• Nenhum resultado encontrado

PO(R)ÉTICA PARA AS CIDADES PO/ETIC FOR CITIES

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "PO(R)ÉTICA PARA AS CIDADES PO/ETIC FOR CITIES"

Copied!
5
0
0

Texto

(1)

PO(R)ÉTICA PARA AS CIDADES PO/ETIC FOR CITIES

Cleomar Rocha / UFG

RESUMO

O artigo discute a poética enquanto estratégia para as cidades. Alinha o conceito de cidade, cidadania e cidadão às condições de ética, moral e poética de Aristóteles, concluindo que a poética da sociabilidade é a melhor opção para fazer das cidades espaços inteligentes.

PALAVRAS-CHAVE

Poética; cidade; cidadania; cidades inteligentes.

ABSTRACT

The article discusses poetics as a strategy for cities. It aligns the concept of city, citizenship and citizen to Aristotle's ethical, moral and poetic conditions, concluding that the poetics of sociability is the best option to make cities intelligent spaces.

KEYWORDS

(2)

Inteligências nas cidades

O uso de figuras de linguagens é uma constante na vida moderna (BECHARA, 2009). Entrar na Internet (acessar a Internet), minha Internet caiu (perda da conexão à Internet), Internet das coisas (coisas conectadas à Internet) e cidades inteligentes (inteligências nas cidades), são exemplos de processos metafóricos e metonímicos que, de tanto serem usados, acabam por confundir quem os use. A confusão ocorre pela naturalização do uso, fazendo com que falantes acabem por esquecer a figura de linguagem e endereçar o significado para uma noção denotativa. O fenômeno também ocorre por transposição, quando usamos um termo que indica o sentido do outro, como, por exemplo, quando falamos mouse para nos referirmos ao cursor ou ponteiro. Mouse, aquele objeto físico que seguramos com uma mão e que sincroniza seu movimento do cursor, aquela seta (ou mão ou traço ou barra...) que existe na interface gráfica. Dada a relação de causalidade do movimento entre mouse e cursor, várias pessoas chamam de mouse o que de fato não o é, mas sua representação funcional nas telas, o cursor.

No que diz respeito a cidades inteligentes será preciso, igualmente, reconhecer o princípio metonímico de considerar o conteúdo pelo continente. A cidade, tida como conjunto de edificações e vias, não é nem pode ser, de fato, inteligente. Do mesmo modo que casas e edifícios não o são. O princípio, então, é considerar cidades inteligentes o conjunto de elementos que incluem o cidadão e suas ações, este sim merecedor, ou não, do adjetivo inteligente.

Em situação análoga, o filósofo francês Pierre Lévy (1999) construiu a ideia de uma cultura do ciberespaço, denominada cibercultura, apregoando que um novo "espaço" traria condições para reinventar uma cultura humana, de modo que o surgimento do ciberespaço seria uma oportunidade de inventar uma cultura sem as mazelas já conhecidas das sociedades modernas. Ocorre, contudo, que um espaço não tem cultura. Cultura é algo característico do humano, simplificado nas formas de ser e estar. A cultura é o conjunto de comportamentos, ações e modos de ser que caracterizam as comunidades em determinadas épocas. Deste modo, quando falamos em cultura europeia, referimo-nos ao modo dos europeus e não exatamente em como são as casas, os bosques e as cidades. Quando falamos em cultura medieval, falamos em modos de ser daquela época. De modo correlato, ao falarmos

(3)

ROCHA, Cleomar. Po(r)ética para as cidades, In Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes

a cultura de quem o compõe. Isto, por si, coloca a perspectiva do filósofo em condição indefensável.

