T ´ OPICOS DE ´ ALGEBRA LINEAR:
SISTEMAS LINEARES
Paulo Agozzini Martin
&
Maria L´ ucia Singer
Sum´ ario
Cap´ıtulo 1. SISTEMAS LINEARES 5
1. Sistemas lineares 5
2. Sistemas equivalentes. 6
Cap´ıtulo 2. O M´ETODO DE GAUSS 13
1. Escalonamento 13
2. Sistemas homogˆeneos e sistemas n˜ao-homogˆeneos 16
Cap´ıtulo 3. MATRIZES 19
1. Opera¸c˜oes com sistemas lineares 19
2. Matrizes Invers´ıveis 24
Cap´ıtulo 4. DETERMINANTES 29
1. Motiva¸c˜ao 29
2. Defini¸c˜ao e propriedades 33
3. Determinantes e matrizes invers´ıveis 43
Cap´ıtulo 5. MATRIZES ELEMENTARES 49
1. Escalonamento revisitado 49
2. Matrizes elementares e determinantes 53
Cap´ıtulo 6. EXERC´ICIOS 55
1. Exerc´ıcios Propostos. 55
2. Respostas aos exerc´ıcios 65
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CAP´ıTULO 1
SISTEMAS LINEARES
1. Sistemas lineares
Neste cap´ıtulo vamos estudar ossistemas lineares, ou seja, sistemas dem equa¸c˜oes em n inc´ognitas, da forma
a11x1+· · ·+a1nxn =b1 a21x1+· · ·+a2nxn =b2 ...
am1x1+· · ·+amnxn =bm
onde os coeficientes aij e os bj s˜ao n´umeros reais. Se algum dos bi for diferente de zero dizemos que o sistema ´e um sistema n˜ao-homogˆeneo; caso contr´ario, dizemos que ´e umsistema homogˆeneo. Uma solu¸c˜aodo sistema acima ´e um conjunto ordenado de n n´umeros reais u1, . . . , un, que, quando colocados respectivamente no lugar das inc´ognitas, verifi- cam as m identidades:
n
j=1
aijuj =bi, 1≤i≤m.
Denotaremos um conjunto ordenado de n n´umeros reais por (u1, u2, . . . , un),
e o chamaremos de uman-upla de n´umeros reais. O conjunto detodas as poss´ıveisn-uplas de n´umeros reais ser´a denotado porRn. Assim:
Rn ={(u1, . . . , un) : u1, . . . , un ∈R}.
Nosso problema inicial consiste em saber se um dado sistema pos- sui alguma solu¸c˜ao e em encontr´a-las todas, caso existam. Como n˜ao fizemos nenhuma restri¸c˜ao aos inteirosmen, temos sistemas commais equa¸c˜oes do que inc´ognitas, com menos equa¸c˜oes do que inc´ognitas ou sistemas onde o n´umeros de equa¸c˜oes ´e igual ao n´umero de inc´ognitas.
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6 1. SISTEMAS LINEARES
Intuitivamente, um sistema com mais inc´ognitas do que equa¸c˜oes, como por exemplo:
2x1+x2−x3 = 5,
tem uma infinidade de solu¸c˜oes. Nesse exemplo, podemos deixar livres x2 e x3, e determinar x1:
x1 = 5−x2+x3
2 ,
de modo que as 3-uplas (5−u2+u3
2 , u2, u3), u2, u3 ∈R
s˜ao todas as solu¸c˜oes. Podemos tamb´em deixar livres as vari´aveisx1 e x3, de modo que as solu¸c˜oes sejam representadas pelas 3-uplas:
(x1,5 +x3−2x1, x3).
Tamb´em intuitivamente percebemos que um sistema com mais equa-
¸c˜oes do que inc´ognitas n˜ao tem muita chance de ter solu¸c˜ao, por exem- plo:
2x1+x2 = 2 3x1 = 1 3x2 = 1
Note que se a primeira equa¸c˜ao do sistema acima fosse 2x1+x2 = 1, ent˜ao a 2-upla (1/3,1/3) seria solu¸c˜ao!
Assim como a rela¸c˜ao entre o n´umero de equa¸c˜oes e o n´umero de inc´ognitas influencia na existˆencia de solu¸c˜oes, destacamos tamb´em um caso digno de considera¸c˜ao: todo sistema homogˆeneo possui pelo menos uma solu¸c˜ao, a saber (0,0, . . . ,0), chamada de solu¸c˜ao trivial.
