XXVI ENCONTRO NACIONAL DO
CONPEDI BRASÍLIA – DF
DIREITO AGRÁRIO E AGROAMBIENTAL
NIVALDO DOS SANTOS
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Direito agrário e agroambiental [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI
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XXVI ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI BRASÍLIA – DF
DIREITO AGRÁRIO E AGROAMBIENTAL
Apresentação
A edição do XXVI ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI, ocorrida em Brasília/DF, em
julho de 2017 consolida o Direito Agrário e Agroambiental como áreas de ampla produção
acadêmica em programas os mais diversos, em todos os quadrantes do país.
O grande interesse demonstrado pelos pesquisadores em estudar temas dessas áreas
encontrou, nas sessões do Grupo de Trabalho realizadas no evento, uma enorme
receptividade e oportunidade de discussão.
A obra que ora apresentamos reúne os artigos selecionados, pelo sistema de dupla revisão
cega, por avaliadores ad hoc, para apresentação no evento.
Diversamente do ocorrido em edições anteriores, na atual obra constatamos uma diversidade
temática tal, incapaz de propiciar um bloco de interesse específico dos pesquisadores, senão
que estamos ampliando, cada vez mais, o alcance do Direito Agrário nos temas discutidos.
Apresentamos, assim, os trabalhos desta edição.
O trabalho intitulado “A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DO FUNRURAL E SUAS
CONSEQUENCIAS PARA OS PRODUTORES RURAIS: UMA ANÁLISE POLITICA E
JURIDICA DA DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL”, de autoria de Thiago
Henrique Costa Silva e Maria Izabel de Melo Oliveira dos Santos, aborda dados historiais e a
partir daí, procura oferecer suporte teórico apto a demonstrar a necessidade de um olhar mais
cuidadoso ao crescente número de idosos no país e a necessidade de se identificar um custeio
previdenciário ao homem do campo, que lhe assegure existência digna, concluindo, dessa
forma, que a contribuição ao FUNRURAL é constitucional.
Os autores Fernanda Martins Albuquerque Soares e Lilian Pereira da Cunha trabalham nova
discussão sobre a luta pela terra e sua atualidade, no artigo intitulado “REPÚBLICA DE
TROMBAS E FORMOSO – GOIÁS (1950 – 1964): ORIGEM, APOGEU E
CRIMINALIZAÇÃO DE UM MOVIMENTO SOCIAL CAMPONÊS”, que analisa o
complexo de informações sobre a temática dos movimentos sociais ligados ao campo e uma
história de esfacelamento, destacando-se, no estado de Goiás, a luta dos posseiros em
movimento social camponês de Trombas e Formoso, indagando se o mesmo representou uma
violência institucionalizada ou apenas uma prática de defesa social para a manutenção da
ordem. Apresenta, portanto, um contexto histórico da gênese e desenvolvimento desta
Republica Campesina.
O papel das unidades de conservação fica evidenciado no trabalho intitulado “AS
RESERVAS PARTICULARES DO PATRIMÔNIO NATURAL E A NECESSIDADE DA
INSTITUIÇÃO DE ÁREAS PRIVADAS AMBIENTALMENTE PROTEGIDAS NOS
IMÓVEIS RURAIS DO SUL DO ESTADO DE GOIÁS”, de André Luiz Duarte Pimentel,
que analisa a necessidade da instituição voluntária da Reserva Particular do Patrimônio
Natural nas propriedades agrárias situadas no Sul do Estado de Goiás, onde tais reservas
inexistem. Destacada a importância da criação volitiva dessas reservas como mecanismo para
o cumprimento e efetividade da função socioambiental da terra e também para a preservação
do bioma Cerrado.
Romulo Cesar Barbosa Marques e Luciana Ramos Jordão brindam seus leitores com um
trabalho intitulado “ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL NO ESTADO DE
GOIÁS: DESENVOLVIMENTO AGROAMBIENTAL COMO FORMA DE SUPERAÇÃO
DA QUESTÃO AGRÁRI” no qual analisam a assistência técnica e extensão rural no estado
de Goiás, sob o prisma do desenvolvimento agroambiental e a superação da questão agrária;
para isso fazem um escorço histórico da criação de órgãos de assistência e fomento,
discutindo as novas políticas de fomento rural e as necessidades do pequeno produtor
contemporâneo.
Já o trabalho “CORUMBÁ DE GOIÁS: UMA HISTÓRIA DE LUTA NO CAMPO”, de
Natasha Gomes Moreira Abreu e Nivaldo Dos Santos, discute, sob a ótica dos conflitos
coletivos agrários, o direito de posse e proteção jurídica da propriedade da terra e a condição
de atendimento da função social. O estudo é desenvolvido a partir de revisão sobre as teorias
da posse, e a sua repersonalização e, ao final, é debatida a função social nas ações de
reintegrações de posse através do estudo de caso do processo de Reintegração de Posse da
Fazenda Santa Mônica em Corumbá de Goiás, e no final, analisa de forma crítica, a decisão
judicial exarada.
O trabalho intitulado “DIREITO À TERRA E A AQUISIÇÃO DE TERRAS POR
ESTRANGEIROS” é explorado por Isabella Andrade Ferreira Xavier e Vilma de Fátima
Machado, em um estudo que demonstra o quanto as restrições impostas pela lei nº 5.709/71
na aquisição de terras por estrangeiros são importantes para a soberania e segurança nacional
entre homem, terra e território, gerando riscos na proteção do patrimônio cultural e nas
reivindicações de terra, por nacionais.
Já o trabalho intitulado “DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA COMO
VERTENTE DO DIREITO AGRÁRIO: A (IN) EFICÁCIA DO SISTEMA NACIONAL DE
SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL NA CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO À
ALIMENTAÇÃO DAS PESSOAS CUSTODIADAS”, de José Augusto Magni Dunck,
discute a importância do direito agrário e a eficácia do Sistema Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional (SISAN) em formular políticas públicas de desenvolvimento para
concretizar o direito humano, à alimentação adequada, às pessoas privadas de liberdade e
redução da desigualdade social. Com apoio em relatório oficial e realiza diagnóstico sobre a
alimentação dos presos e a eficácia do SISAN. A partir de categorias de Foucault faz debate
sobre a influência do racismo institucional como variável que legitima a ausência de
concretização do direito humano à alimentação adequada a essa parte da sociedade.
Já o estudo jurisprudencial intitulado “EXTERNALIDADES NEGATIVAS
DECORRENTES DO USO DE AGROTÓXICOS E A INSEGURANÇA ALIMENTAR:
UMA ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL”, de Camila
Santiago Ribeiro e Eduardo Gonçalves Rocha, analisa a atuação do Supremo Tribunal
Federal frente aos efeitos negativos gerados pela ampla utilização de agrotóxicos na
produção agrícola, que vem distribuindo ônus para toda a sociedade e contribuindo para o
aumento da insegurança alimentar. As externalidades negativas que têm origem no
agronegócio vão além dos limites econômicos e demográficos da atividade e fazem toda a
sociedade suportar os custos sanitários, ambientais e sociais desse modelo de produção
agrícola. Uma análise das decisões da corte constitucional demonstra como essa questão vem
sendo enfrentada judicialmente.
Os autores Ricardo Araujo Dib Taxi e Liandro Moreira Da Cunha Faro, trazem reflexões
sobre o tema “JUDICIALIZAÇÃO DA QUESTÃO AGRÁRIA E COMUNIDADES
TRADICIONAIS QUILOMBOLAS: O JUDICIÁRIO QUANDO DA ANÁLISE DOS
CONFLITOS TERRITORIAIS”, onde destacam o papel do judiciário nos conflitos que
envolvem direitos territoriais das comunidades tradicionais, observando a tendência do poder
judiciário brasileiro em julgar demandas desta natureza, através de uma estrutura
institucional que provoca violência aos grupos étnicos e seus direitos territoriais.
O trabalho intitulado “O CANCELAMENTO DE REGISTRO DE IMÓVEIS E SUAS
CONSEQUÊNCIAS NO COMBATE À GRILAGEM DE TERRAS NO ESTADO DO
explora os conflitos agrários no Estado do Pará, cuja politica governamental é tendenciosa,
privilegiando a classe economicamente mais forte em detrimento dos pequenos proprietários,
populações tradicionais e propriedade coletiva, destacando que, não obstante a CPI da
Grilagem instituída no âmbito do congresso Nacional, o cancelamento de matrícula de
registro de imóveis no estado do Pará não ocorreu de forma efetiva, prejudicando as
populações fragilizadas, originários proprietários da terra.
Já o trabalho de autoria de Ramon De Souza Oliveira, intitulado “O CIRCUITO ESPACIAL
DA PRODUÇÃO DO CAFÉ A PARTIR DO MUNICÍPIO DE PATROCÍNIO/MINAS
GERAIS” traz contribuições sobre a evolução da cafeicultura em Patrocínio, no estado de
Minas Gerais (MG), discutindo a produção de “cafés finos”, modernização da agricultura, a
agricultura científica globalizada.
O trabalho intitulado “CONFLITO COLOMBIANO NO SÉCULO XX: A PERSPECTIVA
DAS LUTAS POR TERRAS E TERRITÓRIOS COMO DIREITO À TERRA E PAZ”, de
autoria de Luís Felipe Perdigão De Castro e Miquelly Barbosa da Silva, aborda a luta pela
terra, o conflito colombiano no século XX, em especial a dinâmica da legislação rural dentro
dos processos de concentração e exclusão no campo. Parte-se, inicialmente, de um breve
panorama histórico para, na sequência, debater as significações das lutas por terras e
territórios, como busca por direitos e identidades sociais. O pano de fundo é a luta por terra
como elemento transversal das violências contra comunidades camponesas, indígenas e
afro-colombianas. O objetivo é discutir as contradições e rupturas que permeiam as disputas e
legislações agrárias da Colômbia.
Na produção intitulada “CONFLITO DE NORMAS NO ART. 4º DA LEI nº 12.651/2012,
CRITÉRIO HIERÁRQUICO E A TEORIA DO MAL MENOR”, de autoria de João Da Cruz
Gonçalves Neto e Lais Machado Papalardo de Moraes Carneiro, os autores analisam o art. 4º
da Lei nº 12.651/2012 e o consideram carecedor de precisão legislativa, o que pode causar
problemas na interpretação normativa e, com isso, graves conflitos agroambientais. A partir
do conceito de Área de Preservação Permanente e da importância de sua manutenção,
entendeu-se que a discricionariedade relativa à extensão da área a ser preservada pode
significar perda do direito pleno de propriedade ou ataque ao meio ambiente preservado.
Estuda-se o caso de antinomia aparente de normas ambientais, a qual pode ser solucionada
pelo critério hierárquico e pela aplicação da Teoria do Mal Menor.
A análise do trabalho intitulado “PERSPECTIVAS PARA O DIREITO
AGROAMBIENTAL A PARTIR DA NOÇÃO DE DESENVOLVIMENTO RURAL”, o
identifica como se constrói a noção de desenvolvimento rural e se existe uma questão
estrutural que interliga a pobreza e a concentração de terras no meio rural. Apresenta uma
crítica às políticas públicas com enfoque setorial, por não darem a devida atenção à obtenção,
pelos indivíduos, do conjunto de capacidades e funcionamentos ligados às condições
mínimas para uma vida digna. Por isso, argumenta que as políticas públicas devem ser
pensadas e planejadas de maneira integrada, de modo a buscar essa ampliação das
capacidades humanas.
Os autores Ana Luisa Santos Rocha e José Heder Benatti, no trabalho intitulado “POLÍTICA
NACIONAL DE REFORMA AGRÁRIA E SEUS DIFERENTES INSTRUMENTOS
FUNDIÁRIOS”, discutem os diferentes instrumentos que compõem o rol de projetos da
Reforma Agrária no Brasil, tendo como base a Norma de Execução INCRA nº 69/2008 e os
projetos estaduais no Estado do Pará, demonstrando um aumento gradativo nas categorias
fundiárias e os sujeitos abrangidos nessa política pública.
No trabalho intitulado “PRINCÍPIOS E CLÁUSULAS GERAIS: A QUESTÃO DA
FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE” a autora Bárbara Tuanni Veloso da Silva faz uma
análise teórica sobre a função social da terra, e conclui que o direito a ela deve ser aplicado e
interpretado de forma plural, evidenciando o papel do juiz, e de diferentes teorias sobre a
hermenêutica, deixando claro a importância da “terra” para as comunidades indígenas,
demonstrando que para eles há um valor muito maior que o cultural e econômico: um valor
vital.
Finalizando, o autor Olímpio de Moraes Rocha, no trabalho “PROJETOS DE REFORMA
AGRÁRIA VIA DESAPROPRIAÇÃO SOCIAL E EXPLORAÇÃO MINERAL:
DIÁLOGOS JURÍDICOS POSSÍVEIS” faz uma análise sobre o desenvolvimento
econômico, à luz da atividade minerária, destacando os riscos e perigos que a atividade
acarreta, demonstrando o perigo da dicotomia entre os objetivos fundamentais da República:
o desenvolvimento nacional e a redução das desigualdades sociais, destacando o importante
papel da atividade agrária para a manutenção do meio ambiente saudável e com qualidade de
vida.
Assim, a presente obra é um verdadeiro repositório de reflexões sobre Direito Agrário e
Agroambiental, o que nos leva a concluir que as reflexões jurídicas, nessa obra, são
contribuições valiosas no tocante a oferta de proposições que assegurem a melhoria de vida
no campo, o acesso à terra e a dignidade de trabalhadores e produtores rurais, em harmonia
com o meio ambiente e com os demais seres que habitam esse espaço, sendo imprescindível
Desejamos, pois, excelente leitura a todos.
Prof. Dr. Nivaldo dos Santos
PRINCÍPIOS E CLÁUSULAS GERAIS: A QUESTÃO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
PRINCIPLES AND GENERAL CLAUSES: THE QUESTION OF THE SOCIAL FUNCTION OF PROPERTY
Bárbara Tuanni Veloso da Silva
Resumo
O presente artigo realiza uma análise teórica acerca das cláusulas gerais, destacando de que
forma a função social, enquanto exemplo de cláusula geral, dentro do ordenamento jurídico
brasileiro é aplicada e interpretada de forma plural, evidenciando o papel do juiz, e de
diferentes teorias sobre a hermenêutica, a fim de elucidar como a questão da terra para as
comunidades indígenas pode ser compreendida a partir deste prisma.
Palavras-chave: Clausulas gerais, Função social da propriedade, Direitos humanos
Abstract/Resumen/Résumé
This article presents a theoretical analysis of the general clauses, highlighting how the social
function, as an example of a general clause, within the Brazilian legal system is applied and
interpreted in a plural form, evidencing the role of the judge, and different theories about
Hermeneutics in order to elucidate how the land issue for indigenous communities can be
understood from this prism.
Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: General clauses, Social function of property, Human rights
1. INTRODUÇÃO
É importante compreender primeiramente que nenhuma construção histórica é
estritamente igual à outra, ainda que se enxergue um povo com um corpo único, existem
diferenças de geração, de gênero, de classe, enfim, diferenças inúmeras que fazem com que as
histórias sejam múltiplas dentro de uma aparente unidade. Isto também é perceptível quando
falamos das representações históricas, que também graças a estas diferenças são ainda mais
múltiplas e peculiares, pertencentes a seu tempo e lugar, e por vezes oficializadas por um
grupo dominante, o que podemos entender como colonialismo ou a construção da hegemonia. Esta similitude, bem como o fato de “muitos países da região são multilíngues e multiculturais e, em alguns casos, a população indígena constitui a maioria da população, ou uma porcentagem significativa dela.” (COURTIS, 2009, p.53) fizeram com que a América Latina fosse palco central de movimentos sociais pelos direitos dos povos indígenas, não
apenas como palco de seu nascimento, mas também onde a maioria daquelas garantias já
conquistadas são efetivadas, ou ao menos onde se luta para tanto de maneira mais manifesta.
É preciso reconhecer uma mudança de paradigma tanto regional quanto
internacional, os Estados o fizeram em tempos diferentes, mas de maneira geral
regionalmente uma das mudanças mais significativas que levou a isto foi a queda dos regimes
ditatoriais dominantes, bem como o reconhecimento de um Estado pluralista, multicultural,
que com a consolidação das Constituições Democráticas trouxe para a plano da norma, e
principalmente, da Carta Maior o reconhecimento de direitos, e a necessidade de garantir a
proteção destes direitos, das comunidades indígenas, obviamente, ainda com limitações.
O objetivo do nosso trabalho é, portanto, identificar de que forma a interpretação das
cláusulas gerais pode interferir no ideal da função social da propriedade, e quais as
possibilidades hermenêuticas que garantem que o juízo cumpra aquilo que prevê a legislação,
de modo a considerar as diferentes perspectivas de uma sociedade diversa, e multiétnica.
Nossa metodologia foi em suma a pesquisa bibliográfica, já que traçaremos um
paralelo teórico sobre a questão apontada. Discutiremos inicialmente o conceito de clausula
geral, para então discutir a função social da propriedade, e posteriormente do contrato, e
especificamente nos contratos agrários, para no último tópico procurar compreender de que
forma a função social está vinculada a garantia de pleno direto dos povos indígenas.
2. CLÁUSULA GERAL
Antes da Revolução Francesa o poder judiciário era órgão do poder do rei ou do
monarca, de modo que as sentenças expressavam oficialmente sua vontade. Após a Revolução
a lei, constituída pelo parlamento passou a ser a fonte legítima do direito, saindo das mãos do
monarca, e conforme se acreditou tornando-se expressão da vontade popular, assim sendo, seu
texto não se prestaria a leituras divergentes, de modo que a legitimação social das decisões
judiciais decorria direta e imediatamente da legitimidade da lei.
O período iluminista, no qual a interpretação da lei pelos juízes estava adstrita ao seu
texto, a ponto de se poder conferir a elas uma clareza e segurança jurídica absolutas, que
seriam perceptíveis a partir da uniformidade restrita das decisões judiciais, tornou esta tarefa
um procedimento puramente lógico.
Esta concepção extremamente formalista passou a se criticada e entrou em declínio
já no séc. XIX, diante da constatação de que a lei não poderia exprimir de forma minuciosa
todo o seu significado. A partir daí a ideia de que os juízos se encontram entre uma
vinculação à lei, e uma liberdade em poder valorá-la, conforme fazem os legisladores.
O papel jurisdicional sofreu estas profundas transformações quanto a sua
funcionalidade, passando do formalismo irrestrito, defendido por algumas correntes
positivistas, onde suas bases foram construídas, para dar espaço a novas formas de atuação do
judiciário, bem como a novos modos de pensar esta discricionariedade do juiz.
A ideia de que a moral não esta dissociada da decisão jurisdicional remonta a
modernidade, Dworkin (2008), como principal teórico desta concepção, e outros grandes
teóricos passaram a combater a interpretação normativa como algo dissociado da moral.
Mauro Cappelleti (1999) ensina que é falaciosa a idéia de que o juiz, ainda que se encontre
apenas na posição de declarar o direito, quando da utilização dos instrumentos que lhe são
postos para interpretação, não se valha de sua valoração pessoal. Toda interpretação é criativa,
sendo inevitável um mínimo de discricionariedade na atividade jurisdicional.
Em algumas situações, o legislador, propositalmente, fez opção pela técnica
legislativa das cláusulas gerais, com a abertura do sistema. Gustavo Tepedino (2002) as
conceitua como sendo aquelas que “não prescrevem certa conduta, mas, simplesmente,
definem valores e parâmetros hermenêuticos. Servem assim como ponto de referência
interpretativo e oferecem ao intérprete os critérios axiológicos e os limites para a aplicação de
demais disposições normativas”. (TEPEDINO, p.19, 2002)
Um dos principais objetivos das cláusulas gerais é possibilitar que a transformação
do pensamento e do comportamento social seja absorvida pelo direito com segurança jurídica.
Isto porque conformam o meio legislativamente hábil para permitir o ingresso, no
ordenamento jurídico codificado, de princípios valorativos, ainda inexpressos
legislativamente, de standards ou máximas de conduta. A cláusula geral constitui uma
disposição normativa que utiliza, no seu enunciado, uma linguagem de tessitura "aberta",
"fluida" ou "vaga", que permite ao juiz fazer uso de elementos que estejam fora do sistema, o
que inclusive evidencia a importância da fundamentação das decisões.
A adoção das cláusulas gerais, revelando uma atualização em termos de técnica
legislativa, exige cuidado especial do intérprete, posto que por si só, não significam
transformação qualitativa do ordenamento. Lembra Tepedino (2002) que o Código Comercial
brasileiro de 1850 determinava a aplicação da boa-fé objetiva, mas não chegou a jamais ser
utilizada.
Karl Engisch (2015) foi um importante teórico na construção destas definições atuais
daquilo que são as cláusulas gerais, para ele estas se definem por oposição às normas
casuísticas. Assim, inicialmente podemos aludir que ao verificar se a norma é casuística, ou
seja, se a norma enumera as hipóteses em que a norma deverá ser aplicada, ou não, para que
pudéssemos identificar as cláusulas gerais.
O autor supracitado constrói sua teoria ao verificar problemas complexos enfrentados
pela ciência jurídica, tais como: a insegurança ao realizar a subsunção; a ambivalência com
que a interpretação se debate em todas as fases; a diversidade dos métodos de interpretação e
a pendência sobre o escopo fundamental da mesma; e a pluralidade de sentidos dos conceitos
de interpretação "extensiva" e "restritiva".
Ele passa a traçar de que forma se dá o embate do que ele chama “Direito equitativo”, em contraposição ao “Direito estrito”, para tanto, utilizando-se da metodologia legislativa - que desenvolve expressões que acabam por abrir espaço ao juiz a interpretar tais
quais: (1) os conceitos jurídicos indeterminados; (2) os conceitos normativos; (3) os conceitos
discricionários; e (4) as cláusulas gerais.
Atinente a nossa temática central nos ateremos à definição mais pormenorizada
daquilo que Engisch (2015) entende por cláusulas gerais, importante salientar, entretanto, que
o autor admite e considera compatível com o Estado de Direito a abertura para a
discricionariedade, sendo que a análise de sua forma de aplicação é papel da hermenêutica.
Segundo o autor as cláusulas gerais contrapõem-se a elaborações casuísticas das
hipóteses legais. Por elaborações casuísticas das hipóteses legais considera aquela
configuração legal que circunscreve particulares grupos de casos na sua especificidade.
Enquanto, cláusula geral dever ser entendida como uma formulação da hipótese legal que, em
termos de grande generalidade abrange submete ao tratamento jurídico todo um domínio de
casos.
Cláusulas gerais e o método casuístico apenas se contrapõem em princípio, mas
ocupam o mesmo espaço de convivência, e, portanto, o fazem, tal como observamos em tipos
legais que se iniciam com uma cláusula geral, e se terminam no método casuístico.
O autor relaciona as cláusulas gerais com os conceitos indeterminados, os
conceitos normativos, e os conceitos discricionários. Para o autor é evidente que nem todo o
conceito indeterminado, normativo ou discricionário é já uma cláusula geral, já que estes são
marcados prioritariamente por uma generalidade, enquanto que aqueles são definidos por
outras características, como a indeterminabilidade. Assim, é possível conceber uma cláusula
geral determinada, que utilize conceitos descritivos e não remeta para o parecer pessoal do
órgão aplicador do Direito.
Já a relação entre cláusulas gerais e os conceitos discricionários é menos provável,
visto que de uma generalidade não se extrai uma competência ou delegação a um ato de
liberdade de interpretação. Mas ainda assim, a diferença que se mantém entre as clausulas
gerais e os conceitos indeterminados, normativos e discricionários, é apenas uma diferença de
grau.
“O verdadeiro significado das cláusulas gerais reside no domínio da técnica legislativa. Graças à sua generalidade, elas tornam possível sujeitar um mais vasto grupo de
situações, de modo ilacunar e com possibilidade de ajustamento, a uma consequência jurídica”. (ENGISCH, p. 234, 2015). Entende-se que são um mecanismo de adequação da lei com a realidade fática, afim de que o Direito se faça presente com maior abrangência.
Em razão da própria definição das cláusulas gerais, que se contrapõe ao conceito de
normas casuísticas, conclui-se que aumenta em importância o papel desenvolvido pelos
juízes, já que a cláusula geral propicia uma atuação judicial criadora.
Até porque, conforme se verá adiante, não se trata de simples subsunção, em que o
juiz já tem a norma, bastando apenas definir o fato e escolher uma das normas postas à
disposição pelo juiz para solução do conflito. Pode ocorrer, é certo, que exista mais de uma
norma aplicável ao caso, mas, ainda, assim, o trabalho do juiz é facilitado, na medida em que
apenas deverá justificar a escolha de determinada norma ao invés da outra.
Em face do Estado Democrático de Direito, é preciso reconhecer o texto
constitucional como centro irradiador dos princípios a serem observados, de modo a eliminar
a coalização de direitos fundamentais. O texto constitucional há que sobrepor à norma
infraconstitucional, neste sentido, a cláusula geral constitui passo largo à constitucionalização
do direito civil. E é na obrigatoriedade de fundamentar as decisões judiciais e na força
normativa da constituição que o legislador conseguiu, desonerou o ônus de flexibilizar o
Código sem abrir mão da segurança jurídica.
No Brasil o Código Civil de 2002, adota as cláusulas gerais, ao lado da técnica
regulamentar, como resultado de um processo de socialização das relações patrimoniais,
codificou-se, assim, a função social do contrato e da propriedade privada.
3. A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
O direito à propriedade é direto fundamental do homem e tem sua sede, portanto, nas
normas constitucionais. O artigo 5º em seu caput garante a propriedade como direito de todos
e o inciso XXIII do mesmo artigo condiciona que a propriedade deverá atender sua função
social. O artigo 186 da Constituição Federal de 1988 descreve os requisitos dessa função
social, matéria também constante de normas infraconstitucionais e sobre a qual discorreremos
minuciosamente adiante.
Encontrar-se tutelado no texto constitucional denota o caráter público que o direito à
propriedade possui. Durante muitos anos juristas e doutrinadores limitavam o estudo e as
regulamentações sobre a propriedade à seara do direito privado, em especial do Direito Civil.
De fato, como bem ensina José Afonso da Silva (2010), a Constituição “assegura o direito de
propriedade, mas não só isso, pois, [...] estabelece também seu regime fundamental, de tal
sorte que o Direito Civil não disciplina a propriedade, mas tão-somente as relações civis a ela referentes” (SILVA, 2010, p. 273). Conclui o ilustre autor:
[...] se pode falar em direito subjetivo provado (ou civil) do proprietário particular, como pólo ativo de uma relação jurídica abstrata, em cujo pólo passivo se acham todas as demais pessoas, a quem corre o dever de respeitar o exercício das três faculdades básicas: uso, gozo e disposição. Vale dizer, enfim, que as normas de Direito Privado sobre propriedade hão que ser compreendidas de conformidade com a disciplina que a Constituição lhe impõe (SILVA, 2010, p. 273-274).
Compreender o viés público do direito de propriedade é o primeiro passo para
compreender também o porquê de há muito ter sido superado o caráter absoluto, exclusivo e
perpétuo do direito de propriedade. Institutos como a servidão pública e a desapropriação são
limitações que demonstram a inaplicabilidade das características frente à ordem jurídica atual.
Mesmo não incluída como limitação ao direito de propriedade, a função social da
propriedade é fundamento do direito. Não limita, mas, ao determinar que a propriedade
deverá atender sua função social, o legislador constituinte condicionou o exercício do direito
ao cumprimento daquilo que hoje se entende por função social, haja vista que tal conceituação
sofre mudanças históricas acompanhando as transformações das relações econômicas, de
trabalho e culturais de uma sociedade.
Antes de analisarmos o princípio da função social da propriedade, cumpre citar que
este passou por uma transformação histórica em diferentes ordenamentos. Traspôs a relação
entre Estado e Igreja, evoluindo e divergindo dentro de diversos ordenamentos jurídicos e
sendo defendido de modo próprio por correntes político-filosóficas antagônicas. Estas
variantes são material vasto o suficiente para a elaboração de um trabalho próprio, não nos
cabendo aqui abordar todas as nuances da função social da propriedade. Portando, para não
desvirtuar da proposta central deste trabalho, nos ateremos a uma explanação sucinta e
relacionada especificamente com nosso objeto de estudo.
No Brasil, a função social da propriedade foi constitucionalizada na Constituição de
1946 por meio da Emenda n°10 de 1964, mesmo ano de criação do conhecido Estatuto da
Terra que, em seu artigo segundo, já condicionava a propriedade ao exercício da sua função
social. Na Constituição vigente, o princípio encontra-se expresso no artigo 186 (BRASIL,
1988):
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Mas é a Lei 8.629/93, regulamentando os dispositivos constitucionais acerca da
reforma agrária, que no seu artigo 9º, caput, traz todos os requisitos aludidos no texto
constitucional supracitado e, nos parágrafos seguintes, define como os requisitos devem ser
entendidos para que se dê o cumprimento da função social da propriedade. Vejamos
(BRASIL, 1993):
Art. 9° - [...]
§ 1º Considera-se racional e adequado o aproveitamento que atinja os graus de utilização da terra e de eficiência na exploração especificados nos §§ 1º a 7º do art. 6º desta lei.
§ 2º Considera-se adequada a utilização dos recursos naturais disponíveis quando a exploração se faz respeitando a vocação natural da terra, de modo a manter o potencial produtivo da propriedade.
§ 3º Considera-se preservação do meio ambiente a manutenção das características próprias do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais, na medida adequada à manutenção do equilíbrio ecológico da propriedade e da saúde e qualidade de vida das comunidades vizinhas.
§ 4º A observância das disposições que regulam as relações de trabalho implica tanto o respeito às leis trabalhistas e aos contratos coletivos de trabalho, como às disposições que disciplinam os contratos de arrendamento e parceria rurais.
§ 5º A exploração que favorece o bem-estar dos proprietários e trabalhadores rurais é a que objetiva o atendimento das necessidades básicas dos que trabalham a terra, observa as normas de segurança do trabalho e não provoca conflitos e tensões sociais no imóvel.
É inegável que o princípio da função social aplicado à propriedade rural está
fundamentalmente ligado ao dever do Estado de proporcionar justiça social no campo, dever
esse que se tornou valor jurídico desde 1919 quando o Tratado de Versalhes proclamou “que a paz universal não pode ser fundada senão na base da justiça social” (BRAGA, In: LARANJEIRA, 2000, p. 317).
O parágrafo primeiro daquele dispositivo legal define a produtividade como forma de
aproveitamento eficiente da propriedade, atrelando à compreensão genérica do direito de
propriedade a função econômica desta, tanto para o desenvolvimento econômico do Estado
em si — afinal o agronegócio é um dos motes da economia brasileira — quanto para o
desenvolvimento econômico de todo indivíduo que depende da terra para o seu sustento.
A justiça social permeia ainda o entendimento das justas relações de trabalho que
devem fazer parte das relações campesinas, historicamente alheias aos direitos trabalhistas,
mas que vêm evoluindo no sentindo de proporcionar aos trabalhadores do campo os mesmos
direitos dos urbanos, e evitar que haja exploração de qualquer tipo nas relações contratuais e
sociais que emergem da propriedade rural.
Em se tratando do respeito aos recursos naturais e ao meio ambiente, a lei, ao
condicionar o direito de propriedade — que é direito subjetivo, e de modo genérico de cunho
eminentemente particular — à utilização adequada dos recursos naturais e à preservação do
meio ambiente, torna o titular da propriedade nada mais do que integrante de uma
comunidade, também dotada de direitos que devem ser observados, devendo então aquele que
utiliza a terra fazê-lo em benefício de toda a coletividade.
Podemos utilizar uma conceituação difundida na doutrina que resume bem o
entendimento majoritário daquilo que se entende por função social da propriedade no Direito
Agrário: “na doutrina jurídico-agrária, a função social da propriedade consiste na correta utilização econômica da terra e na sua justa distribuição, de modo a atender ao bem-estar da coletividade, mediante o aumento da produtividade e da promoção da justiça social” (ARAÚJO, In: LARANJEIRA, 2000, p. 154).
3.2. A FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS
O renomado professor Miguel Reale (2003) ensina, “a realização da função social da
propriedade somente se dará se igual princípio for estendido aos contratos, cuja conclusão e exercício não interessa somente às partes contratantes, mas a toda a coletividade”. (REALE, 2003, não paginado), logo não há como tratar da função social da propriedade sem antes falar
desta relativa aos contratos.
Na legislação o artigo 421, do Código Civil dispõe que: “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato” (BRASIL, 2002).
Grande parte dos institutos típicos do direito privado encontram nas normas de
ordem pública, e na observância dos direitos da coletividade, referência para que se dê o
equilíbrio nas relações jurídicas ali estabelecidas, bem como limite para disposições
particulares.
Como bem sabemos um dos princípios genéricos do contrato é o pacta sunt
servanda, que significa que os contratos possuem força obrigatória, ou seja, as disposições
contidas em um contrato são um direito entre as partes. Contudo, esse princípio não é
ilimitado, pelo contrário encontra-se diretamente atrelado ao princípio da boa-fé, bem como
ao da relatividade dos contratos.
Sendo que é justamente o princípio da relatividade dos contratos, para alguns
doutrinadores, que dá causa ao exercício da função social do contrato, em vista de que o
princípio estipula que o contrato gera efeito para as partes, não podendo, portanto, gerar obrigações para terceiros, ressalvados os casos específicos, “a função social é uma expansão da relatividade, com vistas a impedir que possam ser afetados negativamente pelo contrato
quaisquer interesses públicos, coletivos ou difusos acerca dos quais não podem dispor os contratantes” (COELHO, 2010, p.50).
Em suma vejamos o que ensina Maria Helena Diniz de maneira conclusiva e
contundente sobre a questão:
O art. 421 institui, expressamente, a função social do contrato, revitalizando-o, para atender aos interesses sociais, limitando o arbítrio dos contratantes, para tutelá-los no seio da coletividade, criando condições para o equilíbrio econômico-contratual [...] Mas é preciso ressaltar que ‘o princípio da função social dos contratos também
pode ter eficácia interna entre as partes contratantes (Enunciado n.360 do Conselho
de Justiça Federal, aprovado na IV Jornada de Direito Civil)’ (DINIZ, 2010, p.27)
3.3. A SUPREMACIA DA ORDEM PÚBLICA NO DIREITO AGRÁRIO
O princípio da supremacia da ordem pública é em realidade parte integrante dos
princípios gerais que norteiam o Direito Agrário e é intrínseco a todas as relações agrárias.
Estabelece que a norma pública, aquela que fixa medidas protetivas ao interesse da
coletividade, deve sobrepor-se às normas de direito privado, devendo o que for disposto por
estas últimas ir até o limite que é dado pela primeira.
Vejamos primeiramente de forma sucinta como o princípio pode ser aplicado em
duas outras relações do Direito Agrário antes de aprofundarmos a explicação no que tange a
seu emprego aos contratos agrários. Cabe salientar que para alguns doutrinadores a
supremacia da ordem pública é considerada, além de princípio, característica genérica dessas
modalidades contratuais (LUZ, 1999).
Como primeira relação, temos aquelas tuteladas pela norma expressa no caput do
artigo 184 de nossa Carta Magna: o instituto da desapropriação por interesse social,
dispositivo que ratifica de forma plena o que se entende por supremacia, haja vista que
corresponde diretamente ao interesse público tanto por proporcionar redistribuição das terras
quanto por atrelar a propriedade da terra ao cumprimento de sua função social. Vejamos o que
versa o artigo (BRASIL, 1988):
Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.
Cumpre citar ainda norma que já nasceu em atinência à proteção do interesse social, para “evitar a proliferação de minifúndios antieconômicos em razão destes não possibilitarem o progresso sócio-econômico do agricultor e sua família” (LUZ, 1996, p. 14), e que evidencia
também como o princípio pode ser aplicado nas relações agrárias: o artigo 65 da Lei 4.504/64,
o conhecido Estatuto da Terra, que veda expressamente a divisão do imóvel rural em área
inferior ao módulo rural.
Posto isso, trataremos das restrições à liberdade de contratar, que aduzem à
supremacia da ordem pública. Cumpre salientar que a função social da propriedade, conforme
discorremos, já dimensiona a importância e o caráter público da propriedade e das relações
jurídicas que a envolvem. O princípio peculiar aos contratos, em especial aos agrários, merece
destaque haja vista que é a partir dele que compreenderemos de onde a norma para proteção
aos recursos naturais deriva e o que se deve questionar acerca da responsabilidade quando tal
norma é violada.
O direito contratual inclui entre seus princípios o da autonomia da vontade que,
como a própria denominação já sugere, trata do poder que as partes têm para disciplinar livremente aquilo que consta no contrato “envolvendo, além de liberdade de criação do contrato, a liberdade de contratar ou não contratar, de escolher o outro contratante e de fixar o conteúdo do contrato” (DINIZ, 2010, p. 34). A limitação se dá justamente pelo princípio da função social e pelas normas de ordem pública, além, é claro, pela possibilidade da revisão
judicial dos contratos, conforme entendimento majoritário da doutrina.
A legislação que regulamenta as seções I, II e III do Capítulo IV do Título III da Lei
nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, Estatuto da Terra, e o Capítulo III da Lei nº 4.947, de 6
de abril de 1966, é o Decreto n° 59.566/66, de cujo teor constam não só as normas de ordem
pública como também aquelas que regulamentam diversas outras questões relativas aos
contratos agrários típicos, mas por vezes aplicáveis aos atípicos. Vejamos, por fim, o que
versa o caput do artigo 13 do Decreto supracitado (BRASIL, 1966):
Art. 13 - Nos contratos agrários, qualquer que seja a sua forma, constarão
obrigatoriamente, cláusulas que assegurem a conservação dos recursos naturais
e a proteção social e econômica dos arrendatários e dos parceiros-outorgados a saber (Art. 13, III e V da Lei nº 4.947, de 6 de abril de 1966). (grifo nosso)
O artigo supra limita a liberdade contratual, já que impõe aos contratos agrários a inclusão de normas. O artigo 2º do mesmo decreto determina ainda que “todos os contratos agrários reger-se-ão pelas normas do presente regulamento, as quais serão de obrigatória aplicação em todo o território nacional” (BRASIL, 1966), não podendo os contratantes renunciar aos direitos e obrigações instituídos pelas normas do Regulamento. O parágrafo único do mesmo dispositivo declara inclusive ser “nula de pleno direito e sem nenhum efeito” (BRASIL, 1966) qualquer estipulação contratual que contrarie as normas estabelecidas no
caput do artigo.
As referidas normas exemplificam e evidenciam de que forma a aplicação do
princípio da supremacia da ordem pública se dá nos contratos agrários. Mais do que isso, elas
deixam claro que a conservação dos recursos naturais não é só dever dos contratantes em vista
do constitucional princípio da função social da propriedade, mas é também norma que
obrigatoriamente deve estar contida nos contratos agrários, tornando-se, portanto, obrigação
contratual desse tipo de pacto.
Outros dispositivos também versam acerca dessa obrigatoriedade contratual, como o
artigo 13 da Lei 4.947/66, que prevê em seu inciso III como preceito do Direito Agrário, no
caso dos contratos tutelados por esse ramo do direito, a obrigatoriedade no cumprimento das
normas que visem à conservação de recursos naturais. Já no inciso seguinte, a norma reitera a
irrenunciabilidade dos direitos e vantagens garantidas em lei e em regulamentos ao
arrendatário.
Podemos assim entender que estas limitações demonstram de forma manifesta que os regimes contratuais do Direito Agrário estão “fundados em bases reais diferentes, sem apego aos velhos cânones do Direito Civil” (CARROZA e ZELEDÓN apud BRAGA; In: LARANJEIRA, 1999, p. 313), mas que ainda se valem de bases doutrinárias estruturantes
advindas daquele ramo do direito para regulamentar diversas relações provenientes dessas
modalidades contratuais, sem com isso denegar a autonomia já consolidada do Direito
Agrário.
4. A QUESTÃO INDÍGENA
Com ênfase ao momento em que o Estado brasileiro tolerante constrói de forma
mais lapidada os mecanismos do que se pode chamar de poder de tutelar, com a visão tanto de
antropólogos, quanto de juristas o autor realiza um corte histórico datado na República Velha,
mas não sem antes citar que houve variação no modo de tratamento dado aos indígenas ao
longo do século XX.
Em 1910 surgiu a primeira regulação normativa de um serviço público de
atendimento especializado as comunidades indígenas, graças as pressões exercidas por grupos
sociais, surgiu o Serviço de Proteção ao índio e Localização de Trabalhadores Nacionais
(SPLITN), vinculada ao Ministério da Agricultura.
Havia duas concepções que podemos denotar deste órgão, o primeiro é que sua
vinculação ao Ministério da Agricultura demonstra a forma como os povos indígenas eram
vistos naquele período, como um povo transacional, entre o selvagem e o civilizado, que
deveria através da agricultura procurar uma evolução natural, qual seja a civilização. A
segunda é a concepção paternalista de tutela e cuidado que o Estado aparentava ter com os
indígenas, que procurava transmitir a ideia de um quase feito heróico do homem branco no
auxilio a um povo menos favorecido.
No que concerne à forma jurídica com que o indígena era tratado, associando a esta
ideia de transição, e necessidade de evolução de seu estágio selvagem, no Código Civil de 16,
como incapaz, em verdade a capacidade era orientada no sentido de momento, era
semi-incapazes, pois seu estágio de ignorância poderia ser superado, graças à civilização, sua
capacidade deveria então ser regulada por legislação especial.
Em 1928, o Decreto n°5.484 como aconteceu com outras “raças” brasileiras, os índios são classificados e hierarquizados, como forma de enquadrá-los juridicamente e dimensionar seu nível de integração e sua capacidade para os “atos da vida civil” e para o trabalho. Cada tipo indígena deveria ter uma política específica. O mesmo decreto ainda
dispunha que o Estado iria exercer a tutela sobre os índios não inteiramente adaptados,
independentemente da categoria, através do Serviço de Proteção aos Índios.
Já em 1934 a ideia de “comunhão nacional” passa a ser implementada, persistindo até 1937, e assim sendo o ideário de incorporação dos povos tradicionais, e de suas culturas,
ainda permanecendo as concepções de capacidade relativa, de tutela pública dos direitos
indígenas, e da necessidade de civilização. Houve na Constituição deste mesmo ano a promulgação de um artigo que dizia o seguinte: “será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se acharem permanentemente localizados, sendo-lhe, no entanto, vedado aliená-las”.
Após 50 anos do primeiro órgão especializado no trato com as populações indígenas,
e permanecendo enraizadas as concepções e necessidade de civilização das comunidades
indígenas, em 1967 foi criada a Fundação Nacional do Índio (FUNAI). O autor destaca que
apesar da mudança temporal e nominal, o objetivo permaneceu o mesmo, qual seja, o auxilio
no processo de assimilação dos índios pela sociedade nacional.
O autor traz ainda outras importantes legislações que tratam do índio, tais quais a CF
de 1967 que passou para a União a tutela das terras indígenas. 1966 quando o Brasil ratificou
a Convenção n°107, da OIT, que para ele ainda reforçava a política de integração dos
indígenas por parte do Estado. E finalmente, 1973, quando foi criado o Estatuto do índio, em
vigor até hoje, que visa precipuamente, regular a situação jurídica dos índios ou silvícolas e
das comunidades indígenas, com o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los,
progressiva e harmoniosamente, à comunhão – comunidade – nacional.
Beckhausn (2002) faz um paralelo com os ensinamentos de Kymlicka sobre
garantias jurídicas em relação às minorias, e a atual realidade da CF brasileira, que hoje
garante espaços públicos ocupados por representantes indígenas, tais como os Conselhos
Nacionais de Educação e de Saúde. O autogoverno, a exemplo do que já ocorre na Colômbia, é reivindicado pelo movimento indígena. E os direitos “poliétnicos”, ou de diversidade cultural, que ajudam a reduzir a vulnerabilidade dos grupos minoritários e possibilitam o
respeito e a valorização dos traços culturais distintos. A OIT em sua convenção já citada,
também assevera tais direitos.
Para exemplificar o respeito às práticas institucionais dos povos o autor apresenta
um caso onde o indígena foi condenado pelas leis de sua comunidade, e o processo chegou à
justiça comum, não se enquadrando no tipo de cárcere privado por se tratar de um ato da
comunidade.
Mas conforme convenção 169, em seu artigo esses direitos da comunidade só devem ser aplicados se “não [forem] incompatíveis com os direitos fundamentais definidos pelo sistema jurídico nacional nem os direitos humanos internacionalmente reconhecidos. Sempre
que for necessário, deverão ser estabelecidos procedimentos para se solucionar os conflitos que possam surgir na aplicação deste princípio.”
Larenz (2009) ensina que as normas jurídicas estão conectadas em um sistema amplo
de normas, e que a interpretação de uma norma jurídica singular deve levar em consideração o
contexto e a sede sistemática em que esta norma se encontra. Para o autor, o ordenamento
jurídico está subordinado a princípios gerais, que servem para justificar e unificar as
valorações decisivas do Direito, extinguindo assim, quando possível, as contradições.
A descoberta das conexões de sentido em que as normas e regulações particulares se encontram entre si e com os princípios diretivos do ordenamento jurídico, e a sua exposição de um modo ordenado, que possibilite a visão de conjunto – quer dizer, na forma de um sistema – é uma das tarefas mais importantes da Jurisprudência científica.( LARENZ, p. 621, 2009)
Já para Alexy (2008) a elaboração de um procedimento que assegure a
racionalidade da aplicação do direito é objeto de uma teoria da argumentação jurídica. Essa
questão acerca da possibilidade de procedimento de aplicação do direito que assegure a
racionalidade conduz à outra questão, que faz referência à fundamentação racional dos juízos
de valor.
Diante da impossibilidade de uma teoria moral material que oferecesse uma única
solução para todos os casos, Alexy (2208) aposta que apenas é possível trabalha-se com
teorias morais procedimentais, que formulem regras e condições de uma argumentação prática
racional.
Desta racionalidade prática procedimental se extraem quatro postulados: (i) um
alto grau de clareza linguística e conceitual; (ii) um alto grau de informação empírica; (iii) um
alto grau de universalidade; e (iv) um alto grau de ausência de preconceitos.
O esqueleto do positivismo consistira em três hipóteses centrais: o direito seria um
conjunto de regras determinadas, as quais a comunidade seguiria, direta ou indiretamente
sobre pena de ter seu comportamento coagido ou punido pelo poder público, este conjunto
determinado e o controle por parte do poder público distinguiria as regras de direito, das
regras sociais e daquelas adotadas erroneamente, ilegítimas; o direito e as regras não
poderiam ser desassociados, só haveria direito se houvesse regras, casos que não fossem
abrangidos pelas regras poderiam ser decididos por autoridades públicas, por exemplo, que ao
exercer seu discernimento pessoal, iriam além do direito para que se criasse uma nova regra
jurídica; e por fim as obrigações jurídicas correspondem aquilo que se enquadra em uma regra
jurídica válida, não havendo regra não há obrigação jurídica.