Voltando às cidades, ao nos referirmos a cidades inteligentes, queremos acreditar que falamos sobre cidadãos que, inteligentemente, geram um modo articulado de viver nas cidades, zelando por este tipo de sociabilidade e pelo espaço que a compõe - os espaços sociais, públicos, em última instância. Reconhecendo esse princípio ficará mais fácil compreender como cidadãos que não cuidam de sua cidade não poderão viver em uma cidade inteligente. Como atos como jogar lixo em terrenos baldios ou córregos, provocar queimadas, danificar equipamentos públicos ou desrespeitar regras de sociabilidade indicam uma baixa inteligência para a cidade como um todo.

De outro modo, como ações colaborativas, zelo com a cidade e manutenção da ética social são índices para alcançar uma cidade inteligente.

Cidades inteligentes não são conjuntos de aparelhos tecnológicos dispostos em uma cidade, mas sim sistemas de pessoas usando energia, materiais, serviços e financiamentos para alcançarem uma melhoria na qualidade de vida nas cidades. Este fluxo social recebe o adjetivo inteligente pela estratégia das pessoas ao fazerem uso da infraestrutura disponível - inclusive serviços e tecnologias. Ao reduzir o lixo nas vias públicas o cidadão reduz a possibilidade de enchentes por obstrução de bueiros e ainda amplia a possibilidade de realização de coleta seletiva do lixo - os empregos podem ser reduzidos na limpeza das ruas e ampliados na reciclagem dos resíduos urbanos. Ao usarmos as áreas de lazer cuidando do que é público, contribuímos para manutenção e ampliação destas áreas. Este mesmo pensamento vale para toda a infraestrutura e serviços oferecidos em uma cidade e seu uso estratégico dimensiona a inteligência reconhecida como da cidade. Mais que cidades inteligentes, falamos de cidadãos, pessoas inteligentes, vivendo nas cidades. E aqui já não há figura de linguagem.

Poética e cidades

O filósofo grego Aristóteles (1981) definiu a poética como sendo uma estratégia de produção de encanto. Para ele, a poética é um modo de provocar efeitos, a partir do conhecimento e domínio estratégico das várias linguagens. Em seu texto Poética, o

(4)

filósofo exemplificou a poética a partir da estratégia usada no teatro, enquanto modalidade literária. Tragédia e comédia são exemplos tidos no texto aristotélico. Normalmente vinculada à Arte, a poética tem amplitude maior, a ponto de o próprio Aristóteles escrever sobre poética artística, identificando a arte como um campo de atuação da poética, mas não restringindo sua ação nesse campo. Seu texto fundamenta o que até hoje se estuda sobre poética, em um lastro conceitual de profundas marcas nas sociedades desde então.

É também de Aristóteles (1985) a primeira discussão que separa ética da política. Para ele, ética se vincula à ação voluntária e moral do indivíduo, enquanto a política se volta para as questões da pólis, da cidade. Ética é posicionamento individual, enquanto política é um posicionamento comunitário. A ética na política, nesse sentido, seria um posicionamento de moral individual ao se pensar e atuar em prol da cidade, como espaço comunitário, espaço social compartilhado.

Em tempos de turbulência da ética na política, ou da falta de ambos os preceitos aristotélicos no tecido social, parece nos sobrepor a necessidade de pensar a poética voltada para a pólis, para a cidade. Em Aristóteles (1985), a cidade é o berço da civilização e a causa da associação humana. A cidade é um dos principais círculos em que o homem se move, precedendo à família, respondendo a um impulso natural. Dos círculos de relacionamento, a cidade é o responsável pela constituição da sociedade, base de bem-estar social e, consequentemente, individual. Em sendo o humano um ser social, a cidade representa a otimização da espécie, espaço ótimo para sua plenitude evolutiva.

Propor poética para as cidades alinha, desde a Grécia Antiga, embutir a ética e a política, o individual e o comunitário, na produção de encantamentos voltados para a comunidade, para a vida conjunta. Se a ética é pessoal e a política é comunitária, a poética se volta para modos de operar a cidade, suas linguagens e seu alicerce, os cidadãos, na perspectiva de o efeito ser a melhoria da qualidade de vida, da sociabilidade.

