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NÃO É SÓ UMA CAMISETA: MULHERES E O ATIVISMO EM REDES E RUAS.

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Academic year: 2022

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NÃO É SÓ UMA CAMISETA: MULHERES E O ATIVISMO EM REDES E RUAS.

Fernanda Regina Rios Assis1 Resumo: O presente estudo reflete como o midiativismo promovido pelas mulheres transita em diferentes cenários. Enquanto as hashtags conectam ideias através de hiperlinks, as mesmas podem circular para além das telas, rompendo as fronteiras do acesso ao digital. Transformadas em estampas, são vestidas, tornando-se hipertextos para novas narrativas. Utilizadas em manifestações ou no dia a dia, as camisetas, atuam como plataforma, contribuem para manifestar o posicionamento sociopolítico e criam redes de empatia e resistência entre as mulheres que as utilizam. O estudo parte da camiseta produzida pela PEITA com a frase “Lute como Marielle Franco.”, e da camiseta com a ilustração “Ninguém solta a mão de ninguém”, criada por Thereza Nardelli. Por intermédio do corpus selecionado busca-se compreender como a articulação entre fenômenos comunicacionais, estéticos e políticos podem estimular o debate e promover a transformação para as mulheres que produzem, consomem e que também são beneficiadas pela venda das camisetas. Para tanto, Akotirene, Ansart, Braga, Braighi, Baitello, Canclini, Hayles, Hirata e Kellner são principais referenciais teóricos convocados para a reflexão.

Palavras-chave: Midiativismo. Mulheres. Camiseta. Estética, Política. Resistência.

Introdução

A política faz parte de diferentes esferas de nossas vidas e no vestuário também encontra espaço para estar presente. Cores, formas e acessórios que utilizamos cotidianamente podem externalizar posicionamentos, ideias e anseios, expandindo as funções práticas e usuais de determinadas peças ou objetos. Seja em um ato realizado por congressistas democratas estadunidenses vestidas de branco em homenagem às sufragistas, ou na escolha da roupa para ir votar, o vestir-se torna-se um ato político. Logo, o ativismo, seus movimentos e transformações, cria a necessidade da análise de objetos, discursos e práticas existentes em um cenário de desgaste e frequente ataque à democracia.

As Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTICs) fornecem as mais diversas possibilidades para que os discursos e práticas militantes se apropriem de ferramentas e criem mecanismos de resistência, algo que observamos no midiativismo2, em que o uso de dispositivos técnicos auxilia as ações que tem como objetivo “amplificar conhecimento, espraiar informação,

1 Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens da Universidade Tecnológica do Paraná (PPGEL- Curitiba / UTFPR) Curitiba/ Brasil. E-mail: fernanda.2019@alunos.utfpr.edu.

2 [...] um processo de mobilização, que alude em como cada ativista usa as mídias de maneira diferente para atingir seus objetivos e servir aos seus movimentos (dos quais faz parte, efetivamente ou não), com ações que extrapolam as redes sociais digitais e ganham as ruas. [...] O midiativismo é o que se faz dele, desde que não se perca de vista o propósito de mudança social, o efetivo envolvimento e que se mantenha a transgressão solidária como norte. (BRAIGHI; CÂMARA, 2018. p. 31-39).

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marcar presença, empreender resistência e estabelecer estruturas de defesa.” (BRAIGHI,2016, p. 629- 630). O cidadão comum, recorrendo a ferramentas que possibilitam a democratização da informação, passa a atuar numa cultura participativa e de maneira ativa sob determinadas pautas e processos comunicacionais, pois media, produz e dissemina as causas e pautas que acredita e nas quais atua.

Nos registros compartilhados nas redes sociais, nos quais as camisetas são utilizadas em manifestações, acontecem os cruzamentos entre o online e offline, isto é: as manifestações feitas nas ruas vão para a internet, onde encontram um ambiente para que as pautas sejam legitimadas, midiatizadas e expandidas para além das fronteiras físicas. O uso de camisetas-bandeira, logo, nos desperta para a potencialidade do vestir e ir para a rua como uma das estratégias de participação cidadã sem a necessidade de fazer parte de um sindicato, partido ou associação de base.

