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De coisa de pequeno burguês para um debate relevante: a trajetória ambiental do movimento dos trabalhadores rurais sem terra (MST) 1984-2004

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM PLANEJAMENTO E GESTÃO AMBIENTAL

MARCILEI ANDREA PEZENATTO VIGNATTI

DE “COISA DE PEQUENO BURGUÊS” PARA UM DEBATE RELEVANTE: A TRAJETÓRIA AMBIENTAL DO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES

RURAIS SEM TERRA (MST) - 1984/2004

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MARCILEI ANDREA PEZENATTO VIGNATTI

DE “COISA DE PEQUENO BURGUÊS” PARA UM DEBATE RELEVANTE: A TRAJETÓRIA AMBIENTAL DO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES

RURAIS SEM TERRA (MST) - 1984/2004

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Planejamento e Gestão Ambiental da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para a obtenção de título de mestre em Planejamento e Gestão Ambiental.

Orientador: Prof. Dr. Paulo Ricardo da Rocha Araujo

(3)

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA

MARCILEI ANDREA PEZENATTO VIGNATTI

DE “COISA DE PEQUENO BURGUÊS” PARA UM DEBATE RELEVANTE: A TRAJETÓRIA AMBIENTAL DO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES

RURAIS SEM TERRA (MST) - 1984/2004

Dissertação aprovada em 21 de março de 2006 para obtenção do título de Mestre em Planejamento e Gestão Ambiental

Área de concentração: Planejamento e Gestão Ambiental

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Paulo Ricardo da Rocha Araujo - UCB Orientador

Profª Drª Michèle Sato - UFMT Examinadora Externa

(4)

Um dia, a vida surgiu na terra. A terra tinha como a vida um cordão umbilical. A vida e a terra. A terra era grande e a vida pequena. Inicial. A vida foi crescendo e a terra ficando menor, não pequena. Cercada, a terra virou sorte de alguns e a desgraça de tantos. Na história foi tema de revoltas, revoluções, transformações. A terra e a cerca. Muitas reformas se fizeram para dividir a terra, pra torná-la de muitos e, quem sabe, até todas as pessoas. Mas isso não aconteceu em todos os lugares. A democracia esbarrou na cerca e se feriu nos seus arames farpados. O mundo está evidentemente atrasado. Onde se fez à reforma, o progresso chegou. Mas a verdade é que até agora a cerca venceu, o que nasceu para todas as pessoas, em poucas, em poucas mãos ainda está. No Brasil a terra, também cercada, está no centro da história. Os pedaços que foram democratizados custaram muito sangue, dor e sofrimento. Virou poder de Portugal, dos coronéis, dos grandes grupos, virou privilégio, poder político, base da exclusão, força de apartheid. Nas cidades, virou mansões, favelas. Virou absurdo sem limites, tabu. Mas é tanta, é tão grande, tão produtiva, que a cerca treme, os limites se rompem, a história muda e ao longo do tempo, o momento chega para pensar diferente: a terra é bem planetário, não pode ser privilégio de ninguém, é bem social e não privado, é patrimônio da humanidade, e não arma de egoísmo particular de ninguém. É para produzir, gerar alimentos, empregos, viver. É bem de todos para todos. Esse é o único destino possível para a terra.

(5)

DEDICATÓRIA

(6)

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais Dilema e Nilso Aos meus amores Claudio, João e Romeu

Aos meus colegas do Mestrado

Zeide e Eliane, amigas que compartilharam desta pesquisa Pedro, meu amigo, companheiro e colaborador

Aos meus professores do Mestrado Prof. Mario Theodoro pela amizade

Aos dirigentes do Setor de Educação e do Setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente do MST pela contribuição com este trabalho

Ao Prof. Genebaldo Freire Dias e a Profª. Michèle Sato pela predisposição em avaliar e contribuir com esse trabalho.

(7)

RESUMO

(Objetivo) Este trabalho contextualiza o processo de aproximação e de abordagem da temática ambiental no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Teve como objetivo principal identificar a Educação Ambiental que vem sendo construída neste movimento social, considerando o período de análise de 1984 a 2004. (Metodologia) Foram pesquisados o Setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente e o Setor de Educação do MST, nas suas instâncias de decisão, com sede em Brasília (DF). Utilizou-se da pesquisa semi-estrutura (na qual foram entrevistados dirigentes dos setores acima citados), análise documental e bibliográfica (documentos, projetos, cartilhas e publicações científicas relacionadas ao tema) e pesquisa participante (atividades, reuniões, encontros e seminários promovidos pelos dois setores). (Resultados) O MST incorpora a discussão ambiental a partir de duas motivações principais: o movimento de influências externas - discussões sobre a questão ambiental a partir da década de 70 - e o processo interno de maturação da sua organicidade, na qual a vertente educacional contribuiu sobremaneira na formação de um sujeito social que em determinado momento toma a dimensão ambiental como mais uma das dimensões do seu processo de formação. A abordagem ambiental no MST é construída considerando as seguintes dimensões: política (fortalecimento da organização MST), econômica (garantia de renda e autonomia aos assentados), cultural (a reprodução social enquanto classe, com seus valores, costumes e crenças), ideológica (a contraposição ao modelo hegemônico de agricultura) e a dimensão sociológica (os elos e as alianças com outras organizações sociais do mesmo campo contra hegemônico). A Educação Ambiental ainda encontra-se em estágio embrionário, mas representa, sobretudo, nos arranjos produtivos, um grande avanço na tomada de consciência, porque tem promovido mudanças significativas na relação dos assentados com a natureza. No entanto, falta se consolidar, do ponto de vista da educação formal - nas escolas e cursos do MST - como uma questão importante no processo educativo.

(8)

ABSTRACT

(Objective)This work gives a context to the process of approach and boarding the environmental thematic in the Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST (Movement of the Agricultural Workers Without Land). This work had as the main purpose to identify the Enviromental Education that has been constructed in this social movement, considering the period of analysis between 1984 and 2004. (Methodology) The Sector of Production, Cooperation and Environment had been searched and the Sector of Education of the MST, in its instances of decision, with headquarters in Brasília/DF. A half-structure research was used (in which they had been interviewed leading of the sectors above cited) bibliographical and documentary analysis (documents, projects, manuals and related scientific publications to the subject had been studied) and participant searches (activities, meetings and seminaries promoted for the two sectors) (Results) The MST incorporates the ambient quarrel from two main motivations: the movement of external influences - quarrels on the environmental question from the 70's and the internal process of maturation of its organization, in which the educational source contributed excessively in the formation of a social citizen who, in determined moment, takes the environmental dimension as one more of the dimensions of his formation process. The environmental boarding in MST is constructed considering the following dimensions: political (to fortify the organization of MST), economic (guarantee of income and autonomy to the seated ones), cultural (the social reproduction while a group, with its values, customs and beliefs), ideological (the contraposition to the hegemonic model of agriculture) a the sociological dimension (the links and the alliances with other social organizations of the same field against hegemonic). The Environmental Education still remains in embryonic stage but it represents in the productive arrangements over all a great advance in the conscience, while taking decision, because it has promoted significant changes in the relation of the seated ones with the nature. However, it lacks the consolidation of it as an important matter of the educative process in the schools and courses of MST under the point of view of the formal education.

