~
FRIEDRICH SCHILLER:
o
SIGNIFICADO ETICO
DA
EOUCACÃO ESTÉTICA
,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAJoão Emiliano Fortaleza de Aquino"
J.lkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAR e n é R e b e lo d e C a stro J r.,
e te v e n a a r te a fo r m a d e
resistên cia à d a n ific a ç ã o d a v id a .
Na reflexão filosófica de Friedrich Schiller
1759-1805), são indissociáveis os problemas
estéti-cos, morais e políticos. No presente artigo,
buscare-os demonstrar como o seu conceito de e d u c a ç ã o
titic a tematiza a unidade dessas três formas de
bjetivação humana, ao mesmo tempo em que
res-zuarda as suas especificidades. Para tanto,
principi-aremos pela exposição das relações entre o ético e o
• lítico, prosseguindo com as suas reflexões sobre
problema ético na modernidade para, finalmente,
entificar como o estético é pensado por Schiller
_ mo a via de mediação para o ético.
o
CONTEÚDO ÉTICO DO POLíTICO
"Não será extemporânea a procura de uma
le-~- ação para o mundo estético quando o moral tem
-:cresse tão mais próximo, quando o espírito da
in-igação filosófica é solicitado urgentemente pe-questões do tempo a ocupar-se da maior de todas obras-de-arte, a construção de uma verdadeira
li--Idade política?" 1 Com este questionamento,
iller pretende a aproximação da arte e da
estéti-os problemas políticestéti-os e sociais da modemidade, o objetivo de demonstrar que elas comparecem
ariamente como am e d ia ç ã o da resolução efetiva
cais problemas, e não simplesmente justificá-Ias
_ te aos carecimentos do seu presente histórico.
resolver na prática o problema político é
ne-I •o caminhar através do estético, pois é pela
bele-_ e se vai à liberdade"2
,eis a sua tese, que encontra
E::;:iruunentoem sua concepção política e moral.
• essor do Departamento de Filosofia da UECE,
Mes-= Mes-= em Filosofia pela UFPB.
E à J c a ç ã o e m D e b a te - F o rta le z a - A n o 17/18·n !!29-3()'31e32d e1995- p. 21-31
Schiller pensa o ideal do homem m o ra l (no
sentido da filosofia prática kantiana), ou o "homem ideal" que a vontade em cada um tem como meta,
como o próprio ideal doE sta d o , compreendido como
a forma o b je tiv a da unidade moral dos homens". A
re a liza ç ã o m o ra l d o h o m e m e ain stitu iç ã o d o E sta d o são
um único processo, para o qual existem duas vias
alternativas de efetivação: ou a o p re ssã o d o ·h o m e m
e x iste n te pelo h o m e m id e a l e dos in d iv íd u o s pelo E
s-ta d o ou, ao contrário, e fo rm a ç ã o humana. Schiller,
optando pela segunda, fala precisamente de um
"tornar-se Estado dos indivíduos", enquanto
apro-ximação progressiva dos homens empíricos do ideal
moral, o que os tornaria conciliados, em sua
exis-tência sensível, não somente com as próprias
exi-gências da razão, mas também e por isso mesmo
-com o Estado.
Essa distinção - que se assenta sobre a com-preensão que Schiller tem do próprio ético - entre a
via d a fo rm a ç ã o e a dao p re ssã o é fundamental para o
conteúdo ético com que ele concebe o político. É
uma distinção que estará ausente de toda concepção
moral que se abstrair do caráter sensível doh o m e m e
do m u n d o no qual ele age". Toda concepção moral
que assim proceder expressará uma compreensão
parcial do homem e se manterá presa ao ponto de vista unilateral da consciência moral (à qual-
enquan-to é apenas u m a das faculdades humanas - só
inte-ressa a vigência incondicional de sua lei). Schiller
reivindica, em contraponto, uma "avaliação antropo-lógica plena", na qual, pelo respeito teórico à
unida-de do c o n te ú d o e da fo rm a , é mantido como
constitutivo do homem o seu "sentimento vivo", a
sua existência mundana determinada pelo tempo. O
que significa, segundo ele, que toda fo rm a ç ã o que
não tome o homem em sua plenitude será
será "imperfeita" se somente alcançar a unidade pela
"negação da multiplicidadc" .
A partir dessa compreensão schilleriana do
ético, portanto, é que toda a questão do político tem
ns formaçãolkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAh u m a n a -formação plena a um só tempo moral e sensível- a sua principal determinação. A
ati-vidade política seria, assim, própria do "artista
pedagogo e político", que - diferentemente do
"artis-ta mecânico" e do "artis"artis-ta da beleza" - tem o próprio
h o m e m como o seu material, não podendo, como os
segundos necessariamente o fazem, imprimir-lhe a
forma por meio da "violência". Esta distinção, ao mesmo tempo em que pensa a atividade política em analogia com a artística, expondo como fundamental do político o movimento de dar fonna à matéria,
de-termina o seu caráter específico pela d im e n sã o p e d a g ó
-g ic a que, necessariamente, ela possui: aqui, a forma
vai à matéria para, em seu próprio interior, formá-Ia.
Deste modo, ap rá x is política, pensada a partir do
modelo da arte (daí porque ele afirme que a constru-ção da liberdade política é uma "obra-de-arte"),
anun-cia na sua especificidade o fim para o qual se conduz:
a constituição de um Estado no qual as particularida-des tendem ao todo na medida em que, nele,
vêem-se refletidas.QPONMLKJIHGFEDCBA" É somente porque o todo serve às partes
que as partes devem submeter-se ao todo", diz
Schiller. E isto deve-se somente ao fato de que,
se-gundo o seu argumento, "o artista político deve
apro-ximar-se da sua [matéria], respeitando-lhe a
peculiaridade e personalidade não apenas
subjetiva-mente, para um efeito enganador dos sentidos, mas
objetivamente, para o seu ser mais íntimo"?
Pensa-do assim, o político, enquanto se dirige à fundação de
uma moral objetiva no Estado, reproduz, no plano
e x te rio r, a relação que a razão deve estabelecer n o s
in-divíduos com a sensibilidade. O to d o , efetivado pelo
Estado, corresponde à u n iv e rsa lid a d e da consciência
moral (e nela se apoia), da mesma forma que a
multiplicidade dos interesses individuais corresponde
aos sentimentos e instintos".
Ao tematizar o problema da in stitu iç ã o do
Es-tado, Schiller se move entre as concepções políticas de Rousseau e de Kant. Como Rousseau, concebe o
Estado realmente existente - produto não da
liber-dade do homem, mas da necessidade - como um
Estado imposto: "O jugo da necessidade para aí o
arremessou, antes que em sua liberdade pudesse
escolher esta situação; a carência aí instaurou a
sim-ples legislação natural, antes que e lepudesse
instaurá-Ia como racional"? . Dada a oposição entre este Estado
existente e a liberdade da "pessoa moral", é
neces-22 EàJcaçáDem Debate· For1aleza·MO 17/18·r t!~1 e 32 de 1995-p.21-31
sário que se contraponha id e a lm e n te -a esse Estado
histórico - um e sta d o n a tu ra l originário. Este estado
natural originário não seria um fa to empírico, mas
uma id é ia da razão, conceito unicamente a partir do
qual poderia ser posta 'com legitimidade a tarefa da
instauração de um novo Estado que realize a
liber-dade, precisamente porque, desde logo, a liberdade
da pessoa moral seria seu fundamento'". Assim,
diz Schiller, "de maneira artificial, ele [o homem]
recupera em sua maturidade sua infância, forma
em idéia um e sta d o n a tu ra l que não lhe é dado na
experiência, mas é posto como necessário pela sua
determinação racional, empresta-se nessa situação
ideal uma finalidade que não conhecera em seu
verdadeiro estado natural, e uma escolha da qual
outrora não seria capaz, e procede então como se
começasse pelo princípio e, por claro saber e
deci-são, trocasse o estatuto da independência pelo
contrato"!". Neste procedimento, o Estado
natu-ral existente perde toda legitimidade: "pois a obra
das forças cegas não possui autoridade ante a qual
a liberdade precise curvar-se, e tudo deve
curvar-se à finalidade última erigida pela razão em sua
personalidade. Deste modo nasce e justifica-se a
tentativa de um povo, emancipado já, de
transfor-mar em Estado moral o seu Estado natural" 12.
