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Agrofloresta e desenvolvimento rural sustentável: um estudo de caso na Cooperafloresta

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Academic year: 2021

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Monografia do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu

MBA Negócios Socioambientais – Turma 3

Agrofloresta e desenvolvimento rural sustentável:

um estudo de caso na Cooperafloresta

Raquel Gonzaga de Oliveira

Nazaré Paulista, 2017

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RAQUEL GONZAGA DE OLIVEIRA

Agrofloresta e desenvolvimento rural sustentável:

um estudo de caso na Cooperafloresta

Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção de certificado em MBA de Negócios Socioambientais no Instituto de Pesquisas Ambientais (IPE), Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor (CEATS/USP)

Orientador: Prof. Dr. Oscar Sarcinelli Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente, ESCAS - Escola Superior em Conservação Ambiental e Sustentabilidade, IPE - Instituto de Pesquisas Ecológicas

Nazaré Paulista 2017

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Dedico e agradeço

A todos aqueles que acreditam no protagonismo como uma ferramenta de transformação e fazem desse mundo um lugar melhor todos os dias.

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Resumo:

A agricultura familiar tem um importante papel para a segurança alimentar do Brasil e, mesmo assim, enfrenta diversos desafios, como o acesso ao crédito rural, assistência técnica, políticas públicas, insumos e tecnologias de produção. A renda advinda da atividade não é suficiente para prover condições básicas para a qualidade de vida. Os SAFs (sistemas agroflorestais) são um importante modo de produção de alimentos que possibilitam a prática da agricultura com geração de renda e preservação dos recursos naturais e tem se mostrado uma solução viável para o desenvolvimento da agricultura familiar de forma sustentável. Um interessante projeto de produção agroflorestal associativista que tem tido muita repercussão é o da Cooperafloresta. Por isso, esse trabalho tem como objetivo realizar um estudo de caso sobre a experiência da Cooperafloresta com SAFs, avaliando as suas contribuições para o desenvolvimento rural sustentável da região do Vale do Ribeira, correlacionando a prática de produção de alimentos de forma ambientalmente correta com o desenvolvimento socioeconômico da agricultura familiar. Na seção de resultados desse estudo serão listados pontos fortes, pontos fracos, desafios e oportunidades que possam ser destacados a partir dessa experiência e, também, recomendações que podem ser utilizadas para incentivar a replicação desse modelo em outros empreendimentos.

Abstract:

Family farmers are key for food security in Brazil. However, they are facing several challenges, such as access to rural financing schemes, technical support, public policies, supplies and technologies. The income is not enough to provide basic life standards for those families. Agroforestry systems are an important way of producing food and, at the same time, generating income and natural resources preservation. It is shown as a viable solution for sustainable rural development for family farmers. Cooperafloresta is an interesting agroforestry associativism project that is highlighted by many agroecological specialists. For this reason, this work aims to do a study case about Cooperafloresta experience with agroforestry systems, evaluating its contributions to sustainable rural development at Vale do Ribeira region, correlating food production in an environmentally appropriate way with socio-economic development of smallholder farms. At the results section, a SWOT analysis will be presented, highlighting specific points based on Cooperafloresta examples and recommendations that could be useful to promote other similar initiatives in Brazil.

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Sumário 1. Introdução ... 6 2. Objetivos ... 7 2.1. Objetivo Geral ... 7 2.2. Objetivos Específicos ... 7 3. Procedimentos Metodológicos ... 7 4. Referencial Teórico ... 8 4.1. Agricultura Familiar ... 8

4.2. Desenvolvimento Rural Sustentável ... 13

4.3. Agricultura Sustentável ... 16 4.3.1. Agricultura Biodinâmica ... 18 4.3.2. Agricultura Biológica ... 19 4.3.3. Agricultura Natural ... 20 4.3.4. Agricultura Orgânica ... 21 4.3.5. Permacultura ... 22 4.3.6. Agricultura Regenerativa ... 23

4.3.7. Sistemas Agroflorestais (SAFs) ... 23

5. Resultados e Análises ... 27

5.1. Capítulo 1: Trajetória da Cooperafloresta ... 27

5.1.1. O Vale do Ribeira ... 27

5.1.2. Barra do Turvo ... 29

5.1.3. Adrianópolis ... 30

5.1.4. A Cooperafloresta ... 30

5.1.5. História ... 32

5.1.6. Formação e Organização Institucional ... 35

5.1.7. Perfil socioeconômico dos agricultores ... 37

5.1.8. Práticas Agroflorestais ... 38

5.1.9. Certificação Participativa ... 41

5.1.10. Produção e Comercialização ... 43

5.2. Capítulo 2: Principais impactos econômicos, sociais e ambientais ... 46

5.2.1. Aumento de Renda ... 46

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5.2.3. Biodiversidade, Recuperação Florestal e Prestação de Serviços Ambientais .... 48

5.2.4. Desenvolvimento Social e Autonomia ... 50

5.3. Capítulo 3: Avaliação das forças, fraquezas, oportunidades e ameaças ... 52

5.3.1. Forças ... 52

5.3.2. Fraquezas ... 55

5.3.3. Oportunidades ... 56

5.3.4. Ameaças ... 57

5.4. Capítulo 4: Lista de recomendações para outras cooperativas ou associações ... 59

6. Conclusão ... 62

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1. Introdução

De acordo com dados oficiais (Portal Brasil, 2015), 70% dos alimentos que consumimos são produzidos por agricultores familiares. Esses agricultores têm um importante papel para a segurança alimentar no nosso país. Ao mesmo tempo, enfrentam grande dificuldade para acessar o crédito rural, assistência técnica, políticas públicas, insumos e tecnologias de produção. A renda advinda da atividade não é suficiente para prover condições básicas para a qualidade de vida, agravando a exclusão social do pequeno agricultor. Os SAFs são um importante modo de produção de alimentos que possibilitam a prática da agricultura com geração de renda e preservação da floresta e dos recursos naturais. Segundo Passos & Couto (1997), os SAFs podem trazer vantagens ecológicas, econômicas e sociais em relação aos sistemas de produção agrícola tradicionais. Através desses sistemas, é comprovado que os custos de produção são menores, há redução nas perdas, além do sistema prestar serviços ambientais importantes para o planeta, como a maior fixação de carbono, preservação de nascentes e da biodiversidade. Por isso, os SAFs têm sido considerados uma importante saída para o desenvolvimento da agricultura familiar de forma sustentável, garantindo a permanência de várias famílias no campo com qualidade de vida e renda.

A Cooperafloresta - Associação dos Agricultores Agroflorestais de Barra do Turvo/SP e Adrianópolis/PR – é considerada nacionalmente uma referência na implementação dos SAFs. Desde 1996, a associação desenvolve atividades agroflorestais entre os pequenos agricultores da região do Vale do Ribeira. Hoje atua diretamente com 120 famílias agricultoras e Quilombolas, promovendo o fortalecimento da agricultura familiar, assessorando os processos de organização, formação e capacitação das famílias agricultoras, planejamento dos sistemas agroflorestais, além do beneficiamento, agroindustrialização, certificação participativa e comercialização da produção, através de programas apoiados por instituições públicas e privadas (COOPERAFLORESTA, 2004). Em 2013, a Cooperafloresta teve a sua iniciativa eleita pela Fundação Banco do Brasil (FBB) de Tecnologia Social e ficou entre as 15 melhores do país por sua atuação na transformação de comunidades.

O objetivo desse trabalho é realizar um estudo de caso sobre a experiência da Cooperafloresta, avaliando as suas contribuições para o desenvolvimento rural sustentável da região do Vale do Ribeira, correlacionando a prática de produção de alimentos de forma

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ambientalmente correta com o desenvolvimento socioeconômico da agricultura familiar. Na seção de resultados desse estudo serão listados pontos fortes, pontos fracos, desafios e oportunidades que possam ser destacados a partir dessa experiência e, também, recomendações que podem ser utilizadas para incentivar a replicação desse modelo em outros empreendimentos, possibilitando a segurança alimentar e sustentabilidade da cadeia no longo prazo.

2. Objetivos

2.1. Objetivo Geral:

O objetivo geral desse trabalho é realizar um estudo de caso sobre a experiência da Cooperafloresta com SAFs, avaliando as suas contribuições para o desenvolvimento rural sustentável da região do Vale do Ribeira, correlacionando a prática de produção de alimentos de forma ambientalmente correta com o desenvolvimento socioeconômico da agricultura familiar. Também é um objetivo geral fazer uma lista de recomendações para incentivar outros empreendimentos similares no país.