(9)

LISTA DE SIGLAS

ALCA - ÀREA DE LIVRE COMÉRCIO DAS AMÉRICAS

ANCA - ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE COOPERAÇÃO AGRÍCOLA CONAMA - CONSELHO NACIONAL DE MEIO AMBIENTE

CONCRAB - CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS COOPERATIVAS DE REFORMA AGRÁRIA DO BRASIL

COOPERCAL - COOPERATIVA DOS ASSENTADOS DO RIO GRANDE DO SUL FAO - FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION

FNMA - FUNDO NACIONAL DE MEIO AMBIENTE

IBAMA - INSTITUTO BRASILEIRO DE MEIO AMBIENTE E RECURSOS RENOVÁVEIS

IDH - ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

INPE - INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS

INEP - INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EM EDUCAÇÃO ISA - INSTITUTO SÓCIO AMBIENTAL

MMA - MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE ONU - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS

PNUMA - PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE

PRONERA - PROGRAMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO NA REFORMA AGRÁRIA PUC - PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA

SEMAM - SECRETARIA DE MEIO AMBIENTE DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

SISNAMA - SISTEMA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE

UNESCO - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA

(10)

LISTAS DE ANEXOS

ANEXO I - MATERIAIS PRODUZIDOS PELO MST COMO SUBSÍDIOS PARA O DEBATE AMBIENTAL

ANEXO II - SÌNTESE DA PESQUISA SOBRE A SITUAÇÃO DA EDUCAÇÃO NOS ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRÁRIA

ANEXO III - ROTEIRO DE QUESTÕES PARA PESQUISA DOCUMENTAL E BIBLIOGRÁFICA

(11)

SUMÁRIO

LISTA DE SIGLAS ... 9

LISTAS DE ANEXOS... 10

SUMÁRIO... 11

INTRODUÇÃO ... 12

CAPITULO I - O CENÁRIO DOS ÚLTIMOS 20 ANOS DO BRASIL - ALGUMAS REFLEXÕES ATINENTES AO TEMA... 14

CAPITULO II - HISTÓRIA DO MST - LOCUS DA PESQUISA ... 21

2.1 A organização e a Educação no MST ... 26

2.2 Metodologia... 31

CAPÍTULO III - HISTÓRIA AMBIENTAL: A CONSTRUÇÃO NO MST ... 35

3.1 Os grandes debates mundiais sobre o meio ambiente ... 35

3.2 O debate ambiental na agricultura brasileira - elementos que influenciaram o pensamento ambiental do MST... 39

3.3 O movimento dos alternativos - os mediadores, o surgimento das organizações e o debate interno no MST ... 44

3.4 O debate ambiental no MST - história e a construção do caminho ... 51

3.5 Da temporalidade dos fatos à construção das primeiras análises ... 77

CAPITULO IV - OS PROCESSOS EDUCATIVOS PRODUZIDOS NO MST ... 80

4.1 A formação do sujeito Sem Terra - elementos para compreender a dimensão ambiental no MST ... 80

4.2 Os processos educativos e a construção de uma nova ruralidade... 85

CAPÍTULO V - A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO MST ... 87

5.1 Elementos da história da Educação Ambiental - um olhar em busca de elos com o MST ... 88

5.2 A Educação Ambiental no MST: caracterização, potencialidades e desafios... 94

5.2.1 Elementos fundantes ... 94

5.2.2 Caracterização ... 96

5.2.3 Potencialidades: ... 99

5.2.4 Desafios ... 100

RESULTADOS E CONCLUSÕES... 107

(12)

INTRODUÇÃO

“O que me faz esperançoso não é a certeza do achado, mas mover-me na busca”. Paulo Freire

Este estudo teve como objeto identificar a educação ambiental no processo de

composição da trajetória histórica da aproximação do Movimento dos Trabalhadores Rurais

Sem Terra-MST a um dos temas mais emergentes da sociedade moderna - a questão

ambiental. Esse tema tem se universalizado, sintetizando um dos os grandes desafios do nosso

tempo, incorporando, além de temas “verdes”, também as questões sociais.

Trata-se de recuperar, a partir do contexto das lutas por terra e reforma agrária no

Brasil durante o período de 1984 a 2004, as motivações que levaram o MST, um movimento

social que aglutina os trabalhadores mais pobres e vulneráveis do campo agrário brasileiro, ao

desafio de incorporar a dimensão ambiental nas suas agendas de luta. Nesse contexto, o papel

da educação ambiental é de grande importância.

O trabalho de investigação está registrado, neste texto, em três capítulos: o primeiro

deles tratará do reconhecimento do lócus da pesquisa, ou seja, situar o leitor no universo do

objeto investigado. Embora haja uma vasta publicação sobre o tema, esse capítulo torna-se

indispensável na medida em que recupera alguns elementos da história do MST, visualizando

os primeiros elos com a educação ambiental.

Nessa parte do trabalho são recuperados os elementos fundantes do MST, as suas

raízes, seus objetivos e suas relações, assim como os processos organizativos nos quais serão

focalizados prioritariamente dois setores: de Produção, Cooperação e Meio Ambiente e o

(13)

no MST, uma maior proximidade com o tema.

O segundo capítulo tratará da reconstituição dos fatos que, de alguma forma,

contribuirão no processo de aproximação do MST da temática ambiental e está organizado em

quatro distintas, mas interrelacionadas partes. A primeira contextualiza o surgimento da

própria questão ambiental (sua gênese), os principais eventos e obras literárias, cujos debates

polemizaram e disseminaram as análises sobre a crise ambiental, elaborando possíveis

soluções para a mesma. A segunda parte focaliza, a partir dessa conjuntura, o debate ocorrido

na agricultura brasileira, os primeiros encontros e enfrentamentos entre os movimentos de luta

por terra e os movimentos ambientalistas, sinais dos primeiros diálogos entre as questões

sociais e as ambientais. A terceira parte contextualiza o movimento dos alternativos, ou seja,

o surgimento de organizações como mediadoras do debate ambiental ocorrido no MST. A

quarta parte apresenta de forma cronológica o movimento de aproximação, de abordagem e de

transição ocorrido no MST na perspectiva ambiental.

O terceiro capítulo, além de trazer alguns elementos das formulações históricas da

educação ambiental, busca identificar como ela ocorre no MST, sob que perspectivas, quais

os principais problemas e quais as projeções futuras para esse campo específico da educação.

É importante ressaltar que esse processo não deve ser tomado como linear, exclusivo e

ausente de contradições. Ao contrário, trata-se de um processo dinâmico, influenciado por

(14)

CAPÍTULO I - O CENÁRIO DOS ÚLTIMOS 20 ANOS DO BRASIL - ALGUMAS REFLEXÕES ATINENTES AO TEMA

O tempo e a mudança, o tempo e o movimento, o tempo é a dimensão capaz de introduzir a referencialidade essencial na compreensão dos fenômenos sociais. A história é, nesse sentido, o instrumento insubstituível de reflexão. No campo necessariamente interdisciplinar da temática “Meio Ambiente”, a história contribui para o estabelecimento da dinâmica espaço-temporal das atividades humanas em suas variadas determinações: econômicas, políticas, sociais, demográficas e culturais. (PAULA et al. 2001, p. 220).

Pádua (2003), ao fazer algumas reflexões da sociologia histórica da nação brasileira,

afirma que o Brasil como entidade histórica é uma construção muito recente, com pouco mais

de cinco séculos.

[...] não é o resultado de uma longa maturação, de um lento processo evolucionário, como é o caso das sociedades da Ásia, Europa e África, mesmo considerando o jogo de rupturas e continuidades que sempre caracteriza a vida social. [...] pelo menos quatro séculos em cinco, foi amplamente dominada por um modelo de colonização explorador e predatório que vigorou durante os pouco mais de três séculos de domínio colonial, continuou presente, em suas linhas gerais, durante o primeiro século pós-colonial, sob o regime monárquico, e ainda hoje, em muitos sentidos, pesa profundamente sobre nossa sociedade. (PADUA, 2004, p. 07).

O autor afirma, ainda, que o Brasil não nasceu como uma nação ou como um país,

mas como um “macro projeto de exploração ecológica, ou melhor dizendo, um arquipélago de

projetos de exploração ecológica” (p. 8), no qual o processo de apropriação e ocupação social

do território tem sua gênese numa colonização mercantil européia, a qual deixou profundas

marcas, como a escravidão, o latifúndio e a monocultura; e do ponto de vista cultural e

(15)

mentalidades, ainda muito fortes na nossa sociedade (PADUA, 2004, p. 07-08).

Na prática, esse processo de exploração, via racionalidade da economia colonizadora,

desprezou a biodiversidade, com projetos de desmatamento e a implantação monoculturais de

espécies exóticas da flora (como a cana-de-açúcar, depois o café e atualmente a soja), e da

fauna (como o gado bovino), da exploração do ouro, da prata, e de tantos outros recursos

naturais finitos, desrespeitando a diversidade natural e cultural de quem antes da colonização

já vivia aqui.