Ao articular os autores convocados para o estudo, o trabalho se estrutura em três seções, além da introdução e considerações finais. A princípio, percorrendo a história da camiseta e sua apropriação como linguagem, já que ela se faz presente em relações sociais, fenômenos comunicacionais, estéticos e políticos. A segunda seção encara como a internet e seus recursos foram e são utilizados para estimular o debate e promover a transformação para as mulheres e as causas feministas. Aqui encaramos as hashtags não apenas como conectores de ideias através de hiperlinks, mas também a materialidade do texto que ela representa, ou seja, “a interação entre as características físicas do texto e suas estratégias de significação”3 (HAYLES, 2004, p. 72, tradução nossa), pois rompem suas funções de indexação e monitoramento, ao saírem da esfera digital, passando a estampar camisetas e tornando-se hipertextos para novas narrativas. A seção final apresenta a camiseta "Lute como Marielle Franco.” e a camiseta com a ilustração “Ninguém solta a mão de ninguém”, criada por Thereza Nardelli, ambas desenvolvidas em momentos significativos da recente política brasileira.

Vestimenta como linguagem

Dentre as diferentes linguagens que os seres humanos utilizam para se comunicar, o vestuário se apresenta como elemento de identificação e diferenciação. Adornos, indumentárias e padrões estampados em tecidos carregam em si uma série de símbolos e significados, sendo utilizados pelos indivíduos como forma de representação identitária, bem como forma de tangibilizar subjetividades.

Para além das funções primárias do vestir, a roupa passou a cobrir os corpos a partir das ideias de adorno, proteção e pudor (CARSTENS, 2010 apud BRAGA, 2006). Das túnicas utilizadas pelos

3 “the interplay between the text's physical characteristics and its signifying strategies”.

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romanos e gregos para proteger da transpiração, ou nos casos em que se buscava preservar as peças externas, que não podiam ser lavadas para preservar seus bordados, passando pelos camisolões da Idade Média, pela escultura de Michelangelo, em que “O Escravo Moribundo” veste uma regata, e pelo uso de peças similares no século XVII como roupa de esporte por facilitar os movimentos, aquilo que viria a ser a camiseta como a conhecemos hoje, já fazia parte da indumentária em diferentes períodos da história.

As camisetas “underwear”4, que originalmente eram utilizadas por operários com a função objetiva de proteção durante dias frios e absorção do suor em dias quentes nas primeiras décadas do século XX, ganhou novos usos como parte dos uniformes de soldados nas Grandes Guerras consolidando o uso da T-shirt5. Sua popularização nas telas do cinema, primeiro causando espanto com Clark Gable usando regata em It Happened One Night6, e adesão a partir da década de 1950, quando James Dean e Marlon Brando tornam esse item do vestuário não apenas símbolo da juventude e da rebeldia, mas modo de expressão de uma geração com anseios e desejos. Na década seguinte as camisetas passaram a apresentar mensagens políticas, como slogans de campanhas eleitorais, bem como foram usadas em protestos com frases como “Ban the Bomb” ou “Make love not war”, numa crítica à Guerra do Vietnã. Seu uso como elemento contestatório e de conteúdo afirmativo passa a tornar a peça um meio de comunicação de massa. Nos anos 1970, com o movimento Punk, as camisetas passaram a exibir novas mensagens, externalizando ideias de contracultura. Os anos 1980 deram cor às camisetas, e as grandes marcas desenvolveram coleções com frases e desenhos.

As camisetas usadas durante as “Diretas Já”7, entre 1983 e 1984, como a camiseta produzida pela Hering para a Campanha da Constituinte de 1986, em que o verde e amarelo eram acompanhados da frase “Constituinte a expressão de uma nação”8 marcaram seu uso como mídia no Brasil. Nesse período, na política brasileira, a camiseta teve papel relevante no discurso eleitoral do ex-presidente Fernando Collor, que usava camisetas com estampas como “Não fale em crise, trabalhe!”, enquanto se referia à população mais pobre como os “descamisados”9.

