legislação e na doutrina é confusa e divergente (GOMES, 2019, p. 173). A classificação aceita pela maioria dos doutrinadores, se não de forma integral, mas muito semelhante, segundo Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2019. p. 225), é a seguinte:

Esquema 1 – Formas de extinção do contrato

(23)

Observa-se, do esquema apresentado, que a extinção natural é aquela em que ocorre o cumprimento do contrato ou em que se verifica um fator eficacial, isto é, um acontecimento previamente acertado que autoriza a extinção do pacto como, por exemplo, a ocorrência de um evento futuro e incerto (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2019, p. 224).

Nas palavras de Orlando Gomes (2019, p. 173), “a extinção normal do contrato, por execução, não suscita qualquer problema em relação à forma e aos efeitos. Executado o contrato, estão extintas, por via de consequência, as obrigações e direitos que originou.”.

Além disso, a extinção da avença pode acontecer também por causas anteriores ou contemporâneas à celebração e por causas supervenientes. Esclarece Orlando Gomes (2019, p.174) que “[...] as primeiras determinam a extinção do contrato por anulação. Se a causa extintiva for, entretanto, posterior, dissolução temos.”

As causas anteriores ou contemporâneas à formação do contrato que geram sua extinção posterior por anulação são, por exemplo, o não cumprimento de requisitos legais (podendo gerar nulidade absoluta ou relativa), a presença de vício redibitório ou até a existência de uma cláusula que possibilite o direito de arrependimento (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2019, p. 228-230).

Já no que concerne às causas posteriores, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2019, p. 231) asseveram: “quando mencionamos a ocorrência de causas supervenientes à formação do contrato, partimos do pressuposto de que ele se concretizou de forma plena, como negócio jurídico, nos planos da existência, validade e eficácia.”

Nessa linha, a rescisão, conforme afirma Flávio Tartuce (2018, p. 257), é gênero, do qual a resilição e a resolução são espécies, operando sempre no plano de eficácia do contrato. Sendo assim, a resilição ocorre quando há a dissolução por vontade de ambas as partes (o chamado distrato) ou de apenas uma delas, sendo que, neste caso, deve estar prevista em lei, de acordo com o art. 4734 do CC/2002.

Frisa-se que há divergências doutrinárias quanto ao uso do termo rescisão, porquanto civilistas clássicos, principalmente, usam-no como sinônimo de invalidade (nulidade ou anulabilidade) e, portanto, causa extintiva anterior à celebração do contrato (TARTUCE, 2018, p. 257).

4 Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte (BRASIL, 2002).

(24)

A resolução, por sua vez, é a extinção contratual pelo descumprimento do que foi pactuado (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2019, p. 238). Para Orlando Gomes (2019, p. 175), “[...] é um remédio concedido à parte para romper o vínculo contratual mediante ação judicial”.

Pode, assim, ocorrer por vários motivos, que, segundo Flávio Tartuce (2018, p. 257), dividem-se em quatro categorias: “a inexecução voluntária, a inexecução involuntária, a cláusula resolutiva tácita e a resolução por onerosidade excessiva”.

Feitas tais considerações quanto às formas de extinção contratual, esclarece-se que o presente trabalho concentrar-se-á nas causas extintivas supervenientes à celebração contratual, especialmente, na possibilidade de resolução e revisão contratual por onerosidade excessiva, passando, ainda, pela cláusula rebus sic stantibus, a teoria da imprevisão, a teoria da base objetiva do negócio jurídico e o caso fortuito ou força maior.

Desde os primórdios da civilização, já havia preocupação com causas supervenientes e imprevisíveis que pudessem desequilibrar a prestação contratual, nos contratos de execução futura (MELO, 2019, p. 301-302).

Não à toa, a Lei nº 48 do Código de Hamurabi (SILVA, 2013 apud MELO, 2019, p. 302) previa que “se alguém tem um débito a juros, e uma tempestade devasta o seu campo ou destrói a colheita ou por falta d’água não cresce o trigo no campo, ele não deverá nesse ano dar trigo ao credor, deverá modificar sua tábua de contrato e não pagar juros por esse ano.”.