Mas o que tem a ver isso com a análise conjuntural dos últimos 20 anos? Tudo, pois

trata-se de fragmentos de uma complexa história profundamente vinculada à história das

gerações que nos antecederam. Podemos contá-la a partir dos últimos 20 anos, mas não

podemos desmerecer ou ignorar suas raízes, sobretudo porquê, nessas últimas duas décadas,

muitos elementos apontam para as conseqüências negativas que provêm exatamente do

modelo cultural hegemônico da história do Brasil colonizado.

Tomando como agricultura como um dos eixos, vimos nessas últimas duas décadas

que o modelo de expansão da fronteira agrícola brasileira tem agravado os problemas sociais

e ambientais no campo, reproduzindo, embora com uma roupagem moderna, a exploração

econômica dos recursos naturais brasileiros.

[...] a partir da década de 1970, consolidou-se e expandiu-se o “moderno” padrão agrário brasileiro. No entanto, o êxito da modernização conservadora na agricultura - visto pela ótica da burguesia e suas relações com os demais setores da economia não serviram para modernizar as relações sociais no campo e para universalizar direitos políticos conquistados.[...] a violência praticada por escravocratas, por senhores de engenho e pela oligarquia cafeeira repete-se até hoje, com métodos mais sofisticados e sutis, por meio do agronegócio e nas grandes fazendas de propriedade de grupos industriais e financeiros. (ROSSETTO, 2005, p. 05).

(16)

agricultura familiar e/ou pelos trabalhadores Sem Terra, porque necessita de grandes

extensões de terras, de irrigação, de insumos e agrotóxicos, de mecanização, portanto, de alta

tecnologia. Em 2004, impulsionada pelas sementes transgênicas, esse tipo de cultura, em

plena ascensão, já ocupava [...]“duzentos milhões de hectares do Cerrado do Brasil central,

assim como boa parte do Sul da Floresta Amazônica” (ROSSETO, 2005, p. 12).

Do ponto de vista da economia brasileira, a plantação da soja transformou em marco

histórico os índices de exportação de grãos. Do ponto de vista social, suscitou

empobrecimento, violência e expulsão dos trabalhadores do campo. Do ponto ambiental,

trouxe um estrago significativo podendo ser comparável à trágica história do café no médio

Vale do Paraíba (RJ), no final do século XIX, onde os solos estragados e improdutivos foram

abandonados (p. 11).

Estima-se que apenas 20% desta cobertura, encontra-se hoje em bom estado de conservação. Cerca de 67% da sua área total pode ser considerada como altamente modificada, com voçorocas, assoreamento e envenenamento dos ecossistemas. Os parques e reservas, por outro lado, protegem apenas 4% do bioma. (CAPOBIANCO, 2002, p. 12).

Outro aspecto que se repete nos dias atuais é a percepção de que o passivo ambiental1

não é contabilizado. Ou seja, a perda de biodiversidade, de solos férteis, dos sistemas

hidrológicos, e ainda, o impacto decorrente do conjunto de infra-estrutura como estradas2 e

rodovias para sustentar tal modelo de produção agrícola, com curto ciclo de vida, representam

uma realidade no nosso país.

Nos últimos 20 anos, a Amazônia teve sua média de desmatamento (17 mil km2/ano)

1

Obrigações, com relação a danos, de uma empresa, indivíduo ou organização social relativas ao campo ambiental.

2

(17)

alterada somente em dois períodos. O primeiro, em 1995, motivado pelo crescimento

econômico, pelos projetos desenvolvimentistas e, em menor grau, pelos projetos de

assentamentos de reforma agrária do Governo Federal. O segundo, em 2004, motivado pelo

agronegócio e pelas políticas públicas que fortaleceram e incentivaram a sua expansão. Uma

pergunta a ser respondida, por outros estudos, é: o que será feito com esse passivo quando o

ciclo de expansão da soja apresentar seus limites econômicos e ecológicos e as implicações

sociais se agravarem?

Associados a este processo de desmatamento, expansão da fronteira agrícola e

concentração fundiária, dados do Fórum Nacional de Reforma Agrária apontam que nos

últimos 20 anos houve 1.385 assassinatos no meio rural, mostrando de maneira crua como, na

ausência do estado e de um equilíbrio de forças, pequenos agricultores e ambientalistas

tornam-se vítimas dos conflitos agrários e ambientais. Desse total apenas 77 acusados foram

julgados. Da população do Brasil, que nesse período cresceu para mais de 51 milhões de

habitantes, somente 20% do total de 181 milhões ainda moram no campo (IBGE, 2005). A

cada ano, 90 mil estabelecimentos agrícolas deixam de existir no Brasil, em sua maioria

incorporada por empreendimentos de maior porte e, desses, estima-se que 97% sejam

familiares (JORNAL BRASIL DE FATO, jun. 2005).

Os problemas seguem. Estudos realizados por pesquisadores da PUC, USP e Unicamp

apontam que as condições sociais da população brasileira nessas últimas duas décadas estão

em retrocesso. O forte aumento nas taxas de desemprego e dos índices de violência (medido

pelo número de homicídios por mil habitantes, indicador que apresentou um salto de 128%

nos últimos 20 anos) fez com que a exclusão social voltasse a crescer após ter diminuído entre

1960 e 1980. Hoje, a parcela de excluídos é equivalente a 47,3% do total da população,

segundo dados do Atlas de Exclusão Social no Brasil (2004). Esse índice de exclusão leva em

(18)

variáveis: indicadores de pobreza, emprego, desigualdade, alfabetização, escolaridade, total

de jovens e violência (ATLAS DA EXCLUSÃO SOCIAL NO BRASIL, 2004).

Pádua (1999) afirma que continua havendo um processo intenso e rápido de

crescimento urbano industrial, incluindo a industrialização do espaço rural3, que não

configuram dinâmicas sociais e econômicas que ocorreram de forma espontânea, mas sim

induzidas por [...]“políticas definidas em favor da implantação de uma sociedade capitalista

moderna no Brasil” (p.37).

Por outro lado, no bojo da retomada do processo de redemocratização, nesses últimos

20 anos, sobretudo no início da década de 80, ocorre o surgimento de movimentos sociais

ligados à agricultura, ou movimentos sociais do campo, que se configuram como forma de

organização e de contraposição ao exposto anteriormente. Toma-se como exemplo o

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, em 1984, objeto desse trabalho.

No que se refere à questão ambiental no Brasil, esse período representa um avanço na

tomada de consciência ambiental, uma vez que as preocupações com o meio ambiente

passaram a fazer parte da agenda da sociedade. Um exemplo disso pode ser observado pelo

surgimento, nos anos 80, do Partido Verde.

Nesse sentido, pode-se considerar que esse período marca o advento dos debates

ambientais, a multiplicação de seus defensores que se enraizaram em empresas, organizações

governamentais e não-governamentais, em universidades, escolas, movimentos sociais,

sindicais e populares, movimentos ambientalistas, fóruns, grupos, redes e outras tantas formas

de coletivização que imprimiram uma multiplicidade de construtos com distintas matizes

ideológicas, conflitos, contradições, certezas e incertezas.

Do ponto de vista das políticas públicas, certamente estamos falando de um período

(19)

de fatos significativos: no começo da década de 80, a criação da Política Nacional de Meio

Ambiente, e a partir dela a criação do SISNAMA e do CONAMA.

Em 1985, foi criado o Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente. Em

1988, a Constituição Federal consagrou num capítulo específico (o VI) o tema ambiental

como um bem, um direito coletivo, essencial à qualidade de vida saudável, e em 1989 foi

criado o IBAMA.

Em 1990, em plena Era Collor, foi criada a SEMAM e, em 1992, logo após a 2ª

CNUMAD - Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento

(Rio/92), o MMA - Ministério do Meio Ambiente, substituindo o então Ministério acima

citado.

Em 1999, a criação da Política Nacional de Educação Ambiental conferiu às políticas

públicas para a área ambiental um caráter com foco à formação humana, a construção de

valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas à preservação

do meio ambiente.