A moda, que fora utilizada na Idade Média como elemento de diferenciação e pertencimento, no passar dos séculos tornou-se elemento de identificação, fazendo do vestir uma manifestação de

4 Do inglês: roupa de baixo.

5 Forma como passou a ser chamada, já que tinha o formato de um T.

6 Aconteceu Naquela Noite, de 1934.

7 Mobilização popular para que houvesse eleições diretas ao cargo de presidencial do Brasil.

8 A camiseta faz parte dos artefatos criados durante a mobilização popular que culminou na Constituição de 1988. Imagem disponível em: <http://fundacaohermannhering.org.br/new/fundacao/sua-basica-tem-historia-e-pode-ser-peca-do-nosso- museu>

9 Termo anteriormente utilizado durante o peronismo na Argentina.

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ideias para diferentes grupos, ou seja, a camiseta torna-se um item que, além de sua funcionalidade prática, pode ser considerado um meio de comunicação direta, uma forma de expressão, tornando quem as usa portador e amplificador da mensagem estampada. Assim sendo, os sistemas de vestimenta e moda passam a atuar como mídia secundária, pois o “emissor se utiliza de prolongamentos para aumentar seu tempo de emissão, seu espaço de alcance, ou seu impacto sobre o receptor, valendo-se de aparatos, objetos ou suportes materiais que transportam sua mensagem”

(BAITELLO, 2014, p.77). Outrossim, a camiseta apresenta-se como suporte para que ideias e ideais, bem como outros elementos representantes da cultura, também sejam telas e atuem como bandeiras.

Camisetas são democráticas, podem ser usadas como bandeiras e como elementos icônicos para que classes, tribos, grupos articulem suas individualidades, produzindo discursos com informações que são sociais e pessoais. Indivíduo e vestimenta criam um conjunto que passa a comunicar, interagir com o meio, expressar identidades. Camisetas, que desde então que servem à moda, também passaram a ser utilizadas em campanhas humanitárias, representando ONGs, campanhas e causas; passam a fazer parte das narrativas de quem as utiliza. A linguagem corporal é somada à linguagem visual, transmitindo em conjunto discursos e mensagens imagéticas dos sujeitos.

O midiativismo e as mulheres

A internet atua como campo para articulação, troca e movimentação política para as mulheres e para a luta feminista desde a década de 1990. Nesse momento, sua apropriação se deu a partir de simpósios e conferências, como o Simpósio Internacional sobre a mulher e os meios de comunicação, realizado no Canadá, e a IV Conferência Mundial sobre a Mulher, ocorrida na China. Ambos eventos realizados no ano de 1995, permitiram que as mulheres pudessem refletir sobre as potencialidades da internet, bem como colocar suas ferramentas em prática sem a necessidade da presença física, realizando trocas através de e-mails. Dessas experiências, novas plataformas surgiram, como o site Mujeres en red10, de 1997, e o ciberfeminismo, em que a tríade mulher, mundo digital e arte, se conectava e expressava na rede (BEZERRA, 2018). Nas décadas seguintes a presença das mulheres e a criação de vínculos em rede passou a se apropriar de ferramentas como blogs, fóruns e sites, mais recentemente as redes sociais, fazendo uso dessas ferramentas para que a agenda feminista, sua organização e suas reflexões ganhassem forma e força. No caso brasileiro, Bezerra (2018) aponta a

"propensão das mulheres encontrarem na internet um espaço que seja concomitantemente um fórum de discussão e um caminho para o ativismo feminista." (BEZERRA, 2018, p.870).

10 Periódico feminista disponível em:<http://www.mujeresenred.net/>

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A internet e as redes sociais possibilitam às mulheres plataformas para mobilização, troca e diálogo para a discussão das pautas do feminismo e dos setores da sociedade que impactam diretamente no ser mulher. Ao utilizar os recursos da web para dar suporte ao movimento e às causas que também passam a ser manifestadas nas ruas, as mulheres encontram na rede ferramentas de suporte para reagir aos acontecimentos que exigem reflexão, articulação e engajamento. Entres as mobilizações que tiveram grande participação e repercussão nas redes na última década, podemos destacar os esforços realizados em forma de campanhas, projetos e pautas que discutem temas relacionados às questões de gênero, passando por temas como agressão, assédio sexual e consentimento, como as ações refletidas em movimentos como #PrimeiroAssédio11 e Chega de Fiu Fiu12.

