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EDUCAÇÃO FÍSICA E O LIVRO DIDÁTICO 1

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EDUCAÇÃO FÍSICA E O LIVRO DIDÁTICO1

Fernando Garcez de Melo Graduado em Educação Física / Universidade Federal de Goiás

Resumo: A Educação Física como uma prática pedagógica que trata da cultura corporal de

movimento busca, mediada pelos saberes científicos, formas adequadas de garantir um processo ensino-aprendizagem eficaz. O livro didático poderia contribuir com esse processo? De que forma? Quais seriam essas contribuições? A fim de refletirmos sobre a prática pedagógica e a prática científica na Educação Física estabelecemos essas questões norteadoras que pretendemos lançar luz para novas formas de intervenção e investigação na área.

Sobre Educação (Física)

Uma das discussões que a Educação Física travou em sua história, e que deixou resquícios até hoje, é se ela é uma ciência? Esta dúvida surgiu, principalmente, com o fato dela se constituir enquanto um campo acadêmico. Supõem se então que ela também tem um objeto de estudo e uma metodologia própria, que é preciso ter uma racionalidade própria, para se legitimar e ter autonomia em relação a outros campos científicos.

Esse desejo de ter uma episteme própria não nasce nela mesma, mas das próprias características da sociedade que expande seus princípios como aponta Bracht (1999, p.28): “A chamada Educação Física moderna é filha da modernidade. Isso significa que ela surge num quadro social em que a racionalidade científica se afirma como a forma correta de ler a realidade [...]”. E naquele momento histórico, nos referindo basicamente as décadas de 60 e 70 do último século, o que ocorria era uma consolidação de outras disciplinas científicas para legitimar nossa área, tais como: fisiologia do exercício, biomecânica do movimento, psicologia do esporte, sociologia do esporte, etc. Fato que ainda não pode ser desconsiderado.

Dessa discussão tentou desenvolver uma ciência própria, que poderia ser a da motricidade humana (SÉRGIO, 1987). Ou desenvolveu-se o pensamento de que a Educação Física se constituiria como uma “prática pedagógica” (BRACHT, 1999) que a caracteriza como prática de intervenção caracterizada pela intenção pedagógica com que trata um conteúdo.

Essa intervenção é sobre o “objeto da Educação Física”, pois se refere “ao ‘saber’ específico de que trata essa prática pedagógica, e não ao objeto de uma prática científica” (idem, p.41). A razão desse entendimento é que os saberes da Educação Física não deveriam se basear apenas com a aplicação do conhecimento de outras ciências sobre o movimento ou de práticas corporais como mencionado anteriormente. Pois se assim fizesse, não sairíamos de uma discussão sobre o corpo e o movimento, sem nunca atingi-los. Sendo assim, o objeto a que se refere é configurado no universo da cultura corporal de movimento. Para esse autor a Educação Física não é uma ciência, mas está interessada na ciência, ou nas explicações/interpretações científicas com o objetivo de fundamentar sua prática pedagógica.

1 Este artigo corresponde à parte de uma pesquisa para realização do trabalho final da especialização em

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Corroborando com essa compreensão de Bracht, Betti (2005, p.188) entende que:

“Na escola, a Educação Física seleciona e problematiza temas da cultura corporal de movimento tendo em vista sua intencionalidade pedagógica (que decorre da escolha por determinados valores), aqui delimitada pela intenção de propiciar aos alunos a apropriação crítica da cultura corporal de movimento, associando organicamente o ‘saber movimentar-se’, o ‘sentir movimentar-se’ e o ‘saber sobre’ esse movimentar-se, constituindo o que Betti (1994) denominou saber orgânico”.

Ao apresentar essa compreensão em que existe um “saber sobre” esse movimentar-se (BETTI, 2005), (BRACHT, 1999), logo surgem as críticas dizendo haver uma dicotomia entre teoria e prática. Bracht (1999), esclarece que, quando a teoria crítica da Educação Física propõe a cultura corporal de movimento como objeto, para além de um “fazer corporal” está implicado um saber sobre o movimentar-se humano que deve ser transmitido ao aluno, e logo surge o “pré-conceito” que está propondo transformar a Educação Física num discurso sobre o movimento, retirando este do centro da ação pedagógica daquela.

