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SENTIDO E AMPLITUDE DA RESERVA DO POSSÍVEL EM MATÉRIA DE SAÚDE

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SENTIDO E AMPLITUDE DA RESERVA DO POSSÍVEL EM MATÉRIA DE SAÚDE

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Pedro Accioly de Sá Peixoto Neto**

Nadja Valéria da Corrente Campos Accioly***

RESUMO: O presente artigo visa à discussão de uma problemática evidente em matéria de saúde: a ne- gativa de um direito social básico que tem em sua essência o princípio da dignidade da pessoa humana confl itando com a reserva do possível. logo, faz-se necessária a reinterpretação da reserva do possível, objetivando a busca da interpretação do real interesse público, o que sempre deverá ser um espelho da primazia da dignidade da pessoa humana, na busca do alcance do mínimo existencial.

PALAVRAS-CHAVE: Reinterpretação. Reserva do possível. Direito à saúde. Dignidade da pessoa humana.

Introdução

O tema ora apresentado se encontra em esfera de variadas discussões, visto que se trata de matéria atual vivenciada pelos gestores públicos diante da aplicação dos recursos destinados – aqui, em especial, à saúde. Logo, tal análise acerca do tema de- monstra a realidade fática apreendida no estudo das denominadas “colisões” principio- lógicas, pois, de um lado (o do Estado), considera-se o princípio da reserva do possível;

e, do outro, o da dignidade da pessoa humana – aqui tratada em matéria de saúde.

A problemática do tema surge pela constante avocação desses dois princípios de grande relevância por cada um de seus principais interessados, é dizer, a Administração Pública ou o administrado. Sendo tais princípios de grande relevância, por um lado se tem o Estado, que pretende ver todo o seu planejamento orçamentário concretizado de modo a não ultrapassar o que se estabeleceu para as diversas áreas; por outro, o cidadão que precisa do atendimento de sua necessidade, uma vez que não podendo por si só realizá-la, submete-se à prestação do Estado para não depender da boa vontade da sociedade.

A justifi cativa do estudo de tal tema reside no fato de que tais princípios, quan- do utilizados para justifi car a aplicação dos recursos públicos destinados à saúde pela Administração Pública, também possam verdadeiramente garantir o atendimento à ex- pectativa daqueles que, desprovidos de recursos ou mesmo tendo-os limitados, tenham suas necessidades satisfeitas e, com isso, sua dignidade respeitada.

A análise do tema tem como objeto reinterpretar o princípio da reserva do pos- sível que vem sendo aplicado pela Administração Pública, em matéria de saúde, quando

* Enviado em 20/4, aprovado em 22/5, aceito em 3/8/2012.

** Professor da Universidade Federal de Alagoas; especialista em Direito Constitucional – Centro de Estudos Superiores de Maceió. Faculdade de Direito, Pós-Graduação. Maceió, Alagoas, Brasil.

E-mail: peaccioly@gmail.com.

*** Especialista em Direito Constitucional – Centro de Estudos Superiores de Maceió. Faculdade de Direito, Pós-Graduação. Maceió, Alagoas, Brasil. E-mail: nadjacampos@yahoo.com.br.

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este se defronta com o princípio da dignidade da pessoa humana, posto que este último se trata de princípio responsável pela garantia das condições mais básicas do homem e que por tamanha importância também não pode ser desrespeitado – do contrário, signifi - caria o próprio desrespeito ao ser humano e, consequentemente, à própria Constituição, já que este diploma legal trás em sua essência e, também, de forma explícita o princípio da dignidade da pessoa humana.

1 A reserva do possível com “ares” de princípio

A reserva do possível constitui-se num verdadeiro princípio, muito utilizado pela Administração Pública para delimitar os custos desta diante do que é possível em matéria de orçamento público. Muito se espera do Estado com relação aos direitos, em especial ao direito social à saúde. Porém, há de se considerar que, mesmo sendo um direito assegura- do pela nossa Constituição, há ressalvas quanto a sua efetivação. Uma dessas ressalvas é a real possibilidade de se garantir tal direito, pois os custos do Estado são muito elevados;

e mesmo que se tenha todo um arcabouço contributivo direcionado à responsabilidade da sociedade, muitas vezes este não é sufi ciente para garantir aos cidadãos que sua preten- são seja plenamente satisfeita.