A campanha Mexeu com uma, mexeu com todas #chegadeassédio é outro exemplo em que a mobilização realizada no meio digital ganhou novas formas de reverberação na própria rede e no ambiente offline. A ação ocorreu após a publicação do texto intitulado José Mayer me assediou13, escrito pela figurinista Susllem Tonani e publicado no blog #AgoraÉqueSãoElas. Na ocasião, várias atrizes vestiram camisetas com a frase e a hashtag do movimento como forma de protesto contra a emissora Rede Globo por manter o contrato com o ator José Mayer. Além das atrizes, a campanha ganhou adesão de outras frentes, como ONGs feministas como a Think Olga14, militantes, e de figuras públicas como a ex-presidente Dilma Rousseff (BEZERRA, 2018). O episódio, e sua repercussão, é um exemplo do potencial da rede para a articulação de diferentes sujeitos sobre uma causa, transbordando para outras vias, uma vez que as camisetas seguiram sendo comercializadas e os lucros revertidos para ações combate ao assédio sexual.

As hashtags, criadas espontaneamente ou não, atuam como agregadores, têm a função de mapear e monitorar o que está acontecendo, os Trends15, sinalizando como determinado assunto está sendo citado e manifestado no ambiente digital, em plataformas como Twitter, Facebook e Instagram, e fora dele, pois sua função “extrapola a condição física do rastro para se tornar um agente importante

11 Campanha realizada pela ONG Think Olga, em que vítimas de assédio compartilhavam os relatos de abusos sofridos no Twitter. A mobilização ocorreu nas redes em reação aos comentários de teor sexual publicados na internet, vitimando uma criança de 12 anos, na época, participante do programa MasterChef Júnior.

12 Lançada em 2013 pela Think Olga, trata-se de uma campanha de combate ao assédio sexual em espaços públicos, conscientizando para o tema. A iniciativa ganhou parceria com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, a Cartilha sobre Assédio Sexual e foi para as telas em 2018 no documentário de mesmo nome.

13 Disponível em: <http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2017/03/31/jose-mayer-me-assediou/>. Acesso em: 20 jan. 2021.

14 ONG que desde 2015 atua no debate sobre a mulher na sociedade, repensando como esse retrato se forma, transforma e é refletido nos meios de comunicação e nas relações afetivas e interpessoais.

15 Ferramentas utilizadas por sites como o Google, portais e redes sociais como o Twitter para mostrar os termos mais buscados e mais populares em determinado período através de termos, palavras-chave ou hashtags usadas na internet.

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na produção de sentido da narrativa transmídia” (BICALHO, 2018). Atuando isoladamente ou em conjunto com outras hashtags relacionadas ao tema em questão, podem ter seus percursos e sentidos alterados no decorrer de seus usos. Incluídas em uma narrativa não linear, e que se constrói conforme cada indivíduo emerge e percorre seus elos, passa a ganhar as ruas em forma de cartazes, faixas e camisetas. São tangibilizadas e tornam-se palavras e frases de ordem e de efeito. Seja nos compartilhamentos em redes sociais ou nas ruas, sua presença em diferentes âmbitos configura-se como hipertexto e hiperlink, contribuindo para que o debate ganhe alcance e a formação de posicionamentos políticos, engajamento (ALZAMORA; ANDRADE, 2016).

O vestir como ato político

A PEITA é uma marca-protesto curitibana criada em março de 2017 pela designer Karina Gallon. O projeto teve inspiração na marcha das mulheres que protestaram contra o governo de Donald Trump em janeiro do mesmo ano em Washington DC, e que utilizavam camisetas com frases que expressavam seus anseios e descontentamentos sobre o cenário que se apresentava. A camiseta serigrafada com a frase “Lute como uma garota” que usou durante uma das manifestações do Dia Internacional da Mulher - Marcha 8M, foi a primeira criada, e Gallon passou a receber encomendas de outras mulheres que também estavam presentes na marcha realizada na capital paranaense.

