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DEMOCRACIA VIVA 40 SETEMBRO 2008

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D E M O C R A C I A V I V A

40

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R E S E N H A

Qual a lógica das

políticas de

comunicação no Brasil?

César Ricardo Siqueira Bolaño

Paulus 124 págs.

O livro do pesquisador César Bolaño tem como grande mérito jogar luz sobre a lógica que permeia a definição das políticas públi-cas de comunicação no Brasil nas últimas décadas. Neste momento, em que a socie-dade começa a incorporar o debate sobre a democratização da comunicação por meio de questões como a introdução da TV digital, a criação da TV Brasil e a polêmica em torno da questão da classificação indicativa, o livro não poderia ser mais adequado.

Fruto de um trabalho de pesquisa do Observatório de Economia e Comunicação da Universidade Federal de Sergipe, o livro tem um caráter bem didático e é bem acessível para o público que não acompanha tão de perto os debates acerca das políticas de comunicação.

Para alcançar o objetivo geral – refle-tir sobre o modelo de regulação das comuni-cações –, o autor traça um histórico da legis-lação sobre o tema desde o Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962, até o primeiro governo Lula. A análise é feita com base na perspectiva da economia política do setor das comunicações no país, por meio da observa-ção da estrutura do mercado e das relações de poder. Embora o trabalho seja mais focado na radiodifusão, especialmente no mercado de televisão, ele dá conta de esclarecer o que se passa em todo o macrossetor das comu-nicações. Para isso, não perde de vista, em nenhum momento, o processo de conver-gência tecnológica.

Embora já existisse alguma legisla-ção sobre a radiodifusão desde a década de 1920,1 o primeiro marco legal das

comuni-cações no Brasil foi o Código Brasileiro de Telecomunicações2 (CBT), culminância de um

complexo processo de disputas. A legislação aprovada no Congresso atendia claramente aos interesses do empresariado da comuni-cação e tinha como eixo central a liberdade de atuação da iniciativa privada no setor. À época, a sociedade não estava voltada para o tema, e praticamente a única oposi-ção ao projeto partiu do então presidente João Goulart, que vetou 52 itens do código. Contudo, em um fato histórico, o Congresso derrubou todos os vetos presidenciais.

O autor destaca o fato de que esse pri-meiro marco legal foi elaborado e aprovado sob os cuidados do empresariado do setor, reunido na Associação Brasileira de Emis-sora de Rádio e Televisão (Abert).3 Aquele

mo-mento, portanto, abre espaço para a consoli-dação de um sistema comercial privado de rádio e televisão a partir de concessões pú-blicas. Esse modelo é bem diferente, por exemplo, do que ocorreu na Europa, onde, na maior parte dos países, a televisão foi implan-tada e consolidada por emissoras públicas.

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A ditadura militar fez alguns ajustes na regu-lação do setor, mas, de modo geral, aquela legislação permaneceria em vigor por décadas. O primeiro momento em que se co-meça a debater as bases para um novo mo-delo de regulação do setor é no processo da Assembléia Nacional Constituinte. Esse deba-te foi polarizado por dois blocos: um, influen-ciado pela Federação Nacional dos Jornalis-tas (Fenaj), lutava por maior controle sobre a radiodifusão, com participação direta da sociedade civil; o outro, hegemonizado pela Abert, defendia uma idéia mais liberal, que privilegiava o mercado, com regulação frouxa por parte do Estado. Essa e outras questões fizeram do capítulo sobre a comunicação social o mais polêmico da Constituinte: foi a única área que não encaminhou relatório final à comissão de sistematização.

Depois de árdua negociação, o capí-tulo da Constituição que tratava da comuni-cação social trouxe significativos avanços democráticos, como a criação de um Conselho de Comunicação Social, a proibição do mono-pólio e do oligomono-pólio nos meios de comuni-cação, o estímulo à produção independente e complementaridade dos sistemas privado, estatal e público de comunicação. Mas a pres-são da Abert ainda não havia terminado: a maior partes desses dispositivos não seria implantada por falta de regulação posterior.4

César Bolaño indica que a primeira ruptura significativa com o modelo regula-tório estabelecido no CBT ocorreu durante o processo de reestruturação do setor, efetua-do no governo Fernanefetua-do Henrique Carefetua-doso. Para viabilizar as privatizações das teleco-municações, o governo criou a Lei Geral de Telecomunicações (LGT).5 Naquele

mo-mento, houve a separação da regulação das telecomunicações e da radiodifusão. Esta deveria ser regida por uma Lei Geral da Comunicação Eletrônica de Massa, que, novamente por pressão do empresariado,

jamais se tornou realidade. A radiodifusão permanece, até hoje, regulada pelo Código Brasileiro de Telecomunicações.