Vimos acima exemplos de sistemas com uma infinidade de solu¸c˜oes, com uma ´unica solu¸c˜ao e com nenhuma solu¸c˜ao. Veremos adiante que n˜ao existem outras possibilidades!
2. Sistemas equivalentes.
Uma primeira observa¸c˜ao importante, embora muito simples, ´e a seguinte: dado um sistema linear, o seu conjunto solu¸c˜ao pode ser igualmente determinado (ou descrito) por in´umeros outros sistemas de equa¸c˜oes. Por exemplo o sistema:
2. SISTEMAS EQUIVALENTES. 7
x1−x2 = 0 x1+x2 = 2
determina o conjunto solu¸c˜ao S = {(1,1)}. Esse mesmo conjunto so- lu¸c˜ao ´e determinado pelo sistema:
x1−x2 = 0 3x1+x2 = 4 ou pelo sistema
7x1+x2 = 8 3x1+x2 = 4.
Assim, podemos nos fazer uma pegunta: fixado um sistema, existem transforma¸c˜oes que podemos realizar nele de modo a simplificar as suas equa¸c˜oes e, ao mesmo tempo, n˜ao alterar o seu conjunto solu¸c˜ao?
Vamos come¸car a responder essa quest˜ao por meio de um sistema simples
x1+x2−2x3 = 1 3x1−x2+x3 = 2 x1−x2+ 3x3 = 4,
composto de trˆes equa¸c˜oes a trˆes inc´ognitas. Denotaremos cada equa-
¸c˜ao acima porEi(x1, x2, x3) =bi, (i= 1,2,3) ou, mais abreviadamente, Ei =bi. Apresentaremos a seguir trˆes opera¸c˜oes muito simples que n˜ao alteram o conjunto solu¸c˜ao do sistema:
1. Permuta¸c˜ao. Trocar de lugar duas equa¸c˜oes do sistema:
E1 = 1 E2 = 2 E3 = 4
⇐⇒
E3 = 4 E2 = 2 E1 = 1
2. Multiplica¸c˜ao. Substituir uma das equa¸c˜oes por um m´ultiplo n˜ao nulo dela mesma:
8 1. SISTEMAS LINEARES
E1 = 1 E2 = 2 E3 = 4
⇐⇒
λ·E1 =λ·1 E2 = 2 E3 = 4 onde λ= 0.
3. Adi¸c˜ao. Substituir a equa¸c˜ao Ei = bi pela sua soma com um m´ultiplo de uma outra equa¸c˜ao, ou seja Ei +µ·Ej = bi +µbj (onde j =i) tamb´em n˜ao alteramos o conjunto solu¸c˜ao:
E1 =b1 E2 =b2 E3 =b3
⇐⇒
E1+µ·E3 =b1+µ·b3 E2 =b2
E3 =b3
Cada uma das trˆes opera¸c˜oes acima ´e chamada deopera¸c˜ao elemen- tar. Veremos que, aplicadas em sequˆencia, elas s˜ao extremamente ´uteis para simplificar as equa¸c˜oes que descrevem um dado conjunto solu¸c˜ao.
Dado um sistema linear, todo sistema obtido a partir dele, por meio de uma sequˆencia finita de opera¸c˜oes elementares, ´e dito um sistema equivalente ao sistema dado. Vimos acima que sistemas equivalentes possuem o mesmo conjunto solu¸c˜ao. Usualmente escrevemos
Ei =bi ∼ Ei′ =b′i para denotar que os sistemas s˜ao equivalentes.
E muito f´acil de se perceber que se o sistema´ Ei′ = b′i pode ser obtido do sistema Ei = bi por meio de uma sequˆencia de opera¸c˜oes elementares, ent˜ao Ei =bi tamb´em pode ser obtido do sistema Ei′ =b′i por meio de uma sequˆencia de opera¸c˜oes elementares. Isso porque cada opera¸c˜ao elementar pode ser desfeita ou invertida por outra opera¸c˜ao elementar. De fato: consideremos o sistema S de equa¸c˜oes
E1(x1, . . . , xn) = b1 E2(x1, . . . , xn) = b2 E3(x1, . . . , xn) = b3 ...