2.2. Objetivos Específicos:

● Descrever a trajetória da Cooperafloresta e a implementação dos SAFs na região do Vale do Ribeira e identificar impactos sociais, ambientais e econômicos a partir dessa trajetória ● Desenvolver uma matriz SWOT, listando os pontos fortes, pontos fracos, desafios e

oportunidades que possam ser destacados a partir da experiência da Cooperafloresta

● Listar recomendações identificadas nesse estudo de caso para fomentar e orientar outras iniciativas similares

3. Procedimentos Metodológicos

A fim de realizar um estudo de caso para verificar se os SAFs implementados pela Cooperafloresta contribuíram para o desenvolvimento rural sustentável na região do Vale do Ribeira, a pesquisa a ser realizada nesse trabalho será do tipo qualitativa e exploratória.

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Para isso, a pesquisa se dará em três fases:

● Inicialmente, será realizado um levantamento de informações para descrever a trajetória da Cooperafloresta, a implementação dos SAFs na região e as demais iniciativas e práticas realizadas pela associação e pelos produtores da região. Também serão levantadas, a partir da literatura disponível, conclusões de diversos autores sobre os impactos sociais, econômicos e ambientais que contribuíram para o desenvolvimento rural sustentável da região. Os documentos utilizados nesses levantamentos serão artigos científicos, livros, e revistas publicados por técnicos e acadêmicos que relatam a história e experiência da associação, além de site, apostilas e documentos produzidos e disponibilizados online pela Cooperafloresta.

● Em um segundo momento, será realizada uma matriz SWOT sobre a experiência da Cooperafloresta e seus projetos, utilizando como base uma vasta disponibilidade de artigos publicados sobre a associação e também observações próprias. O termo SWOT é um termo em inglês que significa Forças (Strengths), Fraquezas (Weaknesses), Oportunidades (Opportunities) e Ameaças (Threats). A matriz SWOT foi desenvolvida por Albert Humphrey, pesquisador da Universidade de Stanford nas décadas de 1960 e 1970, com o objetivo de avaliar a posição estratégica de uma empresa em seu setor de atuação. Atualmente, é uma ferramenta utilizada em diferentes ambientes quando se pretende realizar uma avaliação de cenário.

● Finalmente, a última fase do estudo contemplará uma lista de recomendações elucidando as práticas que devem ser adotadas ou evitadas em outras iniciativas ou projetos similares

4. Referencial Teórico 4.1. Agricultura Familiar

De acordo com a Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006, a agricultura familiar pode ser definida da seguinte forma:

Considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos: I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais; II - utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; III - tenha renda familiar

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predominantemente originada de atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento; IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família (Planalto, 2006). Anteriormente a essa lei, o conceito de agricultura familiar já foi utilizado em vários trabalhos como, por exemplo, nos estudos da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) que, segundo Guanziroli et al (2012), inspirou a Lei nº 11.326 supracitada.

De acordo com o último censo agropecuário (IBGE, 2006), existem 4.367.902 estabelecimentos da agricultura familiar. Os estabelecimentos familiares representam 84,4% do total e os não familiares 15,6%. Em relação à área ocupada, os familiares ocupam 24,3%, enquanto os não familiares ocupam 75,7% da área total. Isso mostra uma estrutura agrária ainda concentrada no país. Guanziroli et al (2012), em um estudo comparativo entre os censos agropecuários de 1996 e 2006, revela que dentro da agricultura familiar também existe concentração fundiária. Segundo esse estudo, 17% dos agricultores familiares concentram 63% da terra, já 39% desses agricultores, considerados de subsistência, possuem apenas 3% da terra e contribuem com uma parte insignificante da produção total. Guanziroli et al (2012) também menciona que, antes de preocupar em aumentar a área de produção desses agricultores de subsistência, existem problemas mais básicos na realidade deles, como água, educação e saúde, que devem ser abordados de maneira prioritária para que saiam da situação de pobreza. Além dessas razões, outros motivos, como a inviabilidade técnico-econômica desses estabelecimentos, estão fazendo com que agricultores de menor área deixem a atividade, sejam familiares ou não.

Em relação à utilização das terras, dados do IBGE (2006) mostram que dos 80,25 milhões de hectares destinados à agricultura familiar, 45% são ocupados com pastagens, 28% com matas, florestas ou sistemas agroflorestais e 22% com lavouras. Na agricultura não familiar a participação de pastagens é de 49%, matas e/ou florestas de 28%, a área para lavouras é 17%. Apesar de cultivar uma área menor com lavouras e pastagens, a agricultura familiar é responsável por garantir boa parte da segurança alimentar do país, como importante fornecedora de alimentos para o mercado interno. A agricultura familiar é responsável por 87% da produção nacional de mandioca, 70% da produção de feijão, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz, 58% do leite, 59% do plantel de suínos, 50% do plantel de aves, 30% dos bovinos e 21% do

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trigo. A soja tem menor participação (16%) uma vez que é um dos principais produtos agrícolas exportados e é produzido em maior escala por produtores não familiares (IBGE, 2006). De acordo com Guanziroli et al (2012), a produção de produtos da agricultura familiar aumentou em 2006 em relação à 1996, mas a produção pecuária de corte diminuiu, o que pode ser uma consequência da baixa disponibilidade de terra, já que é uma atividade extensiva. Esse estudo também mostra que pode ter havido uma substituição da atividade pecuária pela agricultura, uma vez que os agricultores familiares têm mão de obra disponível, mas não dispõem de terra, o que justificaria essa troca.

Em relação à mão de obra, o último censo agropecuário (IBGE, 2006) revelou que a agricultura familiar ocupa 74,4% do pessoal no campo (12,3 milhões de pessoas), enquanto os estabelecimentos não familiares ocupam 25,6% (4,2 milhões de pessoas). Além disso, esses dados mostraram que 90% das pessoas ocupadas na agricultura familiar tinham laços de parentesco com o produtor, o que significa que a união dos esforços em torno de um empreendimento comum é uma característica importante em estabelecimentos familiares.

Os dados do último censo ainda mostraram que a agricultura familiar respondia por um terço das receitas dos estabelecimentos agropecuários brasileiros. As receitas desses estabelecimentos são oriundas principalmente da venda de produtos vegetais (67,5%), vendas de animais e seus produtos (21%), prestação de serviço para empresa integradora e produtos da agroindústria familiar (11,5%). Outra importante fonte de receita para os agricultores familiares advém de aposentadorias ou pensões (65%) e salários com atividade fora do estabelecimento (24%) (IBGE, 2006).

Mesmo com todas as dificuldades para se manter na atividade, Guanziroli et al (2012) revelou no seu estudo comparativo que, em relação à 1996, em 2006 houve aumento no número de estabelecimentos familiares, do pessoal ocupado e na área ocupada. De acordo com ele, a manutenção da participação da agricultura familiar na produção agropecuária em uma década de forte expansão do setor, confirma a importância econômica deste segmento que, além de produzir alimentos, conseguiu crescer a quase o mesmo ritmo que as mais destacadas cadeias produtivas agropecuárias do campo brasileiro.

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É importante mencionar, também, que dentro da agricultura familiar existe uma grande heterogeneidade de perfis de produtores. Guanziroli et al (2012), segmentaram os produtores familiares em quatro categorias (Tabela 1), utilizando como base a definição de agricultura familiar dos trabalhos da FAO/INCRA, que difere da definição exposta através da Lei nº 11.326 essencialmente no número de módulos fiscais. De acordo com a tabela 1, verifica-se que, em 2006, o grupo A que era composto por mais de 450 mil produtores, gerou 69,5% do valor bruto da produção e renda anual líquida em torno de 200 vezes o valor da renda do grupo com maior número de agricultores. Essa renda anual corresponde à R$ 4.500 por mês. Como nas áreas rurais as famílias não têm custos com aluguel e ainda se beneficiam de rendas não agrícolas, esse valor equivale ao padrão de vida da classe média urbana. Esse grupo é o mais especializado entre os quatro e é capaz de fazer uma agricultura moderna, de forma profissional. Já o grupo D, mais numeroso, possui a menor participação no valor bruto total da produção e menor renda anual e foi o que mais cresceu em número entre 1996 e 2006. Esse grupo produz menos que os demais, muitas vezes para o autoconsumo, apesar de contribuir também para o abastecimento das cidades, e engloba os mais pobres da agricultura familiar.