Um dos principais motivos da resis-tência da Abert à nova legislação era a pos-sibilidade de criação de um órgão regulador independente. A idéia de criação de uma Agência Nacional do Cinema e do Audiovi-sual voltou a surgir no primeiro governo Lula, mas – imediatamente bombardeada pela mídia – tornou a ser abandonada.

Ao trabalhar com esses – e muitos outros – exemplos do “engessamento” da regulação das comunicações, o autor sina-liza que a posição hegemônica do empre-sariado em nenhum momento foi seriamente abalada. Um mercado caracterizado por enor-me concentração da propriedade dos enor-meios de comunicação está relacionado a um mo-delo de regulação também concentrador.

Os mesmos grupos mantêm a hege-monia da radiodifusão há décadas, por conta de um sistema autoritário e nebuloso de con-cessões, perpetuado graças a interesses polí-ticos regionais e nacionais.

Apesar do balanço negativo, o autor esclarece que a situação não é imutável. Em função de diversos fatores globais – de caráter tecnológico, econômico e social –, está aberta a necessidade de um novo mo-delo de regulação. Os rumos que essa nova regulação tomará ainda dependem da dis-puta entre os atores envolvidos. A possibili-dade de avançar na democratização da co-municação depende da construção de uma nova hegemonia, comprometida com os in-teresses públicos e a diversidade cultural.

Alvaro Neiva

Jornalista, mestrando em Políticas Públicas e Formação Humana na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)

4 Desses, o único implantado foi o Conselho de Comunicação Social; mesmo assim, só foi instaurado em 2002 (ou seja, 14 anos depois de promulgada a Constituição Federal), em uma negociação que permitiu a abertura do mercado brasileiro de radiodifusão ao capital estrangeiro. 5 A Lei Geral de

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Agraristas políticos

brasileiros

Raimundo Santos

Fundação Astrojildo Pereira / IICA / Nead 200 págs.

No atual contexto de celebração do centená-rio de nascimento de Caio Prado Junior e da propalada “crise da esquerda”, resulta por demais oportuna a reflexão proposta no livro de Raimundo Santos, recém-publicado pela Fundação Astrojildo Pereira, em parceria com o Instituto Interamericano de Coopera-ção para Agricultura (IICA) e o Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (Nead). O autor estuda o pensamento social brasileiro relacionado ao nosso mundo rural. Neste momento de “crise da esquer-da”, a interpelação das suas próprias matri-zes, dentre as quais o marxismo político do Partido Comunista Brasileiro (PCB), ganha muita importância. Reconstruir essas e ou-tras raízes constitui o trabalho de Raimundo Santos no Programa de Pós-graduação em

Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).

Originalmente, o termo agrarismo re-mete às organizações dos camponeses (ligas, associações, sindicatos etc.). O autor explora outra acepção de agrarismo, destacando a produção de discursos relativos à transfor-mação do mundo rural com base na ação dos atores sociais. Para isso, ocupa-se de inte-lectuais que produzem textos destinados ao debate político, por ora autores do campo da esquerda comunista.

Anuncia esse ensaio como parte de um trabalho maior, no qual a matriz comunista será comparada a um agrarismo mais con-temporâneo, tendo por referências principais obras de José de Souza Martins, no campo intelectual, e o Movimento dos Trabalha-dores Rurais Sem-Terra (MST), no campo da mediação política.

A primeira parte do livro é dedicada à analise de três comunistas. O primeiro é Caio Prado Junior, nome de relevo na vida intelectual e que, desde o célebre elogio de Antonio Candido, vem sendo reverenciado como um dos intérpretes do Brasil.1 Raimundo

Santos evidencia as reflexões “caiopradia-nas” sobre a questão agrária segundo a sua questão-chave: a valorização do trabalho e o sindicalismo como caminho para a transfor-mação do mundo rural.