Não se crê que a ausência de ética seja um problema da política, mas sim da sociedade. O problema da política é não pensar a comunidade, como deveria. A sociedade padece de falta de ética como princípio da cultura, não como princípio da

(5)

ROCHA, Cleomar. Po(r)ética para as cidades, In Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes

política. Talvez, e apenas talvez, a poética possa ser um belo caminho para ser seguido, justamente por produzir encantamentos, por sensibilizar as pessoas por seus efeitos.

E entre feitos, efeitos e defeitos, a poética para a urbe, que reúne estratégias para cidades melhores, poderia ser alternativa para repensar as experiências de cidadania, assumindo a ética como elemento formador, inclusive da palavra. Poética, por ética nas cidades.

Conclusão

A perspectiva poética, como se verificou, é mais que uma alternativa para a cidade inteligente. A artis intelligentia compõe a base cultural e ética humana, desde o início da civilização, gerando não apenas princípios de uma transcendência na imanência, mas alcançando o alicerce para a própria ideia de sociabilidade.

Pensar cidades inteligentes sem a dimensão da poética e das artes é, sem dúvida, desconhecer o princípio do social, a raiz não apenas dos termos, mas dos conceitos de cidade, cidadania e cidadão.

A poética, como princípio geral, torna-se tão fundante de uma sociabilidade, que figura como condição de afetos, inter-relações e articulações do simbólico, que por si atua como aglutinante do que chamamos humano. A dimensão da artis intelligentia se lastreia para as cidades e a faz repensar seu fundamento, cabendo também a essa instância, a poética, precisar a dimensão de cidade inteligente.

Referências Bibliográficas

ARISTÓTELES. Poética, tradução de Jaime Bruna. São Paulo: Cultrix, 1981.

ARISTÓTELES. Política. Tradução de Mario da Gama Kury. Brasília: Universidade de Brasília, 1985.

BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37a. ed. rev., ampl. e atual. conforme o novo Acordo Ortográfico. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 2009.

LEVY, Pièrre. Cibercultura. Tradução: Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Ed 34, 1999.

Cleomar Rocha

Pós-doutor em Poéticas Interdisciplinares (UFRJ), Estudos Culturais (UFRJ), e em Tecnologias da Inteligência e Design Digital (PUC-SP), doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas (UFBA), Mestre em Arte e Tecnologia da Imagem (UnB). Professor do PPG em Arte e Cultura Visual, FAV / UFG. Coordenador do Media Lab / BR. Artista, Pesquisador do CNPq. Secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação de Aparecida de Goiânia – GO.

Referências

Documentos relacionados

§ único - O Pedido de Compra deverá ser assinado pela Diretoria Financeira quando se tratar de compras até R$ 3.000,00 (três mil reais), com visto de mais um membro

Apesar de haver boa saída para as questões suscitadas por tal teoria, como é apresentado por Zingano, essa solução talvez seria ainda incompleta caso não fosse encontrada a via

• A falta de registro do imóvel no CAR gera multa, impossibilidade de contar Áreas de Preservação Permanente (APP) na Reserva Legal (RL), restrição ao crédito agrícola em 2018

1 7260 EIXO

Deve- se ter em mente, no entanto, que, apesar da grande quantidade de técnicas de obturação que existe hoje, não se atingiu ainda o objetivo para o qual todas foram criadas:

No entanto, maiores lucros com publicidade e um crescimento no uso da plataforma em smartphones e tablets não serão suficientes para o mercado se a maior rede social do mundo

O objetivo do curso foi oportunizar aos participantes, um contato direto com as plantas nativas do Cerrado para identificação de espécies com potencial

O valor da reputação dos pseudônimos é igual a 0,8 devido aos fal- sos positivos do mecanismo auxiliar, que acabam por fazer com que a reputação mesmo dos usuários que enviam