Importa observar, no entanto, que, apesar de
uma clara filiação a Rousseau e Kant, Schiller
apre-senta uma tendência a superá-Ios quanto ànatureza
do Estado numa direção muito próxima daquela que será seguida por Hegel. Apesar de trabalhar com
ca-tegorias como e sta d o n a tu ra l e c o n tra to , Schiller as
tomará apenas enquanto servem para pôr o
proble-ma da instituição ainda não realizada do Estado
mo-ral. Este, no entanto, é concebido como entidade
social que em sua gênese e substância determina-se
"por si e para Si"13. Assim determinado, o Estado
moral - do mesmo modo que no pensamento de
Hegel- requer a unidade do subjetivo das
particula-ridades com a objetividade do todo. "Ele [o Estado]
só poderá tomar-se real na medida em que as suas
partes se afinem progressivamente com a idéia do
todo" 14. A explicitação da identidade da realização
moral do homem e da instituição do Estado se
con-clui aqui, na medida em que a afinidade dos
indiví-duos com o Estado é a contrapartida conseqüente
da sua própria educação moral, do seu "tomar-se
Estado", no qual seu particularismo e seus
instin-tos, educados, também se conciliam com a razão.
O Estado natural existente, fundado numa
ediata e não na razão), apesar de se opor ao "ho-QPONMLKJIHGFEDCBA
e m moral", condiz, no entanto, com o "homem
.co . Ora, este "homem físico", preso ainda à sua
tência sensível e que não desenvolveu sua
.dade, segundo argumenta Schiller, é - enquan-lkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ív e l - o homem re a l, ao passo que o homem
ral é apenas p ro b le m á tic o . O problema da
forma-- moral dos indivíduos ganha, assim, uma nova
sidade, levando Schiller a insistir na
concilia-- entre as faculdades humanas - conciliação que,
_ ele, é condição da re a liza ç ã o se n sív e l do d e v e r
- I.Em suma: "Seria preciso separar ... do caráter
- o o arbítrio, e do moral a liberdade - o primeiro
eria concordar com leis, o segundo depender de
_ essões - para citar um terceiro caráter,
aparenta-orno os outros dois, que estabelecesse a ponte
omínio das simples forças para o das leis, e que, -gede impedir a evolução do caráter moral, desse
oralidade invisível o penhor dos sentidos" 15 • O
iro caráter" do homem seria, então, a via
me-ora pela qual os sentimentos fossem educados e
ral pudesse neles encontrar o meio para a sua
I . . - "• • ..••.• • • .•ção no mundo. Aconduta moral só se
efetiva-o mundefetiva-o dos fenômenos ao contar, para isso,
...,o auxílio da própria n a tu ra lid a d e humana.
ão encontramos no pensamento de Kant
. perspectiva da e d u c a ç ã o m o ra l como a via
pró--= . para as transformações políticas 16 • Para Kant,
- transformações - de que deve resultar um
Es-- de Direito mantenedor da lib e rd a d e e x te rio r
-- das mesmas condição de possibilidade
histõri-': '0 desenvolvimento moral dos homens, fim a
realizado na e sp é c ieno percurso de um
indefini-e indefini-envolvimindefini-ento histórico (e nunca no in d iv
í-cuja vida é temporalmente limitada)'? A
tia de que tais reformas ocorram não se deve
__ ~ •..••u., pois, num prévio melhoramento moral da
.e, mas num p la n o o c u lto d a N a tu re za que, a
-,,. de determinadas inclinações naturais do
ho-. cond uzam-no a estruturar sua vida social pela _. ção do Direito.
chiller, ao contrário, não só vai radicar a
pos-~_"'lAde do melhoramento político da
humanida-'" um prévio melhoramento moral, retomando,
a perspectiva rousseauniana expressa na
fi-ole g isla d o r em D o C o n tra to S o c ia i'" , como vai
~::m!I a idéia presente na filosofia kantiana da
his-e quhis-e cada ghis-eração aphis-enas prhis-epara os frutos a
colhidos pela posterior: o melhoramento
mo-- para Schiller, momento e resultado já de um
volvimento pleno das potencialidades
huma-EáJcação em Debate- Fortaleza - Ano 17/18· n! 29-30-31 e 32 de 1995 -p.21·31
nas, a ser perseguido para si por cada geração. O u
-trossim, pensar o processo de reformas políticas .
fundação de um Estado ideal, enquanto
condicio-nado pela educação humana, é, para Schiller da
mesma forma que para Kant (no já mencionado
arti-go sobre Q u e é o e sc la re c im e n to ? ),uma via alternativa à
da revolução: Schiller pretende, segundo diz,
"tor-nar inofensiva a formação do Estado segundo
prin-cípios morais"19 •Mas, diferentemente do que admite
Kant naquele artigo, a formação do homem aqui se
constitui de fronteiras mais amplas. O homem deve
formar-se em totalidade; só assim, desenvolvendo
plenamente sua humanidade, poderá ele fundar um
novo Estado.
2
A DEGRADAÇÃO ÉTICA DA MODERNIDADE
Ora, o tema do h o m e m p le n o , do homem que
tenha desenvolvida ato ta lid a d e de suas dimensões e
potencialidades, surge em Schiller não apenas como
tentativa de resolução filosófica dos problemas que
ele encontra na filosofia prática de Kant, mas -
pen-samos que p rin c ip a lm e n te -da apreensão que tem da
re a lid a d e d e se u te m p o . Dois elementos
histórico-soci-ais estão na base da sua reflexão: os problemas
polí-ticos colocados pela R e v o lu ç ã o F ra n c e sa e a profunda
fra g m e n ta ç ã o d o h o m e m na ordem social burguesa que
emergia.
. Schiller, como toda a sua geração, foi profun-'
damente influenciado pelo desenvolvimento da
Revolução Francesa, partilhando de suas
expectati-vas e de suas frustrações. Particularmente o
desen-volvimento p le b e u da revolução (para utilizarmos uma
expressão de Marx), pela via da radicalização
jacobina, em que a violência revolucionária assumiu
formas extremas, causou-lhe profundas - e
negati-vas - impressõesê". As referências de Schiller à
Re-volução Francesa, por um lado, legitimam-na, na
medida em que vêem nela o despertar de uma
"lon-ga indolência" e a exigência, pelos homens, de "seus
direitos inalienáveis"; por outro lado, o período dó
Terror Revolucionário o levou a se convencer de que
a superação do velho regime (o "Estado Natural")
só poderia se dar verdadeiramente como produto de
urna profunda reforma moral dos homens. Numa cla-ra referência àquele período revolucionário, Schiller afirma: "O edifício do Estado Natural oscila, os seus
possibi-lid a d e fi> ic azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAde entronizar a lei, de honrar
finalmen-te o homem enquanto finalidade própria e fazer da
liberdade o fundamento do vínculo político.
Espe-rança vã! A possibilidade m o ra l está ausente, o
mo-mento generoso não encontra uma estirpe que lhe
seja sensível"!' . Schiller tende, assim, a considerar
os desdobramentos mais radicalizados da revolução
francesa, não a partir das forças e interesses sociais
em disputa, mas a partir de uma perspectiva moral,
compreendendo a violência revolucionária extrema
como expressão de uma d esed u ca çâ o m o ra l dos
indi-víduos. Daí que, à falta da "possibilidade moral", a
derrocada revolucionária da velha ordem
encontrar-se-ia impossibilitada de instituir uma verdadeira
"vida orgânica" - o Estado moral. Assim, frente
àque-la experiência histórica - apreendida a partir do
pon-to de vista moral que caracterizava o seu pensamento
- Schiller conclui pela necessidade da prévia
moralidade para todo ato político legítimo.