Tal princípio, porém, não deve ser aludido pela Administração Pública, sem- pre que esta não possa atender à demanda exigida pela sociedade, uma vez que inevitavelmente tal postura atinge, de forma negativa, o princípio da dignidade da pessoa humana.

Em matéria de saúde, constitui-se em atitude mais gravosa, pois esta guarda es- trita relação com um dos direitos fundamentais mais importantes, diga-se o principal, de qualquer cidadão: o direito à vida, de tamanha importância que sequer poderá ser pelo indivíduo disponibilizado, ou seja, um direito indisponível e inalienável. Neste sentido:

“O Estado e todo o seu aparato, portanto, são meios para o bem estar do homem e não fi ns em si mesmos ou meios para outros fi ns. Este é, bem entendido, o valor fundamental escolhido pelo constituinte originário, o centro do sistema, a decisão política básica do Estado brasileiro” (BARCELLOS, 2008, p. 29).

Dar sentido e amplitude à reserva do possível, como elemento que busca equa- lizar parâmetros díspares, entre questões econômicas relacionadas aos direitos sociais – em especial ao direito social à saúde –, tem gerado enormes debates na doutrina constitucional e infraconstitucional, sem falar nas reiteradas decisões de cunho conde- natório determinando o cumprimento de obrigações positivas em matéria de concessão de tratamentos e medicamentos, sem falar até de suplementos alimentares especiais, haja vista que: “voltou-se a reconhecer, humildemente, que o direito não surge no mun- do por si só, mas relaciona-se de forma indissociável com valores que lhe são prévios, ideias de justiça e de humanidade que se colhem na consciência humana” (BARCELLOS, 2008, p. 25-26).

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2 Repercussões econômicas da reserva do possível em matéria de saúde

Num primeiro momento, pode-se pensar que em tudo se pode empregar a reserva do possível, excluindo importantes direitos sociais a exemplo da saúde. No entanto, este posicionamento não condiz com o que preconiza nossa Constituição Cidadã de 1988, vis- to que a dignidade da pessoa humana é princípio norteador, ou melhor, constitui-se em fundamento do nosso Estado Democrático de Direito (art. 1º, III, da CF). Também não é possível aplicar uma visão do tudo ou nada quando se encontra em questão o interesse da coletividade, que não é o interesse de indivíduos separadamente: busca-se em con- junto a efetivação de seus direitos.

Assim, a reserva do possível, apesar de suas limitações face à dignidade da pes- soa humana, pode contribuir e muito, não para negar sempre o provimento assistencial na saúde ao administrado com limitações de ordem econômica e de saúde – pois esta- ria verdadeiramente rasgando a Carta Política de 1988, que não autoriza tal disparate –, mas para ser empregada conjuntamente com a proporcionalidade para auxiliar no planejamento dos medicamentos e/ou tratamentos que poderão ser oferecidos à po- pulação sem, no entanto, excluir de forma absoluta os que possam vir a ser lançados e que podem apresentar mais resposta ao tratamento, casos em que este princípio seria devidamente afastado para incidir a dignidade da pessoa humana, que salvaguarda a vi- da. Neste ínterim, pode-se destacar o seguinte julgado em sede de Agravo em Apelação Cível nº 2008.000529-3, do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas (TJ-AL):

PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO – PORTADOR DE DOENÇA DESTITUÍDO DE RECURSOS FINANCEIROS – DEVER DE O ESTADO FORNECER OS MEDICAMENTOS NECESSÁRIOS PARA O SEU TRATAMENTO – DIREITO À VIDA E À SAÚDE ASSEGURADOS PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – ARTS. 5º E 196 – MITIGAÇÃO DA TEORIA DA RESERVA DO POSSÍVEL – ENTENDIMENTO CONSOLIDADO NESTA CORTE E NOS TRIBUNAIS SUPERIORES – DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR – POSSIBILIDADE – ART. 557 DO CPC – AGRAVO CONHECIDO E NÃO-PROVIDO – DECISÃO UNÂNIME

I - Os artigos 6º e 196 da Constituição Federal consagram o direito à saúde, estabe- lecendo o dever de o Estado fornecer os medicamentos pleiteados pelos cidadãos que não possuem condições fi nanceiras para arcar com os seus custos.