Na Idade Média, com a mesma intenção de proteger os contratos com obrigações futuras, surge a cláusula rebus sic stantibus. Tartuce (2018, p.182) assim a explica: “[...] os pactos de execução continuada5 e dependentes do futuro entendem-se como se as coisas permanecessem como quando da celebração. Em outras palavras, o contrato só pode permanecer como está se assim permanecerem os fatos. [...]”.

Entretanto, durante o auge do liberalismo, nos séculos XVIII e XIX, a cláusula ficou esquecida e o pacta sunt servanda reinou absoluto. Somente após a 1ª Guerra Mundial, dados os fortes impactos sofridos pelos contratos e a necessidade de se relativizar o princípio da obrigatoriedade diante de acontecimentos imprevisíveis, surge a Teoria da Imprevisão, tendo por base a antiga cláusula rebus sic stantibus, (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2019, p. 257).

5 “Os [contratos] de execução continuada ou trato sucessivo são contratos permanentes em que as prestações de ambas as partes são contínuas.” (NADER, 2018).

(25)

Para Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2019, p. 257):

[...] a denominada Teoria da Imprevisão consiste no reconhecimento de que a ocorrência de acontecimentos novos, imprevisíveis pelas partes e a elas não imputáveis, com impacto sobre a base econômica ou a execução do contrato, admitiria a sua resolução ou revisão, para ajustá-lo às circunstâncias superveniente.

Já a teoria da onerosidade excessiva, como o próprio nome sugere, apesar de bastante similar à teoria da imprevisão, estaria mais direcionada à onerosidade excessiva gerada. É o que concluem os renomados doutrinadores citados acima: “a expressão ‘teoria da onerosidade excessiva’, embora calcada em fundamentos semelhantes, não corresponde exatamente à teoria da imprevisão, por estar mais focada na questão da desproporção do que propriamente na imprevisibilidade” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2019, p. 259).

No Brasil, a doutrina diverge quanto à adoção pelo Código Civil de 2002 pela Teoria da Imprevisão ou da onerosidade excessiva (também nominada onerosidade excessiva superveniente) (TARTUCE, 2018, p. 183). Os defensores da onerosidade excessiva citam a similaridade do art. 478 do Código Civil de 2002 com o art. 1.467 do Código Civil italiano, que adotou a referida teoria (MELO, 2019, p. 309).

Flávio Tartuce, por outro lado, filia-se à corrente doutrinária que defende que o Código Civil atual adotou a Teoria da Imprevisão francesa propriamente dita, eis que, na prática, é o fato imprevisível que leva à revisão contratual (TARTUCE, 2018, p. 183).

Divergências à parte, o próprio Autor (2018, p. 184) reconhece que “afastando qualquer discussão quanto à teoria adotada, o Código Civil de 2002 traz a revisão contratual por fato

superveniente diante de uma imprevisibilidade somada a uma onerosidade excessiva.”.

De qualquer forma, então, é fato que o Código Civil atual reconhece a possibilidade de resolução e revisão contratual por causas extraordinárias e imprevisíveis que gerem onerosidade excessiva (GOMES, 2019, p. 183).

Nesse sentido, arremata Orlando Gomes (2019, p. 183):

Quer se explique a resolução do contrato por se considerar subentendida a cláusula

rebus sic stantibus, quer pela teoria da imprevisão, ou das bases de negócio, a verdade

é que, no Direito Moderno, a alteração radical das condições econômicas, nas quais o contrato foi celebrado, tem sido considerada uma das causas que, com o concurso de outras circunstâncias, podem determinar sua resolução.

(26)

Sendo assim, nomenclaturas à parte, parte-se à análise da onerosidade excessiva, como possibilidade de resolução e/ou revisão contratual, no Código Civil de 2002 (arts. 317 e 478 a 480).

É importante salientar, inicialmente, que a doutrina majoritária entende que a extinção do contrato deve ser a última opção, preferindo-se, sempre que possível, a revisão contratual, em homenagem ao princípio da conservação dos negócios jurídicos, decorrente este do princípio da função social dos contratos (GOMES, 2019, p. 183; TARTUCE, 2018, p. 181).