Assim, através dessas políticas, vários instrumentos foram construídos, além de

diferentes metodologias para caracterizar a qualidade do meio ambiente, identificar agentes

poluidores, analisar impactos ambientais, licenciar e fiscalizar as atividades produtivas,

implantar formas de controle e programas de recuperação ambiental, constituindo um amplo

campo de conhecimento. As exigências de licenciamento ambiental para projetos de Reforma

Agrária são um exemplo disso.

Contudo, apesar de todo avanço na legislação ambiental brasileira, esses 20 anos

também servem para mostrar a fragilidade do Estado brasileiro frente ao cumprimento de tal

legislação. Podem-se apontar três principais motivos: a) os interesses econômicos nacionais e

(20)

inoperância do Estado e c) os interesses políticos e a correlação de forças que disputam as

políticas públicas, e a indefinição do papel do meio ambiente na política nacional, podendo

ser ilustrado pela distribuição dos recursos no orçamento para 2005: Ministério da Agricultura

com políticas de expansão do agronegócio, trangênicos (R$ 5 bilhões), Ministério do Meio

Ambiente - contra trangênicos, contra desmatamentos etc. (R$ 2 bilhões) e Ministério

Desenvolvimento Agrário - responsável pelos projetos de reforma agrária (R$ 2 bilhões)4.

Os últimos 20 anos contextualizam também um período de avanços no campo da

ciência, da tecnologia e das telecomunicações, muito embora esses avanços ainda estejam

distantes do controle social. Por outro lado, o período retrata a abertura de um processo de

reconhecimento da cultura e dos direitos dos negros, dos índios, dos pescadores etc.

Poderíamos lembrar da face de cada governo e seus contornos políticos - da era José Sarney,

do governo Itamar Franco, do impeachement de Fernando Collor, da eleição e reeleição de

Fernando Henrique Cardoso, da eleição de Lula e das expectativas do povo nas ações de seu

governo.

Por fim, e a fim de celebrar o começo, apresentamos esse trabalho como uma pequena

contribuição no contexto dessa trajetória, num período em que o processo democrático nos

trouxe uma relativa liberdade, mas que não nos trouxe mais justiça e igualdade social.

4

(21)

CAPÍTULO II - HISTÓRIA DO MST - LÓCUS DA PESQUISA

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) representa a continuidade

das lutas camponesas pela democratização da terra no Brasil, a partir do início da década de

80.

Durante o período colonial até o final do século XIX, foram os índios e os negros que

a protagonizaram essas lutas, defendendo territórios invadidos pelos bandeirantes e

colonizadores, ou unindo as lutas pela liberdade com as da terra própria e construindo os

quilombos.

Analisando a questão da luta pela terra no Brasil, Morissawa (2000) aponta o

surgimento (no final do século XIX e início do século XX) de muitas formas de resistência.

São exemplares os movimentos messiânicos como a Guerra de Canudos na Bahia (1896), e

Guerra do Contestado nos limites dos estados do Paraná e Santa Catarina(1912-16).

Nessa direção, Fernandes (2000) aponta, ainda, que entre 1930 e 1940 ocorreram, em

diversas regiões, conflitos violentos de luta pela terra, com posseiros defendendo suas áreas

de forma individualizada. Entre 1950 e 1964, o movimento camponês organizou-se como

classe, fazendo a luta pela terra de uma forma mais organizada. Surgem as Ligas Camponesas

do Nordeste (década de 60), a União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil

(22)

(MASTER) fundado pelo então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola. Stédile

(2004) cita ainda a Frente Agrária Católica, articulação de camponeses organizada pelas

dioceses locais e, finalmente, a partir de 1963, a criação dos sindicatos rurais que até então

eram proibidos. Esses movimentos foram esmagados pela ditadura militar após 1964, e seus

líderes foram assassinados, presos ou exilados.

Segundo Lisboa (1988), no Brasil, a partir da década de 70, os agricultores passam a

se conscientizar das contradições que envolvem suas condições de trabalho e de vida.

Subordinados e dependentes da agroindústria e do modelo tecnológico que ela impõe, tentam

reverter esse quadro criando novas bases para a sua reprodução, formando grupos e se

organizando em movimentos.

Observa-se nessa época a irrupção de novos sujeitos sociais no cenário político

nacional, colocando em gestação uma nova compreensão da política, da sociedade e da vida.

Entre 1979 e 1980, no bojo da luta pela redemocratização do Estado brasileiro, surge uma

nova forma de pressão dos camponeses: as ocupações, organizadas por dezenas ou centenas

de famílias, representando uma ruptura com o discurso dominante que garantia, em última

análise, a manutenção da terra nas mãos de alguns.

Segundo De La Cruz (1987), três grandes rupturas contribuíram para os surgimentos

dos movimentos sociais: a) ruptura cultural: com o desenvolvimento do capitalismo, a

crescente industrialização e a urbanização. Provocou a crise da família, dos casais, das

relações entre país e filhos, dupla ou tripla jornada de trabalho da mulher, a perda da fé nas

crenças tradicionais, e tudo isso levou ao aumento da individualização e à desestabilização

das relações humanas; b) ruptura do modelo estatal: crise econômica e a complexidade da

sociedade assinalaram novos limites para o funcionamento do Estado, antes interventor e

desenvolvimentista, com base no diagnóstico de sua insuficiência administrativa,

(23)

desenvolvimentista: a crise econômica, o desemprego em massa, a recessão, efeitos

ambientais da industrialização, entre outros, que vieram desmascarar o sonho

desenvolvimentista inaugurado no pós-guerra.

Estes diferentes fatores, tratados até aqui, determinaram as raízes (ou a gênese) do

MST. "[...] O principal deles foi o aspecto socioeconômico das transformações que a

agricultura sofreu na década de 70, considerado o período mais rápido e mais intenso da

mecanização da lavoura brasileira" (STEDILE ; FERNANDES, 2000, p.15).

Para Poli (1999, p. 92 ), o MST é

[...] um movimento de trabalhadores do campo que lutam para conquistar a terra, à qual nunca tiveram acesso ou foram expropriados no processo de penetração das relações capitalistas de produção na agricultura. Envolve ainda muitos proprietários de áreas reduzidas, insuficientes para o trabalho de uma familia e filhos de pequenos proprietários, que não conseguiram obter uma área de terra para montar a sua própria unidade produtiva [...]. Pode-se dizer que o MST é fruto da unificação de diversas lutas e conflitos em torno da questão da posse da terra, lutas essas ocorridas sobretudo na Região Sul do Brasil, entre o final da década de 70 e início da década de 80. tais lutas foram motivadas principalmente pêlos efeitos do processo de modernização da agricultura pelo esgotamento da fronteira agrícola na região e pelo processo de reconcentração fundiária.

No início de 1985, os participantes dessas ocupações realizaram um primeiro

encontro, dando nome e articulação própria ao MST. É importante destacar que a diferença do

MST em relação aos seus antecessores dos anos 50 e 60 é sua maior organização, maior

abrangência, sendo também mais descentralizado (portanto menos regional) e com um

discurso mais próximo e adaptado à realidade dos camponeses5.

A esse fenômeno, que favoreceu a articulação para criação do MST, Lisboa (1988)

chama de Novos Movimentos Sociais6. Aqui, o "novo" não trata de se diferenciar dos velhos

5

Camponeses são os produtores simples que trabalham a terra como proprietários, parceiros, arrendatários, ocupantes, posseiros etc. utilizando para isso seus próprios meios de produção e decidindo sobre o consumo e distribuição dos produtos.

6

(24)

ou tradicionais por sua temporalidade, mas sim por suas características, dizem respeito,

principalmente, às três grandes rupturas - estatal, modelo estatal e modelo desenvovimentista

- observadas por De La Cruz (1997).

No MST, estas características aparecem na capacidade de organizar os sem-terra,

ampliar sua militância e renovar as instâncias de decisão (direção e coordenação nacionais),

assim como na mística7 fundamentada em princípios de organização e na mobilização de

trabalhadores para as ocupações de terra, fazendo desta prática uma das suas principais

estratégias de luta.