II – A Teoria da Reserva do Possível não pode servir de escusa ao descumprimento de mandamento fundado em sede constitucional, notadamente quando acarretar a supressão de direitos fundamentais, em atenção ao mínimo existencial e ao postu- lado da dignidade da pessoa humana. Precedentes do STF e deste Tribunal.

III – Agravo conhecido e não-provido. Decisão unânime. (ALAGOAS, 2008, grifo nosso)

Verifi ca-se que o grande ponto de litigiosidade reside na adequação e juízo de va- lores administrativos, visto que, em tal situação, de um lado há o Estado, que só fornece um rol “básico” e “possível”; do outro, o indivíduo que procura a assistência estatal e não a piedade das ruas, na forma de esmolas e auxílios dos transeuntes. Por esse aspecto, depreende-se que:

Uma das principais difi culdades diz respeito à (in)capacidade do setor público, dada a defasagem entre a responsabilidade constitucional e a disponibilidade

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orçamentária, em destinar recursos sufi cientes e regulares para suportar um siste- ma universal e integral, concebido em um contexto de redemocratização política e de crise do Estado. (SOARES, 2009, p. 73)

Mais uma vez, o que se percebe é o difícil equilíbrio entre o que se pode ofertar e o que se tem disponível quando se trata da efetivação de direitos assegurados pela Constituição e que correspondem a um dever do Estado.

3 Observância às listagens ofi ciais de medicamentos e tratamentos terapêuticos

Há dois pontos a serem considerados nesta questão: a) a concessão de medicamen- tos que constam no rol dos listados pelo Ministério da Saúde; b) os medicamentos que não constam neste rol e que muitas vezes se constituem em fármacos de última geração.

A princípio, espera-se que os medicamentos fornecidos pelo Ministério da Saúde estejam disponíveis nas farmácias dos postos de saúde e nos hospitais públicos: por cons- tarem em lista, fazem parte do orçamento público, mas na prática não é isso o que se verifi ca, pois, por diversas razões, vários medicamentos deixam de estar à disposição da população. Logo, muitos que necessitam de medicamentos e não podem comprá-los, em vez de se dirigir aos postos de saúde, movem o Poder Judiciário para adquiri-los.

Por vezes, este tipo de atitude de buscar a prestação jurisdicional faz com que outros administrados sejam também benefi ciados por tal atitude, já que podem servir de base para a interposição de ações civis públicas tuteladas pelo Ministério Público Estadual e Federal. Por outro lado, essa atitude proativa do jurisdicionado tem feito com que o Ministério da Saúde passe a ampliar seu rol de fármacos disponíveis, incluindo medicamentos que até então não eram contemplados por esta listagem. Como exemplo, pode-se destacar o julgado pelo Superior Tribunal de Justiça em sede do Recurso em Mandado de Segurança nº 17.903/MG, de relatoria do min. Meira Castro, com o seguinte relato: “Pelo que consta dos autos, após a impetração, o Ministério da Saúde incluiu, em sua lista de medicamentos padronizados, o remédio reclamado pela impetrante”.

A exemplo dos fármacos, o Ministério da Saúde, por meio das consultas em hospitais públicos e/ou fi liados, oferece aos seus administrados tratamentos tendo como fi nalidade, se não a cura, a melhoria da qualidade de vida dos que procuram tal assistência.

O problema na demanda por tais tratamentos muitas vezes reside em questões sociais de desigualdades históricas, não solucionadas até o presente momento, as quais permitem a ocorrência de uma sobrecarga no Sistema Único de Saúde (SUS), além do endividamento público externo nesse setor. A este respeito, constata-se que apresentam difi culdades e razões:

[...] históricas e devem ser examinadas na conjuntura e nas decisões políticas e econômicas realizadas principalmente nas décadas de 1970 e 1980. O modelo de desenvolvimento econômico brasileiro foi alicerçado na capitação de recur- sos externos, abundantes nos bancos internacionais, no início da década de 1970.

(SOARES, 2009, p. 73)

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No que tange à redução dos gastos com a saúde, estes se relacionam a questões orçamentárias – em especial as referentes ao endividamento do Estado, que, para cobrir gastos com o pagamento de dívida no próprio setor (saúde), ocasionou um decréscimo no orçamento, como pode ser bem atestado quando:

Analisando a execução média anual do orçamento do Ministério da Saúde, nos períodos de 1995-1998, 1999-2002 e 2003-2004, verifi ca-se tendência de redução chegando a 21,5% do terceiro para o primeiro período. No primeiro período hou- ve um aporte considerável de recursos para pagamento dos serviços da dívida do Ministério da Saúde, o que justifi ca, em parte, a queda do orçamento no segundo e terceiro períodos. (SOARES, 2009, p. 73)

Mesmo com todo o investimento aplicado à saúde, esta apresenta baixos índices de investimentos quando se compara com outros países de maior renda, o que cria um défi cit que impossibilita a real efetivação, no plano concreto, da universalização do atendimento das demandas de saúde pública e na própria integralidade das ações, via complementação pelo setor privado (SOARES, 2009, p. 73).

Por outro lado, tem-se alegado em ações judiciais – como defesa para o não fornecimento de medicamentos que não constam no rol da listagem do Ministério da Saúde, entre outros fundamentos jurídicos – que o estado-membro não pode sozinho arcar com o volumoso dispêndio pecuniário para atender tantas demandas em matéria de fármacos, como pode ser bem observado no seguinte julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em sede de Suspensão de Segurança nº 3.158/RN, de relatoria da min.

Ellen Gracie, cujo requerente foi o estado do Rio Grande do Norte:

[...] b) impossibilidade de o Estado do Rio Grande do Norte arcar sozinho com os custos do fornecimento dos medicamentos postulados pela impetrante, na medida em que a promoção da saúde é de competência de todos os entes federados, deven- do as ações de saúde serem distribuídas conforme o seu grau de complexidade, nos termos dos arts. 195 e 198 da Constituição da República e da Lei nº 8.080/90;

c) ocorrência de grave lesão à ordem e à economia públicas, porquanto o acór- dão impugnado afronta o princípio da legalidade orçamentária (Constituição da República, art. 167), certo que “c) ocorrência de grave lesão à ordem e à economia públicas, porquanto o acórdão impugnado afronta o princípio da legalidade orça- mentária (Constituição da República, art. 167), certo que “o Estado não tem pre- visão orçamentária para suprir a população com todos os medicamentos que esta demande, não podendo arcar com o provisionamento integral de fármacos de que necessite cada cidadão residente no território estadual” (fl . 13). Nesse contexto, aduz que não se nega a fornecer todo e qualquer medicamento à impetrante, ape- nas propõe a indicação de outros similares, que estejam relacionados na listagem ofi cial do Ministério da Saúde;

d) possibilidade de ocorrência do denominado “efeito multiplicador”, em razão do incremento do número de demandas judiciais da mesma natureza. (BRASIL, 2007)

Na defesa do rol taxativo da listagem do Ministério da Saúde, alega-se que, em virtude da necessidade imperiosa dos princípios da universalidade e da equidade, o Poder Público tenta equalizá-los com as reais possibilidades do erário, devido a restri- ções de caráter orçamentário. O Poder Executivo está alicerçado, além dos princípios

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supracitados, na proporcionalidade entre a capacidade fi nanceira do Estado e as neces- sidades de saúde da população, com consequente respeito ao princípio da efi ciência (VIEIRA, 2008, p. 366).

No entanto, tem-se de considerar, na esfera da satisfação dos direitos funda- mentais, especialmente à saúde, que “o ‘direito’ como realidade inclui um corpo de informações e tendências axiológicas que tornam inteligível aquele conjunto ou aquela ordem” (SALDANHA, 2005, p. 218), não uma mera discricionariedade que não valora con- dizentemente a dignidade da pessoa humana e as especifi cidades dos casos concretos.

Seguindo esses ideários, por vezes a jurisprudência dos tribunais superiores já tem deferido até mesmo a suspensão de tutela antecipada ao estado-membro, quando há riscos de se ocasionar a inviabilização do próprio sistema de saúde pública – o que denota uma questão de ordem pública capaz de ser suscitada em matéria do direito à saúde. Como exemplo desta afi rmativa vê-se o trecho de decisão da Corte Suprema do Brasil, na Suspensão de Tutela Antecipada nº 91-AL, interposta pelo estado de Alagoas:

5. A Lei nº 8.437/92, em seu art. 4º, autoriza o deferimento do pedido de suspen- são de execução de liminar para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. Verifi co estar devidamente confi gurada a lesão à ordem pú- blica, considerada em termos de ordem administrativa, porquanto a execução de decisões como a ora impugnada afeta o já abalado sistema público de saúde. Com efeito, a gestão da política nacional de saúde, que é feita de forma regionalizada, busca uma maior racionalização entre o custo e o benefício dos tratamentos que devem ser fornecidos gratuitamente, a fi m de atingir o maior número possível de benefi ciários. Entendo que a norma do art. 196 da Constituição da República, que assegura o direito à saúde, refere-se, em princípio, à efetivação de políticas pú- blicas que alcancem a população como um todo, assegurando-lhe acesso universal e igualitário, e não a situações individualizadas. A responsabilidade do Estado em fornecer os recursos necessários à reabilitação da saúde de seus cidadãos não pode vir a inviabilizar o sistema público de saúde. No presente caso, ao se conceder os efeitos da antecipação da tutela para determinar que o Estado forneça os medica- mentos relacionados “[...] e outros medicamentos necessários para o tratamento [...]” (fl . 26) dos associados, está-se diminuindo a possibilidade de serem ofereci- dos serviços de saúde básicos ao restante da coletividade. Ademais, a tutela con- cedida atinge, por sua amplitude, esferas de competência distintas, sem observar a repartição de atribuições decorrentes da descentralização do Sistema Único de Saúde, nos termos do art. 198 da Constituição Federal. Finalmente, verifi co que o Estado de Alagoas não está se recusando a fornecer tratamento aos associados (fl . 59). É que, conforme asseverou em suas razões, “[...] a ação contempla medi- camentos que estão fora da Portaria n.° 1.318 e, portanto, não são da responsa- bilidade do Estado, mas do Município de Maceió, [...]” (fl . 7), razão pela qual seu pedido é para que se suspenda a “[...] execução da antecipação de tutela, no que se refere aos medicamentos não constantes na Portaria nº 1.318 do Ministério da Saúde, ou subsidiariamente, restringindo a execução aos medicamentos especifi - camente indicados na inicial, [...]” (fl . 11).

6. Ante o exposto, defi ro parcialmente o pedido para suspender a execução da antecipação de tutela, tão somente para limitar a responsabilidade da Secretaria Executiva de Saúde do Estado de Alagoas ao fornecimento dos medicamentos con- templados na Portaria nº 1.318 do Ministério da Saúde. (BRASIL, 2007, grifo nosso)

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Como pode ser observado, esta matéria é controvertida, já que envolve a de- nominada escolha político-administrativa por parte da Administração Pública quando traça o rol de medicamentos a serem fornecidos gratuitamente à sociedade. A grande polêmica surge, principalmente, em decorrência da gama considerável de novos fár- macos, tratamentos e exames que a todo instante são desenvolvidos e aprovados pelos principais órgãos reguladores.

4 Disponibilidade de medicamentos de última geração e tratamentos de alta complexidade

Numa análise prévia, os medicamentos fornecidos pela Administração Pública deveriam constar de um rol previamente determinado e atualizado que viesse a fazer parte do planejamento e do orçamento públicos, pois, do contrário, não poderiam ser adquiridos pelo Estado, decorrente dos outros dispêndios já previamente estipulados com dotação própria.

Contudo, não se está tratando de matéria exata, cujos simples cálculos poderiam defi nir o resultado almejado: a população cresce; as necessidades de saúde aumentam;

e a evolução científi ca e tecnológica da área médico-farmacêutica conduz a uma procura cada vez mais específi ca em tratamentos médicos, exames preventivos e fármacos de úl- tima geração. Portanto, “a norma de direito envolve, na realidade um fato que, iluminado por valores, dá lugar a uma atitude humana e a uma decisão” (REALE, 2002, p. 558).

Com isso, é gerada uma necessidade de atualização regular na listagem de medi- camentos e tratamentos médicos que fi cam sujeitos ao juízo de valor administrativo, en- tre o custo e a viabilidade de serem fornecidos ao maior número de pessoas que destes necessitem. O problema é que quando se faz uma busca na jurisprudência dos tribunais superiores e de 2ª instância (por exemplo: STF, STJ e TJ-AL), constata-se que há grande demanda por parte dos jurisdicionados para o fornecimento gratuito de fármacos fora do rol da listagem do Ministério da Saúde.

O fornecimento de fármacos de última geração, bem como tratamentos de alta complexidade, representa para a Administração Pública um gasto que pode interferir nas escolhas políticas feitas para o orçamento público. Todavia, para aqueles que depen- dem única e exclusivamente deste tipo de assistência específi ca, é a diferença muitas vezes entre a vida e a morte ou mesmo um período de relativo conforto em contraste com um processo lento e doloroso, que fatalmente cominará com seu óbito. Ou seja, com tais fármacos e tratamentos o paciente terá garantida sua dignidade como pessoa, conforme já assentado na jurisprudência brasileira, em trechos de magistrais votos co- mo o que se segue, proferido na Apelação Cível nº 2009.004892-8, do TJ-AL, de relatoria do des. Alcides Gusmão da Silva:

A problemática em relação ao direito à saúde concerne à implementação de polí- ticas públicas que já se encontram formuladas no plano legislativo, mas que, por uma série de argumentos, dentre estes o principal é a falta de recursos econômi- cos sufi cientes, o Poder Público ainda preserva uma posição omissa ou, quando as

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implementa, acaba por violar o princípio da isonomia, sem que se possa atingir os fi ns do Estado Democrático de Direito brasileiro.

O comprometimento do modelo atual de Estado com a efi cácia de direitos sociais consiste, então, em um caminho para superar o modelo tradicional de políticas públicas que privilegiava a discricionariedade em face da normatividade constitu- cional e da proteção a direitos fundamentais. (ALAGOAS, 2009)

Há de se considerar que o rol da listagem ministerial é meramente exemplifi cativo, e não deve ser considerado taxativo. Este rol limita o direito à saúde, uma vez que as ne- cessidades dos administrados, em matéria de saúde, são bastante dinâmicas, como dinâmi- ca deve ser a interpretação do sistema normativo perante a Constituição. Logo:

[...] o melhor interesse público só pode ser obtido a partir de procedimento racio- nal que envolve a disciplina constitucional de interesses individuais e coletivos es- pecifi co, bem como um juízo de ponderação que permita a realização de todos eles na maior extensão possível. O instrumento desse raciocínio ponderativo é postulado da proporcionalidade. (BINENBOJM, 2008, p. 9, grifo nosso)

Numa análise ponderativa, o que se observa, então, é o respeito ao emprego da proporcionalidade, para que o interesse a ser alcançado atinja um maior número de pessoas, sem, no entanto, restringir o direito de poucos.

5 O acesso a medicamentos de preços acessíveis

Uma forma de o governo também contribuir para a efetivação do direito à saúde está relacionada aos incentivos fi scais para a redução do preço de medicamentos. Assim, permite-se que as pessoas das camadas mais pobres possam ter acesso à medicação com preços compatíveis com suas condições fi nanceiras, o que onera menos o Estado. Um dos grandes exemplos no Brasil deu-se com os medicamentos denominados “genéricos”, que apresentam os mesmos princípios ativos daqueles considerados de “marca”.

Contudo, não se pode esquecer que outro papel relevante neste aspecto é a disponibilização também de medicamentos importados isentos de tributos ou mesmo a nacionalização, para permitir que estes fármacos de última geração estejam acessíveis aos doentes que podem custear seu próprio tratamento, com preços compatíveis com sua renda – ou seja, subsidiados. Sob este prisma, vê-se que:

[...] os Estados não possuem apenas o dever de assegurar que os medicamentos existentes estejam disponíveis dentro de seu território. Eles também possuem a obrigação de tomar as medidas razoáveis a fi m de assegurar que os novos medi- camentos dos quais mais se necessita sejam produzidos e, portanto, tornem-se disponíveis à população. (HUNT; KHOSLA, 2008, p. 104)

É neste ínterim que se verifi ca, para uma real efetividade do direito social à saú- de e a harmonia dos poderes (Executivo e Judiciário), a necessidade de a Administração Pública, seja na concessão de medicamentos, tratamentos e exames não constantes no rol da listagem do Ministério da Saúde seja via incentivos à nacionalização dos importados

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evitar exclusões que afrontam a dignidade da pessoa humana e a sobrecarga de proces- sos nos tribunais para concessão de tal assistência direta ou indireta, fazendo-se neces- sária a análise de forma proporcional e razoável dessas crescentes demandas sociais.

Conclusões

Pode-se depreender que a reinterpretação do princípio da reserva do possível, muito utilizado pela Administração Pública quando se considera o interesse do particular (administrado) – aqui, em especial, o direito à saúde – faz-se necessária para que se evi- te o arbítrio desmedido do gestor público que, sob o argumento de que só se pode fazer o que é fi nanceiramente possível, alia-se a uma discricionariedade que limita a completa efetivação da dignidade da pessoa humana. Provido de parcos recursos fi nanceiros ou mesmo não os tendo, o indivíduo vale-se do Poder Judiciário como a única alternativa de ver seu direito, diga-se fundamental, plenamente satisfeito ante o ideário do Estado Democrático de Direito, o qual elegeu o princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento da República.

Assim, toda interpretação restritiva e taxativa que mitigue excessivamente o acesso à saúde constitui-se numa afronta explícita as conquistas seculares das consti- tuições modernas – principalmente à Carta Política de 1988, que, por seu conteúdo va- lorativo, é conhecida como Constituição Cidadã e cuja máxima supremacia do interesse público frente ao particular é norteada pela satisfação dos direitos fundamentais que pelo menos garanta a condição do mínimo existencial.

Portanto, não se pode açabarcar o Poder Judiciário com tamanha demanda.

Deve-se analisar a real necessidade de quem pede, uma vez que nem sempre tal atitude mostra-se a melhor. É o que se constata, por exemplo, quando há tratamentos médicos que ofereçam a mesma resposta de tratamentos realizados no exterior e que são peti- cionados pelo indivíduo. Logo, se tal demanda for satisfeita muitos indivíduos poderão ser afetados de forma negativa pela redução dos recursos disponíveis à saúde. O que se verifi ca, portanto, é a necessidade de se aplicar, entre outras medidas, a proporcio- nalidade, a fi m de garantir que todo cidadão possa ser atendido em suas necessidades, e que nem por isso seja afetado o orçamento público de tal monta que se inviabilize o direito de outros.

DIRECTION AND AMPLITUDE OF THE RESERVE OF THE POSSIBLE IN HEALTH MATTERS

ABSTRACT: This article aims to discuss a problem evident in health: the denial of a basic social right which has at its core the principle of human dignity in confl ict with the reserve of the possible.

Therefore, it is necessary to reinterpret the reserve of the possible, aimed at seeking the inter- pretation of the real public interest, which should always be a mirror of the primacy of the human dignity in the search range of the existential minimum.

KEYWORDS: Reinterpretation. Reserve of possible. Right to health. Human dignity.

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Referências

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