Mesmo com restrições, as idéias de Caio Prado seriam adiante utilizadas pelo PCB. Era uma aceitação tácita (e parcial), visível, desde meados da década de 1950, na “tática” de fundar sindicatos rurais como meio para atingir as massas camponesas – diferentemente de Caio Prado, que conferia centralidade estratégica aos assalariados e semi-assalariados e a seus sindicatos.

O segundo autor analisado é Alberto Passos Guimarães, conhecido como protago-nista do debate sobre o tema do feudalismo (ou seus restos) no campo brasileiro, com seu

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R E S E N H A

livro Quatro séculos de latifúndio (1963). Sobre esse ensaio acerca da história do mono-pólio territorial no Brasil, recaiu a fama de equívoco metodológico por visualizar res-quício de algo que não existiu.

Raimundo Santos desloca o foco para outros aspectos dos textos de Alberto Guima-rães mais pertinentes à construção do agra-rismo comunista. Relembra que Guimarães usa o conceito de feudalismo com um sentido instrumental. Raimundo Santos destaca que esse autor também recorria à conceituação de Lenin sobre as vias de evolução do feuda-lismo ao capitafeuda-lismo.

Alberto Passos Guimarães punha seu interesse na “via prussiana”, assim diferen-ciando sua visão das abordagens então domi-nantes no PCB. Conforme Raimundo Santos, em Alberto Passos Guimarães, a associação do feudalismo ao conceito de via prussiana estimularia a busca do caminho brasileiro rumo ao socialismo, naquela época aspirado por grupos comunistas.

Com relação a Ivan Otero Ribeiro, autor de um “agrarismo inconcluso” – inter-rompido por sua morte no acidente aéreo que também vitimou o ministro da Reforma Agrá-ria do governo Sarney, Marcos Freire, e parte da sua equipe –, Raimundo Santos realça o sentido de uma renovação da tradição comu-nista brasileira nesse jovem pesquisador.

O ponto desse ensaísta estaria na inter-pretação da questão agrária com base no reco-nhecimento (ao contrário de Alberto Passos Guimarães) de que a modernização conserva-dora da agricultura realizada pelos militares não cancelava a função da reforma agrária.

Ivan Ribeiro não negava a importân-cia dos grandes setores da agropecuária – nos quais se devia incentivar associativismo de tipo “caiopradiano” – e, ao mesmo tempo, dizia que a redistribuição de terras traria ganhos importantes aos vastos contingentes de pequenos produtores. Em um contexto de lutas por redemocratização – como após a

Anistia de 1979 –, essa perspectiva abria caminho para os tais grupos “camponeses” se incorporarem à vida nacional.

Para a segunda parte do livro, o autor selecionou textos dos próprios agraristas. Assim, de Caio Prado destacou o texto de 1963 sobre o “Estatuto do Trabalhador Rural”. De Alberto Passos Guimarães, o artigo “As três frentes da luta de classes no campo brasileiro” (1960). Para ilustrar a contribuição de Ivan Ribeiro, escolheu “A agricultura e o capita-lismo no Brasil”, publicado em 1975, sob pseudônimo, na revista Études Brésiliennes, editada pelo PCB em Paris.

Por fim, na terceira parte do livro, é reproduzida a Declaração de Março de 1958, com a qual o PCB concluiu os debates sobre o stalinismo, anunciando a chamada “nova política”.

Ao destacar as contribuições de ex-pressivos intelectuais do comunismo brasi-leiro – e considerando a hipótese de que são autores de interpretações da sociedade bra-sileira, cujas heranças são visíveis em nossa esquerda ativista –, refletir sobre seus avan-ços e limites pode facilitar a compreensão de impasses atuais.

Afinal, os debates sobre “políticas pú-blicas para agricultura familiar” deste início de século 21, às vezes, parecem impregnados de idéias semelhantes às “medidas parciais de reforma agrária”, como se dizia nas décadas de 1950 e 1960. Da mesma forma, o fortaleci-mento de uma “via camponesa” parece justifi-car a retomada dos debates sobre “revolução brasileira”, “revolução agrária”, “revolução camponesa” ou “não-camponesa”. Por tudo isso, retornar aos nossos agraristas políticos é uma prioridade.

Cláudio Severino

Referências

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