Scherer-Warren (1989, p. 15), estudiosa dos movimentos sociais, afirma tratar-se de

um movimento que se organiza a partir " [...] de uma ação grupal para a transformação (a

práxis), voltada para a realização dos mesmos objetivo (o projeto), sob a orientação mais ou

menos consciente de princípios valorativos comuns (a ideologia) e sob uma organização

diretiva mais ou menos definida (a organização e sua direção)".

A praxis, o projeto, a ideologia e a organicidade, em conjunto, fazem com que o MST

não reivindique somente a distribuição de terras, mas proponha, paralelamente, a organização

permanente dos trabalhadores rurais já assentados, para a efetiva implementação da produção

nos lotes conquistados a partir de uma outra lógica, ou seja, da busca de uma qualidade de

vida digna, presumindo-se, apesar de inicialmente não explicitado, o reconhecimento da

dimensão ambiental como mais uma dimensão importante na sua organização.

Neste contexto, Curado (2004) destaca que a apropriação da terra é somente uma das

etapas da luta pela terra, exercendo um papel fundamental na (re)estruturação da identidade

7

(25)

do agricultor, embutindo uma continuidade da luta.

É uma luta pelo acesso aos meios e condições de produção, pela obtenção junto ao poder público de recursos necessários, luta contra a imposição de normas e regras pêlos técnicos e, também por assistência técnica, luta pela manifestação de seus conhecimentos, anseios e decisões, luta efim, para conseguir viver na terra. (CURADO, 2004, p. 48).

Essa perspectiva faz com que o MST não seja apenas um movimento social

empenhado na luta pela reforma agrária, para tornar-se uma organização política e social de

massas8. Zibechi (2003) diz tratar-se de características presentes nos movimentos sociais que

emergiram da crise neoliberal que assola a América Latina desde os anos 80. Além do MST, o

autor cita ainda o Movimento Zapatista9, a CONAIE (Confederação de Nacionalidades

Indígenas do Equador), os Coccaleros na Bolívia, entre outros. São traços marcantes desses

novos movimentos sociais:

[...] a sua territorialidade, negando no concreto, a crença pós moderna da supressão do espaço; a autonomia frente a governos e partidos, a revalorização da cultura e a afirmação da identidade de seus povos e setores sociais, inclusive fortalecendo as mulheres; e, em consonância com a autonomia, a capacidade de formação de seus próprios intelectuais (CURADO, 2004, p. 9)

O MST pode ser observado também como um movimento que mantém relações

políticas pela reforma agrária em nível internacional. Nesse cenário, as principais

articulações ocorrem por meio da Coordenação Latino-Americana das Organizações do

Campo (CLOC) e, em âmbito mundial com a Via Campesina, congregando organizações dos

cinco dos cinco continentes.

É nesse contexto, e com essas características, que o MST vem se afirmando como um

8

“De Massas” significa que reúne grande número de pessoas.

9

(26)

dos mais notáveis movimentos de massa que se tem notícia na história recente do Brasil,

tendo uma capacidade surpreendente de reiventar-se politicamente, segundo as variações

conjunturais, e desafiando-se a pressionar socialmente para alterar um padrão de propriedade

da terra historicamente consolidada no nosso país.

2.1 A organização e a Educação no MST

O MST se encontra organizado em todo o país, com exceção dos estados do

Amazonas, Acre, Roraima e Amapá. Articulando cerca de trezentas e cinqüenta mil famílias,

que vivem em mil e seiscentos assentamentos10 de ReformaAgrária e outras cem mil famílias

que vivem em acampamentos11. Sua ação ao longo de duas décadas já promoveu a ocupação

de mais de 2 mil latifúndios, desapropriando aproximadamente 7 milhões de hectares de terras

improdutivas (MST).

Desenvolve atividades em várias frentes como: Educação, Formação Técnica,

Produção, Cooperação e Meio Ambiente, Cultura, Gênero, Saúde, Juventude, Relações

Internacionais, Direitos Humanos, entre outras atividades. Essas atividades são desenvolvidas

e implementadas sempre de maneira coletiva. Cada uma das áreas destacadas forma um setor,

que possui um coletivo de direção e que dialoga com outras instâncias desse movimento,

como é o caso das brigadas12, coordenação estadual, coordenação nacional, direção

10

Assentamentos são áreas legalmente desapropriadas para fins de reforma agrária e de posse dos trabalhadores rurais.

11

Acampamentos são áreas ocupadas pelos trabalhadores sem terra e que não estão desapropriadas/legalizadas. Acampar é uma estratégia utilizada como forma de fazer pressão política pacífica e ordeira para apressar a reforma agrária.

(27)

nacional13, grupo de estudos e o Congresso Nacional14 - instância maior do MST.

Os setores nacionais são formados por representantes dos coletivos estaduais e estes se

formam pela representatividade regional e pelo envolvimento das pessoas com cada temática.

As decisões são sempre colegiadas, e há um processo considerável de disciplina política

quanto às decisões tomadas. De modo geral, percebe-se que a organicidade interna é um valor

assumido pelos militantes.

Os setores de Educação e Produção, Cooperação e Meio Ambiente foram focalizados

neste estudo prioritariamente, tendo em vista a temática em questão. Entender o

funcionamento desses setores, em grande parte, é entender a própria história da organicidade

do MST, no que tange às questões de educação ambiental.

O Setor de Produção e Cooperação foi criado em 1996, no I Encontro Nacional do

MST. Tem como função estimular, acompanhar e organizar a política de produção e fomento

ao cooperativismo nos assentamentos. Possui, atualmente, 400 associações de produção,

comercialização e serviços; 63 Cooperativas de Produção Agropecuária, coletiva e

semicoletiva com 2.299 famílias associadas; 22 Cooperativas de Comercialização e Prestação

de Serviços com 11.174 sócios diretos; 03 Cooperativas de Crédito (Banco Popular) com

5.400 associados; 96 pequenas e médias agroindústrias, processando frutas e hortaliças, leite e

derivados, grãos, carnes e doces15.

Segundo Pasquetti (1998), do ponto de vista da cooperação, é importante ressaltar que

existe um diferencial entre a cooperação agrícola desenvolvida pelo MST, e o

cooperativismo tradicional. Tal diferenciação tem como base os seguintes princípios: (a)

13

A direção nacional é formada por 23 pessoas, todos indicados pelos estados. Havendo mais candidatos que vagas, faz-se votação precisando o candidato que obter 50+ 1% dos votos. Se não conseguir, a vaga não é preenchida.

14

O Congresso Nacional é um encontro de massa (que reúne grande número de trabalhadores). É só nesse evento que se discutem as linhas políticas do movimento, que serão nos estados implementadas de acordo com a realidade de cada um (STEDILE ; FERNANDES, 2000)

(28)

Gestão democrática: todos os associados devem ter os mesmos direitos e deveres. Entre eles

está o direito/dever de participar das decisões, do planejamento, do trabalho e de distribuição

dos excedentes. Tudo que envolve a vida da cooperativa, dos grupos coletivos ou das

associações deve estar vinculado à vida de cada sócio e à democracia interna. A autoridade

também é delegada para que haja participação integral de todos os sócios; (b) Neutralidade

religiosa, racial e partidária: as cooperativas regem não apenas a vida econômica das

famílias, mas procuram desenvolver a vida social e cultural e a participação política dos

assentados; (c) Ser mais uma ferramenta de luta dos trabalhadores: os assentamentos e, de

forma especial, as cooperativas ligadas ao SCA devem ser uma ferramenta de luta por

mudanças sociais e para a conquista da reforma agrária. O seu caráter de luta se manifesta

internamente através da formação político-ideológica, na chamada mística, na capacidade de

crítica e autocrítica e externamente, através da participação nas lutas do MST, e nas ações de

solidariedade, com a finalidade de romper com a lógica da exclusão social dos trabalhadores;

(d) Distribuir o excedente: os excedentes devem ser distribuídos aos associados de acordo

com a participação de cada um nas operações das cooperativas, grupos de trabalho ou

associações.