A sua reflexão moral, no entanto, não se
sepa-ra dos problemas histórico-sociais concretos. Apesar
de sua rejeição à violência revolucionária a partir de
um ponto de vista moral de origem kantianaê",
Schiller vai pensar o próprio "problema moral" em
conexão com os fenômenos específicos da
sociabili-dade burguesa então emergente. Para ele, o
desen-volvimento moral do homem se vincula intimamente
ao desenvolvimento pleno das faculdades humanas,
projeto que se defronta com a extrema
fragmenta-ção dessas mesmas faculdades no mundo moderno.
Contrapondo-o ao mundo grego23 , Schiller
caracte-riza o mundo moderno como de "dilaceração
interi-or e exteriinteri-or" do homem. Manifesta aqui uma aversão
humanista à d iv isã o b u rg u e sa d o tra b a lh o , na qual o
homem tem atrofiadas suas múltiplas p
oten-cialidades: para ele, com efeito, as "forças da alma"
se encontram agora separadas e opostas,
encaminhan-do-se sempre, em sua parcialidade, para um
desen-v o ldesen-v im e n to unilateral, enquanto as outras
permanecem como "excrescências aleijadas". Nesta
análise, o iniciante d e se n v o lv im e n to té c n ic o da
socie-dade burguesa e ap a rtic u la riza ç ã o d a s c iê n c ia s
mo-dernas são indicados por ele como fenômenos nos
quais a fragmentação do homem se reproduz, em que
a sua atividade se unilateraliza e perde a criatividade.
Por outro lado, a natureza própria da sociedade
civil-burguesa, marcada pelo p a rtic u la rism o , indica-lhe a
d ila cera çã o e x te rio r dos homens, expressão de uma
sociabilidade na qual estes se encontram limitados
não só interior e individualmente, mas também - e
em conseqüência - nas suas relações genéricas: a
24 fdra;ão emlJea:1lI!- FutaJeza - Mo 17/18 - o! 2S-3O-31e 32 de 1995- p. 21-31
"espécie" humana se encontra assim fragmentada,
dissolvida em "infinitas partículas sem vida".
Dila-cerado em suas atividades individuais e sociais, o
homem moderno perdeu aquela totalidade na qual,
antes, podia pensar, sentir e agir inteiro. "Sofrendo
esta dupla pressão, do interior e do exterior, poderia
a humanidade tomar caminho diverso do que
to-mou?", questiona Schiller, respondendo logo
adian-te: "As desvantagens desta posição espiritual não se
limitaram ... ao saber e à criação; estenderam-se
tam-bém ao sentimento e à ação"?".
Não se deve encontrar, no entanto, nesta
des-crição crítica da sociedade moderna, elaborada em
contraposição à antigüidade grega, uma posição de
retomo ao passado ou de rejeição ao desenvolvimento histórico.QPONMLKJIHGFEDCBA"É claro", diz ele, "que não era de esperar
que a organização simples das primeiras repúblicas
sobrevivesse dos primeiros costumes e das relações
primevas'V"; e, ainda, argumentando sobre por que
o modo de vida grego não poderia ter duração,
afir-ma: "Não podia durar porque o entendimento, pelo
acúmulo que até então realizara, era
inevitavelmen-te forçado a separar-se da sensação e da intuição para
aspirar à nitidez do conhecimento .._ . Os gregos ...
caso quisessem prosseguir no sentido de uma
for-mação mais alta deveriam, como nós, abandonar a
totalidade de seu ser e perseguir a verdade por rotas
separadas'V". Schiller pensa, pois, que o momento
historicamente presente de o p o siç õ e sea n ta g o n ism o s,
ainda que negativo, é, sob o ponto de vista do
de-senvolvimento do conhecimento e da cultura, um
momento necessário, mas tra n sitó rio - e que, como
tal, deve ser superado. "Não houve meio de
desdo-brar as múltiplas disposições do homem que não
fos-se a contraposição. Este antagonismo é o grande
instrumento da cultura, mas apenas o instrumento,
pois, enquanto dura, está-se apenas a caminho'V".
Ele admite, portanto, que deste processo de
aprofundamento da divisão do trabalho, de
especia-lização das atividades e mesmo do distanciamento
da razão em relação à sensibilidade tenha resultado
o desenvolvimento - se tomada a humanidade em
seu conjunto - das potencialidades dos homens; se
tomados os indivíduos singulares, no entanto,
tive-mos aqui uma queda. "Embora o mundo todo
ga-nhe... ao formarem-se em separado as forças
humanas, é inegável que os indivíduos atingidos por
esta formação unilateral sofrem como maldição este
destino"Z8 . Schiller, porém, não desconhece o
enor-me avanço espiritual do seu tempo, particularmente
prin-'pios morais práticos, mas tamb~~ quanto ao
de-nvolvimento científico - o que distingue seu modo
e pensar de qualquer posiçãolkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAp a s s a d is ta . Pelo
con-rrãrio, até mesmo reconhece - positivamente - a
"ilus-ção" como a característica de sua época. "Nosso
tempo é ilustrado" 29, diz ele.
Ora, a pretendida conciliação entre a razão e a
sensibilidade, que se apresenta para Schiller como
ndição da efetividade da vontade moral,. e~~
--- a situação social acima descrita -
impossibilita-- ó podendo ser alcançada num proces~o ?elo qual
- agmentação seja superada, as potencialidades se
ce envolvam em conjunto e, então, as faculdades
am se reconciliar. A educação moral, assim,
se-_ resultado de um processo histórico educativo
muito mais amplo, de formação de um novo homem,
. ateralmente desenvolvido. Este modo de
for-mular o problema já é anunciador do que vai se~ a
resolução: afinal, se não pode vir do Estado
exis-- te a formação omnilateral do homem, pois ele está
raiz do que deve ser superado, e o Estado ideal
pode nascer precisamente de u~a humani~ade
- "a, refeita, a'questão toda do político para Schiller
pode ser resolvido neste processo a n te r io r ? e
"for--o plena do homem". Qualquer outra VIa
pare--lhe condenada ao insucesso: "será necessário
- amar extemporânea toda tentativa de uma tal
.ficação do Estado e quimérica toda a esperança
~ a fundada, até que seja superada a dilaceração no
- rior do homem e sua natureza se desenvolva para
- ela mesma, artista e capaz de assegurar realida-QPONMLKJIHGFEDCBA
1 , ' d - "30
-- - criação po ItIca a razao .
Schiller, no entanto, termina por buscar uma
• a que não articula no plano históric?-~~cial a
- idade das faculdades da razão e da sensibilidade,
al havia sido mobilizado para a articulação
inici-• op r o b le m a ; retoma, assim, à formalidade moral
- onde havia partido. Após haver pensado o
pro-ema moral num contexto social mais amplo (a
opo-- razão-sensibilidade pensada enquanto parte da
• ceração interior e exterior do homem", na. qual
-' ;são do trabalho e o particularismo da
socieda-~ civil-burguesa são pensados como fundamentos?,
- abandona esta forma do problema e passa a
arn-- a conciliação dessas faculdades de modo
isola-e suas disola-etisola-erminaçõisola-es sociais. Neste recuo, o
blerna retoma às suas fronteiras morais e é
locado nos termos de uma conciliação estrita
tre a razão e a sensibilidade. É a partir da
concili-- entre estas duas faculdades humanas que o
pro-~cação em Debate· Fortaleza· Ano 17/18· n! 29-30-31 e 32 de 1995- p. 21·31
blema da integridade do homem vai ser pensa o.
Para tanto, Schiller vai se perguntar por um
elemen-to mediador entre as naturezas sensível e racional
do homem, encontrando-o precisamente na a r te .
3
A MEDIAÇÃO ESTÉTICA
Em que sentido, precisamente, a arte viabiliza
e expressa, para Schiller, a unidade da razão e da
sensibilidade no homem?
Tal como ele a compreende, a arte se
consti-tui a partir dos dois impulsos humanos
fundamen-tais: o im p u ls o s e n s ív e l, pelo qual o homem tende a
manifestar sua "naturalidade" na realidade exterior
da matéria e da multiplicidade, e oim p u ls o fo r m a l, o
elemento da razão, pelo qual o homem tende a
sub-meter toda a realidade exterior à unidade finalística
do pensamento, à lei moral.
O caráter sensível do homem funda, a um só
tempo, sua e fe tiv id a d e e s u a fin itu d e . "[C]omo todo o
absoluto necessita a mediação dos limites, toma-se
evidente que toda a aparição da humanidade está
presa ao impulso sensível. Embora seja somente el.e
que desperta e desdobra as disposições da
hurnani-dade, é também ele que torna impossível sua
per-feição":". Daí, precisamente, porque, para SChille:,
o simples domínio da vontade moral sobre a
sensi-bilidade seja incapaz de assegurar a moralidade dos
atos humanos: "cedo ... a natureza subjugada
reafirmalria] seus direitos e exig[iria] realidade dos
objetos, conteúdo para nossos conhecimentos e
fi-n a lid a d e em nossos atos" 32.
Mas, se no impulso sensível o homem
encon-tra seu limite e sua finitude, é o impulso formal que
expressa sua infinitude. A contradição se põe pelo
fato de que esta determinação da infinitude,
enquan-to expressão da ra c io n a lid a d e e a b so lu tid a d e de sua
personalidade livre (o que o torna, portanto, moral),
deve se afirmar invariável frente à existência sensível
- mundana e temporal - do homem. "Por não poder a
pessoa, enq~nto unidade absoluta e indivisível,
e~-tar em contradição consigo mesma, por sermos nos
nós-mesmos em toda a eternidade, aquele impulso
[formal] que visa afirmar a personalidade não pode
exigir nada diverso daquilo que exige por toda a
eter-nidade; decide, portanto, para sempre como decide
.u...u".L. ele parece estabelecer um antagonismo insu-.: -el com o impulso sensível, ao qual deve negar o condição mesma de sua própria afirmação. Se
simplesmente negá-lo, porém, como poderá selkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAre a
li-z a r num mundo que é sensível, histórico e - como
chiller mesmo concebe a sociedade moderna - dila-cerada em múltiplos antagonismos? A contraposição
que assim se manifesta deve ser apenas a p a re n te ,
de-vendo, portanto, haver a possibilidade de conciliação entre os impulsos sensível e formal, o que só pode se dar num terceiro impulso, no qual as determinações dos dois primeiros se medeiem.
A impossibilidade deste impulso mediador
representaria para Schiller a continuidade da
parti-ção humana, pois toda su b m issã o in c o n d ic io n a l, não
mediada, do impulso sensível ao racional - única al-ternativa aceitável que então restaria - é por ele
com-preendida como permanência do homem partido,
u n ifo rm e (no sentido de monodeterminado), mas não
h a rm ô n ic o ; seria, neste caso, o próprio h u m a n o do
homem que estaria ainda negado, e a sua moralidade
seria expressão, não de sua liberdade efetiva, mas
de sua incompletude+". Cabe à c u ltu ra , então,
viabilizar a harmonia entre aqueles dois impulsos,
essas duas naturezas próprias do homem,
produzin-do, assim, a sua existência ética plena" .
Este terceiro impulso mediador dos outros dois
é oim p u lso lú d ic o . Por ele, pode o homem exercer a
moralidade no seu sentir e agir imediatos, pode
re-conhecer na própria natureza a manifestação do es-pírito e pode pensar e querer sem afastar-se de sua
existência "natural". O im p u lso lú d ic o é a
possibili-dade, imanente ao homem, de conciliação do
sensí-vel e do racional, realizando em si um "livre jogo"
das potencialidades humanas.QPONMLKJIHGFEDCBAÉ o "terceiro caráter",
inicialmente solicitado e que se manifesta no que
Schiller denomina d e fo rm a v iv a . Se o impulso
sen-sível tem como conteúdo a v id a (no sentido mais
amplo de natureza, cuja expressão própria é a
sensi-bilidade) e o impulso formal, a determinação
racio-nal (a fo rm a ), o impulso lúdico, por seu lado, unifica
em seu conteúdo estas duas determinações que, no
isolamento, são opostas. A "forma viva", unidade do
universal da razão e o particular da sensibilidade, é
o b e lo " : É precisamente enquanto pode, na unida-de unida-de sua própria natureza a um só tempo sensível e
racional, produzir e experencializar o belo que o
homem pode também - e em conseqüência -
produ-zir e experiencializar sua própria humanidade
ple-na. Diz Schiller: "Pela beleza o homem sensível é
conduzido à forma e ao pensamento; pela beleza o
26 Esb::ação Oebale . For1aIeza. Ano 17/18 . o! zs.3O.31 e 32 de 1995 - p. 21·31
homem espiritual é reconduzido à matéria e
recupe-ra o mundo sensível'P? .
Ora, ab e le za , compreendida como conciliação
do sensível e do racional só pode devir - na esfera
das faculdades humanas - enquanto o sensível e o
racional sejam opostos e, em sua imediatidade,
in-conciliáveis. Logo, a conciliação exige a superação.
Trata-se, portanto, não de uma junção, mas de um
terceiro impulso paralelo aos outros dois opostos - e
esta é a determinação própria do impulso lúdico -,
no qual a oposição se dissolva precisamente enquanto
os pólos não se fazem ali presentes em sua
im e d ia tid a d e e u n ila te r a lid a d e . A relação com o b e lo
permite, a um só tempo, nos afastarmos da
determi-nação sensível imediata num movimento em que a
vontade não se determinou ainda. É urna elevação
supra-sensível, a partir do sensível e na qual o
sensí-vel se conserva, ainda que não mais como elemento
determinante, pois na arte ele já recebeu a forma do
espírito. A experiência com a beleza produz um
es-tado de d e te rm in a lid a d e que não significa a ausência
de determinação, mas a superação da d e te rm in a ç ã o
se n sív e l, o que preserva ao homem a possibilidade
de se auto determinar racionalmente precisamente
porque já não está mais imediatamente
determina-do pela sensibilidade. Tal estado de experiência
es-piritual (sensível e racional ao mesmo tempo) - que
Schiller nomeará dee sta d o e sté tic o -é propiciado pela
"forma viva", a arte, na qual a forma n e g a em a n té m a
matéria. No "estado estético", portanto, o homem:
t)está livre de qualquer determinação sensível
irne-diata, enquanto foi esta - em sua imediatidade -
ne-gada;ir)atravessa um estado de pura determinalidade
(possibilidade de determinação, pois, enquanto n e
-g a d a , foi a determinação sensível m a n tid a ).
No "estado estético", o homem está in d e p e n
-d e n te e a tiv o frente ao sensível, urna vez que o
ne-gou, o ultrapassou. E, tendo-o re tid o , já poderá
m a n ife sta r-se se n siv e lm e n te . Neste processo, oim p u lso
fo rm a l estará também, em sua imediatidade,
nega-do, enquanto saiu de sua pureza e abstração,
encon-trando-se, na experiência estética, com a
sensibilidade; mas estará também mantido, pois o
sensível com o qual se encontra relacionado já não
será mais imediato, masfo rm a d o . O estado estético,
portanto, mobiliza aa tiv id a d e d o p e n sa m e n to e are a
li-d a li-d e li-d o se n sív e l: é, nas palavras de Schiller, um
"es-tado de determinalidade real e efetiva":".