Esta crítica é infundada na medida em que não se consegue identificar as especificidades dos diferentes tipos de saberes. Por exemplo, quando se propõe a discutir as práticas corporais no âmbito do lazer. É necessário explicitar como o lazer é constituído no atual modelo de sociedade e assim poder estabelecer discussões com vistas a se apropriar criticamente desse saber que poderá resultar em nova prática desse aluno. Ou seja, que o aluno aprenda a importância do lazer e tenha autonomia para escolher suas práticas corporais na sua comunidade ao invés de se submeter irrefletidamente à moda que está na mídia.

O campo de intervenção

Nesse trabalho, tendo como foco a Educação Física como prática pedagógica e, entendida dessa forma, ela deve permitir aos alunos que estes se apropriem dos saberes relativos à cultura corporal de movimento de forma crítica e criativa. Como não é possível ensinar todo o saber historicamente produzido, no currículo escolar é feito uma seleção e ocultamento de conteúdos. Estes acontecem conforme um Projeto Histórico dotado de intenções pelos sujeitos que o constituíram. É necessário então explicitar qual é esse projeto histórico, demonstrando sua concepção de educação que norteará o processo ensino-aprendizagem.

Compreender a educação é uma forma de compreender o próprio homem, que tem como categoria fundante o trabalho. E o trabalho instaura-se a partir do momento em que seu agente antecipa mentalmente a finalidade da ação (SAVIANI, 2005a). O homem atua sobre a natureza a fim de adaptá-la as suas necessidades. Através do trabalho ele desenvolveu inúmeros instrumentos (materiais ou não) e saberes/conhecimentos que facilitasse ou aprimorasse a sua forma de agir na natureza, donde ele extrai os meios de sua subsistência.

Esses saberes foram transmitidos de homens para homens através da história. Como demonstra Leontiev (1978, p. 272):

“As aquisições do desenvolvimento histórico das aptidões humanas não são simplesmente dadas aos homens nos fenômenos objetivos da cultura material e espiritual que os encarnam, mas são aí apenas postas. Para se apropriar destes resultados, para fazer deles as suas aptidões, (os órgãos da sua

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individualidade), a criança, o ser humano, deve entrar em relação com os fenômenos do mundo circundante através doutros homens, isto é, num processo de comunicação com eles. Assim, a criança aprende a atividade adequada. Pela sua função, este processo é, portanto, um processo de educação”.

Com o desenvolvimento da sociedade e com o acumulo de conhecimentos produzidos foi sendo desenvolvido diferentes trabalhos. Dentre eles o trabalho educativo que “é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens” (SAVIANI, 2005a, p.13).

Pois bem, se os conhecimentos são difundidos entre os homens, os indivíduos da espécie humana assimilam conhecimento nos mais diversos (e até inusitados) lugares. Qualquer lugar serve, a família, a igreja, a televisão, o bar, as festas e a escola. Todos esses ambientes e vários outros educam o ser humano. Mas isso não significa que em todos eles há o trabalho educativo, pois este exige intencionalidade.

Aqui nos vamos tratar então de apenas um desses lugares, a escola. Nela o saber assumi características próprias. É na escola que podemos efetivar o trabalho educativo com todas as características já exposto. O saber escolar caracterizado por ser dosado e seqüenciado afim de que os alunos possam assimilá-lo, constituí a atividade central da escola.

Mas não é qualquer saber que deve ser ensinado na escola. Como diz Saviani (2005a, p.14) “a escola diz respeito ao conhecimento elaborado e não ao conhecimento espontâneo; ao saber sistematizado e não ao saber fragmentado; à cultura erudita e não à cultura popular”. Mas diferente da escola tradicional, que também ensinava o saber sistematizado, porém que perdeu de vista os fins, tornando mecânicos e vazios de sentido os conteúdos que transmitia. A pedagogia revolucionária consiste na superação da crença na autonomia ou na dependência absoluta da educação em face das condições sociais vigentes (SAVIANI, 2006).

Para Duarte (2007, p.16)

“Uma Pedagogia Crítica se fundamenta, necessariamente, em uma teoria crítica sobre a educação, mas nem toda teoria crítica sobre a educação pode gerar uma Pedagogia. Denominamos teorias críticas todas aquelas que, partindo da visão de sociedade atual se estrutura sobre relações de dominação entre grupos e classes sociais, preconizam a necessidade de superação dessa sociedade. Com esse objetivo, essas teorias procuram entender como e com que intensidade a educação (particularmente a escolar) contribui ou não para a reprodução das relações sociais de dominação”.