A iniciativa da PEITA tem objetivo de promover discussões do movimento feminista no dia a dia, incorporando suas camisetas como ferramentas para reflexão e enfrentamento das opressões que as mulheres sofrem diariamente.

A Peita cumpre com a missão de trazer os dizeres polêmicos do contexto das manifestações para os dias comuns, trazendo a discussão do movimento feminista com uma nova abordagem. Quem veste uma PEITA ressignifica a frase no seu contexto de vida, dá a ela uma força genuína e a discussão sobre o feminismo chega em outros espaços. (PEITA, 2021).

As camisetas comercializadas pela marca possuem frases voltadas a diferentes causas, sendo 70% das estampas criadas pela marca fruto de parcerias com instituições, projetos sociais, movimentos e militância, além de empresas comprometidas com a missão da PEITA. Parte do lucro da venda das camisetas e da produção são revertidos para o financiamento das instituições parceiras.

A primeira camiseta com a frase “Lute como Marielle Franco” (Figuras 01 e 02) foi desenvolvida como uma homenagem à vereadora e enviada para sua irmã, Anielle Franco, logo após o crime contra a parlamentar. Meses mais tarde a PEITA lançou uma série de camisetas inspiradas

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em Marielle em parceria com Mônica Benício, Anielle Franco, Luyara Santos, além de ONGs atuantes em favelas de Curitiba e Região Metropolitana.

Figura 01 Figura 02

Fonte: Instagram @putapeita Fonte: Instagram @monicaterezabenicio

As frases estampadas buscam por justiça: “Quem mandou matar Marielle?”, bem como incentivam que seu legado esteja presente no cotidiano de quem veste a causa independente da localidade: “Lute Como Marielle Franco.”, “Lucha como Marielle Franco.” e “Fight like Marielle Franco.”. As frases foram traduzidas para o inglês e o espanhol, atuando como ferramentas para que a busca pela justiça para Marielle e Anderson Gomes chegue em mais lugares, impacte e engaje mais pessoas. Parte do lucro das vendas das camisetas é encaminhado para as ONGs parceiras, bem como uma parte da produção é encaminhada para a família de Marielle Franco.

A camiseta (Figura 04) com a frase “Ninguém solta a mão de ninguém.” foi desenvolvida pela PEITA e a camiseta com a ilustração (Figura 05) foi criada pela Use Brusinhas. Nas duas situações as camisetas foram desenvolvidas em parceria com a tatuadora Thereza Nardelli, cuja ilustração (Figura 03), criada a partir de uma frase de sua mãe, Lêda Maria Nardelli, foi amplamente compartilhada nas redes sociais após o resultado eleitoral de 2018, logo que os resultados das urnas foram apurados. Parte dos lucros das vendas das camisetas, nos dois casos, é destinado à Casa de Resistência Tina Martins que, criada a partir de uma ocupação do Coletivo Feminista Olga Benário, tem a finalidade de dar suporte a mulheres em situação de vulnerabilidade, vítimas de violência doméstica em Belo Horizonte.

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Figura 03 Figura 04 Figura 05

Fonte das figuras 03 e 04: Instagram @zangadas_tatu Fonte: Instagram @usebrusinhas

Pierre Ansart reflete sobre a dimensão afetiva da vida política e como os sentimentos e paixões tornam-se efetivos na trajetória histórica das sociedades. O autor infere sobre a “difusão de múltiplas mensagens, que visam influenciar os vínculos e repugnantes, as esperanças e os temores, os sentimentos positivos e negativos em relação a objetivos, instituições ou heróis da cena política”

(ANSART, 2019. p.11). No caso da camiseta estampada com a frase “Lute como Marielle Franco.”

encaramos que “distinguir o lugar e o papel dos grupos militantes, seus líderes efetivos ou simbólicos, seus dizeres e seus fazeres. Eventualmente, deve-se analisar o papel excepcional de um ator individual.” (ANSART, 2000, p. 153-157), neste caso, trata-se de Marielle: mulher negra, LGTBQIA+, "cria da Maré"16, vereadora, representante dos Direitos Humanos, executada a tiros em 14 de março de 2018, num crime que segue sem solução. Uma mulher, fora "atingida na encruzilhada do racismo, sexismo e lesbofobia, atirada ao trânsito colonial voltado contra mulheres negras."

(AKOTIRENE, 2019, p. 114). Destarte, tal camiseta passa a carregar dimensões simbólicas e afetivas capazes de criar vínculos de compreensão sobre a Interseccionalidade17, pertencimento e identidade em quem a veste e para quem lê a mensagem estampada, tornando seu uso uma experiência de força política em que paixões individuais atravessam as coletivas, e vice-versa, no processo intersubjetivo

16 Como Marielle se autointitulava. O levante das sementes Marielles: a noite não adormecerá jamais, de Lívia Santa Vaz. Carta Capital. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/opiniao/o-levante-das-sementes-marielles-a-noite- nao-adormecera-jamais/>

17 O termo permite melhor compreensão sobre as desigualdades e sobreposição de opressões e discriminações existentes na sociedade. Uma ferramenta para o entendimento das reivindicações das mulheres negras quanto aos direitos através de pleitos políticos, presença e criação de secretarias de igualdade racial, atuando como ativistas em uma sociedade de justiça mediada.

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das relações, ações e afetos. Ao refletir sobre as questões da vida em comunidade e as paixões produzidas, o Ansart concebe que “através da linguagem, das palavras e das figuras de estilo que o homem político transmite suas mensagens estimulantes, suas indignações e seus apelos de apoio”

(ANSART, 2019. p.19).

As camisetas comercializadas pela PEITA, ao atuarem como suportes para determinadas mensagens, quando vestidas e compartilhadas em rede podem ser consideradas medium

[...] Primeiro porque uma parte de nossa vida cotidiana se organiza em torno de produtos mediatizados [...] segundo, porque [...] podem ser referidas à mediatização social interações muito mais diversas do que apenas os momentos de defrontação direta com as interfaces tecnológicas que nos expõem seus produtos - ou nas quais, por nossa vez, pomos a circular nossa própria produção, como nas redes informatizadas. (BRAGA, 2010. p.74).

Quem veste uma camiseta com mensagens como as estampadas nas produções da PEITA expressa sentimentos, sustenta uma mídia com carga testemunhal e permite aos receptores a possibilidade de interação, empatia, contexto. Encaradas como mídias alternativas, quando circulam nas redes sociais, e estando conectadas às hashtags, hiperlinks e hipertextos

fazem explodir os bloqueios oficiais à expressão pública e dão ressonância às vozes discordantes, minoritárias, subjugadas e portadoras de impulso de mudança. Quando vinculadas a movimentos sociais, colocam em evidência o imenso potencial estético, cognitivo, comunicativo e mobilizador dos meios massivos de expressão.

(MACHADO, 2007, p.39)

Observa-se a existência de uma cultura em que as relações entre os indivíduos, os modelos de identificação e os momentos de resistência, resultantes de uma cultura, sociedade e cotidiano em constante transformação, encontram-se inseparáveis das novas tecnologias e do capital e da busca pela emancipação, já que “pensar hoje as condições de possibilidade da emancipação das mulheres exige pensar as relações entre emancipação e igualdade. (HIRATA, 2018, p.150). O cenário solicita reflexões sobre os impactos dessas articulações na sociedade, na política, nas produções culturais, nas linguagens e na comunicação, uma vez que a “cultura veiculada pela mídia induz os indivíduos a conformar-se à organização vigente da sociedade, mas também lhes oferece recursos que podem fortalecê-los na oposição a essa mesma sociedade”, isto é, “o público pode resistir aos significados e mensagens dominantes, criar sua própria leitura e seu próprio modo de apropriar-se” (KELLNER, 2001, p.11-12) da cultura da mídia e do consumo na construção de suas identidades, bem como no fortalecimento de suas ideias, convertendo estes elementos em recurso para oposição e luta.