A cooperação rompe com o isolamento dos trabalhadores no meio rural quando estes

estão organizados, seja em grupos coletivos ou ligados a uma associação, pequena

agroindústria ou cooperativa, ou, ainda, numa cooperativa totalmente coletiva. O fundamental

nesta concepção não é a forma, mas o ato de cooperar.

Pela cooperação é possível perceber algumas práticas dos integrantes do MST, os

valores compartilhados, que geram uma cultura organizacional própria16. Nesse sentido, a

compreensão do processo de cooperação indica a existência de elementos fundamentais na

16

(29)

formação política dos Trabalhadores Sem Terra. É a dialética da formação política e da

organicidade na formatação desse movimento social.

Como as pessoas estão mais próximas e organizadas em núcleos de base, isto facilitará a compreensão de atividades cooperadas, sejam elas de produção, seja ela na solução de outros problemas existentes na comunidade [...] não podemos perder de vista que a cooperação é o passo seguinte nessa estrutura social que estamos criando e ela é essencial para a constituição de novos valores (CONCRAB, 2000, p. 46).

Do ponto de vista da estrutura de coordenação, o Setor de Produção, Cooperação e

Meio Ambiente conta com aproximadamente 70 pessoas (dirigentes, agrônomos, técnicos

agrícolas, assessores etc.) com a responsabilidade de discutir, disseminar e implementar as

ações desse Setor.

Do mesmo modo, o Setor de Educação surge quase que simultaneamente ao advento

do MST. Foi formalizado mais precisamente em 1987, no primeiro encontro nacional de

educação, em São Mateus, Espírito Santo. Desenvolve programas de educação nas escolas de

ensino fundamental dos assentamentos e acampamentos e está organizado em quatro frentes

de trabalho: (I) Educação Infantil; (II) Educação Fundamental e Média; (III) Educação de

Jovens e Adultos e (IV) cursos formais17. Entre suas ações estão: formação de educadores em

nível médio e superior através de parceria com 62 universidades; 1.800 escolas públicas de 1ª

a 4ª série e 200 escolas de 5ª a 8ª série; 20 escolas de ensino médio; cerca de 45 mil

educandos nas salas de alfabetização de jovens e adultos envolvendo cerca de 2.500

educadores; e 300 educadores(as) trabalhando diretamente com crianças de 0 a 6 anos nas

chamadas "Cirandas Infantis", num total de 250 cirandas em 23 estados, funcionando junto às

cooperativas e associações de produção, nos assentamentos, acampamentos e nos cursos de

(30)

formação; e, finalmente, a Escola Itinerante18 no Rio Grande do Sul (RS), que atende

crianças de 7 a 12 anos de 1ª a 5ª série.

Há também o ITERRA19 - Instituto Técnico de Ensino e Pesquisa da Reforma Agrária

em Veranópolis (RS) - o mais antigo espaço de formação do MST. Este surge como

instrumento no processo de consolidação da educação, tendo como origens as necessidades

dos assentamentos, a formação de quadros, a inspiração ideológica e a evolução do programa

agrário20. É um dos espaços que abriga os cursos formais (técnicos de nível médio e

graduação) como Técnico em Administração de Cooperativas, Magistério, Enfermagem em

Saúde Comunitária e de Comunicação, o de graduação em Pedagogia e o de especialização

em Administração de Cooperativas, quase sempre realizados em parceria com universidades

públicas brasileiras.

Além do ITERRA, existem outros centros de formação que priorizam atividades de

capacitação e formação política dos assentados, pelo menos um em cada estado. O mais

recente empreendimento nessa linha data de 2004. Trata-se da Escola Nacional do MST ou

Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema (SP). Essa escola surgiu depois

de longos anos de discussões coletivas nas diversas instâncias do MST, com o propósito de

fazer pensar, planejar, organizar e desenvolver a formação política, técnica e ideológica dos

militantes e dirigentes do movimento. Nasce com o objetivo de capacitar jovens, mulheres e

homens do meio rural para a produção, o comércio e a gestão dos acampamentos e

assentamentos. A ENFF tem uma pedagogia e metodologia adaptada à realidade dos

18

Escola Itinerante é uma escola pública que acompanha os acampamentos do MST e os assentamentos que ainda não têm escolas. Existem projetos sendo debatidos em outros estados, como é o caso de Goias e Ceará, mas que ainda não foram implantados.

19

Órgão mantenedor da Escola Técnica Josué de Castro, que ministra cursos de ensino fundamental e médio, na modalidade de sistema alternativo, para alunos do MST.

20

(31)

trabalhadores do campo e abrigando, assim como o ITERRA, os cursos formais e de formação

política do MST, principalmente de caráter nacional.

É importante observar que a trajetória de organização do Setor de Educação se

confunde com um projeto mais amplo chamado Educação do Campo, cujo objetivo

fundamental está na ampliação do direito à educação e à escolarização no campo e na

construção de uma escola que esteja no campo, mas que seja também do campo: uma escola

politicamente e pedagogicamente vinculada à história, à cultura e às causas sociais e humanas

dos sujeitos do campo21.

A educação no MST possui, desse modo, pedagogia própria22, com princípios teóricos,

filosóficos e metodológicos construídos para dar conta da diversidade, especificidade e opção

política deste movimento social. O conjunto de dirigentes liberados23 tem a tarefa de

coordenar os coletivos estaduais de educação, pensar as estratégias nacionais e contribuir

junto àqueles coletivos nos estados na implementação das ações. São cerca de 30 liberados, a

grande maioria mulheres Sem Terra que cursaram Pedagogia da Terra nos cursos do MST.

Atualmente, grande parte desse coletivo está cursando Pós-Graduação especialização em

Educação do Campo, em parceria com o PRONERA e a Universidade de Brasília (UNB) na

Escola Nacional Florestan Fernandes.

Há, portanto, um projeto político-pedagógico inscrito na atuação e na própria

organização do MST. Aqui no trabalho será destacada a vertente educacional e, dentro dessa,

a questão ambiental que interessa mais de perto à presente construção.

No próximo capítulo veremos como a preocupação ambiental tem sido vislumbrada

21 Os cadernos de Educação do Campo condensam o acúmulo de discussões feitas em torno da Educação do

Campo do Brasil. O MST é protagonista dessas elaborações.

22

A Pedagogia do Movimento Sem Terra é o jeito através do qual o Movimento vem, historicamente, formando o sujeito social de nome Sem Terra, e educando no dia-a-dia as pessoas que dele fazem parte. E o princípio educativo principal desta pedagogia é o próprio movimento, que junta diversas pedagogias, e de modo especial junta a pedagogia da luta social com a pedagogia da terra e a pedagogia da história, cada uma ajudando a produzir traços em nossa identidade, mística, projeto (CALDART, 2003, p. 52).

23

(32)

pelo MST.

2.2 Metodologia

Situa-se neste lócus, o contexto no qual se desenhou a abordagem metodológica, a

partir do método da História Oral. Pesquisadores do Laboratório de História Oral (LAHO),

do Centro de Memória Universidade de Campinas (UNICAMP) esse método é o registro da

história de vida de indivíduos que, ao focalizar suas memórias pessoais, constroem também

uma visão mais concreta da dinâmica de funcionamento e das várias etapas da trajetória do

grupo social ao qual pertence24.

A partir desse entendimento, os dados para análise foram obtidos com a utilização de

três instrumentos: a)pesquisa documental e bibliográfica, b) entrevista semi-estruturada e c)

pesquisa participante. O detalhamento dos procedimentos referentes a cada um dos

instrumentos de pesquisa é apresentado a seguir:

a) Pesquisa documental e bibliográfica

Na pesquisa documental foram analisadas as produções internas do MST, como

projetos, relatórios, cadernos de subsídios para seus congressos e encontros, textos

conjunturais, letras de músicas, poesias etc. Do ponto de vista da pesquisa bibliográfica,

foram selecionados artigos científicos, livros, dissertações de mestrado e teses de doutorado,

assim como websites que se configuraram como importante ferramenta e alicerce da pesquisa.

A utilização dos materiais apontados acima foi pautada por um roteiro prévio de

questões, as quais podem ser observadas no Anexo III.

(33)

Pode-se dizer que esse instrumento de pesquisa representou o grosso das informações

que compuseram todo o trabalho: integralmente no caso do capítulo I, e parcialmente nos

capítulos II e III.

O que se procurou evidenciar a partir da utilização das informações documentais e

bibliográficas, foram os aspectos mais gerais, que dizem respeito à educação ambiental e à

sua trajetória no âmbito do MST.

b) Entrevista semi-estruturada

As entrevistas semi-estruturadas foram feitas com dirigentes dos Setores de

Produção, Cooperação e Meio Ambiente e do Setor de Educação. Ao todo foram

entrevistados/as pesquisados/as 6 (seis) pessoas, das quais 3 (três) representam o primeiro

Setor, e 3 (três) o segundo. (Roteiro de questões no Anexo IV).

Através deste instrumento foram obtidas as informações mais específicas,

possibilitando mostrar uma visão mais pessoal de alguns dirigentes, visão essa que de algum

modo influenciou a trajetória da consolidação da educação ambiental no MST.

c) Pesquisa participante

A pesquisa participante representou, de certa forma, uma materiazização das

informações advindas das duas anteriores. Ela também corresponde a um processo anterior à

própria elaboração do projeto de pesquisa, situando diretamente a atuação da pesquisadora no

processo de investigação. Nesse sentido, os seguintes elementos foram considerados fonte de

(34)

a) Atuação na Secretaria Nacional do Setor de Educação do MST em Brasília, e participação

em todos os encontros de caráter nacional organizados por esse Setor durante o período de

janeiro de 2003 a novembro de 2004. Grande parte das informações, das percepções,

comportamentos e discussões apresentadas nesse trabalho foram obtidas no período de

atuação junto ao Setor.

b) Participação no V Encontro Nacional do MST em janeiro de 2003 (Paraná), durante oito

dias.

c) Participação no Seminário Meio Ambiente e Reforma Agrária em 2003 (Brasília), dois

dias. Nessa atividade, organizada pelo Coletivo de Meio Ambiente, o Setor de Educação foi

convidado, representando um dos primeiros diálogos mais diretos entre os dois setores, sendo

considerado um momento importante, de aproximações e de significativos depoimentos cujas

informações são contextualizadas neste texto.

d) Participação na Conferência da Terra e da Água, em 2004 (Brasília), sete dias. Nesse

evento houve a possibilidade de conversar com muitos dirigentes e assentados sobre a

percepção e compreensão acerca do tema. Marca também a leitura dos debates ambientais a

partir do ponto de vista de várias organizações e não somente da visão do MST.

e) Participação no Fórum Social Mundial, em 2005 (Porto Alegre). A participação no FSM

esteve voltada para todas as atividades em que a temática envolvia discussões em torno da

(35)

CAPÍTULO III - HISTÓRIA AMBIENTAL: A CONSTRUÇÃO NO MST

“Eu quero ter o direito de refletir sobre esta história, sobre o grão que se transforma em árvore que se torna móvel e acaba no fogo, sem ser lenhador, marceneiro, vendedor, que não vêem senão um segmento da história". Edgar Morin

3.1 Os grandes debates mundiais sobre o meio ambiente

Os grandes debates mundiais sobre o meio ambiente foram realizados tendo como

pano de fundo a “questão ambiental”, considerada como fruto de uma longa trajetória de um

modelo de desenvolvimento que entrou em crise.

Há um amplo consenso quanto à existência de uma crise generalizada e profunda, que alguns tem insistido em chamar de crise da modernidade, de todo um projeto histórico, de toda uma civilização, [...] crise do estado, crise da razão instrumental, crise do principal herdeiro do projeto moderno - o socialismo, crise ambiental, crise das formas de representação e da arte moderna, crise econômica e suas consequências. (PAULA et al., 2001, p. 202)

O autor situa a questão ambiental como resultado do contexto desta crise, em que a

(36)

e suas perspectivas questionadas. “[...] a fragilidade e inconsistência sistêmica da economia

contemporânea será partilhada tanto por grupos que buscam salvar o status quo, isto é manter

a desigual distribuição de renda, riqueza e poder, quanto por variadas perspectivas críticas e

reformistas” (p.203).

É possível agrupar, de uma forma abrangente, os diferentes pontos de vista sobre a

temática também em dois grandes blocos, que reproduzem no campo ambiental a mesma

clivagem que divide a interpretação sobre a realidade social, isto é, a perspectiva neoliberal e

a perspectiva crítica, à qual se dará maior ênfase neste trabalho.

A perspectiva neoliberal entenderá a crise ambiental como resultado da insuficiente generalização do sistema de preços, das relações de mercado, que, bloqueadas ou adulteradas por ações regulatórias artificiais, acabam por produzir distorções e externaliades negativas, justamente porque se bloquearam as atribuições de preços para todas as relações econômicas. Para essa perspectiva, na medida em que tudo tiver preço, expressão do livre jogo das forças de mercado, nessa medida a realidade ambiental estará em condições de alcançar o equilíbrio, no sentido de que o mercado será capaz de atribuir preço para todas as externalidades, degradações, depredações, etc., inibindo esses processos por seus altos preços ou criando condições para a descoberta - desenvolvimento de elementos substitutos. Está implícita nessa perspectiva uma visão do processo natural-social como dotado de continuidade - reversibilidade-substituição absolutas, condições que não são encontráveis, com frequência, nem mesmo em experimentos laboratoriais controlados. (p. 203-204).

Por outro lado, a perspectiva crítica sobre a questão ambiental partirá do suposto de

que a realidade ambiental só será compreendida-tranformada à medida que se considere

como totalidade complexa, marcada por contradições, em que nem tudo tem ou pode ter

preço, uma vez que a realidade ambiental é vista como marcada pela descontinuidade, pela

irreversibilidade de processos, pelo desequilíbrio (PAULA, 2001).

De certa forma, essas perspectivas se encontram, dialogam e disputam a construção de

(37)

construção de uma nova racionalidade ambiental25, compreendendo a crise ambiental como

um

[...] produto histórico das formas concretas de produção, reprodução material, das formas concretas de apropriação da natureza, formação de territórios, do exercício do poder e organização social, dos modos, mentalidades e culturas. Isso significa di/er que nenhuma intervenção sobre o mundo é neutra, desprovida de consequências, e as formas concretas de apropriação da natureza e seus desdobramentos ambientais decorrem do interesse e das estratégias das classes de grupos sociais, empresas, comunidades, Estados, etc. (p. 204).

Nesse sentido, muitos eventos e obras de escala mundial têm contribuido, sobretudo a

partir da década de 60, para advertir de advertir e alertar o mundo sobre a insustentabilidade

dos processos de desenvolvimento convencional.

Costabeber (1998)26 constrói, numa perspectiva cronológica, as repercussões de alguns

eventos/obras, começando pelo livro “Primavera Silenciosa”, de Rachel Carson (1962), que

denunciava os impactos dos agrotóxicos sobre o meio ambiente.

Na década de 70, surge o primeiro trabalho do Clube de Roma (1970), apontado como

um dos primeiros estudos “oficiais” sobre as contradições de um modelo de desenvolvimento

econômico infinito com recursos naturais finitos. Em 1972, é publicada a obra de Dennis e

Donella Meadows, “Limites do Crescimento”, cujo alerta sugeria a adoção de um outro

enfoque de desenvolvimento menos agressivo ao meio ambiente. Ainda nesse ano, houve a

Conferência de Escocolmo, tida como marco do debate ambiental mundial, inclusive na área

da educação ambiental. Em 1973, outra obra, a de Schumacher, “Small is beautiful”,

conhecida pela tradução “O negócio é ser pequeno”, sugeriu um desenvolvimento baseado na

25

Sobre “uma nova racionalidade ambiental” ver as contribuições de Ignacy Sachs. Em: VIEIRA, Paulo F. et al. (Orgs). Desenvolvimento e Meio Ambiente no Brasil: as contribuições de Ignacy Sachs. Porto Alegre: Palotti; Florianópolis: APED, 1998. Outra contribuição importante é de Leff (2001), para quem os princípios da racionalidade ambiental estão gerando novos projetos sociais, fundados na reapropriação da natureza, na ressignificação das identidades individuais e coletivas e na renovação dos valores do humanismo. A busca de uma racionalidade ambiental não é, para o autor, uma proposta técnica, senão um caminho de lutas sociais e mobilizações pela reapropriação da natureza.