Agir de modo sistematizado, um dos objetivos da pedagogia crítica, mas que vem esbarrando incessantemente com a realidade. É uma tarefa complexa para os professores, principalmente, porque não depende exclusivamente desses. Para concretizar tal tarefa seria necessário agir, de forma concomitante, em três frentes: com uma política educacional avançada e comprometida com o desenvolvimento de toda população, e em especial com a população de menor renda; uma teoria educacional e uma prática educativa.

Para ocorrer a transformação da realidade social é necessário compreender essa realidade, e quanto melhor você compreende essa realidade melhor os homens terão condições, objetivas e subjetivas, de atuar sobre a realidade. Foi desta forma que o socialismo científico foi desenvolvido. Para Saviani (2005b, p.224):

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“Por esse caminho [pondo em evidência a estrutura interna do capitalismo] foi possível ao socialismo tornar-se científico. Nessa acepção o socialismo, em lugar de ser considerado um ideal a ser conquistado pelo entusiasmo da vontade, pondo em prática planos atraentes, era encarado como produto das leis de desenvolvimento do capitalismo, emergindo como sua negação no processo revolucionário de transição para o comunismo conduzido pelo proletariado”.

Anteriormente, o socialismo utópico, se limitava ao não compreender o funcionamento do capitalismo. Tendo como única ação considerar o capitalismo pura e simplesmente mal, pois não consegui explicá-lo, logo não podia destruí-lo ideologicamente.

Faz-se necessário desenvolver um corpo teórico mediador entre o âmbito dos fundamentos mais gerais (filosófico, histórico) e o âmbito do que - fazer da prática educativa. Como aponta Duarte (2007, p.22):

“Para que o educador possa compreender o indivíduo em sua concreticidade, precisa da mediação de abstrações, pois essa concreticidade não se apresenta ao educador como decorrência imediata do fato de ele estar em contato com o aluno”.

Sendo assim, Duarte tem como ponto de partida filosófico a análise entre objetivação e apropriação. Objetivar é a capacidade do homem de produzir as próprias condições de existência. Como o homem atua sobre a natureza, transformando-a, ao realizar esse processo ele se apropria dela e se objetiva nela. Podemos perceber então, que o próprio homem se modifica ao transformar a natureza, gerando novas necessidades, num constante movimento de superação por incorporação (idem, p. 23).

Ainda de acordo com Duarte, essas duas categorias estão ligadas a outras duas, humanização e alienação. Relação necessária para contextualizar o homem no seu processo histórico. Cabe destacar então que como a sociedade está dividida em classes, o processo de humanização se dará dentro desse contexto.

Para Duarte (2007, p.23) “A humanização avança na medida em que a atividade social e consciente dos homens produz objetivações que tornem possível uma existência humana cada vez mais livre e universal.” A contradição existente é justamente por essa humanização ocorrer em meio a relações sociais de dominação, que por fim, significa dizer que essa humanização não gerará sempre mais liberdade, podendo gerar alienação. Nessa sociedade, o homem tem a sua força de trabalho como um produto que é vendido aos donos dos meios de produção, isto é, alienação.

Dessa forma, fica um nó a ser resolvido. Como demonstra Duarte (2007, p.24):

“Se a apropriação desta ou daquela objetivação terá, na formação do indivíduo, uma função primordialmente humanizadora ou alienadora, é uma questão que depende de um complexo e dinâmico conjunto de relações presentes na atividade apropriadora”.

A análise desse complexo é de suma importância para não tomarmos posições apressadas e chegar a conclusões reduzidas e simplistas. Entendo que essas categorias devem ser apropriadas pelos professores de Educação Física na elaboração e sistematização dos seus conteúdos, tanto no ensino infantil, fundamental e médio, como nos cursos superiores.

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Compreender essas categorias contribuirá para que na prática pedagógica possamos atuar com eficácia no processo de ensino-aprendizagem e traçar objetivos adequados.