Tabela 1: Tipos Familiares e Características

Tipos Familiar es Número de agricultores Participação % Valor Bruto da Produção

Renda Monetária Líquida Anual (R$)* 1996 2006 1996 2006 1996 2006 A 406291 452750 50,6 69,5 R$ 30.333,00 R$ 53.236,00 B 993751 964140 29,3 15,7 R$ 5.537,00 R$ 3.725,00 C 823547 574961 9,4 4,7 R$ 1.820,00 R$ 1.499,00 D 1915780 2560274 10,7 10,1 -R$ 265,14 R$ 255,00 *Descontados os custos de produção, mas não descontada a depreciação. Valores de 1996 atualizados para 2006 pelo IGP-DL.

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Outros trabalhos segmentaram esses produtores em consolidados, de transição e periféricos ou, também, em agricultores familiares empresariais, agricultores familiares não empresariais e camponeses (MDA/INCRA/FAO, 2006; SCHNEIDER, 2010). O entendimento desses diferentes grupos é essencial quando se define os pré-requisitos necessários para o desenvolvimento da agricultura familiar no Brasil. Os grupos dos consolidados e em transição se beneficiam de políticas agrícolas que contemplem basicamente crédito para financiar as suas atividades. Já os agricultores periféricos precisam de políticas que contribuam para atender necessidades básicas para retirá-los da situação de pobreza, tais como as políticas agrárias, de educação e saúde.

Atualmente, existem diversas políticas públicas criadas para fortalecer a agricultura familiar. O Pronaf foi criado em 1996 e, inicialmente, dava suporte à agricultura familiar com crédito de custeio. O programa ampliou nos anos seguintes para linhas de investimentos, infraestrutura e serviços municipais, capacitação e pesquisa, operando de forma integrada em todo país. O volume de recursos aumentou desde a sua criação o que possibilitou o acesso ao crédito a um maior número de agricultores familiares. (SOUZA-ESQUERDO e BERGAMASCO, 2014). No Plano Safra de 2016/2017, o governo destinará R$ 30 bilhões de crédito para a agricultura familiar, valor recorde de investimentos já realizados via Pronaf. (MDA, 2016)

Além do Pronaf, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) também foram criados para o fortalecimento e a promoção da agricultura familiar. Souza-Esquerdo e Bergamasco (2014) contextualizam esses programas:

O PAA foi implantado objetivando o incentivo à produção de alimentos pela agricultura familiar, o incentivo à comercialização desses produtos e a contribuição para que pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional pudessem ter acesso aos alimentos em quantidade, qualidade e regularidade. Ou seja, o PAA alia a política agrícola, enfocando a questão da comercialização, à segurança alimentar e nutricional da população. Tem também o objetivo de contribuir para a formação de estoques estratégicos e, com isso, permitir aos agricultores familiares armazenarem seus produtos para que esses possam ser comercializados a preços mais justos, além de promover a inclusão social no campo. O PNAE foi criado em 1954 com o objetivo de reduzir a desnutrição escolar e, ao mesmo tempo, melhorar os hábitos alimentares dos alunos. De acordo com a Lei n. 11.947 de 16 de junho de 2009, no mínimo 30% dos

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recursos financeiros repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) aos estados e municípios para a compra de alimentos para o PNAE deverão ser utilizados para a aquisição de gêneros alimentícios oriundos da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações.

A agricultura familiar tem um importante papel para a segurança alimentar no Brasil, além do seu significado social e ambiental nas áreas rurais, como foi visto anteriormente. Por isso, a criação de novas políticas públicas, acesso ao crédito, assistência técnica e suporte para atendimento às necessidades básicas, principalmente do grupo periférico ou agricultores de subsistência, são essenciais para o desenvolvimento rural sustentável.

4.2. Desenvolvimento Rural Sustentável

A definição de desenvolvimento rural sustentável passa por reconhecer que o atual sistema de produção agrícola é insustentável e inadequado do ponto de vista ambiental, social e econômico. Isso se baseia no fato de que os recursos naturais são finitos e que existem injustiças sociais no campo geradas pelo modelo de desenvolvimento vigente (ALMEIDA, 1997).

Mas, para entender o que é o desenvolvimento rural sustentável, é importante, primeiro, compreender o conceito já intensamente difundido de desenvolvimento sustentável. O Relatório de Brundtland, também conhecido por Nosso Futuro Comum, foi publicado em 1987 em uma Comissão sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas. Nesse documento aparece pela primeira vez a definição de desenvolvimento sustentável e propostas iniciais que visavam conciliar o crescimento econômico com a conservação ambiental. A ideia foi evoluindo até chegar na definição atual do termo sustentabilidade que pode ser considerada como a necessidade de atender as demandas do presente, sem comprometer as possibilidades de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades. Hoje o entendimento desse termo é importante em qualquer reflexão sobre desenvolvimento, seja no meio urbano ou rural, uma vez que sustentabilidade implica em assumir um compromisso com o futuro (FAO, 2012).

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Muitas reflexões têm sido feitas sobre a sustentabilidade dos sistemas de produção agropecuários convencionais, apontados como responsáveis pela degradação de vários ecossistemas, perda de recursos naturais e causador de muitas injustiças sociais no campo. Esses modelos convencionais de agricultura e desenvolvimento rural remontam à meados do século XX e foi intensificado com o “pacote tecnológico” da Revolução Verde, fundamentada em princípios de aumento da produtividade através do uso intensivo de insumos químicos, de variedades de alto rendimento melhoradas geneticamente, da irrigação e da mecanização. O objetivo principal desse “pacote tecnológico” foi de garantir a segurança alimentar, uma vez que o então modelo de produção rural era incapaz de alimentar a crescente população mundial. Através da Revolução Verde, foi possível aumentar de forma considerável a produtividade, mas com um custo muito alto ao meio ambiente e à saúde das pessoas (ALMEIDA, 1997; ASSIS, 2006; MDA, 2013; MELÃO, 2010). Atualmente, um quarto dos solos agricultáveis do mundo está em processo de degradação mais ou menos avançado, cresce o número de áreas desertificadas em decorrência de desmatamentos e práticas inadequadas de manejo do solo, avançam os problemas climáticos causados pelo aquecimento global, a exploração excessiva dos recursos pesqueiros coloca em risco os estoques desse alimento. Além disso, o consumo global de agrotóxicos cresceu 40% a mais que a própria produção agrícola nos últimos vinte anos (MDA, 2013).

A Revolução Verde trouxe o aumento da produção agrícola, mas, ao mesmo tempo, colocou em risco a segurança alimentar futura por trazer dentro desse “pacote tecnológico” medidas que comprometeram os recursos naturais e o equilíbrio dos ecossistemas do planeta, demonstrando ser uma solução insustentável no longo prazo. Além disso, aumentou ainda a desigualdade social no campo. Para a grande maioria dos agricultores pobres, a adoção desse “pacote tecnológico” não foi possível por falta de acesso ao crédito, disponibilidade de terra, conhecimento para implementação das tecnologias, entre outras razões. A partir de então, se fez necessário o uso de novos insumos para se manter produtivo. Com isso, aumentaram-se as despesas e o endividamento dos agricultores. Muitos perderam suas terras e foram expulsos do campo por não serem capazes de competir com as grandes empresas do agronegócio. A agropecuária nas condições convencionais se tornou também insustentável do ponto de vista social e econômico para os agricultores familiares, responsáveis em muitos países pela maior parte da produção de alimentos para consumo interno. Por isso, passou a ser essencial oferecer

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alternativas para a melhoria dos sistemas produtivos que fossem financeiramente acessíveis a esses produtores e lhes permitissem iniciar uma trajetória de capitalização para, no futuro, adotarem o pacote mais eficiente. (ALMEIDA, 1997; FAO, 2012).

Em busca de uma solução sustentável que garantisse a segurança alimentar, preservação e utilização racional dos recursos naturais, a valorização do conhecimento das populações rurais, o desenvolvimento social e econômico no campo, surgiram, no Brasil e no mundo, movimentos de agricultura alternativos com diversas denominações adaptados para diferentes realidades que se mostraram satisfatórios na transição para um modelo de desenvolvimento rural sustentável (ALMEIDA, 1997; MELÃO, 2010).