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Néstor García Canclini (1995), que reflete sobre o exercício da cidadania e como este foi alterado pelas mudanças geradas pelo consumo, sugere que a partir do momento em que há seleção e apropriação dos bens "definimos o que consideramos publicamente valioso, bem como os modos com que nos integramos e nos distinguimos na sociedade, com que combinamos o pragmático e o aprazível." (CANCLINI,1995, p.21). Sendo o consumo uma atividade que proporciona aos sujeitos o sentimento de pertencimento, cria-se a necessidade de compreender qual é o papel das redes sociais na política e nas subjetividades na forma como se realiza consumo cultural e a cidadania, bem como estes campos atuam na formação de identidades, na renovação e transformação da sociedade.

Considerações Finais

O presente estudo buscou refletir sobre o potencial emancipatório, subversivo, de resistência e empatia que determinados acontecimentos carregam e que são manifestados por indivíduos ativos, que produzem significados, usos e narrativas para os mesmos a partir das camisetas que vestem e das mensagens que elas estampam. Percebemos que as identidades culturais ganham deslocamentos e elementos novos, estando os mesmos conectados à elementos de tradição, ou não, de determinadas culturas, criando outros arranjos identitários e comunicacionais. O cenário de consumo globalizado, com a possibilidade da customização e a compra virtual, permite acesso para que indivíduos consumam produtos, tendências em uma velocidade e acesso muito maiores. Há de se considerar, portanto, o fenômeno consumista, em que os usos das camisetas podem configurar o comportamento de um grupo e o anseio de fazer parte dele, para além do que a imagem estampada representa. Atuando como significantes, as camisetas materializam ideias, conceitos e cultura, produzem sentidos distintos para diferentes interações e interpretações, transmitindo ideias de forma rápida, como fazem os outdoors das ruas ou os memes da internet. As camisetas possuem mais que funcionalidade, são meios de expressão pessoal. Tanto a camiseta criada em homenagem à vereadora Marielle Franco, quanto as camisetas com a frase “Ninguém solta a mão de ninguém” tornam-se discursos. Da rede de apoio e empatia após o resultado eleitoral, as mulheres criam resistência. Do luto as sementes deixadas por Marielle florescem para a luta. Quem veste a camiseta com a mensagem “Lute como Marielle Franco.” torna-se elo de resistência.

Referências

AKOTIRENE, Karla. Interseccionalidade. São Paulo: Polém, 2019. 150 p.

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ANSART, Pierre. A Gestão das Paixões Políticas. Tradução Jacy Seixas. Curitiba: Editora UFPR, 2019.

ANSART, Pierre. Em defesa de uma ciência social das paixões políticas. História: questões e debates.

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MACHADO, Arlindo. Made in Brasil: três décadas do vídeo brasileiro. São Paulo: Iluminuras, Itaú Cultural, 2007. 443 p.

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It's not just a t-shirt: women and the activism at network connected and street.

Abstract: The present study reflects how the mediactivism promoted by women transits in different scenarios. While hashtags connect ideas via hyperlinks, they can circulate beyond screens, breaking the boundaries of digital access. Transformed into prints, they are dressed, becoming hypertexts for new narratives. Used in protests or in everyday life, the t-shirts act as a platform, contribute to manifesting the socio-political position, and create networks of empathy and resistance among the women who wear them. The study comes from the t-shirt produced by PEITA with the phrase “Lute como Marielle Franco” (Fight like Marielle Franco), and the t-shirt with the illustration “Ninguém solta a mão de ninguém” (No one let go of anyone’s hand), created by Thereza Nardelli. Through the selected corpus we seek to understand how the articulation between communicational, aesthetic and political phenomena can stimulate debate and promote transformation for women who produce, consume and also benefit from the sale of t-shirts. Therefore, Akotirene, Ansart, Braga, Braighi, Baitello, Canclini, Hayles, Hirata and Kellner are the main theoretical references for reflection.

Keywords: Mediactivism; Women; Aesthetics; Politics; Resistance.

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