Em(x1, . . . , xn) = bm
onde Ei(x1, . . . , xn) = bj representa a i-´esima equa¸c˜ao ai1x1 +· · ·+ ainxn = bi do sistema S. Se S1 ´e o sistema obtido a partir de S
2. SISTEMAS EQUIVALENTES. 9
permutando-se as linhas i e j, com i = j, ent˜ao ´e claro que se per- mutarmos novamente as mesmas linhasi ej do sistema S1, obteremos o sistema original S. Se S2 ´e obtido de S multiplicando-se a i-´esima equa¸c˜ao de S por λ = 0 ent˜ao obteremos S multiplicando a i-´esima equa¸c˜ao de S2 por µ = 1/λ. Se S3 ´e obtido de S substituindo-se a i-´esima equa¸c˜ao de S, Ei =bi, por Ei′ =b′i, onde Ei′ =Ei+λEj (com j =i) e b′i =bi+λbj, ent˜ao S3 fica:
E1(x1, . . . , xn) = b1 E2(x1, . . . , xn) = b2 ...
Ei′(x1, . . . , xn) = b′i ...
Em(x1, . . . , xn) = bm
e substituindo-se ai-´esima linha deS3 pela diferen¸ca entre ela eλvezes a j-´esima linha (que n˜ao se alterou) obteremos o sistema S.
Al´em disso, se o sistema S ´e obtido do sistema S′ e o sistema S′
´e obtido do sistema S′′ ent˜ao S ´e obtido de S′′. Isso mostra que se definirmos S ∼ S′ como: S′ ´e obtido de S por meio de opera¸c˜oes elementares, ent˜ao:
1)S ∼S
2)S ∼S′ =⇒S′ ∼S
3)S ∼S′ & S′ ∼S′′ =⇒S ∼S′′
As trˆes propriedades acima caracterizam as chamadas rela¸c˜oes de equivalˆencia. Essa rela¸c˜ao∼definida acima entre sistemas lineares par- ticiona o conjunto de todos os sistemas lineares em classes de sistemas equivalentes de tal modo que se S ∼S′ ent˜ao o conjunto solu¸c˜ao de S e o conjunto solu¸c˜ao de S′ s˜ao iguais.
Vamos aplicar algumas opera¸c˜oes elementares no exemplo acima para simplificar as suas equa¸c˜oes, produzindo coeficientes nulos:
x1+x2−2x3 = 1 3x1−x2+x3 = 2 x1−x2+ 3x3 = 4
∼
x1+x2−2x3 = 1
−4x2+ 7x3 =−1 x1−x2+ 3x3 = 4
10 1. SISTEMAS LINEARES
Acima trocamos a segunda equa¸c˜ao E2 = 2 por E2−3E1 = 2−3·1.
Podemos tamb´em trocar E3 = 4 por E3−E1 = 4−1:
x1+x2−2x3 = 1
−4x2 + 7x3 =−1 x1−x2+ 3x3 = 4
∼
x1+x2−2x3 = 1
−4x2+ 7x3 =−1
−2x2+ 5x3 = 3 Finalmente, trocamosE3 = 3 por 2·E3−E2 = 2·3−(−1):
x1+x2−2x3 = 1
−4x2 + 7x3 =−1
−2x2 + 5x3 = 3
∼
x1+x2−2x3 = 1
−4x2+ 7x3 =−1 3x3 = 7
e agora resolvemos recursivamente, de baixo para cima. O ´ultimo sis- tema tem uma forma particularmente simples e vamos cham´a-lo de sistema escalonado, pela sua forma de escada
x1+x2−2x3 = 1
−4x2+ 7x3 =−1 3x3 = 7.
Embora essa forma j´a nos permita resolver o sistema, podemos con- tinuar simplificando as equa¸c˜oes, se assim o desejarmos: substituimos E3 = 7 por (1/3)E3 = (7/3) e obtemos
x1+x2 −2x3 = 1
−4x2+ 7x3 =−1 x3 = 7/3.
No lugar da segunda equa¸c˜ao E2 = −1 colocamos E2 −7E3 = −1− 7(7/3) e no lugar da primeira equa¸c˜ao E1 = 1 colocamos E1 + 2E3 = 1 + 2(7/3):
x1+x2 = 17/3
−4x2 =−52/3 x3 = 7/3.
Multiplicando a segunda equa¸c˜ao por−1/4 e trocando a primeira equa-
¸c˜ao pela diferen¸ca das duas primeiras: