• Nenhum resultado encontrado

Entre a razão e os sentidos, a prescrição e a experiência: Friedrich Schiller e as de uma educação alimentar estética

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "Entre a razão e os sentidos, a prescrição e a experiência: Friedrich Schiller e as de uma educação alimentar estética"

Copied!
251
0
0

Texto

(1)

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

CURSO DE DOUTORADO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA

CLÁUDIA SALES DE ALCÂNTARA

Entre a razão e os sentidos, a prescrição e a experiência:

Friedrich Schiller e as possibilidades de uma educação alimentar estética.

(2)

Entre a razão e os sentidos, a prescrição e a experiência:

Friedrich Schiller e as possibilidades de uma educação alimentar estética.

Tese de doutorado submetido a defesa junto à Linha de Pesquisa Educação, Currículo e Ensino/ Eixo Temático Currículo do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Ceará – UFC.

Linha de Pesquisa: Educação, Currículo e Ensino Eixo Temático: Currículo

(3)

Cláudia Sales de Alcântara

Aprovada em __________________

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Prof. Dr. José Arimatea Barros Bezerra – UFC

Orientador

________________________________________ Prof.ª Dr.ª Helena de Carvalho Sampaio – UECE

Membro

________________________________________ Prof.ª Dr.ª Maria Socorro Lucena Lima – UECE

Membro

___________________________________________ Prof.ª Dr.ª Bernadete de Souza Porto – UFC

Membro

___________________________________________ Prof. Dr. Pedro Rogério – UFC

(4)

Dedico este trabalho ao meu filho Heitor

(5)

Ao professor doutor José Arimatea Barros Bezerra, pela orientação e amizade no decorrer deste trabalho e tantos outros.

A professora doutora Adriana Camurça Pontes Siqueira pela coorientação deste trabalho. Ao meu marido Geraldo Magela que fez multiplicar o meu tempo.

Aos meus pais, Tânia e Cláudio; irmãos, André, Samuel, Larissa e Artur pelo carinho e incentivo.

Aos professores – em especial a professora Ramona, gestores e alunos da Creche-Escola Tia Lea pela gentil colaboração na pesquisa de campo.

Ao Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da Universidade Federal do Ceará por me proporcionar a realização desse estudo.

Aos grupos de pesquisa AGostoS e GEPEFE, que me acolheu e incentivou a enveredar pelos caminhos da pesquisa.

A todos os amigos que estiveram ao meu lado; em especial minhas comadres professora doutora Maria Socorro Lucena Lima e Ana Lourdes Lucena; e o professor Hermano que me emprestou o forno elétrico portátil para a realização do trabalho de campo.

(6)

Fazer uma tese significa divertir-se, e a tese é como um porco: nada se desperdiça.

(7)

livro de Ziraldo: Almanaque Maluquinho – Julieta no mundo da culinária. Essa proposta pretende fugir dos paradigmas prescritivos e caminhar para um modelo “estético”, que possui fundamento teórico na Filosofia do alemão Friedrich Schiller, especificamente na sua obra Cartas sobre a educação estética do homem, contribuindo para a inserção de uma nova proposta de educação alimentar, sob a óptica da segurança alimentar e nutricional. A pesquisa, fundamentada na tese de que a Estética é uma proposta pedagógica que colabora para uma educação alimentar menos prescritiva e mais significativa na vida das crianças, foi realizada na Creche-Escola Tia Léa, com sete crianças do 5º ano do Ensino Fundamental, onde, por meio de um Laboratório Culinário, desenvolveu-se o que se denominou Educação Alimentar Estética, dando oportunidade as crianças, com suporte na sensibilização promovida com o preparo das receitas contidas no livro Almanaque Maluquinho – Julieta no mundo da culinária, de refletirem esteticamente sobre sua alimentação, colaborando para a formação de sujeitos ativos e que saibam tomar decisões mais saudáveis no seu cotidiano. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, onde se utilizou a metodologia da bricolagem, que possibilitou fazer uso de variados instrumentos e técnicas de coleta e análise de dados, como estudo de caso, entrevista, observação participante, questionários, diário de campo, análise reflexiva e análise de discurso. De modo geral, poder-se-ia dizer que esta tese é uma investigação descritiva, inserida no campo das pesquisas qualitativas e que se desenvolve por meio de um estudo de caso. Nessa caminhada, em busca da educação alimentar estética, dialogou-se com vários autores, tais como Bezerra, Montanari, Carneiro, Vergueiro, Kincheloe, Berry, Pêcheux e Minayo, de modo interdisciplinar, que pesquisam sobre diferentes assuntos, como cultura, alimentação, Filosofia, Semiótica, Artes e Educação, mostrando a complexidade do tema proposto. Percebeu-se que a pesquisa proporcionou sensibilizar o olhar, o contato direto com o alimento, o prazer na hora de fazer e de comer, a possibilidade de experimentar novos alimentos, o prazer de comer junto de quem se gosta, o respeito ao outro e o sentimento de solidariedade, a inserção da ludicidade em um campo do saber marcado pela prescrição, além do aprender a reparar receitas.

(8)

Nutty Almanac - Juliet in the culinary world. This proposal seeks to escape the paradigm and move towards a prescriptive model "aesthetic", which has theoretical foundation in the philosophy of the German Friedrich Schiller, specifically in his book Letters on the Aesthetic Education of Man, contributing to the insertion of a new proposal for food education under the context of food security and nutrition. The research, based on the thesis that the aesthetic is a pedagogical proposal that contributes to an education food less prescriptive and more significant in the lives of children, was held at the Nursery-School Aunt Leah, with seven children in the 5th grade of elementary school, where through a Culinary Lab, developed what was called Aesthetic Education Food giving opportunity children with awareness support promoted in the preparation of the recipes in the book Almanac Nutty - Juliet in the culinary world, to reflect on aesthetically their food, contributing to the formation of active subjects and they know make healthier decisions in their daily lives. This is a qualitative study, which used the methodology of bricolage, which enabled to use various tools and techniques for collecting and analyzing data, as a case study, interview, observation, questionnaires, field diary, reflective analysis and discourse analysis. In general, it may be said that this thesis is a descriptive investigation, entered in the field of qualitative research, which develops through a case study. On this journey, in search of food education aesthetic, dialogued with several authors, such as Bezerra, Montanari, Ram, Vergueiro, Kincheloe, Berry, and Pêcheux MINAYO so interdisciplinary, researching on different subjects such as culture, food, Philosophy, Semiotics, Arts and Education, showing the complexity of the proposed topic. It was felt that the research provided sensitize the look, the direct contact with the food, the pleasure in time to make and eat, the ability to try new foods, the pleasure of eating with whom you love, respect for others and sense of solidarity, inclusion of playfulness in a field of knowledge marked by prescription, in addition to learning how to repair revenues.

(9)

Figura 1: Turma do Pererê ...69

Figura 2: Livro O Menino Maluquinho ...71

Figura 3: Turma do Menino Maluquinho ...72

Figura 4: Estátua do Menino Maluquinho ...72

Figura 5: Xampu do Menino ...73

Figura 6: DVD do Filme do Menino Maluquinho ...73

Figura 7: Livros Turma do Laguinho - Vivendo com Saúde e Supermercado consumo consciente - e Almanaque Maluquinho: Julieta no mundo da culinária ...77

Figura 8: Livros - O livro de dietas do Menino Maluquinho e O livro de receitas do Menino Maluquinho ...78

Figura 9: Cartilhas - Escolha Freguês, Vamos cuidar da merenda escolar e O olho do consumidor ...79

Figura 10: Livros Artes do Maluquinho - Tô com fome! e Ai, que dor de barriga! ...80

Figura 11: Receita retirada do O livro de receitas do Menino Maluquinho ...81

Figura 12: Receita retirada do O livro de "dietas" do Menino Maluquinho ...85

Figura 13: Receita retirado do livro Almanaque maluquinho - Julieta no mundo da culinária ...87

Figura 14: Estrutura da bricolagem ...97

Figura 15: Porta de entrada da bricolagem ...98

Figura 16: O início da complexidade da bricolagem ...99

Figura 17: A borboleta da complexidade ...100

Figura 18: Estrutura da pesquisa e sua complexidade ...103

Figura 19: Almanaque Maluquinho - Julieta no mundo da culinária, pág. 12 ...118

Figura 20: Almanaque Maluquinho - Julieta no mundo da culinária, pág. 13 ...119

Figura 21: Almanaque Maluquinho - Julieta no mundo da culinária, pág. 14 ...120

Figura 22: Almanaque Maluquinho - Julieta no mundo da culinária, pág. 22 ...121

Figura 23: Almanaque Maluquinho - Julieta no mundo da culinária, pág. 23 ...122

Figura 24: Almanaque Maluquinho - Julieta no mundo da culinária, pág. 24 ...123

Figura 25: Almanaque Maluquinho - Julieta no mundo da culinária, pág. 32 ...124

(10)

Figura 30: Almanaque Maluquinho - Julieta no mundo da culinária, pág. 49 ...129

Figura 31: Almanaque Maluquinho - Julieta no mundo da culinária, pág. 57 ...130

Figura 32: Almanaque Maluquinho - Julieta no mundo da culinária, pág. 58 ...131

Figura 33: página retirada do livro Come-Come: pais e filhos na cozinha ...148

Figura 34: Lucas, Raíza e Gabriel fazendo chapéu mestre-cuca ...149

Figura 35: Turma do Laboratório Culinário ...150

Figura 36: Enzo, Cláudia, Matheus, Lucas, Raíza e Gabriel ...150

Figura 37: Chapéus confeccionados na oficina ...151

Figura 38: Pátio da Creche-Escola Tia Lea ...151

Figura 39: Pátio da Creche-Escola Tia Lea ...152

Figura 40: Laboratório Culinário 1 ...154

Figura 41: Laboratório Culinário 1 ...154

Figura 42: Turma fazendo o sanduiche rápido ...155

Figura 43: Enzo e Lucas ...155

Figura 44: Lucas e Gisele ...156

Figura 45: Raíza e Kildare ...156

Figura 46: Matheus e Kildare ...157

Figura 47: Kildare passando maionese ...158

Figura 48: Gisele e Lucas ...159

Figura 49: Finalização do sanduíche rápido ...159

Figura 50: Enzo e seu sanduíche ...160

Figura 51: Finalização do sanduíche rápido ...162

Figura 52: Matheus lavando as mãos ...163

Figura 53: A turma no refeitório ...164

Figura 54: Laboratório Culinário 2 ...165

Figura 55: Gisele e Raíza ...165

Figura 56: Modelando o doce de coco ...167

Figura 57: Modelando o doce de coco ...168

Figura 58: Lucas e Kildare ...168

Figura 59: Enzo modelando o doce de coco ...169

(11)

Figura 64: Lucas se preparando para espremer laranja ...175

Figura 65: Tirando a semente do mamão ...175

Figura 66: Gabriel ...176

Figura 67: Escutando as orientações ...177

Figura 68: Aguardando a vez ...177

Figura 69: Kildare e o mamão ...178

Figura 70: Laboratório Culinário 4 ...180

Figura 71: Matheus, Lucas e Raíza ...180

Figura 72: O agrião ...182

Figura 73: Lucas e Matheus ...183

Figura 74: Misturando o agrião com o atum e a cebolinha ...184

Figura 75: Gisele misturando os ingredientes ...185

Figura 76: Matheus degustando o patê ...185

Figura 77: Kildare ...186

Figura 78: Laboratório Culinário 5 ...187

Figura 79: Laboratório Culinário 5 ...188

Figura 80: Kildare comendo o pão ...189

Figura 81: Raíza colocando a ricota no pão ...190

Figura 82: Enzo fazendo seu barquinho de ricota ...191

Figura 83: A turma toda concentrada ...191

Figura 84: Colocando os barquinhos de ricota no forno ...193

Figura 85: Barquinhos de ricota ...194

Figura 86: Gisele, Raíza, Enzo e Lucas degustando o barquinho de ricota ...195

Figura 87: Laboratório Culinário 6 ...198

Figura 88: Ligando a batedeira ...199

Figura 89: Separando a clara da gema ...199

Figura 90: Claras em neve ...200

Figura 91: Raíza medindo o açúcar ...200

Figura 92: Enzo medindo o fubá ...201

Figura 93: Kildare batendo a massa ...202

(12)

Figura 98: Raíza e Gisele degustando o bolo de fubá ...205

Figura 99: Kildare degustando o bolo de fubá ...206

Figura 100: Enzo degustando o bolo de fubá ...207

Figura 101: Bolo de fubá ...208

Figura 102: Bolo de fubá ...208

Figura 103: A nova sala de aula ...209

Figura 104: Alunos fazendo atividade de classe ...210

Figura 105: Avaliação do Laboratório Culinário ...211

Figura 106: Entrega de certificados - Lucas, Enzo e Matheus ...213

Figura 107: Entrega de certificados - Gisele, Raíza e Kildare ...214

Figura 108: Entrega de certificados – Gabriel ...214

(13)

TRANSPARENCIA 1: COMER É MUITO MAIS DO QUE SE ALIMENTAR ...23

1.1. O gosto: produto sociocultural ...23

1.2. Comida: cultura e identidade ...26

1.3. Paladar, prazer e alimentação ...30

TRANSPARÊNCIA 2: FRIEDRICH SCHILLER E A EDUCAÇÃO ESTÉTICA ...33

2.1 Quem foi Friedrich Schiller ...33

2.2 O que é Estética ...37

2.3 Estética em Schiller: A Educação estética do homem numa série de cartas ..45

TRANSPARÊNCIA 3: COMER COM OS OLHOS, PARA APRECIAR COM A BOCA..53

3.1. Educação Alimentar: da prescrição à estética ...55

3.2 Educação alimentar estética: é possível fazer uma transposição dos conceitos de Friedrich Schiller? ...63

TRANSPARÊNCIA 4: ZIRALDO E OS QUADRINHOS QUE DÃO ÁGUA NA BOCA...68

4.1 Ler é mais importante do que estudar: a contribuição de Ziraldo para a cultura brasileira ...69

4.2. Histórias em quadrinhos: ferramenta pedagógica a serviço da alimentação 74 TRANSPARÊNCIA 5: METODOLOGIA OU METODOLOGIAS? ...90

5.1 A bricolagem: compreender para aplicar ...92

5.2 Percurso metodológico da tese: a bricolagem tecendo com os instrumentos tradicionais de pesquisa ...100

5.2.1 Estudo de caso ...104

5.2.2 Diário de campo ...107

5.2.3 Análise reflexiva ...108

5.2.4 Análise de discurso ...110

TRANSPARÊNCIA 6: ALMANAQUE MALUQUINHO – JULIETA NO MUNDO DA CULINÁRIA: INTERPRETANDO PARA MELHOR USAR ...113

6.1 Análise do discurso: contexto narrativo ...115

(14)

6.3 Análise do discurso: análise das receitas ...132

TRANSPARÊNCIA 7: O LABORATÓRIO CULINÁRIO – A COSTURA DA COLCHA DE RETALHOS ...141

6.1 O laboratório culinário: reflexões do diário de campo ...143

6.1.1 Retalho 1 ...145

6.1.2 Retalho 2 ...151

6.1.3 Retalho 3 ...162

6.1.4 Retalho 4 ...172

6.1.5 Retalho 5 ...179

6.1.6 Retalho 6 ...186

6.1.7 Retalho 7 ...195

6.1.8 Retalho 8 ...209

6.2 O Laboratório Culinário: a costura da colcha ...215

CONSIDERAÇÕES FINAIS? ...218 REFERÊNCIAS

REFERÊNCIAS DE FIGURAS APÊNDICE

(15)

INTRODUÇÃO

Ah, uma das merendeiras me deu boa lição, justamente uma das netas de raizeiros, entendida em curas pelas ervas. Ditou para mim uma receita de chá refrescante, em copo alto, chá simples, de erva cidreira, mas gelado. E acabava assim: “E por cima, uma pétala de rosa branca”. Assanhei logo: “Rosa branca, serve pra que?” “Pra beleza, ora”, respondeu ela com um olhar incrédulo para a minha ignorância.

(HORTA, 2002, p. 114)

Este trabalho de tese exprime uma proposta para a promoção da educação alimentar e nutricional para escolares do Ensino Fundamental, desviando-se dos paradigmas

prescritivos para um modelo que denominamos de “estético”, o qual será mostrado em

detalhes mais adiante. O material utilizado para a proposta foi a literatura produzida pelo escritor e desenhista Ziraldo, especificamente o livro Almanaque Maluquinho: Julieta no Mundo da Culinária. Essa obra é voltada para o campo da alimentação, e não publicada com finalidade escolar, e pode contribuir para a inserção, na escola, da educação alimentar, sob a óptica da segurança alimentar e nutricional, conscientizando as crianças do seu direito a uma alimentação de qualidade e em quantidade suficiente.

A escolha desse tipo de literatura e não outra publicação já voltada especificamente para educação alimentar justifica-se pelo fato de a maioria dos manuais e cartilhas que abordam esse assunto parte do princípio de que somos totalmente ignorantes e incapazes de decidir por nós mesmos o que comer. Com uma suposta boa vontade de querer ajudar, nos roubam o direito de refletir e decidir por nós mesmos, com imperativos sutis que

não nos deixam escolha: “faça isso”, “coma aquilo”, não coma isso”, não faça aquilo”. Por intermédio de um discurso “politicamente correto” tentam padronizar, restringir e ditar os

hábitos de quem os lê. Ao ditar, principalmente às crianças, o que elas devem ou não comer, perdemos uma excelente oportunidade de educá-las para sua autonomia.

(16)

evitando o desperdício, buscando a sua autonomia, a mobilização social e o respeito e a valorização das especificidades culturais (BRASIL, 2008).

Nesse sentido, educação alimentar não é restrição alimentar. Educação pressupõe uma elaboração do conhecimento com base em experiências concretas e significativas, vividas e experimentada pelos sujeitos, ou como nas palavras de Paulo Freire (1996, p. 25)

“ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”. A pessoa que mais se aproximou desse conceito de educação

para a alimentação, levando em conta as limitações de seu tempo (influência da Escola Nova), foi o médico Dante Costa, quando propunha a criação de espaços (hortas, quintais domésticos e granjas, por exemplo), onde as crianças pudessem conviver com os alimentos e de forma lúdica fossem apresentadas a novas possibilidades de superação de misérias alimentares.

É crescente o número de estratégias educativas com o objetivo de inserir no ambiente escolar os preceitos de uma alimentação saudável por meio da adoção de uma dieta equilibrada e o desenvolvimento de cartilhas educativas. A mais recente medida legal veio por intermédio da Lei nº. 11.947, que prevê a inserção da temática da educação alimentar e nutricional nos currículos do Ensino Fundamental e Médio. Essa possui como diretrizes:

I - o emprego da alimentação saudável e adequada, compreendendo o uso de alimentos variados, seguros, que respeitem a cultura, as tradições e os hábitos alimentares saudáveis, contribuindo para o crescimento e o desenvolvimento dos alunos e para a melhoria do rendimento escolar, em conformidade com a sua faixa etária e seu estado de saúde, inclusive dos que necessitam de atenção específica; II - a inclusão da educação alimentar e nutricional no processo de ensino e aprendizagem, que perpassa pelo currículo escolar, abordando o tema alimentação e nutrição e o desenvolvimento de práticas saudáveis de vida, na perspectiva da segurança alimentar e nutricional;

III - a universalidade do atendimento aos alunos matriculados na rede pública de educação básica;

IV - a participação da comunidade no controle social, no acompanhamento das ações realizadas pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios para garantir a oferta da alimentação escolar saudável e adequada;

V - o apoio ao desenvolvimento sustentável, com incentivos para a aquisição de gêneros alimentícios diversificados, produzidos em âmbito local e preferencialmente pela agricultura familiar e pelos empreendedores familiares rurais, priorizando as comunidades tradicionais indígenas e de remanescentes de quilombos;

(17)

Sob pretexto de todas essas inquietações, surge esta pesquisa de doutorado, que fundamentada na tese de que a Estética é uma proposta pedagógica que colabora para uma educação alimentar menos prescritiva e mais significativa na vida das crianças, possui o objetivo de trabalhar educação alimentar com as crianças do Ensino Fundamental, por meio

do que denominamos “educação alimentar estética”. Essa proposta, longe de resolver todos os problemas que envolvem a alimentação infantil, tenta trazer uma colaboração para o debate desse assunto relevante.

Para trabalhar com educação alimentar estética, não ignoramos os princípios da educação alimentar e nutricional, que levam em conta a adequação biológica e social, o tradicional e local, atendendo os princípios da variedade, equilíbrio, moderação e prazer, estimulando o aproveitamento integral do alimento, evitando desperdícios, e tendo como pressuposto “a ampliação e o fomento da autonomia decisória por meio de acesso a informação adequada para a escolha e adoção de práticas de vida saudáveis” (BRASIL, 200κ,

p.8). Esses princípios, no entanto, servem de orientação, de referencial, e nos possibilitam propor novas ideias, outros questionamentos, e desenvolver propostas transponham o que já existe.

Com efeito, o objetivo principal da tese é realizar uma transposição da filosofia de Friedrich Schiller, principalmente o conceito de estética, para o âmbito da educação alimentar e nutricional, de modo a propor uma intervenção pedagógica que una racionalidade e sensibilidade, teoria e prática, resultando em crianças ativas e que saibam tomar decisões mais saudáveis no seu cotidiano. Sobre essa autonomia, promovida pela estética e o sensível, Schiller explica que é ela que move o indivíduo à ação, saindo do seu estado de passividade e tornando-se sujeito ativo. Em suas palavras, “(...) eu ajo porque agi, ou seja, eu quero porque

conheci. Elevo conceitos a ideias e ideias a máximas práticas” (in BARBτSA, 2004, p.43).

Para alcançar esse objetivo, propomos alguns objetivos específicos, a saber:

(18)

 analisar o livro Almanaque Maluquinho: Julieta no mundo da culinária

para perceber se essa obra concorre para elaboração de uma proposta de educação alimentar estética; e

 formular uma proposta pedagógica intervencionista para que se possa observar na prática o conceito de estética aplicado ao campo da educação alimentar.

Nosso referencial teórico é o filósofo Friedrich Schiller, e o seu conceito de estética é central para a proposta aqui expressa. Para Schiller a estética é o meio pelo qual o ser humano pode equilibrar razão e sensibilidade, de modo que nenhum seja mais importante, a fim de esse possa tomar suas decisões com liberdade. A estética promove uma revolução na maneira de pensar, porque percebe que tanto a razão quanto os sentidos são importantes para a elaboração do conhecimento e emancipação humana.

Acreditamos que uma educação alimentar estética pode trazer o equilíbrio necessário entre o que é biológico e o que é cultural, entre a dietética e o prazer de comer e assim ensinar as crianças a se alimentarem com equilíbrio, para que elas adquiram autonomia e liberdade de realizar suas escolhas alimentares, por meio de experiências significativas com o alimento.

Essas experiências ocorrerão pelo que chamamos de “Laboratório Culinário” onde

as crianças terão a oportunidade de manipular insumos, sentir seu cheiro, sabor e sons, fazer receitas deliciosas e nutritivas, para, por fim, degustá-las. Cremos que, ao preparar as receitas, contemplar de forma ativa a transformação do alimento em comida, as crianças adquirirão outro tipo de vínculo com a alimentação, proporcionando uma educação mais significativa em suas vidas.

O material de apoio também tinha que colaborar para que essa autonomia ocorresse. Procurando que tipo de literatura utilizar, mostrou-se inviável a utilização de cartilhas e/ou manuais de alimentação e nutrição infantil. Foi nessa procura que encontramos

uma literatura descomprometida em relação aos “preceitos do bem viver” e que ao mesmo

tempo era bela, bem escrita e convidava as crianças a participarem da história: o livro

(19)

Esse livro de culinária já chama a atenção pelo fato de ser totalmente no formato de história em quadrinhos, distanciando-se dos modelos de livros culinários e de alimentação. As cores, o primor dos desenhos, a fluidez e simplicidade dos diálogos, sem falar no bom humor das histórias, tornam o livro, mais do que atraente, uma literatura de grande potencialidade pedagógica.

Não somente, porém, o formato quadrinístico nos chamou a atenção no livro, uma vez que apreciamos histórias em quadrinhos, mas, também, o modo como autor trabalha comer e prazer, abordando assuntos importantes, como consumismo e desperdício, além de mostrar que a cozinha pode também ser o espaço da criança e que ela pode não apenas ajudar,

mas também preparar pratos deliciosos e saudáveis. σão encontramos nos diálogos “não faça isso”, não coma aquilo”. τ livro não pretende ser um tutorial, mas uma fonte para

divertimento.

Em 2008, durante a pesquisa de mestrado, trabalhamos com um material lúdico, também no formato de histórias em quadrinhos, mas, claramente com uma proposta de cartilha. Eram cinco revistinhas intituladas Emília e a Turma do Sítio na cartilha da nutrição do Programa Fome Zero, que tinham como objetivos educar as crianças do Ensino Fundamental para uma alimentação saudável.

Por trás do colorido e da beleza dos personagens de Monteiro Lobato, contudo, deparamos com um material caricato, com sérios problemas conceituais, que tentava imputar

os preceitos do “bem viver” às crianças por intermédio de imperativos impossíveis de serem

alcançados por elas. Com efeito, não basta ser bonito e lúdico, pois é preciso desnaturalizar o material para perceber os vieses ideológicos ocultos, ou que se mostram de forma sutil, mas que estão presentes.

Para realizar a análise das receitas do livro Julieta no mundo da culinária, contamos com a ajuda da nutricionista e professora do curso de Gastronomia da Universidade Federal do Ceará, Dra. Adriana Camurça Pontes Siqueira, que avaliou as receitas e mensurou

o livro como “bem interessante; por ser todo em quadrinhos, chama a atenção das crianças e as receitas são nutritivas”.

(20)

escola, estava a preocupação de as crianças que fossem ler o livro do Ziraldo se reconhecessem na história. Como a Julieta, o Menino Maluquinho e sua turma são crianças de classe média, que possuem condições de comprar certos luxos e têm acesso a uma alimentação saudável e de qualidade, não fazia sentido levar essa obra para uma escola pública, onde, talvez, houvesse certo desconforto entre a realidade dos personagens e a realidade vividas pelas crianças.

Em segundo lugar, a Casa da Tia Léa possui uma proposta pedagógica construtivista/interacionista que percebe a criança como um ser crítico e participante na realização do seu conhecimento, o que se harmoniza à proposta da tese. E, por fim, há o fato de que eles já desenvolvem um projeto de educação alimentar com as crianças, o que facilitou a ideia de a escola acolher a pesquisa. Muitas investigações são realizadas nas escolas públicas, de sorte que os alunos das escolas privadas também precisam receber as benesses da Academia.

A pesquisa foi realizada com as crianças do quinto ano do Ensino Fundamental, que representam bem a faixa etária dos personagens do livro. Elas participaram do Laboratório Culinário, onde puderam preparar seis receitas. Por intermédio da metodologia da bricolagem, pudemos compreender, semana após semana, o espaço escolar, a vida social e cultural dos sujeitos e o modo como essa experiência colaborou para que os alunos refletissem a respeito de suas escolhas alimentares.

A bricolagem é uma metodologia que rejeita diretrizes e roteiros preexistentes, permitindo que o pesquisador a crie seu processos de investigação, à medida que surgem as demandas da pesquisa. Também permite usar da criatividade, tanto no emprego de materiais, quanto de equipamentos, montando a estrutura da pesquisa conforme o entendimento do pesquisador. Sem dúvida, essa metodologia, ao unir o rigor científico e a espontaneidade criativa do pesquisador, proporciona um estado estético (Schiller) de fazer pesquisa, adequando-se ao nosso referencial teórico.

Dentro das metáforas que a bricolagem utiliza para estruturar uma pesquisa, fizemos uso da metáfora do retroprojetor e das transparências. Nesse sentido, para uma melhor sistematização da tese, a organizamos em sete transparências.

(21)

esse conceito com a cozinha “símbolo da civilização e da cultura” (MτσTAσARI, 200κ, p.

71), mostrando que esse espaço é um verdadeiro laboratório onde podemos realizar qualquer transformação.

Na transparência seguinte, nos apropriamos da reflexão dos filósofos românticos (século XVIII), especificamente de Schiller, que percebeu na estética uma ferramenta pedagógica para a conquista da liberdade do ser humano. Segundo os românticos, uma revolução na maneira de sentir o mundo a nossa volta poderia proporcionar o equilíbrio necessário entre a racionalidade e a sensibilidade, conduzindo o indivíduo a reflexão e a liberdade de expressar-se diante do que sente. Trouxemos o conceito de estética, a fim de promover uma educação alimentar e nutricional ativa e participante.

A terceira transparência tem o objetivo de mostrar uma concisa revisão de literatura no campo da educação alimentar. Realizamos breve histórico sobre a educação alimentar e nutricional no Brasil, buscando destacar as contribuições e os limites de uma educação prescritiva e passiva. Também avaliamos as possibilidades de aplicar a estética de Schiller a esse campo, conceito-chave para nossa proposta didático-pedagógica, a fim de promover uma educação ativa e participante.

A quarta transparência mostra a biografia do quadrinista Ziraldo, que cedeu a esta pesquisa uma entrevista via e-mail (apêndice H; anexo B), e sua contribuição no campo da educação e alimentação infantil, exibindo seus primeiros quadrinhos voltados para a saúde. Mostraremos ainda as histórias em quadrinhos como uma forte ferramenta no campo da educação.

Na transparência seguinte, explicamos nossa escolha metodológica. Definimos melhor o que é trabalhar com a bricolagem, mostramos como o trabalho está estruturado dentro dessa metodologia e descrevemos um pouco sobre cada técnica que a bricolagem nos permitiu usar para coleta e análise dos dados – observação participante, entrevista, questionário, análise do discurso e diário de campo.

(22)

suporte nas diagramações utilizadas por Ziraldo (observamos cinco elementos estruturantes das histórias em quadrinhos: o plano, o formato, o ângulo de visão, os balões e o letreiro), códigos sociais para que o significado que então estava oculto pudesse ser desnaturalizado.

Por fim, a sétima transparência descreve o desenvolvimento do laboratório culinário, onde fizemos uso o livro do quadrinista Ziraldo para trabalhar com as crianças o conceito de estética na educação alimentar, assim como, com amparo nas anotações realizadas no Diário de campo, interpretamos os achados da pesquisa. Como todos os pais autorizaram a participação de seus filhos nesse projeto, assinando o Termo de Consentimento Livre-Esclarecido (apêndice A), expressamos o nome verdadeiro das crianças na coleta e análise dos dados. Vale ainda ressaltar o fato de que os custos do Laboratório Culinário foram supridos por intermédio da bolsa de fomento à pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

(23)

TRANSPARÊNCIA 1: COMER É MUITO MAIS DO QUE SE ALIMENTAR

O homem civilizado come, não apenas porque sente fome, mas porque sente prazer. E este prazer abre caminhos para novos desejos, profissões, objetos de consumo, rituais de agregação, obras literárias e cinematográficas, novas formas de relacionamentos. Os rituais relacionados à comida podem ser encontrados nos momentos mais marcantes da vida em sociedade. (NASCIMENTO, 2007, p. 29).

O ato de alimentar-se é mais complexo do que pensamos. Não está relacionado

unicamente com a vontade de “matar a fome”, muito menos decorre de prescrições médicas

ou ainda de orientações de cunho educativo. O ato de comer extrapola as receitas e recomendações, pois está intimamente relacionado com a cultura e a sociedade. Assim, como falar de educação alimentar sem se reportar às questões culturais, sociais e econômicas que envolvem a ação de comer?

Essa transparência é importante, pois fazemos uma fundamentação teórica a respeito das questões que envolvem a alimentação. Antes de abordar o debate sobre educação alimentar, primeiramente, devemos levar em conta os aspectos do gosto e da comida, para que, somente assim, possa de fato desenvolver uma educação alimentar que consiga ir além da mera prescrição e de recomendações, mas que seja significativa para a vida das pessoas. Uma abordagem antropológica sobre o ato de comer nos possibilita outro olhar sobre as publicações que abordam a alimentação, como é o caso do nosso objeto de partida, o livro

Almanaque Maluquinho: Julieta no mundo da culinária.

1.1. O gosto: produto sociocultural

A comida é um produto sociocultural, elemento fundante da própria cultura, desde a sua produção até o seu preparo e consumo. É por isso que não comemos qualquer comida, nossas escolhas são sempre regidas por critérios culturais, constituindo-se como elemento diferenciador das diversas sociedades. Efetivamente, para nós, comida é sempre cultura. Montanari (2008, p.15) é quem explica:

[...] os valores de base alimentar não se definem em termos de “naturalidade”, mas como resultado e representação de processos culturais que preveem a domesticação, a transformação, a reinterpretação, da natureza. (...) Comida é cultura quando

(24)

fazem as outras espécies de animais), mas ambiciona também criar a própria comida, sobrepondo a atividade de produção à de predação. Comida é cultura quando preparada, porque, uma vez adquiridos os produtos-base da sua alimentação, o homem os transforma mediante o uso do fogo e de uma elaborada tecnologia que se exprime nas práticas da cozinha. Comida é cultura quando

consumida, porque o homem, embora podendo comer de tudo, ou talvez justamente por isso, na verdade não come qualquer coisa, mas escolhe a própria comida, com critérios ligados tanto às dimensões econômicas e nutricionais do gesto quanto aos valores simbólicos de que a própria comida se reveste. Por meio de tais percursos, a comida se apresenta como elemento decisivo da identidade humana e como um dos mais eficazes instrumentos para comunicá-la.

O gosto, por conseguinte, também é um produto cultural, transpondo a subjetividade e o instinto sensorial da língua, sendo assim resultado de uma construção histórica. O que, em alguma época, era aceito como bom, em outra, pode ser visto como algo ruim; ou, ainda, o que é saboroso em uma determinada sociedade pode ser visto com aversão por outra, fazendo com que o gosto mude de acordo com o lugar e a época. Montanari (2008, p. 95) evidencia a ideia de que a

[...] comida não é ‘boa’ ou ‘ruim’ por si só: alguém nos ensinou a reconhecê-la como tal. O órgão do gosto não é somente a língua, mas o cérebro, um órgão culturalmente (e, por isso, historicamente) determinado, por meio do qual se aprendem e transmitem critérios de valoração. Por isso, esses critérios são variáveis no espaço e no tempo.

Assim a formação do gosto vai além das necessidades biológica e nutricional. O alimento representa uma categoria histórica, pois os hábitos e práticas alimentares modificam-se de acordo com a própria dinâmica social. O gosto modificam-se constitui na vida em sociedade, nas atitudes ligadas aos usos, costumes, restrições, condutas e situações.

Assim, o gosto não pode ser percebido como mero sabor, uma experiência individualizada e subjetiva. Deve ser entendido como saber, ou ainda como a apreciação do que agrada ou não, impondo-se entre os diversos sabores, saindo da esfera subjetiva e individual para um contexto objetivo e coletivo, como explica Montanari (2008, p. 96):

(25)

Isso não significa que o sabor e as percepções individuais não tenham papel fundamental na construção do gosto. Quando nos aproximamos de um alimento, nossos

sentidos “falam” com o nosso cérebro, constituindo nossa percepção sobre tal alimento. Dessa

forma, um tipo de comida que não é bem-visto por uma sociedade, pode ser tida como agradável por outra, fugindo assim de um determinismo sociocultural. A respeito da ação dos sentidos sobre o gosto, This e Gagnaire (2010, p. 221 e 222) nos esclarecem:

Afinal, quantas sensações compõem o gosto? Aproximemos um alimento da boca. Em primeiro lugar, tem uma cor que determina a apreciação que fazemos dele. Se nos deixarmos iludir pela diversidade das cores dos alimentos (...) é a prova de que a cor é um componente do gosto. Também a sensação tátil, ao tocar, determina o gosto (...). Depois aproximamos o alimento da boca e percebemos seu odor, que resulta da evaporação das moléculas presentes, inicialmente, nos ingredientes. Quanto mais voláteis forem essas moléculas odoríferas, tanto maior será a possibilidade de estimularem, em grande número, as células receptoras do nariz. (...) O alimento chega, agora, à boca. Algumas de suas moléculas passam para a saliva e, em seguida, ligam-se a outras moléculas, os “receptores” existentes na superfície de células especiais da cavidade bucal. Chamadas sápidas, essas moléculas é que dão a sensação do sabor. (...) Sem esquecer a audição, que intervém, por exemplo, ao comermos alimentos crocantes, e que os sons se propagam pelos ossos até os ouvidos. O conjunto das sensações, sabores e odores, sejam eles mecânicos, proprioceptivos, térmicos... é o gosto, que, percebido fisiologicamente, é interpretado pelo cérebro, que o associa a qualidades, provenientes das experiências individuais ou sociais (lembranças, emoções, aprendizagens, etc.).

O gosto, entretanto, não é apenas uma questão cultural, de sabor e saber, mas é também um produto social, porquanto nem todos possuem o mesmo acesso aos alimentos, ou tiveram as mesmas oportunidades de escolhas, além de existirem outros fatores que merecem a nossa atenção – pois nem sempre os hábitos alimentares correspondem ao gosto das pessoas

– existem questões sociais e econômicas que interferem diretamente na construção do gosto de determinada sociedade. Carneiro (2003, p. 126) ensina que

A história do gosto é uma das facetas de uma história que é a do cotidiano, mas também de profundas estruturas sociais e ideológicas. O sentido gustativo que serve de generalização para o juízo de valor (o “bom gosto”) foi estendido a todos os outros domínios do deleite sensorial e, até mesmo, para a esfera da racionalidade, pois, como já vimos, o termo “saber” deriva do latim sapere, “ter gosto”.

Ainda nesse contexto, Montanari (2008, p. 110) acrescenta, dizendo:

(26)

sua fome nunca saciada. É claro que seus hábitos e, portanto, em última análise seus gostos são determinados pela facilidade de encontrar o produto, por sua capacidade de ser conservado e preparado, por sua capacidade de preencher, afastando a angustiante mordida da fome. (...) se invertermos o ponto de vista social de referência e passamos do contexto da pobreza ao da riqueza, o mecanismo de formação do gosto parece, também ele, inverter-se. Objeto de desejo não é mais o alimento abundante, mas raro; não aquele que enche e faz passar a fome, mas aquele que estimula e convida a comer mais. (...) A antieconomicidade pareceria, portanto, um importante motor no processo de formação do gosto das classes altas, pelo simples motivo de que, como escrevia Isidoro de Servilha (século XII) a propósito do feijão, “tudo que abunda é vil”. [realces do autor]

Sendo o gosto fruto de uma interação sociocultural ele pode passar por aprendizagens, e a escola é um dos locais mais privilegiados para que isso aconteça; não com o objetivo de doutrinar as crianças do que é certo ou errado, ou ainda impor um tipo de gosto ideal, ou nobre, que anule ou se sobreponha às experiências gustativas que elas já possuem e levam para o espaço escolar. A escola pode, entretanto, colaborar para que seus alunos

desenvolvam uma “boca curiosa, pronta a abarcar o mundo, criativa e brincalhona” (HτRTA,

2002, p. 84), disposta a desenvolver novas experiências culturais e saudáveis, sem preconceito e pronta para avaliar as próprias escolhas.

Boog (200κ, p. 1κ) colabora com essa ideia quando revela que “quanto mais

ampliamos as experiências gustativas das crianças, oferecendo a elas alimentos saudáveis em situações agradáveis, mais esses alimentos ficarão marcados na sua memória alimentar,

passando a fazer parte de seu repertório de identificação de sabores e preparações”.

Assim, a escola, um dos primeiros locais onde as crianças se socializam, pode de forma criativa se tornar o espaço por excelência onde as crianças elaborarem preferências alimentares de forma saudável, ampliando seu repertório alimentar, compreendendo que o prazer pode e deve vir acompanhado do que é salutar, permitindo-se sentir aromas, experimentar texturas e vislumbrar cores das mais variadas.

1.2. Comida: cultura e identidade

(27)

adquirimos hábitos particulares. Assim, o ato de comer, embora rotineiro, torna-se algo de suma importância na vida em sociedade.

O ser humano come de tudo, no entanto, ele não come tudo. Este faz uma escolha,

uma seleção do que ele considera “comida” e, quais as permitidas e as proibidas e em que

situação isto se aplica. Essa variedade de escolha é fruto das diversas culturas alimentares,

expressando o fato de o que é “comida” em certa cultura não seja noutra, fenômeno derivado

não do seu valor nutricional ou perigo à saúde..

A escolha do que consideramos “comida”, e do como, quando e por que comer tal iguaria, é relacionada com o arbitrário cultural e com uma classificação estabelecida culturalmente. A cultura não apenas revela o que é e o que não é comida, estabelecendo o que deve ser ingerido e quando, e as proibições e tabus, como também estabelece distinções entre o que é considerado bom e gostoso e o que é considerado ruim e reimoso. Essas classificações e hierarquias são culturalmente definidas e modificam-se de local para local.

Sendo assim, a comida é uma dimensão cultural que vai muito além do seu valor nutricional, pois carrega consigo uma carga simbólica que se faz presente em todos os níveis de organização social.

Perguntas tais como – o que se come? como se come? com que frequência se come? – dizem muito mais a respeito de quem somos e dos nossos papéis sociais do que podemos imaginar, pois comunicam as características individuais dos sujeitos, seu cotidiano, suas identidades e diferenças. Assim, o que se come é tão importante quanto quando se come, onde se come, como se come e com quem se come. Na perspectiva de Montanari (2008, p. 83):

Assim como a língua falada, o sistema alimentar contém e transporta a cultura de quem a pratica, é depositário das tradições e da identidade de um grupo. Constitui, portanto, um extraordinário veículo de auto-representação e de troca cultural: é instrumento de identidade, mas também o primeiro modo para entrar em contato com culturas diversas, uma vez que comer a comida de outros é mais fácil – pelo menos aparentemente – que decodificar sua língua. Mais ainda que a palavra, a comida se presta a mediar, entre culturas diversas e abrindo sistemas de cozinha a todo tipo de invenções, cruzamentos e contaminações.

(28)

Comer é uma atividade humana central não só por sua frequência, constante e necessária, mas também porque cedo se torna a esfera onde se permite alguma escolha. (...) A comida “entra” em cada ser humano. A intuição de que se é de alguma maneira substanciado – “encarnado” – a partir da comida que se ingere pode, portanto, carregar consigo uma espécie de carga moral. Nossos corpos podem ser considerados o resultado, o produto, de nosso caráter que, por sua vez, é revelado pela maneira como comemos. (...) Como as comidas são associadas a povos em particular, e muitas delas são consideradas inequivocadamente nacionais, lidamos frequentemente com questões relativas à identidade.

Percebendo o valor cultural da comida e seu poder de comunicar a identidade cultural de um determinado povo, tornando-se tão importante quanto a língua, Montanari (2008) chega a compará-la às linguagens verbais. Assim, poderíamos – como fazemos com a gramática – “lê-la”. Graças à “retórica” da comida, ou seja, o modo de preparar, servir e

consumir, conseguimos interpretar os códigos presentes nela a fim de compreender melhor as diferentes culturas dos diversos grupos sociais.

O léxico – o acervo de palavras presente e que compõe um idioma – seria a variedade de produtos disponíveis, plantas e animais, que são a base primária de qualquer

preparo. É esse repertório de produtos que compõem o “dicionário” da comida. Logo, de local

para local, esse léxico poderá ser objeto de variações de acordo com o ambiente, a situação socioeconômica e a cultura.

A morfologia – parte que estuda a estrutura, da formação e da classificação das palavras de modo isolado – corresponde aos procedimentos de preparo que transformam o alimento em comida.

E, por fim, a sintaxe – parte da gramática que estuda a forma como as palavras se dispõem nas frases e a relação lógica das frases entre si – é a refeição propriamente dita em seu contexto e ordem de consumo (MONTANARI, 2008).

Nesse sentido, o ato de comer é muito mais do que simplesmente ingerir algo, é interagir e comunicar por intermédio de cada ingrediente, tempero, utensílios, pelo modo de preparar e consumir, revelando quem somos. Ao comer, o ser humano inventa e reinventa práticas e confere significados àquilo que está incorporando a si mesmo, indo além da utilização nutricional dos alimentos. Como anota Lody (2008, p. 31)

(29)

da boca. Onde servir e como esse alimento é consumido compõem o ato complexo, culturalmente complexo, que é o de comer.

E ainda:

Além do que é oferecido para comer e beber, há o “como comer”, objetos à mesa, formas e maneiras de servir à mesa, sobre tapetes, sobre toalhas; comer com talheres, alguns especiais, comer com a mão, tudo apontando para as diferenças e os hábitos que cada povo tem de se alimentar e, principalmente, de entender o alimento. (...) Assim, cada grupo, família e casa vai continuando as tradições, querendo dizer transmissões, maneiras de dizer, pela cozinha e pelo sabor, quem é no mundo. A identidade nasce no que há de próprio, peculiar, diferente em cada povo, região, cidade, estado (p. 44 e 45).

Logo, a comida é elemento central na vida humana delineando todos os momentos da existência de uma pessoa, desde o nascimento até a morte, identificando-a e dando sentido de pertença a uma sociedade. Conforme Cavicchoioli (in MIRRANDA e CORNELLI, 2007, p.50):

A alimentação, muito mais do que um simples ato inato de sobrevivência, adquire, na espécie humana, uma série de simbolismos exteriores à nutrição do corpo. Fatores nutricionais, somados a fatores ambientais como o clima de cada região, as secas, as chuvas, as geadas – por vezes determinantes da produção e falta de alimentos – interagem com questões culturais direcionando política públicas e econômicas, e também comportamentos sociais vinculados ao comer e beber. O estímulo ou a proibição do consumo de determinados alimentos passa por motivos religiosos (algumas religiões proíbem o consumo da carne de porco e do álcool), ideológicos (tento como exemplo os vegetarianos) ou políticos (taxas alfandegárias na importação de determinados gêneros alimentícios). Todavia, estes fatores vinculam-se ao papel social que cada alimento ocupa, interagindo com a forma de consumi-los. Esse consumo passa também pelo preparo – desde a forma de abate de um animal ou a forma de colheita de determinadas plantas e ainda as formas de limpar, temperar e cozinhar um alimento –, pela apresentação e pela forma como o alimento é servido. Soma-se a isso, ainda, o ambiente em que será consumido, bem como a companhia com a qual nos alimentamos.

Outro ponto importante da comida relaciona-se com quem comemos – implicando divisões por sexo, família, idade, classificação social, entre outros – transformando o ato de comer em um acontecimento social, pois ninguém gosta de comer sozinho. “Embora algumas

vezes, geralmente por falta de opção, as pessoas comam de forma solitária, percebemos que a

alimentação é um fator importante de sociabilização” (CAVICCHτIτLI in MIRRAσDA e

(30)

Comer junto, em companhia de outros é algo que nos caracteriza como seres humanos. É o momento de estreitar os laços do grupo em que estamos inseridos, pois, ao partilhar a comida, compartilhamos sensações, o que torna esse ato uma experiência sensorial compartida. σas palavras de Montanari (200κ, p. 1ηι), “não convidamos uns aos outros para comer e beber simplesmente, mas para comer e beber juntos”. Isso porque a comida consegue

ser muito mais do que algo funcional, mas transcende ao comunicativo, nos convidando a pertencer a um grupo. Montanari (2008, p. 159) expressa:

Em todos os níveis sociais, a participação à mesa comum é o primeiro sinal de pertencimento ao grupo. Esse pode ser a família, mas também a comunidade mais ampla: toda confraria, corporação, associação reafirma à mesa a própria identidade coletiva; toda comunidade monástica se reconhece no refeitório, onde todos são obrigados a dividir a refeição (e somente os “excomungados”, aqueles que se mancharam com alguma culpa, são excluídos temporariamente).

Seja em casa, ou na rua, as pessoas se reúnem para comer, conversar, namorar,

“aparecer”, comemorar, entre muitas outras atividades. “Desde a Mesopotâmia (...) compartilhar a comida era uma forma de solidariedade e de reafirmar vínculos”

(CAVICCHOIOLI in MIRRANDA e CORNELLI, 2007, p.51). Com efeito, não importa o lugar, a comida se faz presente, aproximando e revivendo os traços mais antigos de todas as memórias, trazendo à tona receitas diversas, perpetuando tradições e recriando-as.

1.3. Paladar, prazer e alimentação

O paladar é um dos sentidos pelo qual podemos descobrir o mundo a nossa volta. Tem um papel social importante, pois é por seu intermédio que comemos juntos, oferecemos banquetes e dividimos a nossa mesa; pode ser educado, estimulado, refinado e guardar lembranças de momentos significativos de nossa existência, nos fazendo voltar a lugares conhecidos e pessoas guardadas em nossa memória. Não é por menos que os prazeres da mesa e da alimentação, por mais que envolvam os demais sentidos, encontram no paladar o elo entre o fazer comida e fazer arte.

O paladar, repudiado, principalmente pela igreja medieval, pois estava associado

aos “pecados da carne”, fez com que em nossa cultura ficasse associado ao pecado e à culpa

(31)

prazer de comer, se deu por dois motivos principais: sua ligação com o prazer e a sua vulnerabilidade.

Por ser um dos sentidos ligado ao prazer, está diretamente relacionado aos instintos e a Dionísio, deus grego da embriaguez conhecido por sua natureza desinibida e comilona, ficando assim associado ao deleite e ao hedonismo, à gula e à luxúria. Isso ensejou séculos de restrições alimentares, sacrifícios e jejuns em nome da moderação e da temperança, que, nesse contexto, deixa aqui de ser sinônimo de sobriedade e comedimento, para se tornar abstinência e privação.

O paladar só começou a ser revalorizado no início do século XIX, primeiramente por Brillat Savarin, advogado e cozinheiro francês, um dos mais famosos epicuristas e gastrônomos franceses e escritor do livro Fisiologia do Gosto, até se tornar o prazer mais valorizado no nossos dias (NASCIMENTO, 2007, p. 191).

O prazer do paladar está relacionado a satisfação, que, por sua vez, está ligada a alimentação. Ao alimentar-se, o indivíduo pelo prazer de ingerir, devorar e destruir o alimento para assimilá-lo, além de suprir as necessidades biológicas, satisfaz seus desejos: de experimentar, de relembrar, de sociabilizar e por que não, o desejo de consumir.

É o prazer, segundo Da Matta (1986, p.46), que distingue o que é alimento do que

é comida, quando acentua que “alimento é tudo aquilo que pode ser ingerido para manter uma

pessoa viva; comida é tudo aquilo que se come com prazer, de acordo com as regras mais

sagradas de comunhão e comensalidade”. Ao preparar uma refeição, nos damos a oportunidade de desfrutar o prazer de criar, fabricar, inventar, apreciar e saborear pratos diversos e, assim, estimular nosso paladar a conhecer mais sabores e saberes.

Por ser, também, um sentido vulnerável, ou seja, que pode ser educado, o paladar é algo formado subjetivamente, influenciado pelos regionalismos, por dogmas e pela mídia. É por isso que o paladar é sempre alvo de alterações ao longo dos anos, acompanhando os modismos e avanços tecnológicos.

A mídia tornou-se o principal veículo dessa vulnerabilidade, influenciando direta e indiretamente o paladar e, consequentemente, os hábitos alimentares, na medida em que

“divulga” novidade, modismos e preferência de celebridades que impõem as regras da beleza

(32)

Capas de revista divulgam para quem quiser seguir a dieta das “celebridades”, ao mesmo tempo em que divulgam a nova “coqueluche” do momento – que já foi a granola, passou para nam, e que passou para tantos outros, quase impossível de se acompanhar. O medo de desfrutar de alimentos mais calóricos deu lugar as superdietas, pois o medo da obesidade e das doenças tornaram alguns alimentos inimigos número um da população. Ganham destaque as comidas lights, os orgânicos e as receitas leves.

Outro motivo importante para a alteração dos hábitos alimentares é a mudança do estilo de vida da sociedade atual. A falta de tempo – o corre-corre do cotidiano – se fez a grande inimiga dos prazeres do paladar. Não temos mais tempo de desfrutar o comer em família, de saborear uma receita feita na hora, de descascar uma fruta, de fazer suco, de sentar-se para comer. Como esclarece σascimento (200ι, p. 12θ), “a pressa, característica da

vida contemporânea, tem impedido não só a refeição no lar, como também uma prolongação da refeição. Espaço aberto para fast-foods, self-services, restaurantes à quilo onde se engole,

pouco se saboreia e raramente se interage”.

É a dessacralização do comer... Dentre todos os sentidos, sem dúvidas, o paladar foi o mais prejudicado pela vida moderna. σa era da “McDonaltização”1 do paladar, as

refeições são caracterizadas pelo mínimo de comunicação verbal, pelo esvaziamento dos rituais da mesa e pela padronização; e a mesma mídia que incentiva, outrora, uma alimentação mais saudável, é a mesma que veicula e incentivava o consumo de hamburguer, refrigerante e batatas fritas.

Comer junto, com alimentos frescos, feitos na hora, precisa de hora e data marcada para acontecer e está se tornando algo cada vez mais raro no mundo ocidental. Dessa forma, a família, noutros tempos a grande referência e influência para a formação dos hábitos alimentares, está perdendo sua força na formação do paladar – pelo enfraquecimento do espaço familiar. Talvez aí esteja a importância da escola em preencher esse hiato que se formou e carece tanto ser ocupado para equilibrar essa balança.

(33)

TRANSPARÊNCIA 2: FRIEDRICH SCHILLER E A EDUCAÇÃO ESTÉTICA

Toda educação e formação, portanto, traria, para os primeiros românticos alemães, uma reflexão sobre o que significa ensinar e sobre o que significa aprender. Em geral, os termos desta relação pedagógica eram ocupados pela Antiguidade e pela Modernidade. Mas seu cerne ontológico diz respeito a todo contato entre um “eu” e um “outro”, diz respeito a forma como formar a si mesmo por dentro do encontro com a diferença que é aquele com quem se aprende. Tal educação, de acordo com os primeiros românticos, aconteceria sempre que “o mestre disciplinasse a sério o discípulo, mas também lhe deixasse, no suor de seu rosto, uma base sólida como herança, sobre a qual o seguidor devesse então avançar sempre mais, com grandeza e audácia, para finalmente movimentar-se com liberdade e habilidade nas mais orgulhosas alturas” (ANDRADE, 2011, p. 82).

Essa transparência é relevante para o desenvolvimento desta pesquisa, pois tem a finalidade de esclarecer o papel formador da experiência estética na educação do ser humano. Acreditamos que esta formação possui proposta interdisciplinar que permite buscar práticas educativas inovadoras, no sentido tanto científico quanto estético e ético, proporcionando uma harmonia entre os conhecimentos.

Ao dar importância à relação entre Estética e Ciência, por intermédio da proposta filosófica de Friedrich Schiller, queremos mostrar que tanto as informações cientificas quanto as estéticas são indispensáveis para formação do gosto e do caráter ético do ser humano.

Além de ampliar a visão de mundo com relação às formas de ensino-aprendizagens, essa transparência tenciona expor o papel do lúdico como estabilizador da pessoa, proporcionando a formação científica, a sensibilidade estética e o compromisso com a ética, inclusive no que tange às questões relacionadas à educação alimentar. Cremos que o livro Almanaque Maluquinho: Julieta no mundo da culinária possui esse papel lúdico, podendo ser o instrumento sensibilizador de uma educação estética alimentar.

2.1 Quem foi Friedrich Schiller

A segunda metade do século XVII foi marcada filosoficamente pelo movimento Iluminista2,ou simplesmente Iluminismo (Aufklärung), ou Ilustração, que tinha a razão como

(34)

ideal. No mesmo período, a Revolução Francesa3, um dos principais acontecimentos históricos que transformaram a cultura e o pensamento ocidental, promoveu grandes discussões na Alemanha sobre a melhor maneira de colocar em prática os ideais do Iluminismo, principalmente o da liberdade. Martins (2008, p.5) nos chama atenção para os aspectos que influenciaram as discussões dessa época:

Sobre o período da revolução francesa, que é também o período conhecido a partir das ideias iluministas, apontamos dois importantes aspectos que influenciaram o pensamento dos filósofos e cientistas deste período em questão: a emergência da consciência histórica e do conceito de razão que foi sendo concebido a partir de tal movimento. Com base nestes conceitos surgem também algumas questões e debates relativos à filosofia e a produção de conhecimento que alimentaram boa parte dos escritos e reflexões dos pensadores deste período.

Nem o Iluminismo, porém, tampouco a Revolução Francesa conseguiram promover uma verdadeira revolução no modo de sentir e de pensar, conduzindo o ser humano à liberdade. O desencanto com a Revolução, que se transformou em violência (barbárie), e a decadência politica fizeram que muitos pensadores se manifestassem nesse período.

A Alemanha ainda não era um Estado unificado. O que compunha o Sacro-Império Romano-Germânico era a união de 300 estados, onde conviviam variadas tendências

– empiristas, racionalistas, idealistas, materialistas, etc. Foi nesse âmbito de reflexão, Revolução e Estado fragmentado que Friedrich Schiller marcou sua trajetória como poeta, dramaturgo e filósofo.