Como premissa básica, o desenvolvimento rural sustentável envolve a integração da produtividade dos sistemas agrícolas a aspectos econômicos, sociais e ambientais, respeitando também as características étnico-culturais das diferentes populações. Assim, o objetivo é manter a produtividade agrícola minimizando impactos ambientais e com retornos econômicos adequados para permitir a redução da pobreza, qualidade de vida e atendimento das necessidades sociais da população rural (ALMEIDA, 1997; ASSIS, 2006).

De acordo com Assis (2006), para promover o desenvolvimento rural sustentável no Brasil, o primeiro passo seria mudar o foco das estratégias de desenvolvimento rural atualmente vigentes, onde recursos, incentivos, acesso ao crédito, disponibilidade de terras estão à disposição das propriedades patronais, enquanto a agricultura familiar é relegada a um segundo plano. É necessário também a criação ou fomento de políticas públicas que busquem uma outra lógica econômica e social que possibilite o desenvolvimento de múltiplas formas de agricultura, não somente a patronal, mas também por grupos familiares ou tradicionais, considerando e valorizando as diferenças regionais e culturais de cada um. No Brasil, isso se traduz em necessidade de políticas que auxiliem na distribuição da renda e dos meios de produção a contingentes maiores da população que carecem de inclusão social. Além disso, o acesso à terra é uma premissa básica para qualquer política que visa o desenvolvimento da agricultura familiar como uma estratégia para a sustentabilidade no campo. Por isso, entende-se que a reforma agrária é uma política essencial nesse processo, porque possibilitará a inclusão da população

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rural que vive à margem da sociedade, além de fomentar as economias locais (ASSIS, 2006; MELÃO, 2010)

Soma-se a isso a necessidade de acesso ao crédito agrícola por essas populações. Hoje o crédito de custeio e linhas de investimento são acessados e disponibilizados prioritariamente para produtores patronais. Para fomentar o desenvolvimento rural sustentável, é essencial a criação de novas linhas de crédito, especialmente aquelas vinculadas às práticas agroecológicas, que estimulam um número maior de agricultores a substituir insumos convencionais por orgânicos, uma etapa importante na transição para uma produção agrícola sustentável. Tudo isso deve ser aliado à disponibilidade de assistência técnica para garantir eficiência e a criação de canais de comercialização voltados a atender às demandas de agricultores familiares descapitalizados, com baixo nível de informação. Em relação à pesquisa e extensão rural, o foco deve ser nas mudanças em nível institucional, uma vez que se espera para isso uma drástica transformação na forma de trabalho. Isso envolve uma mudança de paradigma tecnológico – das técnicas de produção agrícola convencionais para as sustentáveis. Para que isso aconteça, é essencial a mudança de atitude dos técnicos de campo, instituições de pesquisa, acadêmicos e governo e, por isso, não se deve esperar que seja a curto prazo. (ASSIS, 2006)

A transição para o modelo de desenvolvimento rural sustentável requer mudanças profundas no modelo vigente. São necessárias políticas públicas que garantam acesso ao crédito, linhas de investimento, reforma agrária, além de pesquisa, extensão e assistência técnica capacitadas nesse novo modelo de produção agrícola sustentável para difundi-lo com mais rapidez no campo. Mas, mais do que isso, é essencial a compreensão e o comprometimento de todos os atores envolvidos. Para tanto, é fundamental os esforços conjuntos dos grupos de agricultores, do poder público, da academia e da sociedade.

4.3. Agricultura Sustentável

O modelo convencional de produção agrícola baseado na Revolução Verde mostrou-se inadequado nas últimas décadas em função das diversas consequências negativas no aspecto ambiental e social. Em função disso, práticas alternativas e sustentáveis têm sido procuradas em substituição ao modelo tradicional em todo mundo. Podem-se citar, como exemplo, a Agricultura Biodinâmica, a Agricultura Biológica, a Permacultura, a Agricultura Natural, a

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Agricultura Orgânica e a Agricultura Regenerativa. Esses modelos têm em comum a aplicação de princípios de produção sustentável, com preservação ambiental e a valorização social do agricultor. A partir dos anos 90, movimentos como esses passaram a ser conhecidos como Agricultura Sustentável (COSTA, 2010).

Para Gliessman (2000), citado por Caporal e Costabeber (2003), a agricultura sustentável pode ser definida como:

“Aquela que reconhece a natureza sistêmica da produção de alimentos, forragens e fibras, equilibrando, com equidade, preocupações relacionadas à saúde ambiental, justiça social e viabilidade econômica, entre diferentes setores da população, incluindo distintos povos e diferentes gerações.”

Ainda que existam definições para o termo na literatura, o conceito de agricultura sustentável envolve uma série de imprecisões, podendo gerar erros de uso e contradições. No entanto, as diversas práticas alternativas de produção agrícola classificadas como sustentáveis denotam a existência de uma grande insatisfação com o modelo atual, deixando claro a necessidade de buscar um novo padrão menos impactante ao meio ambiente e que valorize os produtores que não se encaixarem no modelo de produção do agronegócio atual (COSTA, 2010).

Essas práticas alternativas constituem o campo científico da agroecologia. Muitas vezes confundida como um sistema de produção, a agroecologia é uma ciência que, de acordo com Caporal e Costabeber (2003), corresponde a um conjunto de conhecimentos de natureza multidisciplinar que pretende contribuir na construção de estilos de agricultura de base ecológica e na elaboração de estratégias de desenvolvimento rural, tendo-se como referência os ideais da sustentabilidade numa perspectiva multidimensional de longo prazo.

De acordo com Gliessman (2000), citado por Caporal e Costabeber (2003), o enfoque agroecológico corresponde à aplicação de conceitos e princípios da ecologia no manejo e desenho de agroecossistemas sustentáveis. Segundo o autor, essa orientação teórico-metodológica envolve uma grande complexidade, principalmente em relação ao nível de sustentabilidade que se pretende alcançar. Para ele, existem três níveis no processo de conversão para agroecossistemas sustentáveis. O primeiro se refere ao aumento da eficiência

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das práticas convencionais para reduzir o uso de insumos externos caros, escassos e daninhos ao meio ambiente. Esse é um dos focos atuais da agricultura convencional que visa buscar a sustentabilidade através do ganho de eficiência e redução dos impactos negativos, mas sem eliminá-los. O segundo diz respeito à substituição de insumos convencionais por insumos alternativos. O terceiro nível de transição é bem mais complexo porque envolve o redesenho dos agroecossistemas, para que passem a funcionar com base em um novo conjunto de processos ecológicos. Para o autor, somente ao se alcançar o terceiro nível é possível minimizar de fato os impactos negativos causados pela agricultura convencional (CAPORAL e COSTABEBER, 2003).

Portanto, como visto, a Agroecologia tem se constituído uma estratégia relevante para avaliação dos impactos socioambientais no campo e para a implementação de práticas sustentáveis no meio rural. Os sistemas de produção anteriormente citados, como a agricultura orgânica, biodinâmica, natural, entre outras, constituem conjuntos de práticas e tecnologias que possibilitam o emprego dos princípios da agroecologia que façam uso predominante de recursos endógenos, para reduzir o impacto ambiental e o custo energético, considerando também as particularidades locais (BARROS e SILVA, 2010).

Abaixo são citados os sistemas agrícolas alternativos que utilizam princípios da agroecologia em ordem cronológica de surgimento de cada uma. O objetivo da seção a seguir é mostrar que as diferentes práticas de produção começaram a ser utilizadas anteriormente à prática agroflorestal e, no entanto, apresentam impactos sociais, econômicos e ambientais distintos desse último modelo que, como poderá ser visto, implica em um nível de sustentabilidade muito mais amplo que os demais nas suas diferentes esferas.

4.3.1. Agricultura Biodinâmica

As bases da agricultura biodinâmica foram estabelecidas na década de 1920 por Rudolf Steiner (1861–1925) e é o mais antigo de todos os sistemas alternativos. A biodinâmica possui similaridades com as demais formas de produção orgânica no que diz respeito à diversificação e integração das produções vegetais, animais e florestais, à adoção de esquemas de reciclagem

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de resíduos vegetais e animais e ao uso de nutrientes de baixa solubilidade e concentração (ASSIS, 2005).