O estado estético - enquanto" re la ç ã o e d u c a tio a
dos indivíduos com a obra de arte - não é, no entanto,
i-diSS0QPONMLKJIHGFEDCBA3 9
• Nele, o homem se depara com a sua
_ .a liberdade de determinação, já que mobiliza
uma única experiência seus impulsos formal e
sen-, - •..não se pondo diante de nenhuma das suas
fa-des isoladas, mas de todas elas em seu conjunto. se Uep'd1'd,'d~~\m,com 'dPO~~\'o\\\u'due ue \.e1 ~"U'd
.dade resgatada e suas faculdades conciliadas. O
UÇ)e~\.é;üco ~en'd, ~~\.m, "Um e~~uo uelkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAlib erd a d e
• m ic a , que teria como resultado precisamente a
edu-~ ão - a espiritualização - dos sentidos. Daí que, por
sibilitar a educação dos sentimentos, a mediação
_ -' rica venha a ser, para Schiller, absolutamente
ne-sãria à realização da vontade moral. "Não existe
eira de fazer racional o homem sensível" , diz ele,
sem rornã-lo, antes, estético?" .
A formação moral, no entanto, possibilitada
experiência estética, está ainda por ser
elecida, pois, em última instância, somente
-- radicar na própria razão em sua autonomia.
tioná-la não é a proposta de Schiller, mas sim
_ ilizã-la. Enquanto objeto da atividade e da
_ ~ tividade humanas livre da fragmentação
inte-- inte-- e exterior que caracteriza o mundo moderno, a
-- expressaria a inteireza do homem, o livre jogo
potencialidades'": nesta medida,
unicamen-- é que serviria aos fins morais, enquanto
-ita a lis a a sensibilidade humana, tomando-a,
as-ócil aos imperativos da razão. A arte, no
entan-aão se reduziria a "efeitos ou intenções imediatos
em moral ou religiosa, ou de qualquer
espé--- mantendo, frente à política e à moral, a sua
ecificidade, Não é por seu conteúdo que a arte
os sentimentos - embora seja com ele que os
::mentos se comuniquem -, mas com a forma. O
údo, enquanto sensível, se comunica apenas com
particulares do homem, enquanto a forma,
= 0 racional, pode lhes dar - através do próprio
sensível da arte e de nossa receptividade em
cão a ela - a universalidade que lhes falta. A
possi-e possi-educativa da arte independe, portanto, do
r - moral ou não - de seu conteúdo.
As especificidades da arte, da moral e da
polí-_ tariam, assim, preservadas, ao mesmo tempo
e indissociadas. A arte, ao educar os sentidos
:..-:.:~nos, capacitã-los-ia a serem vínculos do ato
- que, em sua forma objetiva, é,
necessaria-- . política. "Dar liberdade através da
liberda-eria, para Schiller, "a lei fundamental desse reino
.co]"43. A beleza, ao nos libertar daim ed ia tid a d e o:-· ~-p.l, nos prepara para que - através da liberdade
- - cheguemos à liberdade política.
E ô J c a ç ã o e m D e b a te - F o rta le z a - A n o 1 7 /1 8 - n ! 2 9 · 3 G -3 1 e 3 2 d e 1 9 9 5 - p.2 1 -3 1
NOTAS
Schiller, F.C a r ta s S O M a E d u c a ç ã o E s té tic a d a H u m a n id a
-d e . Trad. Anatol Rosenfeld. São Paulo: EPU, 1991, pago
37. Esta obta. fo\ red\'b\da, \n.\<:.\atm.en.te, em. \.7Q3, sob a
forma de cartas para o príncipe dinamarquês Frederico
Cristiano de Augustenburg, A versão que conhecemos hoje
épIouute õe urna nova e\abora~o kita a partir ue \190. e
que veio a público em 1795, na revista literária A s H o r a s
(dirigida por Schiller e publicada em Iena, entre janeiro
de 1795 e junho de 1798).
2 Idem, pago 39.
3 Apesar de, segundo ele mesmo reivindica, tomar Kant
como ponto de partida para as suas reflexões filosóficas,
Schiller mantém diferenças com o filósofo de Konigsberg.
Na filosofia prática de Kant, o termo o b je tiv oaparece como
sinônimo de universalidade e incondicionalidade da le i
m o r a l, distinto do s u b je tiv o das determinações
particula-res da ação, denominadas dem ó x im o s . Cf. Kant, C r itic a d a
R a z ã o P ra tica . Trad. Artur Morão. Lisboa: edições 70, 1989,
p. 29. Kant divide as leis da liberdade, enquanto leis
mo-rais fundadas na autonomia da razão, em dois tipos: leis
éticas, quando o seu móbil é interior, e leis jurídicas, cujo
móbil é exterior; as primeiras conformam a esfera da
Moralidade e as segundas a da Legalidade. O tipo de
li-berdade específico do Direito, e que constitui o seu
prin-cípio mesmo, é a coexistência dos arbírrios individuais,
segundo uma lei universal da liberdade. Deste modo,
li-berdade exterior é a liberdade jurídica, aquela exercida
pela esfera específica do Direito. Cf. Kant, D o u tr in a d o
D ir e ito . Trad. Edson Bini. São Paulo: Ícone, 1993, pago
22-23 e 46. Schiller, distintamente, tenderá a identificar a
existência e x te r io rda liberdade (no sentido kantiano) como
aquela que é mais propriamente o b je tiv a ; assim, falando
do ideal do homem moral, afirma: "Este homem puro,
que se dá a conhecer com maior ou menor nitidez em
cada sujeito, é representado pelo E s ta d o , a forma mais
objetiva e por assim dizer canônica, na qual a
multi-plicidade dos sujeitos tenta unificar-se". Schiller, op. cit.,
pag.44.
4 O caráter sensível do homem assinala, para Schiller, a
dis-posição humana para a "divindade", entendida aqui
en-quanto "explicitação absoluta da potencialidade (realidade
de todo o possível) e unidade absoluta da aparição
ne-cessidade de todo o real)". É por ser sensível que o
ho-mem pode f1 !a liz a r no mundo - que é, do mesmo modo,
sensível - o que nele, enquanto racional é apenas
potencialidade. Enquanto sensível, portanto é que o
ho-mem é "mundo". Mas, inversamente, seria apenas m u n d o
- "mero conteúdo informe do tempo" - se não fosse,
tam-bém, "espontaneidade do espírito . Schiller, idem, pago
75.
5 A filosofia prática de Kant funda-se numa concepção de
liberdade que se expressa, negativamente, como
indepen-dência da vontade diante de toda a sensibilidade ou
de-terminação exterior; sua forma positiva é autolegislação.
Cf. Kant, F u n d a m m ta [ Õ o d a M e ta j{ s ic a d o s C o s tu m e s . Trad .
Paulo Quinteia Lisboa: Edições 70, pago 90 ss. Nesta
con-cepção, a liberdade é a " r a tio e s s m d t" da lei moral, sendo
-M O P rá tic o ,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBApago 12. SchilIer, sem afastar-se deste ponto
de vista, põe-se aqui o problema da própria educação para
a liberdade, enquanto educação moral. O que significa,
em sua perspectiva, que a dicotomia entre razão e
sensi-bilidade deve ser superada como condição de
possibilida-de da efetivação do ideal moral. Sendo se n sfo e lo modo de
atividade e realização do homem, como também - e em
conseqüência - o é o seu mundo, será necessário que a
própria sensibilidade a tu e no sentido da vontade moral.
Daí a tarefa que o homem deve se pôr: "Para não ser
ape-nas mundo, portanto, é preciso que ele dê forma à
maté-ria. Para não ser apenas forma é preciso que dê realidade
à disposição que traz em si". Schiller, ibidem.
6 Idem, pago 45.
7 Ibidem.
8 O mundo sensível seria, assim, não o simples "mundo
dos fenômenos" exterior à vontade moral, mas -
precisa-mente - o mundo histórico-social dos indivíduos,
marca-do, na modernidade, pelas particularidades que somente
no Estado moral encontrarão sua unidade e
universalida-de objetiva.
9 Idem, pago 40. Rousseau, ao contrapor o Estado de
Natu-reza ao Estado político existente, concebe este último
pre-cisamente como um Estado nascido não da consciência livre
dos indivíduos, mas a partir de determinados interesses
particulares que lograram "seduzir homens grosseiros,
fá-ceis de convencer". Cf. Rousseau, ].-]. "Discurso Sobre a
Origem e os Fundamentos da Desigualdade Entre os
Ho-mens" inO C o n tra to S o c ia l e O u tro s E sc rito s.Trad. de Roland Roque da Silva. São Paulo: Cultrix, pago 188 ss.