Schiller inicia sua carreira como poeta e dramaturgo em 1782, com a peça Os bandoleiros (Die Räuber). Essa e as peças que seguem a sua carreira até meados de 1790 estão esquadradas no movimento dos jovens alemães intitulado Tempestade e Ímpeto (Sturm und Drang), e já nessa época Schiller se preocupava com as questões relacionadas à Estética. Andrade (2007, p. 5) diz que

[...] devido a suas primeiras peças, como Os bandoleiros, Schiller tornou-se uma espécie de herói para todo o Pré-Romantismo. No estilo quase selvagem de sua dramaturgia, identificam a possibilidade de rompimento, na produção artística, com a obediência às regras normativas herdadas da antiguidade clássica.

(35)

Em 1784, com o objetivo de criar um público leitor fixo e fortalecer sua produção poética, Schiller criou a revista Rheinische Thalia, mas essa não passou do primeiro número. Ele tentou novamente em 1786, com a revista Thalia e em 1792, com a Neue Thalia. De

acordo com Böhler (2004, p. 10), a “criação de revistas é parte das inúmeras tentativas dos

escritores no século XVIII no sentido de estabilização de seu papel e posição social e também com o intuito de estabelecer condições mais favoráveis para suas respectivas produções

literárias”.

Quando seu contrato como dramaturgo não foi renovado pelo teatro de Mannheim, ele começou a passar por dificuldades de ordem financeira. Em 1789, no entanto, Goethe indica Schiller à Universidade de Jena e esse começa a lecionar como professor de História. Nessa universidade, ele teve contato com os principais pensadores alemães, como Johann Gottlieb Fichte, Johann Gottfried Herder, Karl Philipp Moritz e Wilhelm von Humboldt. Foi, porém, a Filosofia kantiana, amplamente difundida em Jena, que influenciou Schiller. O interesse pela Filosofia de Kant foi nitidamente percebido em seus escritos do final de 1780 e início de 1790 se tornando cada vez mais presente nos anos seguintes.

Schiller também realizou conferências e preleções historiográficas, dentre as quais merece destaque O que é e com que fim se estuda história universal? (Was heißt und zu welchem Ende studiert man Universalgeschichte?) e História da guerra dos 30 anos

(Geschchte des Dreißigjährigen Krieges). Segundo Kestler (200θ) a “concepção de história

universal que se depreende destas obras e de outros pequenos trabalhos de Schiller baseia-se numa interpretação humanista e com enfoque universalista, comum nas obras de história

universal e de filosofia da história durante o Iluminismo”. Assim com os outros pensadores de

(36)

Os primeiro escritos estéticos-filosóficos são do início da década de 1790, merecendo destaque as obras Kallias ou sobre a beleza (Kallias oder über die Schönheit) e

Sobre a graça e a dignidade (Ueber Anmut und Würde)

Em 1794, Schiller convidou Goethe para a redação e elaboração de uma nova revista Die Horen (As horas); o repudio de ambos à Revolução Francesa foi um dos fatores que proporcionou essa parceria. A criação desse periódico era um projeto mais pretensioso, pois tencionava cooptar o maior número de pensadores e poetas possível, a fim de estabelecer interação com o publico-leitor culto. Para isso, Schiller fez propaganda da Revista em anúncios, resenhas que eram publicadas em vários jornais e magazines, mas a Revista não teve a recepção esperada, gerando críticas hostis e um desinteresse de se discutir uma

“educação estética”. τ funcionamento da Revista foi até 1ι9ι.

O tratado A Educação estética do homem numa série de cartas, foi publicado na Revista em três partes. Essa obra é uma reelaboração das cartas escritas por Schiller ao seu mecenas, o duque de Augustenburg, nos meses de julho a novembro de 1793. A primeira parte são as cartas de 1 a 9; a segunda as cartas de 10 a 16; e a terceira as cartas de 17 a 27.

Na primeira parte, Schiller faz uma análise da Modernidade, diagnosticando as questões centrais de seu período – a divisão do trabalho, o isolamento, a alienação e a fragmentação do indivíduo. Com suporte nessa análise, Schiller propôs um modelo pedagógico tendo como fundamento a educação estética, pois, segundo o autor, nem o Estado nem a Filosofia com toda a sua racionalidade, não foram capazes de tirar a humanidade da barbárie. Somente a Estética, por intermédio da Arte, poderia educar a humanidade para a sensibilidade e assim conduzir o ser humano à liberdade. “Schiller tem uma proposta para

tentar reparar aquilo que a especialização constante fez desaparecer no homem (...). O meio

de restabelecer a unidade perdida é através da Estética”. (VERÁSTEGUI, 2012, p. 4η).

(37)

impulso é importante, pois no jogo conseguimos harmonizar razão e sentidos de forma a não permitir que um se sobressaia sobre o outro. De acordo com Verástegui (2012, p. 49):

A experiência lúdica permite um salto qualitativo na experiência humana, que se converte numa manifestação formadora e transformadora que humaniza, e equilibra resultando aquela harmonia perdida na divisão do trabalho e na especialização. Nesse sentido, o lúdico como experiência estática não é um meio didático, ele é um objetivo ao qual a educação deve aspirar.

Por fim, no último grupo de cartas, Schiller nos esclarece melhor os efeitos da beleza na reflexão humana. Para o Filósofo a beleza influencia tanto o entendimento (razão), quanto a sensibilidade (sentidos). Somente a beleza pode conduzir a humanidade a um viver

sociável, a um Estado estético. σesse âmbito, a “arte tem a função que poderíamos chamar de

educação complexa, que nos ajuda a desejar uma formação integral. Seu domínio é do racional e do emotivo: domínio sem fronteiras nítidas. Domínio fecundo, pois o contato com a

arte nos transforma”. (VERÁSTEGUI, 200ι, p.ι).

Em 1795 e 1796, Schiller publicou Poesia ingênua e sentimental (Über naive und sentimentalische Dichtung) em três partes na revista Die Horen. Nessa obra, o Filósofo encerra seu percurso de investigação estético-filosófica, traçando as próprias características em relação a Goethe.

Após uma vida dedicada à Estética e com a saúde muito abalada, Schiller morreu em 9 de maio de 1805, depois de uma infecção causada por tuberculose. Ele deixou ainda em sua escrivaninha a peça inacabada Demetrius (iniciada em 1804). Encontra-se sepultado no Cemitério Histórico, Weimar, Turíngia, na Alemanha, ao lado de Goethe.

2.2 O que é Estética

Estética vem do grego (aisihésis) e significa sensação, sentido e sensibilidade. Comumente, vemos esse conceito relacionado à beleza, ou contemplação do belo, mas, Estética é a capacidade de compreender o mundo com base nos sentidos; ela possui como objeto a arte. Segundo o Dicionário de Filosofia (ABBAGNANO, 1966 p. 452a),

Imagem

Figura 2: Livro O Menino Maluquinho
Figura 3: Turma do Menino Maluquinho
Figura 7: Livros - Turma do Laguinho - Vivendo com Saúde e Supermercado consumo consciente - e Almanaque  Maluquinho: Julieta no mundo da culinária
Figura 8: Livros - O livro de "dietas” do Menino Maluquinho e O livro de receitas do Menino Maluquinho
+7

Referências

Documentos relacionados

Os interessados em adquirir quaisquer dos animais inscritos nos páreos de claiming deverão comparecer à sala da Diretoria Geral de Turfe, localizada no 4º andar da Arquibancada

No código abaixo, foi atribuída a string “power” à variável do tipo string my_probe, que será usada como sonda para busca na string atribuída à variável my_string.. O

utilizada, pois no trabalho de Diacenco (2010) foi utilizada a Teoria da Deformação Cisalhante de Alta Order (HSDT) e, neste trabalho utilizou-se a Teoria da

• Quando o navegador não tem suporte ao Javascript, para que conteúdo não seja exibido na forma textual, o script deve vir entre as tags de comentário do HTML. <script Language

O objetivo deste trabalho foi avaliar épocas de colheita na produção de biomassa e no rendimento de óleo essencial de Piper aduncum L.. em Manaus

O presente trabalho busca mapear e identificar os locais de cruzamento entre o sistema viário e a hidrografia obtendo o Índice de Fragilidade Pontual (IFP)

segunda guerra, que ficou marcada pela exigência de um posicionamento político e social diante de dois contextos: a permanência de regimes totalitários, no mundo, e o

São eles, Alexandrino Garcia (futuro empreendedor do Grupo Algar – nome dado em sua homenagem) com sete anos, Palmira com cinco anos, Georgina com três e José Maria com três meses.