Nesse sentido, asseveram Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2018, p. 623):

[...] a preferência lógica do sistema jurídico é a revisão do negócio jurídico (art. 317, CC). Neste modelo, as partes definirão uma nova equação contratual, condizente com o panorama fático decorrente das circunstâncias econômicas vigentes. Excepcionalmente, sendo infrutíferos os esforços do magistrado e dos contratantes para alcançar um “rearranjo obrigacional”, entrarão em cena as normas concernentes à resolução por alteração resultante de fatos supervenientes (arts. 478 e 479, CC). A extinção do contrato afirmará então uma peculiar espécie de inadimplemento absoluto, fundada na exigibilidade decorrente da impossibilidade econômica da prestação.

Da leitura do art. 478 do atual Código Civil, in verbis, observa-se que quatro requisitos devem ser preenchidos para que se pleiteie a resolução por onerosidade excessiva. São eles: a existência de um contrato de execução diferida ou continuada,6 excessiva onerosidade para uma parte, extrema vantagem para outra e acontecimentos supervenientes extraordinários e imprevisíveis.

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação (BRASIL, 2002).

Já os casos de revisão contratual, segundo explica Carlos Roberto Gonçalves (2019, p. 203), estariam comtemplados pelo art. 317 do CC, que estabelece: “quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do

6 “Os [contratos] de execução continuada ou trato sucessivo são contratos permanentes em que as prestações de ambas as partes são contínuas. [...] Nos contratos de execução diferida ou retardada, as prestações não se efetivam logo após o consentimento, mas se protraem no tempo [...].” (NADER, 2018).

(27)

momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação” (BRASIL, 2002).

Há, todavia, doutrinadores que entendem que o próprio art. 478 é o dispositivo que ampara a revisão contratual, devendo esta, em homenagem ao citado princípio da conservação dos contratos, prevalecer em detrimento da resolução contratual (TARTUCE, 2018, p. 188).

Corroborando com o exposto, o art. 479 do atual Código Civil facultou ao credor a possibilidade de propor a readequação das prestações, isto é, a revisão contratual quando acionado judicialmente pelo devedor em pedido resolutório (BRASIL, 2002).

Sobre o referido artigo, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2018, p. 630) entendem que o próprio autor/devedor já poderia propor o pedido revisional na Inicial, face à primazia da conservação da relação contratual, antes comentada.

Inclusive, explicam, com base no Enunciado nº 367 do Conselho da Justiça Federal7, até mesmo o magistrado teria o papel de preferir a revisão, mesmo que não pleiteada:

Perceba, não se trata de revisão contratual ex officio, atuação vedada ao magistrado em matéria de interesse imediato privado e de direito disponível. O enunciado apenas permitiu ao magistrado se servir do princípio da conservação do negócio jurídico para preservar o vínculo – mesmo que o réu não ofereça pedido contraposto – ao obter o assentimento do autor da demanda que, em princípio, demandara pela resolução (FARIAS; ROSENVALD, 2018 p. 629).

Desse modo, com relação aos requisitos do art. 478, que se aplicam tanto à resolução quanto à revisão do contrato por onerosidade excessiva, em primeiro lugar, é necessário que o contrato seja de execução continuada ou diferida. Isso porque, esclarece Orlando Gomes (2019, p. 185), “[...] apenas nestes há lapso temporal entre a celebração do contrato e sua execução, o que permite que as circunstâncias existentes no momento da celebração venham a se alterar, causando excessiva onerosidade da prestação.”.

Segundo Marco Aurélio Bezerra de Melo (2019, p. 310): “Nos chamados contratos instantâneos, não há possibilidade de um fato superveniente provocar desequilíbrio contratual, pois o intervalo de tempo entre a contratação e a sua execução é condição para que a onerosidade excessiva superveniente se manifeste”.

7 Enunciado nº 367 do Conselho da Justiça Federal: “em observância ao princípio da conservação do contrato, nas ações que tenham por objeto a resolução do pacto por excessiva onerosidade, pode o juiz modifica-lo equitativamente, desde que ouvia a parte autora, respeitada a sua vontade e observado o contraditório.

(28)

Outro requisito, conforme mencionado, é a onerosidade excessiva propriamente dita. Sobre tal requisito, traz-se a inteligência de Orlando Gomes (2019, p. 183), que a diferencia da inexecução por impossibilidade:

A onerosidade excessiva da prestação é apenas obstáculo ao cumprimento da obrigação. Não se trata, portanto, de inexecução por impossibilidade, mas de extrema

dificuldade. Contudo, não se pode dizer que é voluntária a inexecução por motivo de

excessiva onerosidade. Mas, precisamente porque não há impossibilidade, a resolução se realiza por motivo diverso.

O renomado doutrinador complementa, dando ênfase ao caráter objetivo da onerosidade excessiva:

Para a resolução do contrato é preciso, em primeiro lugar, que seja excessiva a diferença de valor do objeto da prestação entre o momento de sua perfeição e o da execução. A onerosidade há de ser objetivamente excessiva, isto é, a prestação não deve ser excessivamente onerosa apenas em relação ao devedor, mas a toda e qualquer pessoa que se encontrasse em sua posição (GOMES, 2019, p. 183).

Em terceiro lugar, o art. 478 do CC exige a extrema vantagem da outra parte, requisito que tem recebido muitas críticas da doutrina, eis que torna difícil a aplicação do dispositivo. (GONÇALVES, 2019, p. 202).

Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2018, p. 627) assim explicam:

[...] Exigir que a alteração das circunstâncias atinja apenas uma das partes em benefício da outra implica esvaziar substancialmente este modelo jurídico, vedando ao contratante fragilizado, por acontecimento superveniente extraordinário e imprevisível, o recurso final ao remédio resolutório, apenas por não provar o enriquecimento sem causa experimentado pelo parceiro contratual.

Por último, a lei determina que a onerosidade excessiva deve ser provocada por acontecimentos extraordinários e imprevisíveis. Orlando Gomes (2019, p. 184) ensina que “[...] não basta que o acontecimento seja extraordinário, porque, se suscetível de previsão, descabe resolução. Não basta que seja imprevisível, porque, sendo normal, pouco importa que as partes não o tenham previsto. [...].”

Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2018, p. 626) asseveram: “[...] O extraordinário reforça o imprevisível. Conjugando-se os dois qualitativos, temos que só os riscos absolutamente anômalos e subtraídos da possibilidade de razoável previsão e controle dos operadores econômicos são capazes de levar o contrato à resolução. [...].”

(29)

Em contrapartida, Marco Aurélio Bezerra de Melo (2019, p. 312) destaca que a interpretação de tal requisito não pode ser tão literal, pois prejudica sua aplicação na prática:

[...] Há que se conferir uma interpretação benevolente para a viabilização da modificação do contrato sem que isso signifique desconsideração à importância de se respeitar a liberdade contratual e a obrigatoriedade das convenções. Nessa ótica, a

doutrina tem recomendado que se se admita como imprevisível uma causa que seja previsível, mas que produza resultados extraordinários e imprevisíveis segundo o risco que razoavelmente os contratantes poderiam esperar. [...] (grifo

nosso).

Nessa linha, também sinalizam outros doutrinadores, em atenção ao Enunciado nº 175 do Conselho de Justiça Federal8, entendendo que a imprevisibilidade e a extraordinariedade podem ser reveladas não somente pelo acontecimento que gerou a onerosidade, mas também pelas consequências por ele causadas (TARTUCE, 2018, p. 190).

Sendo assim, elucida Orlando Gomes (2019, p. 184) que “fatos genericamente previsíveis (como guerras ou mesmo a inflação) podem provocar efeitos concretos imprevisíveis. [...]”.

Cumpridos os requisitos estabelecidos pelo Código Civil, é importante mencionar que a teoria da imprevisão/onerosidade excessiva não deve ser confundida com a lesão (art. 157 CC9), nem com “caso fortuito ou força maior” (art. 393 CC10). A lesão está presente desde o momento em que o negócio jurídico é celebrado, ensejando a sua anulação, ao contrário da imprevisão ou onerosidade excessiva, que é fato superveniente, acarretando a revisão ou resolução do contrato (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2019, p. 260).