A contradição entre apropriação/objetivação e humanização/alienação vem causando grande confusão na Educação (Física). Pois, o que houve, foi um certo receio em dizer que o papel do professor era de transmitir o conhecimento ao aluno. Esse receio, com uma certa dose de razão, era devido ao fato das pessoas não quererem se ligar a uma pedagogia tradicional. Fato que concordamos. Mas que ao tentarem fugir da pedagogia tradicional, perdeu-se o foco da educação de transmissão-assimilação do conhecimento. Como assinala Duarte (2007, p. 25): “Se esse caminho é o que também reproduz a alienação, a solução não está em negar que a objetivação e a apropriação sejam humanizadoras, mas sim em superar suas formas alienadas.”

Aqui fica posto o problema a ser solucionado, que é a questão de superar suas formas alienadas. Já não é simples a resolução desse problema, dada sua complexidade e fatores determinantes. Como mostra Gramsci (1991, p. 132):

“A luta contra a velha escola era justa, mas reforma não era uma coisa tão simples como parecia, não se tratava de esquemas programáticos, mas de homens, e não imediatamente dos homens que são professores, mas de todo o complexo social do qual os homens são expressão.”

Desmistificando a realidade do aluno

Já é senso comum na Educação (Física) mencionar que o conteúdo deve ser de acordo com a realidade do aluno. Subtende-se que dessa forma o conteúdo será significativo e que contribuirá para um ensino de qualidade e que estimulará o aluno aos estudos. Entretanto, analisar a realidade não é uma tarefa tão simples como alguns gostariam que fossem. Não basta olhar para o seu aluno ou perguntá-lo sobre seus interesses e necessidades. É preciso uma análise científica.

Para Vasconcellos (2004, p.83):

“Acontece que a realidade não se dá a conhecer diretamente, não se ‘entrega’; o esforço de decifração e interpretação visa a apreender o dinamismo do real já configurado, tendo em vista nele entrar, seja no sentido de usufruir ou de transformar”.

Esta é uma compreensão extremamente importante, pois permitirá nortear a elaboração de textos didático-pedagógicos para serem utilizados nas escolas e na disciplina de Educação Física. Certamente, é possível fazer diferentes leituras sobre essa realidade. Mas não é qualquer leitura que pretendemos realizar. As que aqui fazem têm um compromisso político com a classe menos favorecida da sociedade. Para tanto, buscamos compreender a realidade concreta dos alunos.

Além do mais, em relação aos interesses dominantes na escola. O que na realidade concreta acontece é um descaso das elites pela educação. Como diz Gramsci (apud SAVIANI, 1984, p. 37):

“Não podemos, em sã consciência, afirmar que a burguesia faça uso da escola no sentido de sua dominação de classe; se ela assim o fizesse isso significaria que a classe burguesa tem um programa escolar a ser cumprido

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com energia e retidão; a escola seria uma coisa viva. Isso não acontece: a burguesia, classe que domina o Estado, desinteressa-se da escola, deixa que os burocratas façam dela o que bem entendem, deixa que os ministros da Educação sejam escolhidos ao acaso de interesses políticos, de intrigas, de “conchavos” de partidos e arranjos de gabinetes...”

Essa discussão traz contribuições teóricas, logo gerais, sobre a seleção de conteúdos. Entendo, que a Educação Física deve assumir o desafio de tentar apontar critérios ou mesmo conteúdos com um caráter universal que possam vir a constituir um currículo para a área. Que o conteúdo seja esporte, jogo, luta, ginástica e dança já é bastante comum e aceito. Entretanto, temáticas como: a relação entre mídia e esporte, corpo e estética na sociedade contemporânea, são temas que já possuem uma produção científica mas que não se encontram sistematizados para serem trabalhados com os alunos de ensino fundamental e/ou médio. Será essa tarefa digna da dedicação e tempo dos doutos acadêmicos? Será essa tarefa responsabilidade de cada professor individualmente cumprir?

As várias faces do livro didático

O livro é um objeto que já foi alvo de grandes polêmicas na história da humanidade. Durante o Iluminismo era visto como um dos salvadores da humanidade, nele os homens podiam ter acesso ao conhecimento e desfrutar das maravilhas do mundo. Mas o livro também foi alvo de opositores, como na Inquisição, em que o livro era tido como maligno pois deturpava a natureza “boa” do ser humano, devendo então ser censurado, isto para não dizer quando foi literalmente jogado as chamas.