De acordo com Darolt (2000), os sistemas de produção biodinâmicos são considerados como um estágio mais avançado da agricultura orgânica, porque possuem uma abordagem integrada da unidade de produção comparada a um organismo. No entanto, a agricultura biodinâmica difere das demais correntes orgânicas em dois pontos: primeiro no uso de preparados biodinâmicos, que são substâncias de origem mineral, vegetal e animal altamente diluídas, segundo os princípios da homeopatia, aplicados no solo, nas plantas e nos compostos. Esses preparados têm o objetivo de vitalizar as plantas e estimular o seu crescimento. O segundo é o fato de efetuar as operações agrícolas (plantio, poda, raleio, demais tratos culturais e colheita) de acordo com um calendário astral, concedendo atenção especial à disposição da lua e dos planetas.

Apesar das práticas agrícolas biodinâmicas possuírem seu próprio sistema de certificação, fiscalização e credenciamento de agricultores, as unidades de produção biodinâmicas são agrupadas sob a denominação genérica de agricultura orgânica. Isso significa que uma unidade de produção biodinâmica também é orgânica, porém o contrário não é verdadeiro (DAROLT, 2000). Técnicas biodinâmicas já foram utilizadas em mais de 47 países, sendo mais difundida na Alemanha (PAULL, 2011).

4.3.2. Agricultura Biológica

Surgiu na década de 1930 a partir dos trabalhos com fertilidade do solo e microbiologia realizados pelo biologista e político suíço Hans Peter Müller. Os objetivos iniciais desse modelo de produção foram socioeconômicos e políticos porque buscavam a autonomia do agricultor e a comercialização direta. No entanto, foi somente a partir da década de 1960 que esse movimento se concretizou, quando o médico Hans Peter Rusch difundiu o método (BARROS e SILVA, 2010; DAROLT, 2000).

Diferentemente da biodinâmica, a agricultura biológica não considera que a unidade de produção agrícola deva ser completamente autônoma. Ou seja, a origem da matéria orgânica

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utilizada poderia vir de outras fontes externas à unidade de produção. Nesse modelo é importante a associação da agricultura com a pecuária, mas não essencial. A manutenção da fertilidade do solo e o controle de pragas e doenças devem ser feitos pelo uso de processos e ciclos naturais, com um gasto mínimo de energia e recursos. Adota-se a adubação orgânica, o uso de rochas moídas no solo e minerais insolúveis estimulando a vida microbiana, excluindo assim qualquer tipo de adubo químico solúvel. O mais importante nesse sistema é a integração das unidades de produção com o conjunto das atividades socioeconômicas regionais (DAROLT, 2000; ASSIS, 2005)

Os princípios da agricultura biológica, baseados nos mais relevantes trabalhos sobre esse sistema de autoria do agrônomo francês Claude Aubert, se fundamentam na importância de manter a saúde dos solos para melhorar a saúde das plantas e, em consequência, melhorar a saúde do homem. De acordo com as teorias desse modelo, uma planta em bom estado nutricional torna-se mais resistente ao ataque de pragas e doenças. Além disso, o uso de agrotóxicos causa um desequilíbrio nutricional e metabólico à planta, deixando-a mais vulnerável e causando alterações na qualidade biológica do alimento. As propostas técnicas da agricultura biológica e orgânica são idênticas. A diferenciação está mais no sentido da origem da palavra do que em termos de normas de produção e comercialização (BARROS e SILVA, 2010; DAROLT, 2000).

4.3.3. Agricultura Natural

As bases da agricultura natural foram estabelecidas a partir de uma religião (Igreja Messiânica), criada pelo filósofo japonês Mokiti Okada na década de 1930. De acordo com ele, para que a purificação do espírito fosse atingida, era importante purificar o corpo e, para isso, era essencial o respeito pela natureza e o não consumo de produtos com substâncias tóxicas. Assim, a agricultura natural surge como um alicerce da religião messiânica (DAROLT, 2000; ASSIS, 2005).

Essa corrente alternativa adota práticas agrícolas que buscam artificializar o menos possível a produção, mantendo o sistema agrícola o mais próximo dos sistemas naturais. As práticas mais utilizadas são: rotação de cultura, uso de adubos verdes, compostagem e cobertura

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morta sobre o solo que visam recuperar o solo desgastado ao mesmo tempo em que se faz a exploração agrícola (DAROLT, 2000; ASSIS, 2005).

As idéias de Okada foram reforçadas e difundidas pelo trabalho do pesquisador Masanobu Fukuoka que também defendia a ideia de artificializar o mínimo possível a agricultura. Fukuoka foi o responsável por estabelecer os princípios da agricultura natural, que se aproximam do ponto do “fazer nada”. São eles: não revolver o solo, não utilizar fertilizantes, não capinar e não utilizar agrotóxicos. Para ele, a estratégia desse sistema está no aproveitamento máximo dos processos que já ocorrem espontaneamente na natureza, com o menor gasto possível de energia. Nesse modelo, não são utilizados compostos orgânicos de origem animal, apenas vegetal com a ajuda dos chamados microrganismos eficazes (EM). Acredita-se que a fertilidade da terra, sem o uso de qualquer insumo, é capaz de produzir suficientemente para atender a demanda humana (DAROLT, 2000; ASSIS, 2005).

4.3.4. Agricultura Orgânica

A agricultura orgânica foi proposta por Albert Howard na década de 1940, a partir de estudos que demonstravam a relação entre a saúde e resistência humana às doenças e a estrutura orgânica do solo (DAROLT, 2000). No Brasil, a produção orgânica teve início na década de 1980 e, ainda hoje, encontra-se em fase introdutória com aproximadamente 90.000 propriedades rurais produzindo orgânicos. Apesar da baixa escala, o cultivo de orgânicos no Brasil cresce a uma taxa de 40% ao ano. Atualmente, o país é o quarto maior produtor mundial (EMBRAPA, 2016).

De acordo com Penteado (2003), a agricultura orgânica pode ser definida como:

“um sistema não convencional de produção agrícola, baseado em princípios agroecológicos, envolvendo a gestão dos recursos naturais, a conservação dos agroecossistemas, a produção agrícola, a comercialização dos produtos orgânicos, o processamento e os direitos sociais e econômicos dos produtores rurais. Assim sendo, comprometida com a saúde, a ética, a cidadania e a autonomia do ser humano, contribui com a preservação da vida humana e da natureza e procura utilizar formas sustentáveis e racionais que possam promover a sustentabilidade dos recursos naturais, utilizando técnicas tradicionais e modernas de produção ecológica.”

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Na agricultura orgânica não são utilizados insumos sintéticos, é priorizada a restauração da fertilidade do solo por processos biológicos, rotação de cultivos, reciclagem de resíduos orgânicos, uso de adubos verdes, rochas minerais, manejo, controle biológico de pragas, além de utilizar os recursos naturais renováveis disponíveis localmente e o uso de tecnologias que visem a preservação ambiental e da biodiversidade. É um sistema preocupado em produzir uma alimentação saudável e atender as expectativas do consumidor que buscam alimentos com sabores originais e a qualidade de vida, evitando danos à saúde do produtor, do consumidor e do meio ambiente. (EMBRAPA, 2016; PENTEADO, 2003)

Para a agricultura familiar, a produção orgânica surge como uma alternativa viável economicamente para se manter na atividade, além de garantir o bem-estar social, a segurança alimentar e o desenvolvimento dos mercados locais. É uma garantia de melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores rurais, de oferta de alimentos com baixo risco de contaminação e de uma maior conservação do meio ambiente. A alternativa possibilita o acesso da agricultura familiar aos mercados com remuneração justa e a inserção no mercado de produtos oriundos de sistemas produtivos comprometidos com a conservação ambiental e com a inclusão social. (ASSIS, 2005; PENTEADO, 2003)

Para aumentar o valor agregado dos produtos orgânicos é necessário que o produtor busque a formalização através de um sistema de certificação para a obtenção do selo de produto orgânico. Isso faz com que o produtor consiga acessar nichos de mercado onde é possível obter maior remuneração pelo produto (BARROS e SILVA, 2010).

4.3.5. Permacultura

A permacultura teve seu início na década de 1970 na Austrália. Seus conceitos e princípios foram desenvolvidos por Bill Mollison a partir das ideias de Fukuoka sobre a agricultura natural (BARROS e SILVA, 2010; DAROLT, 2000).

Na permacultura, há uma visão holística sobre os elementos que compõem o sistema: a propriedade rural, a infra-estrutura, as construções, os vegetais, os animais e o agroecossitema

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como um todo são vistos de forma integrada. A sucessão de cultivos é utilizada para otimizar a produção e a conservação dos recursos naturais. O princípio fundamental da permacultura é estabelecer um sistema de produção que se auto-perpetue, seja permanente (daí vem seu nome), seja estável e se aproxime ao máximo dos sistemas naturais, com o mínimo de intervenção humana, aproveitando ao máximo as condições e recursos locais (BARROS e SILVA, 2010; DAROLT, 2000; ASSIS, 2005)

4.3.6. Agricultura Regenerativa

A agricultura regenerativa surgiu a partir da agricultura orgânica e das ideias de Howard e Rodale no início da década de 1980, com os estudos dos processos de regeneração dos sistemas agrícolas ao longo do tempo. Essa corrente visa a produção agrícola com a recuperação dos solos. O objetivo é alcançar a regeneração e a manutenção das culturas e de todo o sistema de produção alimentar, preconizando também a independência do agricultor em relação aos recursos externos (BARROS e SILVA, 2010; DAROLT, 2000).

Na agricultura regenerativa é possível produzir alimentos saudáveis, criar ciclos fechados de geração de insumos a partir de resíduos e a aplicação no campo de práticas conservadoras da natureza. Esse sistema possibilita uma rápida recuperação de áreas degradadas e de produção agrícola através da poda intensiva de árvores que acelera a incorporação de biomassa ao solo, intensivo controle de sucessão vegetal, indução ao rejuvenescimento e intenso crescimento e vigor que a poda proporciona (ASSIS, 2005).

4.3.7. Sistemas Agroflorestais (SAFs)

Apesar de ser a mais recente prática alternativa de produção agrícola citada nessa revisão bibliográfica, os Sistemas Agroflorestais (SAFs) recuperam antigas técnicas de povos tradicionais de várias partes do mundo, unindo a elas o conhecimento científico acumulado sobre produção integrada e com o mínimo uso de insumos externos. Hoje, os SAFs podem ser considerados o modelo de agricultura com maior nível de sustentabilidade entre todos os citados. Através dos SAFs obtém-se uma importante ferramenta para a agricultura familiar no

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combate à pobreza rural, na garantia da segurança alimentar, na conservação dos recursos naturais e um grande potencial para o desenvolvimento rural sustentável. (NORONHA, 2008))

Os SAFs são modelos de produção agrícola que consorciam espécies florestais (frutíferas e/ou madeireiras) com cultivos agrícolas e, em alguns casos, com pecuária, na mesma área e numa sequência temporal. Os SAFs podem ser caracterizados conforme seus aspectos funcionais e estruturais. Existem três modelos: sistemas silviagrícolas (combinação de uma ou mais espécies florestais com culturas agrícolas anuais ou perenes), sistemas silvipastoris (combinação de pastagens e animais com uma ou mais espécies arbóreas), e sistemas agrossilvipastoris (associação de animais com cultivos agrícolas e árvores ou arbustos em uma mesma área) (PALUDO e COSTABEBER, 2012).

Os SAFs imitam uma floresta natural através de diferentes estratos vegetais. As árvores e/ou arbustos exercem um importante papel no processo de ciclagem de nutrientes e no aproveitamento da energia solar que são considerados elementos básicos para a estabilidade do sistema. (PALUDO e COSTABEBER, 2012; NORONHA, 2008)

Através dos SAFs, é possível tornar produtivas áreas degradadas. Os componentes agroflorestais que cobrem o solo aumentam o nível de carbono orgânico e exercem um papel essencial para sua recuperação. Nesse sistema, são utilizados poucos insumos externos e não se usam máquinas agrícolas pesadas. A adubação é feita através do plantio de leguminosas, gramíneas e podas. Através da poda, é possível reduzir o sombreamento quando necessário e isso viabiliza o cultivo de diferentes espécies úteis na alimentação que necessitam de iluminação para se desenvolver (PALUDO e COSTABEBER, 2012; NORONHA, 2008)

Oliveira (2005), citado por Noronha (2008), menciona que algumas experiências mostraram que áreas manejadas com SAFs controlam a erosão dos solos. Isso se deve às diferentes alturas e formatos das copas. Elas reduzem o impacto da chuva e da insolação direta. Além disso, o acúmulo de matéria orgânica no solo contribui para a sua fertilidade.

A partir de princípios da agroecologia, os SAFs buscam harmonizar os agroecossistemas com os processos dinâmicos dos ecossistemas naturais, e não o contrário

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como acontece na agricultura convencional. Estes sistemas têm demonstrado enorme potencial para produzir de forma sustentável grande diversidade vegetal e até animal. Produz-se uma alta variedade de alimentos durante todo o decorrer do ano, por isso, o agricultor não depende da sazonalidade dos sistemas tradicionais e podem aumentar suas fontes de renda e aproveitamento da mão de obra. (NORONHA, 2008)

Além disso, ao aproveitar o conhecimento local daqueles que vivem no ecossistema, é possível desenvolver modelos que se adaptem ao potencial natural do lugar. Isso é possível através do resgate do cultural e da experiência de várias gerações durante séculos de convívio com o ecossistema local (ABDO e VALERI, 2008).

É importante também ressaltar os desafios existentes na implantação dos SAFs. A mão de obra deve ser capacitada em função da diversidade de espécies cultivadas em uma mesma área. O produtor necessita de apoio técnico e, além disso, ele precisa ter um perfil inovador e investigativo para testar novas formas de associação de culturas e animais. O associativismo entre produtores e o cooperativismo é essencial para vencer dificuldades da cadeia, tais como a compra de insumos, negociação com fornecedores, uso compartilhado de equipamentos, racionalização pós-colheita e escoamento eficiente dos produtos. Além dessas dificuldades na operação, há entraves técnicos na implantação das SAFs que devem ser mencionados. Existem poucos estudos das interações biofísicas entre os diferentes componentes do sistema, poucos conhecimentos sobre os arranjos, combinações de espécies e manejo dos SAFs, alto custo das pesquisas de médio e longo prazos, inadequação dos serviços de extensão rural e pequena disponibilidade de germoplasma específico, já que o melhoramento genético das espécies agrícolas e florestais sempre foi direcionado para o monocultivo. Para vencer esses desafios, ainda há um longo caminho a ser percorrido porque tudo isso envolve adequação dos órgãos competentes para oferecer apoio técnico, desenvolvimento de pesquisas científicas e estudos, políticas públicas e incentivos para financiamentos. (OLIVEIRA e MORETTI-PIRES, 2016; ABDO e VALERI, 2008)

Apesar de tudo isso, os SAFs podem ser uma ótima opção para o pequeno agricultor e para o equilíbrio ecológico das propriedades. Os benefícios são vários, como citado anteriormente: possibilidade de usar uma grande variabilidade de espécies em uma mesma área

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de plantio, a melhoria da capacidade produtiva da terra, otimização da utilização dos recursos naturais disponíveis e regeneração do solo, uso reduzido de insumos externos e, portanto, baixo custo de manutenção, produção e renda durante o ano todo. A prática de SAFs envolve o entendimento dos processos vitais, os ciclos biogeoquímicos e as relações ecológicas presentes na natureza, para identificar como aumentar a fertilidade, a produtividade e a biodiversidade no sistema. O uso sustentável dos recursos naturais combinado com uma menor dependência de insumos externos traz como resultado maior segurança alimentar e maior potencial de emancipação para os agricultores, tanto no sentido econômico quanto social. Por esses motivos, os SAFs têm sido vistos como uma alternativa para o desenvolvimento rural sustentável. Esse modelo é um caminho viável para resolver questões importantes, tais como como a crise alimentar, o aquecimento global, a poluição, escassez de água e geração de renda e qualidade de vida para o agricultor familiar (OLIVEIRA e MORETTI-PIRES, 2016; ABDO e VALERI, 2008).

Além disso, a diversificação de produtos, a maior segurança alimentar, a sustentabilidade ambiental, o incremento na fertilidade do solo e a redução gradativa nos custos de produção fazem dos SAFs um potencial transformador da vida no campo (PALUDO e COSTABEBER, 2012).

A experiência com SAFs mais conhecida é a do suíço Ernst Götsch, no sul da Bahia, onde desenvolveu um sistema agroflorestal para uma rápida recuperação de áreas degradadas com alta produção agrícola (Assis, 2005). Ernst chegou ao Brasil em 1982 e em 1984 fixou-se na Fazenda Fugidos da Terra Seca, que correspondia a uma área de 500 hectares improdutivos em função de práticas agrícolas que exauriram os recursos naturais e o solo da região. Foi nessa terra que Götsch desenvolveu seus experimentos em sistemas agroflorestais sucessionais, alcançando alta produtividade em grande variedade de espécies vegetais e recuperação da mata atlântica que antigamente existia nessa mesma área. A partir de então, a propriedade passou a se chamar Fazenda Olhos d’Água em função das nascentes que surgiram após os experimentos do suíço. Referência internacional e possuidor de uma visão da agricultura que reconcilia o ser humano com o meio ambiente, Götsch publicou artigos, mas nunca escreveu sobre o conjunto de suas observações, pois acredita que sua pesquisa não está acabada. (AGENDA GÖTSCH, 2016).

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Um outro conhecido caso de implementação dos SAFs aconteceu na região do Vale do Ribeira e foi realizado pela Cooperafloresta - Associação dos Agricultores Agroflorestais de Barra do turvo/SP e Adrianópolis/PR. Desde 1996, desenvolve atividades agroflorestais entre os pequenos agricultores da região. Hoje atua diretamente com 120 famílias agricultoras e Quilombolas, promovendo o fortalecimento da agricultura familiar, assessorando os processos de organização, formação e capacitação das famílias agricultoras, planejamento dos sistemas agroflorestais, além do beneficiamento, agroindustrialização, certificação participativa e comercialização da produção, através de programas apoiados por instituições governamentais e não governamentais (COOPERAFLORESTA, 2004). Em 2013, a Cooperafloresta teve a sua iniciativa eleita pela Fundação Banco do Brasil (FBB) de Tecnologia Social e ficou entre as 15 melhores do país por sua atuação na transformação de comunidades.

5. Resultados e Análises

5.1. Capítulo 1: Trajetória da Cooperafloresta

5.1.1. O Vale do Ribeira

Os produtores associados da Cooperafloresta estão situados na região do Vale do Ribeira, nos municípios de Adrianópolis/PR e Barra do Turvo/SP.

O Vale do Ribeira é uma região que abrange a Bacia Hidrográfica do Rio Ribeira de Iguape e o Complexo Estaurino Lagunar de Iguape-Cananéia-Paranaguá. Está localizado no nordeste do estado do Paraná e sudeste do estado de São Paulo, englobando 32 municípios. Desse total, 29 municípios são rurais (GOUDEL, 2008).

O Vale do Ribeira apresenta características únicas nos aspectos ambientais e culturais. O seu patrimônio ambiental é muito significativo. Remanescentes de Mata Atlântica, restingas e manguezais compõem a vegetação da região, que possui 2,1 milhões de hectares em florestas, aproximadamente 21% do total de Floresta Atlântica existente em todo o país, o que faz do Vale do Ribeira a região de maior área contínua deste bioma. Nesse contexto, possui 12 Unidades de Conservação, entre elas a Reserva da Mata Atlântica do Sudeste (1999), intitulada,

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em 2001, pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura), como uma das seis áreas brasileiras consideradas Patrimônio Natural da Humanidade. Cerca de 70% do território do município de Barra do Turvo está inserida em Unidades de Conservação. Além disso, a região também abriga um dos mais importantes patrimônios espeleológicos do Brasil (GOUDEL, 2008; KAZAY, 2014; EWERT et al, 2016).

O relevo da região caracteriza-se por cadeias de montanhas e rios nos fundos de vales, com altos desníveis altimétricos. O clima é subtropical úmido mesotérmico, com estação quente e úmida de setembro a março, precipitação média anual variando de 1.500 mm a 2.000 mm e temperatura média anual de 21,5°C. Os trechos conservados de Mata Atlântica, cuja vegetação é caracterizada pela Floresta Ombrófila Densa, contrastam com extensas áreas desmatadas para o plantio de monoculturas de Pinus sp., Eucalyptus sp., banana e pastagem para gado. Nos dois municípios do estudo o uso do solo se configura da seguinte forma: 53% das áreas municipais em Barra do Turvo e 36% em Adrianópolis são cobertas com Mata Atlântica e o restante é composto por um mosaico dominado por agricultura de subsistência itinerante baseada em derruba-e-queima, pastagens extensivas e degradadas após o rápido esgotamento dos terrenos (KAZAY, 2014; EWERT et al, 2016).

Culturalmente, o Vale do Ribeira também apresenta uma riqueza significativa. A região conta com a presença de várias comunidades tradicionais, quilombolas (a maior concentração no estado de São Paulo), agricultores familiares e camponeses. Entretanto, é também no Vale do Ribeira que estão os mais baixos índices sociais e econômicos da Região Sudeste do Brasil. A riqueza ambiental, cultural e histórica contrasta com a pobreza e miséria do povo que habita a região. A maior parte dos municípios paulistas se encontra com o IDH nas faixas média (0,5 a 0,799) e alta (0,8 a 1), no Vale do Ribeira a maior parte se encontra na faixa do mais baixo IDH (0 a 0,499) (GOUDEL, 2008; STEENBOCK et al, 2013).

Estudos mostram que o fluxo migratório na região levou a uma diminuição crescente da população, que está migrando para outros centros urbanos em busca de emprego e infraestrutura básica. Atualmente as atividades econômicas da região são a agricultura, pecuária e o turismo. Apesar de os recursos florestais serem nitidamente a principal riqueza local, estes ainda são muito pouco explorados economicamente. A perspectiva é que os programas governamentais e

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a presença das Fundações e Associações na região deem suporte para o desenvolvimento sustentável do Vale do Ribeira, incluindo o manejo florestal, o que é uma questão estratégica para assegurar a conservação ambiental e melhorar a estrutura social da região (GOUDEL, 2008).

5.1.2. Barra do Turvo

O início do povoamento do município de Barra do Turvo se deu em volta do Rio Pardo e Rio Turvo no ano de 1852, com plantação de milho e criação de porcos. Por se tratar de um município predominantemente rural, Barra do Turvo desenvolveu vários ciclos extrativistas e agropecuários, baseados na criação de porcos, gado bovino, búfalo, na produção de milho e feijão e na extração de palmito Juçara. Nas primeiras décadas do século XX, as lavouras de banana cresceram, passando a ser o principal produto econômico da região. O município viveu tempos de fartura no período entre 1910 e 1930, quando foi grande a produção agrícola e pecuária, baseada em monoculturas (BRAGA, 2012).

Barra do Turvo é o município com maior área dentro do Parque Estadual Jacupiranga, com 79% do seu território inserido nele. A população é de 7.729 habitantes com densidade demográfica de 7,67 hab/km². O número de habitantes na área urbana é de 3.174 e na área rural de 4.555. (IBGE, 2010)

Barra do Turvo está entre os municípios mais pobres de São Paulo. A taxa de alfabetização (78,20%) é uma das mais baixa do estado e a renda per capita é uma das piores (113,90/mês/pessoa). A expectativa de vida ao nascer é de 65,20 anos. Conforme o Censo Agropecuário de 2006, o município de Barra do Turvo possui 428 estabelecimentos agropecuários, somando uma área de 58.990 ha. A área de matas e florestas destes estabelecimentos correspondem a 57% e são cobertas por vegetação nativa em diferentes estágios de regeneração. A pecuária inclui a criação de bovinos para corte e leite (285 estabelecimentos), bubalinos para corte e leite (24 estabelecimentos), caprinos (21 estabelecimentos), suínos (189 estabelecimentos), aves (106 estabelecimentos) e ovinos (38 estabelecimentos). A produção agrícola inclui as lavouras permanentes, com a colheita de abacate, banana, goiaba, limão e palmito, e as lavouras temporárias, com a produção de arroz,

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feijão, mandioca e milho. As produções mais representativas são mandioca, milho, banana, arroz, feijão, palmito, abacate, limão e goiaba O cultivo perene que trouxe maior retorno econômico para o município foi o de palmito e o cultivo anual com maior rendimento econômico foi o de mandioca. (IBGE, 2006).

As principais atividades desenvolvidas no município atualmente são a pecuária extensiva, a produção de leite de búfala, a produção de palmito pupunha e as agroflorestas. Além disso, ainda é bastante expressiva na região a agricultura de coivara para o plantio de milho, feijão e arroz, voltada basicamente para subsistência, e o plantio de banana (KAZAY, 2014).

5.1.3. Adrianópolis

Acredita-se que os pioneiros tenham vindo dos municípios próximos Ribeira e Apiaí. A região possuía como principais atividades econômicas a criação de suínos e lavouras de milho e feijão, e a produção era transportada pelos tropeiros. Até o ano de 1920, Adrianópolis pertencia ao Estado de São Paulo (KAZAY, 2014).

A população total é de 6.790 habitantes. Deste total, 2.062 habitantes residem na área rural. O município é considerado pobre. Possui a segunda pior renda per capita do Paraná, com valor de R$ 115,60/mês. A taxa de alfabetização é de 74,09% (oitava pior colocação no estado) A esperança ao nascer é de 69,87 anos (IBGE, 2010). Segundo o Censo Agropecuário de 2006, Adrianópolis possui 976 estabelecimentos rurais que totalizam 71.036ha. Deste total, 43,5% são de florestas nativas. As atividades pecuárias incluem bovinos de leite e corte, suínos, caprinos, ovinos, aves e bubalinos. As lavouras permanentes e temporárias produzem majoritariamente mandioca, milho, cana-de-açúcar, tangerina, feijão, tomate, limão, banana, abacate, maracujá, arroz, caqui e pêssego. O maior retorno econômico das lavouras permanentes veio com o limão e, nas lavouras temporárias, com o tomate.

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A Cooperafloresta - Associação dos Agricultores Agroflorestais de Barra do turvo/SP e Adrianópolis/PR - é composta exclusivamente por agricultores familiares. Desde 1996, a Associação desenvolve atividades agroflorestais entre os pequenos agricultores da região. Iniciou suas atividades na Barra do Turvo e Adrianópolis e, depois, se expandiu para Bocaiúva do Sul/PR e outros municípios da região. Hoje atua diretamente com 120 famílias agricultoras e Quilombolas, promovendo o fortalecimento da agricultura familiar, assessorando os processos de organização, formação e capacitação das famílias agricultoras, planejamento dos sistemas agroflorestais, além do beneficiamento, agroindustrialização, certificação participativa e comercialização da produção, através de programas apoiados por instituições governamentais e não governamentais. A Associação visa buscar o fortalecimento da agricultura familiar e do desenvolvimento de uma consciência ambiental, visando a construção da agroecologia e da prática agroflorestal para o enfrentamento da exclusão social mediante alternativas de produção e renda para os trabalhadores rurais (COOPERAFLORESTA, 2004).

A missão da Cooperafloresta (2010) é:

“Resgatar e desenvolver a cultura, a cidadania, a soberania alimentar e o grande conhecimento que as comunidades tradicionais e quilombolas da região possuem sobre a natureza, aplicando-o na geração e multiplicação de uma agricultura fundamentada no entendimento e cooperação com os processos naturais que mantém, regeneram e reproduzem a vida e a fertilidade da terra e do ambiente”.

As famílias associadas são organizadas em grupos que se reúnem para realizar o manejo das agroflorestas coletivamente. Isso facilita o trabalho e possibilita que os agricultores discutam temas relacionados à Associação. Antes do início dessa experiência, a história recente dos agricultores locais era marcada pelo aprofundamento de uma crise socioambiental ligada aos limites de seu acesso a meios para produzir e prover suas necessidades básicas, além de ter a terra, a disponibilidade de água, a qualidade do solo, ou seja, a base material de sua existência ameaçada. Além disso, famílias saíam da terra e seus filhos, que não se viam com futuro na agricultura, iam para a cidade onde se estabeleciam nas periferias e nas ocupações urbanas (KAZAY, 2014).

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A experiência da Cooperafloresta é vista como uma referência consolidada e vem construindo caminhos de superação da exclusão social e da degradação dos recursos naturais. Por meio da agrofloresta, a Associação tem conseguido desencadear um processo de organização das famílias agricultoras, dentro do enfoque participativo, resgatando os conhecimentos tradicionais e promovendo o diálogo com o universo técnico-científico, na busca de alternativas de produção, geração de renda e adequação ambiental. Antes da agrofloresta, as famílias associadas sobreviviam com rendas declinantes da produção do feijão cultivado em terras com acentuado processo de degradação, comercializada de forma individualizada em mercados distantes e com elevados custos. Atualmente, essa renda é expressivamente maior, crescente e conciliada com a conservação da sociobiodiversidade e com a promoção da segurança alimentar. Hoje, a Cooperafloresta recebe mais de mil pessoas por ano, entre agricultores, organizações, técnicos, universitários, consumidores e estudantes, em visitas, intercâmbios, estágios, cursos e pesquisas. Dessa forma, essa experiência tem contribuído para a sensibilização, divulgação e multiplicação da agrofloresta como instrumento de recuperação e conservação dos recursos naturais e de geração de renda para as famílias agricultoras (STEENBOCK et al, 2013).

5.1.5. História

A história da Cooperafloresta iniciou-se em 1996, quando o “Osvaldinho”, agrônomo da CATI, órgão que presta assistência técnica aos produtores rurais do estado de São Paulo, convidou Ernst Gotsch para dar um curso sobre sistemas agroflorestais na Barra do Turvo. A visita do Ernst resultou nas primeiras experiências agroflorestais nas propriedades de duas famílias agricultoras da região. A partir de então, a ideia começou a se multiplicar no município e, em 1998, formou-se o primeiro grupo com 30 famílias agrofloresteiras e as atividades passaram a ser realizadas através de mutirões.

A comercialização iniciou-se com agricultores e técnicos que levaram os produtos para serem vendidos semanalmente nas feiras de Curitiba. A ONG Visão Mundial, a prefeitura do município de Barra do Turvo e a Associação para o Desenvolvimento da Agroecologia (AOPA) prestaram suporte na estruturação da comercialização. A AOPA também foi a responsável por articular a entrada da Cooperafloresta na Rede Ecovida de Agroecologia para a realização da

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certificação participativa. Isso foi essencial para possibilitar que os produtores associados da Cooperafloresta começassem a vender seus produtos em feiras de orgânicos em Curitiba.

Até 2001, a ascensão da Cooperafloresta foi muito rápida, devido, principalmente, ao apoio dos técnicos da região, das ONGs e da AOPA. Mas, após esse período de crescimento, a Cooperafloresta passou por uma fase de dificuldades. O Osvaldo, técnico que trouxe o conceito de agroflorestas para os agricultores, saiu da região, a prefeitura deixou de dar apoio para a realização das feiras e o custo para vender os produtos em Curitiba ficou muito alto, inviabilizando a comercialização. Isso fez com que várias famílias desistissem da atividade. Além dessas dificuldades, mais da metade das famílias moram em comunidades localizadas em áreas decretadas como Parque Estadual Jacupiranga. Isso significa que, para conseguir recursos e retomar a atividade agrícola, seria necessário o apoio do Parque que se mostrou resistente naquele momento. Para vencer esses desafios, a Cooperafloresta e o SINTRAVALE (Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura Familiar do Vale do Ribeira e Litoral Sul) se organizaram para dialogar com as autoridades do Parque e conseguir o apoio necessário para viabilizar os projetos. Foi assim que, em 2004, a Associação voltou a crescer com 53 famílias produzindo alimentos agroflorestais e gerando renda para a região.

Nesse mesmo ano, a Cooperafloresta ganhou mais força com o Projeto Iguatu e com o aumento de verba da ONG Visão Mundial. Isso possibilitou o fortalecimento da Associação e o aperfeiçoamento das práticas agroflorestais. O Projeto Iguatu é fruto de um edital do Programa Petrobrás Ambiental que selecionou projetos que contribuíssem com soluções para a problemática da água, cuja temática central escolhida foi a agroecologia. O Projeto proporcionou a capacitação de doze agricultores da Associação, que foram denominados de agentes multiplicadores (COOPERAFLORESTA, 2016).

Em 2005, o diálogo entre autoridades ambientais e a população local foi facilitado com a criação do Conselho Consultivo do Parque Jacupiranga, composto por lideranças locais e autoridades, visando facilitar a prática da agrofloresta na agricultura familiar. Além desse conselho, a Cooperafloresta conta ainda com as parcerias do IBAMA e do Departamento de Recursos Naturais do Estado de São Paulo, que reconheceram o trabalho ecológico da

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