De outra sorte, o caso fortuito e a força maior geram a impossibilidade absoluta de prosseguir com o pactuado, sem imposição de obrigação de indenizar, ao passo que, na onerosidade excessiva, as prestações são reajustadas se houver revisão contratual, podendo, inclusive, haver pagamento de indenização no caso de resolução (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2019, p. 261).

8 Enunciado nº 175 do Conselho de Justiça Federal: “A menção à imprevisibilidade e à extraordinariedade, insertas no art. 478 do Código Civil, deve ser interpretada não somente em relação ao fato que gere o desequilíbrio, mas também em relação às consequências que ele produz.”

9 Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta (BRASIL, 2002).

10 Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir (BRASIL, 2002).

(30)

Em síntese, traz-se o excerto da obra de Orlando Gomes sobre resolução [e revisão] por onerosidade excessiva no atual Código Civil (2019, p. 184):

Verificados, portanto, os quatro requisitos exigidos pela lei (presença de um contrato de execução diferida, continuada ou periódica; excessiva onerosidade da prestação de uma parte; extrema vantagem da outra parte; e acontecimentos supervenientes extraordinários e imprevisíveis), pode o devedor demandar a resolução do contrato.

O credor, a seu turno, tem a faculdade de realizar oferta de modificação equitativa do acordo, evitando a resolução. Haverá, nesse caso, revisão ou reajuste do contrato

(grifo nosso).

No que diz respeito ao Código de Defesa do Consumidor, a revisão contratual é regra e estampa o art. 6º, V, da Lei 8.078/1990, o qual se transcreve: “Art. 6º. São direitos básicos do consumidor: [...] V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas” (BRASIL, 1990b).

Sobre o referido artigo, Flávio Tartuce (2018, p. 197) assim se posiciona: “[...] para a revisão de um contrato de consumo não há a necessidade da prova da imprevisibilidade, mas somente de uma simples onerosidade ao vulnerável decorrente de um fato novo, superveniente”. Em complemento, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2018, p. 631) esclarecem:

No Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, V), a revisão contratual é regra, não exceção. A necessidade de proteção da parte vulnerável, mediante imposição de normas de ordem pública, requer rígida intervenção do sistema com o objetivo de resgate da comutatividade originária da relação de consumo. Ademais, a norma dispensa a imprevisibilidade e a inevitabilidade como qualitativos do fato superveniente, sendo suficiente a quebra objetiva da base do negócio jurídico pelo débâcle da relação de equivalência para se consumar a onerosidade excessiva em detrimento do consumidor.

Sendo assim, observa-se que o Código de Defesa do Consumidor não adotou a Teoria da Imprevisão ou da onerosidade excessiva superveniente, mas, conforme explana Flávio Tartuce (2018, p. 199), duas outras teorias podem ser invocadas:

Dentro da melhor técnica, conclui-se, portanto, que o Código de Defesa do Consumidor adotou outro fundamento para a revisão contratual por fato superveniente, o da revisão por simples onerosidade excessiva, que tem como embrião a teoria da equidade contratual, que é motivada pela busca, em todo o momento, de um ponto de equilíbrio nos contratos, afastando-se qualquer situação desfavorável ao protegido legal. Pode também ser invocada a teoria da base objetiva

do negócio jurídico, que tem como percursor o trabalho de Karl Larenz, referência

quanto ao tema, sendo dispensada, também por esse caminho, a prova de fato imprevisto.

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Tanto a teoria da equidade contratual quanto a teoria da base objetiva do negócio jurídico baseiam-se na moderna concepção civil-constitucional do Direito Contratual, e, por isso, pautam-se na justiça social, na dignidade humana e na igualdade material, entre outros valores (TARTUCE, 2018, p. 200).

Ainda, segundo o referido autor, a teoria da base objetiva do negócio jurídico é a mais recomendável e amplamente utilizada quando se analisa a revisão contratual prevista no CDC. Por isso, dada sua relevância, será melhor desenvolvida no item 3.3, em que se aborda a aplicação do Código de Defesa do consumidor aos contratos privados educacionais.

Portanto, a despeito da teoria adotada, fato é que, diferentemente do Código Civil de 2002, o Código de Defesa do Consumidor permite a revisão contratual independentemente de o fato superveniente ser imprevisível, o que facilita bastante a sua utilização (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2019, p. 262).

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3 DO DIREITO À EDUCAÇÃO

No presente capítulo, tem-se como escopo explorar o direito à educação. Desta forma, o marco inicial será o estudo do direito à educação na Constituição Federal. Em seguida, explanar-se-á a possibilidade de tal direito ser prestado por particulares. Em última análise, considerar-se-á a aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos privados educacionais.

3.1 O DIREITO À EDUCAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Do ponto de vista constitucional, a educação começou a ganhar espaço apenas na constituição brasileira de 1934. As constituições anteriores eram ainda bastante liberais, não havendo, portanto, espaço para a matéria (CANOTILHO, 2018).

De outra sorte, na Constituição Federal de 1988 (CF), com foco na estruturação de um Estado Social e Democrático de Direito, o direito à educação ganhou destaque, aparecendo como direito social (Capítulo II), dentro do consagrado Título II, que apresenta os direitos e garantias fundamentais (BRASIL, 1988).

Assim, nos termos do art. 6º da CF: “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (BRASIL, 1988, grifo nosso).

Desse modo, apesar de haverem divergências sobre a classificação dos direitos sociais como direitos fundamentais, fato é que são assim reconhecidos pela própria Constituição Federal, bem como esse também é o entendimento da doutrina majoritária.

Nesse sentido, Alexandre de Moraes (2020) conceitua os direitos sociais da seguinte forma:

Direitos sociais são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal.

Nesse cenário, Canotilho (2018) destaca que, no contexto constitucional, a abrangência dos direitos sociais é ampla, tendo em vista o compromisso da Constituição Federal com a

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justiça social, em seu Preâmbulo, além de ter como um de seus objetivos fundamentais, no art. 3º, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.

O renomado doutrinador cita ainda a estreita relação dos direitos sociais e dos direitos individuais com o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), já que ambos são importantes parcelas de conteúdo e dimensões de tal princípio (CANOTILHO, 2018).

Além do mais, por serem considerados direitos fundamentais, os direitos sociais também se sujeitam à autoaplicabilidade do §1º, art. 5º da CF e podem ser objeto de mandado de injunção11, no caso de omissão do poder público quanto à sua regulamentação, se isso impedir o seu exercício (MORAES, 2020).

Outra consequência importante aplicável aos direitos sociais na condição de direitos fundamentais é o seu enquadramento como cláusulas pétreas, nos termos do art. 60, §4º da CF, o que os protege de reformas constitucionais e de intervenções restritivas do Estado (CANOTILHO, 2018).

Este é também o entendimento de Sarlet et al. (2021), veja-se:

[...] Os direitos fundamentais sociais (estejam eles sediados no Título II da CF, estejam localizados em outras partes do texto constitucional, ou mesmo tenham sido incorporados à Constituição mediante emendas) não podem ser objeto de abolição efetiva ou tendencial, aplicando-se aos direitos sociais também, ressalvadas eventuais peculiaridades, o sistema constitucional de limites e limites dos limites.

É importante mencionar também que os direitos sociais não se restringem ao rol do art. 6º da CF, abarcando, conforme o §2º, do art. 5º, do texto constitucional, outros dispositivos espalhados pelo seu corpo, ou decorrentes de princípios, ou de tratados internacionais (BRASIL, 1988).

Sendo assim, além da classificação como direito fundamental, no art. 6º da Carta Magna, o âmbito de proteção do direito à educação foi esmiuçado nos arts. 205 a 214 também do texto constitucional. Também são referência em matéria educacional, especialmente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394/1996, e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/1990.

11 Nos termos do art. 5º, LXXI, da CF/1988: “conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.” (BRASIL, 1988).

Referências

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