Antes de adentramos em maiores detalhes das concepções sobre o livro vamos apresentar um conceito provisório. O livro é um objeto que serve para registrar o conhecimento, científico ou não, histórias, mitos, imagens e tudo o mais que se quiser registrar. Neste conceito destacamos apenas seu caráter material. Entretanto, não é preciso muito esforço para perceber as limitações de um conceito assim. Ele não nasce do nada, ele é produzido por um ser humano que teve que se apropriar i) de conhecimento técnico: para fabricar o livro e grafar as letras em suas folhas por exemplo, e ii) de saberes: científicos, cotidianos, etc; apreendidos com outros indivíduos ou com sua relação com a natureza. Esse último que irá compor o conteúdo do livro. Enfim, o homem teve que se apropriar dos saberes sócio-históricos.

Sendo construído historicamente o livro irá registrar intenções, desejos, fatos de um determinado tempo histórico influenciado por uma série de variáveis. Compreender essa construção histórica é necessário, pois não pretendemos compreender o livro em si, mas a complexa teia social e histórica que faz com que o livro seja desta ou daquela forma, com esse ou aquele conteúdo, expressando determinados interesses de classes e grupos ou mesmo o grau de evolução de um determinado campo de conhecimento. Daí o livro ser alvo, ora como um objeto de grande valor, ora como algo depreciativo.

Desta forma, não podemos ficar presos às questões mais aparentes do livro ou a simples descrições. É preciso então buscar desvelar seus significados ocultos, seus pormenores, para não chegarmos a conclusões simplistas que tratam o livro em si como bom ou mal.

Como já mencionado os livros servem para registrar os mais variados tipos de conhecimento e informação. Aqui vamos nos restringir a discutir um caso específico, o livro

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didático. Quer dizer, um livro que busca deixar um determinado conteúdo ou saber assimilável por quem o lê. Mas não por sua simples leitura, e sim mediado por outra pessoa, geralmente o professor. Para Lajolo (1996, p.5):

“Dentre a variedade de livros existentes, todos podem ter – e efetivamente têm – papel importante na escola.

Didático, então, é o livro que vai ser utilizado em aulas e cursos, que provavelmente foi escrito, editado, vendido e comprado, tendo em vista essa utilização escolar e sistemática”.

Percebemos que o livro didático tem dois leitores: o professor e o aluno. Para Munakata (2007), essa é uma característica, pode-se dizer, “estrutural”. A ausência de um daqueles dois leitores pode até mesmo significar que o livro não seja didático. Além do mais esses leitores “[...] mantém entre si certa relação de poder: mesmo que o leitor final seja o aluno, não cabe a este escolher o livro” (MUNAKATA, 2007, p.579).

O conceito apresentado por Lajolo já traz uma concepção ampliada do livro didático e que implica em inúmeras possibilidades de investigação e de indagações. Por exemplo, se o livro vai ser utilizado em aulas implica o caráter “estrutural” e as relações de poder como apontado por Munakata. Um escritor, que mais do que simplesmente registrar fatos, vem assumindo um papel de agente na sociedade (CHOPPIN, 2004). Entendido como uma mercadoria, sofre as influências políticas e econômicas na sua venda e compra, inclusive sua qualidade, objetiva e subjetiva. Poderíamos continuar a lista e apontar outros exemplos, por enquanto nos limitamos a elucidar a variedade de temáticas e a complexidade que é para analisar o livro didático.

Vamos perceber também que o livro didático é um tema acadêmico de baixo prestigio. Como apontado por Batista (2007, p.530):

“[...] embora esses livros tendam a despertar o interesse acalorado de órgãos governamentais, da imprensa e das editoras, assim como de professores do ensino fundamental e médio e de formadores de professores, esse interesse parece não ser compartilhado, permanentemente, pela pesquisa educacional, assim como pela investigação histórica e sociológica sobre o livro brasileiro”.

O baixo prestigio acadêmico não reflete a importância da sua discussão, mesmo para a Educação Física tradicionalmente conhecida por suas atividades práticas, em outras palavras, que exigem correr, andar, pular, gritar, mas também, pensar, comunicar e abstrair. Todas essas atividades práticas são realizadas tendo por referencia um determinado conhecimento.

Esse desprestígio não justifica a pouca atenção dada ao livro didático. Para Batista (2007, p.531) há três motivos que explica esse fato: 1) os livros didáticos são a principal fonte de informação impressa utilizada por parte significativa de alunos e professores brasileiros e que essa utilização intensiva ocorre quanto mais as populações escolares (docentes e discentes) têm menor acesso a bens econômicos e culturais; 2) Dados relativos à produção editorial brasileira vêm indicando que o impresso didático desempenha um papel extremamente importante no quadro mesmo dessa produção mais geral; 3) As investigações têm mostrado que o livro didático e a escola estabelecem relações complexas com o mundo da cultura.

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Por limitação de espaço restringiremos-nos a comentar o primeiro motivo. Pois tendo o livro didático como principal fonte de informação impressa, podemos dizer que o caso da Educação Física é ainda mais alarmante, pois no Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) e Plano Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM) ela não está incluída. Fica a pergunta: quais são as fontes de informação utilizadas pelos professores de Educação Física para ministrarem suas aulas? Zenólia Figueiredo (2004) ao investigar sobre a formação dos acadêmicos de Educação Física destaca que antes mesmo de ingressarem no curso os alunos já tem uma certa compreensão da área e a partir dela traçam seus objetivos. Até aí nenhum problema, no entanto, ela percebe que esses saberes constituídos de suas experiências sociais podem se sobrepor ao saberes curriculares. Segundo Figueiredo (2004, p.92):

“Podemos dizer que essa prática é tão presente e marcante no currículo que, por vezes, os alunos a sobrepõem aos saberes curriculares, disciplinares, etc. De certa forma, isso corrobora a afirmação de Tardif, no sentido de que muitos alunos passam pelo curso de Educação Física sem mudar suas concepções anteriores ao ingresso no curso”.

A justificativa?

“[...] que as especificidades da Educação Física, relacionadas com a representação dos alunos que ingressam no curso, estão muito identificadas com as experiências sociais e sociocorporais construídas nas trajetórias individuais, bem como as influências concretas dessas experiências,[...]” (FIGUEIREDO, 2004, p.109).

Esse problema apontado por Figueiredo não tem uma única resposta e muito menos será simples sua solução. Apenas queremos indicar que uma interpretação possível seria construir novas experiências sociocorporais com os alunos, e que ela deve ocorrer, inclusive, anteriormente ao ingresso ao curso de Educação Física.

Notas finais: novas formas de intervenção e de investigação

A temática “Educação Física e o livro didático” surge a partir do nosso conhecimento sobre a publicação do livro didático público de Educação Física (2006) elaborado pelos professores da rede estadual de educação do Paraná como resultado do Projeto Folhas. É tendo esse material escolar como objeto de estudo que traçamos as reflexões desse trabalho.

Em nossas análises destacamos que a nova forma de intervenção não é simplesmente o uso do livro didático, pois este, mesmo que sendo escasso, já foi utilizado em nossa área. Um exemplo são os cadernos técnico-pedagógicos produzidos durante a ditadura militar. A inovação desse livro do Paraná é o seu objetivo com a educação, resultando em um novo conteúdo e metodologia de ensino, como também uma nova forma de avaliação.

Entendemos que esse material escolar exige novos saberes dos professores, principalmente no que tange a didática. Acreditamos que a discussão sobre a constituição do livro didático e a – sempre conflituosa – discussão sobre o papel e a forma de intervenção da Educação Física é necessária para traçarmos um livro didático adequado às peculiaridades da nossa prática pedagógica, pois não acreditamos que o livro didático seja bom em si.

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Essa “nova” forma de intervenção exigirá novas investigações que deve ser assumida por todos os profissionais da área. Enumeramos algumas: Como o livro didático é usado pelo professor? Como os conteúdos devem ser sistematizados e qual o grau de complexidade em diferentes níveis escolares? Destacamos também que pesquisas relacionadas à política pública para a própria produção desses livros são necessárias, a exemplo do Projeto Folhas desenvolvido no Paraná, entre outras.

Por fim destacamos que, corroborando com Freitag, Costa e Motta (1989, p.103),

“Juntamente com o livro didático, que necessariamente teria de ser um livro universal, de qualidade e durável, deveria ocorrer toda uma reformulação e reorientação do sistema educacional, começando-se pela valorização e qualificação do professor, como agente central do processo educativo, e que contaria com um bom livro didático como simples instrumento de trabalho”.

Na busca por uma Educação (Física) de qualidade devemos reafirmar a formação do professor e a melhoria de todos os aspectos relacionados à educação, só assim será possível estabelecermos planos para a realização de uma educação pública e gratuita de qualidade.

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Referências

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