10 O termo "Estado Natural" assume dois significados em
Schiller: ora no sentido do E sta d o e x iste n te ,enquanto
fun-dado na força e na necessidade e não na lei e na
liberda-de, ora, como neste momento, no sentido dee sta d o o rig in á rio
que explicita id e a l m e n te a natureza racional e, portanto,
livre da pessoa humana. Aqui, mais uma vez,
manifesta-se a influência tanto de Kant quanto de Rousseau.
Aque-le primeiro sentido - negativo - é apenas indiretamente
(quando opõe on a tu ra l ao ra c io n a l, enquanto oposição da
n a tu r e z a à lib e rd a d e ) influenciado por Kant, para quem,
no entanto, o "Estado de Natureza" tem correntemente
o significado de "ausência de leis", contraposto ao
Esta-do fundaEsta-do numa Constituição Civil. Cf. Kant, I.À P a z
P e rp é tu o . Trad. de Marco Zingano. São Paulo, Porto
Ale-gre: L&PM Editores, 1989, pago 33, rodapé. O segundo
sentido em que o termo em questão aparece em SchilIer
vem de Rousseau, que, aliás, do mesmo modo que
aque-le, ao conceber o E sta d o d e N a tu r e z a como e sta d o o rig in á
-rio , fundamento da natureza livre do homem, não o
concebe como fato histórico. Rousseau assim o afirma
explicitamente quando, ao contrapor o Estado de
Natu-reza ao Estado político existente, diz que se deve
come-çar renunciando a "todos os fatos" e "verdades históricas",
optando "exclusivamente" por conjeturar com
"raciocí-nios hipotéticos e condicionais". Cf. Rousseau, op. cit.,
pago 144-145.
11 Schiller, ibidem. A categoria do "contrato", que decorre
do "estado natural" originário, só pode do mesmo modo
ser compreendida como idéia da razão e não como fato
histórico.
12 Idem, pago 40-41. Rousseau recusa toda legitimidade ao
Estado existente quando não fundado na vontade geral,QPONMLKJIHGFEDCBA
2 8 Eâ x a ç ã o l! I lIlJebaI1e· Hx1aleza -A n o 1 7na -n ! 2 9 -3 0 -3 1 e 3 2 d e 1 9 9 5 -p.2 1 -3 1
posição da qual Schiller parece estar próximo nesta
pas-sagem. Isto não significa, no entanto, que Schiller
assu-ma por esta via uassu-ma posição revolucionária, como logo a
seguir deixa claro na seguinte metáfora: "Quando o
arte-são conserta o mecanismo do relógio, deixa que a corda se
acabe; o mecanismo do relógio vivo que é o Estado,
en-tretanto, precisa ser corrigido enquanto pulsa, as rodas são
trocadas enquanto giram". Idem, pago 42.
13 "O Estado deve ser uma organização que se forma por si
e para si...". Idem, pago 46.
14 Ibidem.
15 Idem, pago 42. Sobre essa questão, Schiller manifesta
as-sim a consciência que tem da relação de seu pensamento
com o de Kant: "Numa filosofia transcendental, em que
é decisivo libertar a forma do conteúdo e separar o
neces-sário do acidental, facilmente nos habituamos a pensar o
material apenas como impecilho e representamo-nos a
sensibilidade em contradição necessária com a razão
jus-tamente por barrar e stecaminho da reflexão. Uma tal
ma-neira de ver está fora do e sp frito do sistema kantiano,
embora possa encontrar-se em sua le tra ". Schiller, Idem,
pag.80.
16 Em Q u eéo e sc ia re d m e n to r; artigo de 1784, Kant defende a
liberdade do "uso público da razão", possibilidade do
es-clarecimento dos indivíduos e condição do
desenvolvi-mento de um liv re c o n se n tim e n to , como via para as reformas
políticas. Parece-nos, no entanto, que esta é uma posição
ocasional que não diz de como em sua filosofia política e
da história o problema está resolvido. Cf. Kant,
"Respuestas a Ia pregunta: Qué es Ilustración?" in: L a
J llIS tra c ió n e n A le m a n h a (organizado por P. Raabe et al.).
Trad. Ernesto Garzón Valdés. Bonn: Hohwacht- Verlag,
1979. Em O C o n flito d o s fa c u ld a d e s - E m trê s se ç õ e s,obra de
1798, referindo-se especificamente ao problema da
edu-cação moral, Kant descarta qualquer possibilidade de que
o melhoramento moral ou político da humanidade
depen-da depen-da educação dada às novas gerações: "Ora, como são
todavia osh o m e n s que devem realizar esta educação,
ho-mens que devem eles mesmos ser educados neste
objeti-vo, só resta - dada a enfermidade da natureza humana e a
contingência dos acontecimentos que favorecem um tal
resultado - depositar a esperança do progresso
unicamen-te na sabedoria do alto (que nomeamos Providência,
quan-do ela não é visível para nós), como condição positiva".
Cf. Kant, LL e C o n flit d e s fa c u lté s - E n tra is se a io n s. Trad. J. Gibelin. Paris: Vrin, 1973, pago 111. Ver, ainda, as indica-ções feitas na nota 17 deste artigo.
17 O desenvolvimento pleno das potencialidades humanas
também é postulado por Kant: "T o d o s o s d isp o siç õ e s n a tu
-ra is d e u m a c ria tu -ra e stâ o d e stin a d o s o u m d ia se d e se n v o lv e r c o m p le ta m e n te e c o n fo rm e u m fim ". Mas este
desenvolvimen-to é possível "apenas na espécie e não no indivíduo", isto
é, em sociedade. "[C]omo somente nela [em sociedade]
o mais alto propósito da natureza, ou seja, o
desenvolvi-mento de todas as suas disposições, pode ser alcançado
pela humanidade, ... assim uma sociedade na qual a lib e
r-d a r-d e so b le is e x te rio re sencontra-se ligada no mais alto grau
a um poder irresistivel, ou seja, uma c o n stillliç ã o c iv il
per-feitamente justa, deve ser a mais elevada tarefa da
natu-reza para a espécie humana, porque a natureza somente
pode alcançar seus outros propósitos relativamente à
zarefa". Somente, portanto, com o estabelecimento do
::>ireito de leis exteriores da liberdade como elemento
ediador da vida interna de cada Estado e entre os
Esta-dos, "a natureza pode desenvolver plenamente, na
hu-manidade, todas as suas disposições". Cf. Kant,lkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAld lia d e
• a H is tô r ia U n iv e r s a l d e u m P o n to d e V is ta C o s m o p o lita .
Tradução Rodrigo Naves et a!., São Paulo: Brasiliense,
, pago 11 ss (trechos citados da I", 2", 5" e 8"
proposi-ções, respectivamente). E ainda, de modo muito claro e
conciso: )ão se deve esperar dela [a moralidade) a
cons-iniição de Estado boa, mas antes, inversamente, da
últi-zna é de se esperar primeiramente a boa formação moral
de um povo .... " Kant, ÀP a z P e r p é tu a , pago 53.
A categoria da v o n ta d e g e r a l que, para Rousseau, é a que
determina a legitimidade do poder político eé a fonte da
:"ei. não implica, no entanto, que o corpo político (o povo)
_ assa sob quaisquer condições manifestá-Ia. A vontade
eral, para Rousseau, seria sempre certa, mas nem
sem-· re o seu sujeito, o corpo político, sabe discerni-la, este
sentido, a vontade geral só o é quando esclareci da. Daí a
• estão: como pode ocorrer tal esclarecimento? Esta
ques-· nos remete, em D o C o n tr a to S o c ia l, à figura do le g is la
-· r . Ele será - ag r o s s o m o d o -aquela individualidade que,
- fundação dos Estados, saiba identificar às consciências
" dividuais de que é conformado o corpo político as
for-as pelfor-as quais possam elfor-as constituir-se como povo. O
•ue caracterizaria a obra do legislador seria, portanto, o
'orço de efetivação do próprio contrato social: educar os " divíduos para a vida civil, na qual a sua independência
zatural é substituída por uma existência determinada por
condição dep a r te do to d o s o c ia l. Trata-se, portanto, de
a tarefa também m o r a l, no sentido do socialmente
ias-"ruído, tal como em Rousseau aparece este termo. Cf.