26

(38)

pequena propriedade”. Em 1974, aparece o segundo trabalho do Clube de Roma,

reconhecendo as crises como permanentes e dando uma dimensão mundial à resolução dos

problemas. Nesse mesmo ano destaca-se o trabalho desenvolvido por Mihahjlo Mesarovic,

“La humanidad ante la encrucijada”, apostando na cooperação e na adoção de estratégias

não-tradicionais de desenvolvimento. Em 1976, o terceiro encontro do Clube de Roma sugere que

as soluções passem a ser também baseadas na cooperação, requerendo para isso uma “nova

ética global”.

Na década de 80, segundo Costabeber (1998), teve grande repercussão o Informe

Global 2000, de 1980, encomendado pelo presidente Carter dos EUA, cujo diagnóstico

detectava que a vida do planeta estava em perigo, concluindo que o modelo de

desenvolvimento não poderia ser extensível ao resto do mundo, ou seja, o estilo de vida do

“Norte” não poderia chegar a todos, pois o planeta não suportaria tamanho grau de consumo

e degradação ambiental. Em 1987, o Informe de Brundtland “ Nosso Futuro Comum”

oficializou o conceito de desenvolvimento sustentável, cujas proposições ainda estariam

centradas no crescimento econômico.

Na década de 90, o principal evento mundial ocorre no Brasil, “A Conferência sobre

Meio Ambiente e Desenvolvimento” (1992). A chamada Rio/92 teve como resultados a Carta

da Terra, a Agenda 21 (tida como um código de comportamento para o século XXI), e a Carta

Climática (ações para evitar os efeitos da mudança em andamento e o acordo da

Biodiversidade). Em 1996 o livro de Colborn et all “Our stolen”, traduzido como “O futuro

roubado”, aponta novos estudos que comprovam os impactos dos agrotóxicos e outros agentes

químicos sobre a saúde humana e animal. No mesmo ano, em Roma, é realizada a

Conferência da Alimentação, situando o problema da fome na dificuldade de distribuição e de

capacidade de acesso aos alimentos. Em 1997, a realização da Rio+5 alertava que nada havia

(39)

As diferentes manifestações tornaram a questão ambiental um tema universal,

conseguindo sintetizar os grandes desafios do nosso tempo, à medida que a questão passava a

incorporar, além de temas propriamente “verdes”, os temas referentes à pobreza, aos padrões

tecnológicos, às formas de propriedade, à organização da sociedade civil, ao controle das

atividades produtivas, à legislação, planejamento e gestão de territórios (SANTOS, 1994).

3.2 O debate ambiental na agricultura brasileira - elementos que influenciaram o pensamento ambiental do MST

O progresso povoou a história com as maravilhas e os monstros da técnica. mas desabitou a vida dos homens. Deu-lhes mais coisas, mas não lhes deu mais ser. Aumentou a posse c consumo de uns, miséria e fome de outros - diminuiu em todos a realidade, o ser, a capacidade interna de agir. Colocando-nos a mil léguas da autonomia, roubou-nos alegria. Nefasto portador de tristeza (CHAUÍ apud BRANDÃO, 1982, p. 57)

Para Brandenburg (1999), o meio ambiente emerge como uma questão na agricultura

após a modernização ancorada no ideário da chamada revolução verde27. As primeiras

tendências da abordagem ambiental sobre o espaço agrícola no Brasil surgem fundamentadas

nas críticas ao modelo adotado pelo Estado a partir da década de 60, ficando conhecido como

modenização agrícola. Esse modelo encontra seu auge nos anos 70. Tinha como premissa a

modificação da base tecnológica (quimificação e mecanização), com vistas ao aumento da

produtividade interna. Seguia, assim, a orientação política proposta pelo Estado desde os anos

50, caracterizado pelo padrão nacional-desenvolvimentista, fortemente calcado no processo de

substituição de importações (CURADO, 2004).

Não há em período anterior à decada de 70 manifestações de cunho ecológico que

27

(40)

colocassem em questão o padrão de desenvolvimento da agricultura, embora se constate, na

história do pensamento brasileiro, preocupações de caráter preservacionista (PÁDUA, 1987).

No entanto, depois desse período de advento da idéia de modernização, ocorrem

manifestações contrárias ao padrão técnico e econômico implementado pelas políticas

agrícolas, as quais eram fortemente subsidiadas pelo Estado e que, de certa forma, serviram de

estopim para o surgimento de diversos movimentos de contestação.

Um estudo realizado pelo CESE/CONIC (1987) ajuda a entender a diversidade desses

movimentos. No campo dos “alternativos à modernização da agricultura” aparecem duas

tendências: uma delas é a ecológica, que se orientava pela busca e proposição de técnicas

produtivas que equacionassem os impactos ambientais negativos gerados sobre

agroecossistemas, devido à realização de práticas agrícolas. A segunda tendência, a social,

situava as experiências alternativas (produtivas e organizacionais) na esfera dos mecanismos

de resistências dos agricultores na terra. Essas duas tendências se aproximam na discussão de

um modelo produtivo alternativo, embora, na década de 80, não houvesse um diálogo maior

entre elas.

Scherer-Warren (1993, p. 61) contribui para as análises, principalmente ao tratar dos

limites dos “novos movimentos sociais”. A autora sugere uma análise da diferenciação

existente entre os movimentos contestatórios ao processo de modernização da agricultura, em

que estariam, de um lado, os movimentos de base mais popular, como o MST, envolvidos na

superação de inadequadas condições econômicas e sociais de vida e, de outro, estariam, na

visão de Scherer-Warren (op cit), “[...] aqueles mais típicos de classe média como o

Movimento Ecológico” (ambientalista).

Nesse sentido, do ponto de vista dos movimentos sociais do campo - que emergiram

(41)

contestação à exclusão social - não revelaram, num primeiro momento, uma preocupação

explícita com o meio ambiente, aí incluindo o MST e as discussões que aconteciam em 1985,

quando do início da sua articulação. Segundo Scherer-Warren (1993), apenas três

movimentos, organizados em sua maioria a partir da década de 80 do século passado,

apresentaram alguma relação com a questão ambiental em razão de sua luta pela preservação

da terra e de seus meios de produção: 1) MAB - Movimento dos Pequenos Agricultores

Atingidos por Barragens; 2) O Movimento Indígena, que luta pelo direito de posse de suas

terra e (3) o Movimento de Seringueiros, que luta pela preservação das atividades extrativistas

na floresta amazônica.

Por ser uma discussão ainda recente, Viola (1991, p. 29) afirma que, no Brasil, os

primeiros encontros do ambientalismo com as classes trabalhadoras e os problemas que a

degradação ambiental colocava para as suas condições de vida ocorreram nos anos 80. Na

agricultura, a simbologia dessa aproximação parece ir ao encontro das reflexões de

Scherer-Warren (1993) apresentadas anteriormente.

Embora as reflexões acima delineiem somente um período marcado por diferentes

interesses, outros autores28 trazem, em complemento, elementos que explicitam o embate

crítico entre esses movimentos. Nos anos de 1990, algumas disputas ocorreram entre

organizações e lideranças ambientalistas e movimentos de luta pela terra portadores da

bandeira de reforma agrária29. Este conflito pode ser justificado pela tentativa de criar

assentamentos em áreas preservadas de florestas, consideradas, talvez, como terra sem

utilidade na visão dos lideres do movimento, em vez de ocupar áreas degradadas ou

improdutivas, principal ponto de reinvidicação nos dias atuais. Essa convergência, que não

28

Ver por exemplo: Porto-Gonçalves (1998), Esterci e Valle (2003), Viola (1991).

29

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