• ousseau, j.»]. D o C o n tr a to S o c ia l (Os Pensadores). Trad.
ce Lourdes Santos Machado. São Paulo: Nova Cultural,
7, pago 56 ss.
C-o Schiller, op. cit., pago 43. Defendendo o uso público
- razão, Kant argumenta: "Por esta razão, o público pode
· egar só muito lentamente à Ilustração. Mediante uma
revolução pode-se talvez conseguir uma derrocada do
des-_ cismo pessoal e da opressão ansiosa de lucros e de
do-. ação, mas nunca uma reforma do modo de pensar;
vos prejuízos servirão, como os antigos, de cadeias para
_ massa irreflexiva". Kant, "Respuesta a Ia pregunta: Q u é
Ilustración?", op. cit., pago 10.
Iadício de que este fenômeno não foi apenas pessoal, mas
i uma recepção m a is o u m e n o s generalizada dos
intelec-_ais alemães em relação à ditadura revolucionária dos
binos, pode ser encontrado, por exemplo, na
corres-ndência de Hegel e Schelling daquele período: em uma
z.e suas cartas do segundo semestre de 1794 a Schelling,
::egel indica a condenação e execução de J. B. Carrier,
cio governo jacobino, como um fato que "deixou a
des-certo toda a vileza dos robespierristas". Poucos mes.es
=cpois, em abril de 1795, comenta em outra carta a
- helling a leitura, em A s H o ra s, das C a r ta s S o b r e a E d u
-:;õ o E s té tic a d a H u m a n id a d e , considerando-a uma "obra
_· stra". Neste período, em Berna, Hegel dedicava-se a
s escritos sobre a religião grega e o cristianismo
(pu--,icados postumamente numa coletânea que recebeu o
:::nJo de E s c r ito s te o l6 g ic o s ),cujo c o n te ú d o p o lftic o se mani-QPONMLKJIHGFEDCBA
= s ta nafo r m a d e u m a e d u c a ç ã o r e lig io s a , segundo os
anali-8iJcação em Debate - Fortaleza" Ano 17/18 - ~ 29-J{}.31e 32 de 1995· p. 21-31
sa B. Bourgeois emL a p e n s é e p o litiq u e d e H e g d (Paris, PCr .
1969). Lendo o principal desses textos juvenis de Hegel
"A positividade da religião cristã", podemos concluir que
Hegel via numa religião popular, pública, o elemento
es-piritual capaz de unir a razão prática e o sentimento à
medida mesma que une o divino e o cívico, o indivíduo e
a comunidade; esta a diferença entre a religião popular
grega e a religião privada cristâ. Cf. Hegel, E s c r ito s d e
[uoentud. Trad. Zoltán Szankay et alo México, DF: Fondo
de Cultura Económica, 1984, pago 50 ss.
21 Schiller, op. cit., pago 47. Esse pessimismo político de
Schiller, quanto às possibilidades da efeóvação da
liber-dade e da regeneração do Estado em seu tempo, radica na
sua apreensão crítica da sociedade moderna em seu todo,
duplamente negadora da integridade humana - seja pelo
"selvagem" império dos sentimentos sobre os princípios,
seja pelo "bárbaro" e destruidor domínio dos princípios
sobre os sentimentos. "Nas classes baixas e numerosas
aparecem instintos grosseiros e sem lei, que pela
dissolu-ção da ordem cívica se libertam e procuram, com furor
indomável, sua satisfação animal. (...) Do outro lado, as
classes civilizadas nos dão o espetáculo mais repugnante
da languidez e depravação do caráter, mais revoltante por
ter sua fonte na própria cultura. (...) O espírito do tempo
oscila, assim, entre a afetação e a grosseria, entre
desnaturado e meramente natural, entre superstição e
descrença moral; é apenas o equilíbrio do mal que ainda
lhe estabelece os limites". Idem, pago 46 e 48.
22 Para G. Lukács, esta rejeição não teria origem apenas no
modo de pensar filosófico, mas expressaria o próprio
atra-so econômico-atra-social da Alemanha de então, na qual
aque-las forças e interesses sociais, cujo conflito está na base
daquela violência, não estavam amadurecidos. Cf. Lukács,
G. G o e t/r ey S u É p o c a (Obras Completas, t. VI). Trad.
Ma-nuel Sacristán. Barcelona-México, DF: Ediciones Grijalbo,
S.A., 1968.É preciso observar, no entanto, que não há em
· Schiller uma rejeição to u t c o u r t à violência. Em um artigo
publicado em 1801, ele afirma: " [N)ada há mais indigno
do homem do que sofrer violência, pois a violência o nega.
Quem a exerce sobre nós, não faz nada menos que
con-testar-nos a humanidade. Quem a suporta covardemente,
despoja-se de sua humanidade". Schiller, F. "Acerca do
Sublime" in T e o r ia d a T r a g é d ia . Tradução de Anatol
Rosenfeld. São Paulo: EPU, 1991, pago 49.
23 "A observação mais precisa do caráter do tempo ... irá
es-pantar-nos com respeito ao contraste que há entre a
for-ma atual da hufor-manidade e a passada, especialmente a
grega. (...) Naqueles dias do belo acordar das forças
espi-rituais, os sentidos e o espírito não tinham, com rigor,
domínios separados. ( ...) Por mais alto que a razão
subis-se, arrastava sempre consigo, amorosa, a matéria, e por
finas e nítidas que fossem as suas distinções, nada ela
mutilava". Schiller, C a r ta s S o b r e a E d u c a ç ã o E s té tic a d a
H u m a n id a d e , pago 50-51. Esta contraposição da sociedade
grega à sociedade moderna era comum, naquele período,
a toda a camada "progressista" da intelectualidade
ale-mã, como o demonstra o artigo de Hegel, "A positividade
da religião cristã", acima referido. Para Lukács, o ideal
grego expressou naquele momento "o ideal político da
classe burguesa no período em que ela luta por sua
inde-pendência e por conquistar o Estado". Lukács, op. cit.,
24 Schiller, idem, pago 54-55.
25 Idem, pago 52.
26 Idem, pago 55-56. Neste sentido é que, quanto ao ideal
utópico fundado no "modelo" grego, Lukács avalia: "AlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
p o lis antiga se configurou cada vez mais como modelo
político dos revolucionários burgueses, até que essa
evo-lução encontrou sua consumação prática na Revolução
Francesa. Uma consumação que revelou na prática
dras-ticamente a diferença entre a sociedade antiga e a
moder-na, e mostrou tangivelmente que ap o lis antiga e o ideal
do cidadão dessa p o lis não podiam subministrar em
abso-luto nem o conteúdo nem a forma da moderna revolução
burguesa, senão só o disfarce necessário, a ilusão
necessá-ria de seu período heróico". Lukács, op. cit., pago
165-166. O pensamento de Schiller representa, então, quanto
a essa questão, já um reconhecimento da im p o s s ib ilid a d e
histórica do renascimento da cidade antiga a partir
mes-mo do pessimismes-mo face à modernidade, o que o leva a
projetar para ofu tu r o a instauração do Estado de
liberda-de: "O caráter do tempo, portanto, deve primeiramente
reerguer-se de sua funda degradação, furtar-se à cega
vio-lência da natureza, por um lado, e, por outro, regressar à
sua simplicidade, verdade e plenitude - trabalho para mais
de u m século". Schiller, idem, pago 59.
27 Idem, pago 56.
28 Idem, pago 57.
29 Idem, pago 61. Poderíamos, inclusive, reconhecer nessas
suas reflexões uma forma embrionária de uma filosofia da
história, de caráter dialético e progressivo, onde a
totali-dade imediata da antigüidade é quebrada por um
proces-so marcado pelo a n ta g o n is m o e a c o n tra p o siç â o , processo
que, no entanto, comparece como a mediação necessária
de uma nova totalidade na qual as particularidades se
encontrem desenvolvidas e articuladas. Como sabemos, a
distinção que Hegel fará entre a antigüidade clássica e a
modernidade será exatamente essa. Cf. Hegel, P r in a p io s
d a F ilo s o fia d o D ir e ito . Trad. Orlando Vitorino. Lisboa:
Guimarães Editores, 1990, § 185, nota, pago 181-182.
30 Schiller, idem, pago 58.
31 Idem, pago 77.
32 Ibidem, itálicos nossos. Está claro que, neste caso,
"fina-lidade" indica, não osfin s morais da razão, mas c o n te ú d o
m a te r ia l- que a razão, em sua autonomia e parcialidade, é
incapaz de derivar a partir de si, tendo, portanto, que
encontrá-Ia no mundo sensível.
33 Idem, pago 78.
34 "Por louváveis que sejam nossos princípios, não
podere-mos ser razoáveis, bondosos e humanos se faltar a
facul-dade de aprender fiel e verazmente a natureza do outro,
se faltar a força de nos empenharmos 'em situações
estra-nhas, de tornarmos nosso o sentimento alheio. Esta
facul-dade, porém, será sufocada na educação que recebemos e
naquela que nos damos na medida mesmo em que
procu-ramos quebrar o vigor das inclinações e fortificar o caráter
dos princípios. (... ) Um homem formado assim está,
evi-dentemente, a coberto de tornar-se crua natureza ou de
aparecer como tal; ao mesmo tempo, entretanto, estará
escudado por princípios contra toda a sensação da
nature-za, impermeável exterior e interiormente a qualquer
hu-manidade". Idem, pago 83.
35 Pode-se reconhecer a influência de tal concepção no
pen-samento de Hegel a partir do que este chama a "segunda
30 EOJ~QPONMLKJIHGFEDCBAe m Debate - Fortaleza - Mo1 7 /1 8 -n!2 9 -3 0 -3 1 e3 2 de1 9 9 5 - p.2 1 -3 1
natureza" do homem, o mundo histórico-social do
Espíri-to, cuja forma objetiva mais desenvolvida é o Estado. Aqui
culminaria um p r o c e s s o h is tó r ic o de e s p ir itu a liz a ç ã o d o s s e n
-tid o s , que resultaria numa interiorização das instituições
e valores éticos do Estado que passam a se manifestar
imediatamente no q u e r e r e no s e n tir individuais sob a
for-ma do lr á b ito . Cf. Hegel, P r in a p io s d a F ilo s o fia d o D ir e ito ,
§ 151, pago 157-158.
36 Nesta concepção do belo está presente, enquanto
con-teúdo sensível, as determinações do próprio mundo
his-tórico e social, determinações que - sob a forma categorial
da "sensibilidade", do "tempo" - SchilJer vinha, em sua
exposição, reivindicando como contraponto à
unilateralidade da consciência moral. Em última
instân-cia, educar moralmente o homem é, ao mesmo tempo,
objetivar no mundo histórico a consciência moral, através
do Estado de liberdade. Hegel, na E s té tic a , considera que
SchilJer - ao compreender a arte como unidade do
univer-sal da razão e a particularidade sensível, portanto, na
uni-dade da fo r m a com seu c o n te ú d o - teria superado a
"subjetividade e a abstração do pensamento kantiano".
Hegel, E s té tic a : a id é ia e o id e a l (Os Pensadores). Trad.
Orlando Vitorino. São Paulo: Nova Cultural, 1991, pago
57. Como sabemos, Kant considerara ob e locomo o objeto
de uma representação s u b je tiv a (ainda que universal) que
diz, não de um conhecimento do objeto mediante o
En-tendimento, mas da sua recepção pelo sujeito,
desprovi-da de todo o interesse. Cf. Kant, C r itic a d a F a c u ld a d e d o
Jutso. Trad. Valério Rohden ,et aI. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1995, pago 47 ss,
37 SchilJer, idem, pago 100.
38 Idem, pago 110. A obra de arte seria, assim, um objeto
que se relacionaria ao mesmo tempo com o conjunto das
faculdades humanas, sem isolar-se numa relação de
privi-légio com nenhuma delas. Neste sentido é que
produzi-ria experiências nas quais razão e sensibilidade sairiam
de suas posições parciais e unilaterais.
39 "A cultura estética, portanto, deixa plenamente
inde-terminados o valor e a dignidade de um homem, na
me-dida em que possam depender dele, e nada se alcançou
além da p o s s ib ilid a d e natural de fazer ele de si mesmo
aquilo que quiser, já que lhe é devolvida completamente
a liberdade de ser o que deve". Idem, pago 112.
40 Idem, pago 119.
41 Naturalmente, Schiller não isenta a arte das contradições
do mundo moderno, tendo plena consciência da relação
de estranhamento entre a sociedade burguesa e a arte: a
"voz [do gosto e da necessidade do século) ... não parece
resultar em favor da Arte", reconhece ele. "O curso dos
acontecimentos deu ao gênio do tempo uma direção que
ameaça afastá-Io mais e mais da Arte ideal. (... ) Hoje ... a
carência impera e curva em seu domínio a humanidade
caída. O proveito é o grande ídolo do tempo; quer ser
ser-vido por todas as forças e cultuado por todos os talentos.
Nesta balança grosseira o mérito espiritual da Arte não
pesa, e ela, roubada de todo estímulo, desaparece do
rui-doso mercado do século". Idem, pago 37-38. A alternativa
que Schiller encontra na arte àdilaceração das atividades
e relações humanas na modernidade teria, então, o
cará-ter de r e s is tê n c ia e representaria um d e v e r m o r a l (daí que
ele fale em "Arte id e a r , como conceito da razão). Sem
entre Schiller e Hegel, observem-se, no entanto, as
dife-renças que aqui se manifestam entre eles. Hegel, nalkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAE s te
-r ic o ,considerará a arte como "coisa do passado", enquanto
incapaz de expressar do melhor modo a verdade do
mun-do moderno (que, diferentemente da antigüidade, teria
sua expressão apropriada na Filosofia). Em Schiller, o
re-conhecimento da relação de estranheza entre o tempo
presente e a arte conduz à postulação da "Arte ideal" como
v ia da recuperação - em nível superior - da integridade
humana perdida; em Hegel, ao contrário, há a admissão
da irrecuperabilidade da própria arte (enquanto
expres-são ótima do Absoluto), já que na modernidade se
perde-ra definitivamente aim e d ia tid a d e -que na antigüidade fora
o fundamento da arte - da relação do homem com o
mun-do. Cf. Hegel, E s ta ic a : o id é io e o id e a l, pago 18. A base dasQPONMLKJIHGFEDCBA
E d u c a ç ã o e m D e b a te - F o rta J e z a -Ano1 7 /1 8 - n ! 2 9 -3 G -3 1 e 3 2 d e 1 9 9 5 -p.2 1 -3 1
diferenças entre os dois pensadores é a sua posição frenre
à sociedade moderna: enquanto Schiller aponta para o
futuro a realização de um mundo racional (opondo aoser:
social presente od e v e r -s e r da razão), Hegel concebe o
pró-prio mundo moderno - com suas oposições e
antagonis-mos - como racional. Para Lukãcs, é esta concepção
segundo a qual "o tempo presente é um reino da razão
que distingue a posição de Hegel frente ao debate
filosó-fico de sua época. Cf. Lukács, G. O n to lo g ia d o S e r S o c io !:
A F a ls o e o V e r d a d e ir o O n to lo g ia d e H e g e l. Trad. C. ~.
Coutinho. São Paulo: Livraria Editora Ciências
Huma-nas, 1979, pago 9 ss,
42 Schiller, C o r ta s S o b r e o E d u c a ç ã o E sté tic a d o H u m a n id a d e ,
pago 113.