Em sua obra Dworkin (2008) assevera que não é este um esqueleto completo, é
importante que se pese que o positivismo rumou por diferentes caminhos, e interpretações, e
adotado como doutrina hermenêutica fundamentou também outras correntes teóricas que
serviriam especificamente para compreender o papel dos Tribunais Constitucionais, dos
princípios e da discricionariedade do judiciário, principalmente no que tange a aplicação de
direitos fundamentais.
A ideia central a qual o autor se opunha era ideia de que o ‘direito’ é um conjunto fixo de padrões de algum tipo, não é, então, apenas de regras que o direito é feito, nem estas
regras dispõem tudo aquilo que é direito, pelo contrário, o direito para Dworkin (2008) é,
sobretudo, integridade, por ele permeiam moral, princípios, história e comunidade, não pode,
então, nenhum debate onde o direito figure abster-se dessa multiplicidade.
Podemos dizer que as regras são funcionalmente importantes ou desimportantes, mas
enquanto parte do mesmo sistema de regras não podemos dizer que uma regra é mais
importante que outra, de tal modo que se duas regras estão em conflito uma delas não pode
ser válida.
Já os princípios teriam uma dimensão que as regras não possuem, a dimensão do
peso ou importância, quando há possibilidade de mais de um princípio ser aplicado a
determinado caso a decisão de qual poderá resolver o caso deverá levar em conta a força
relativa de cada um.
Não há nesta teoria hierarquização entre regras e princípios, portanto, para entender
uma regra eu preciso de um princípio, eu preciso compreender de uma maneira ampla a
relação entre regras e princípios para que eu possa, por exemplo, aplicar e desenvolver uma
regra.
Dworkin (2008) afirma que o julgamento implica não apenas na aplicação da justiça,
mas subordina essa decisão a compreensão de integridade do direito, que está associada a
virtudes, como a justiça, a equidade, e o devido processo. O juiz Hercules de Dworkin (2008)
atua em um foro de princípios, onde questões morais são frequentemente emanadas, mas não
está alheio aquilo que lhe precedeu, nem tão pouco a construção histórica que levou seu
direito até ali.
Após negar o direito como uma simples questão de fato, ideia “que sustenta que o
direito apóia-se apenas em questões de mero fato histórico” (DWORKIN, 2008, p.38) o autor
reconhece o mesmo como uma prática social, desenvolvida e intimamente relacionada com a
construção social e a diversos fenômenos sociais. Mas é uma prática que distingue das demais
por ser argumentativa, é preciso que se mobilize discutam as proposições atinentes ao direito,
e o autor se propõe a fazê-lo a partir de um ponto de vista interno, daqueles que fazem
reivindicações, e demandam questões judiciais.
Em vista de trazer o “mundo real” para sua explanação, e demonstrar como tratar o direito como simples questão de fato não suficiente para explicar algumas divergências
observadas na prática jurídica.
Se “o direito é um conceito interpretativo” (DWORKIN, 2008, p.109), e, a partir disso, que o “direito de uma comunidade é o sistema de direitos e responsabilidades que respondem a esse complexo padrão: autorizam a coerção porque decorre de decisões
anteriores do tipo adequado” (DWORKIN, 2008, p.116), o que faz com que uma teoria
política completa do direito trate tanto dos fundamentos do direito, quanto de sua força.
Rivas (2008) nos alerta sobre a necessidade de se observar que houve uma série de
construções sociais, históricas, teóricas, políticas, econômicas e culturais que levaram as
populações indígenas a terem seus territórios, sua cultura e sua economia sujeitadas a uma
dominação violenta e excludente.
A própria política de grande parte dos países da América Latina também favoreceu
esse quadro de opressão, isto porque seu passado como colônias de exploração de países cuja
tradição etnocêntrica dizimou milhares de povos indígenas, e, por conseguinte suas culturas
prolongou uma concepção marginalizada destes povos perante os Estados dos quais fazem
parte.
5. CONCLUSÃO
O Estado Democrático de Direito exige uma nova postura do juiz, que não pode ser
mais concebido como mera e passiva boca da lei, exercendo atividade puramente cognescitiva
e mecânica, autorizando uma nova técnica legislativa através das cláusulas gerais, que não
prescrevem norma de conduta, mas definem parâmetros de interpretação;
A adoção das cláusulas gerais revela uma atualização em termos de técnica
legislativa, exigindo cuidado especial do intérprete, especialmente dos juízes, elas se definem
em oposição às normas casuísticas, sendo esta uma forma de identificá-las no arcabouço
jurídico. Torna-se mais acentuada a missão do juiz, quando diante das cláusulas gerais, em
fundamentar suas decisões, demonstrando por que tais condutas levaram a alicerçar aquela
solução para a causa;
Dentre as cláusulas gerais adotadas pelo código civil temos a da boa-fé objetiva, a da
função social do contrato e da função social da propriedade. A boa-fé de que cuida o Código
Civil é a boa-fé objetiva, que impõe certos deveres às partes contratantes, possuindo a função
de fonte de novos deveres especiais de conduta durante o vínculo contratual.
A adoção da cláusula geral da função social do contrato apenas limitou os princípio
de pacta sunt servanda e o da relatividade subjetiva, atingindo o alcance do conteúdo de tais
princípios, sem eliminá-los. Já o art. 421 do Código Civil altera profundamente o conteúdo da
atividade contratual, exigindo dos contratantes uma postura mais humana e menos egoística
ao entabularem os contratos, de modo que a liberdade de contratar não pode ser exercida
desconectada da função social do contrato.
O direito de propriedade somente é eticamente válido se cumprida sua função social,
cristalizando o valor socioeconômico moradia, para o direito de propriedade urbana, e
produção de alimentos, para o direito de propriedade rural. O Código Civil adotou, também
no direito de propriedade, a teoria do abuso de direito, tornando defesos os atos que não
trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de
prejudicar outrem, consoante se constata da leitura do § 2º do art. 1.228 do Código Civil.
Intrinsecamente vinculados propriedade rural e meio ambiente tem que caminhar
juntos, para que enquanto aquela não deixe de cumprir seu papel econômico, este não seja
devastado em nome do capital de forma ilimitada. Sendo assim, aqueles que utilizam o meio
ambiente já não podem fazê-lo indiscriminadamente, e tão pouco ignorar que para que
exerçam seus direitos devem antes cumprir deveres maiores.
A responsabilidade ambiental denota a supremacia que um direito difuso tem frente
aos interesses particulares, a preservação ambiental possui se mostra mais relevante do que os
meios irresponsáveis de exploração dos recursos naturais, ela não vem minar o uso da terra,
mas sim fazer com que aqueles que não a utilizem de forma consciente arquem com o isso e
recuperem o bem lesado.
A função social da propriedade não tem o mesmo significado valorativo para todos
os povos do nosso Estado, vimos que tanto o contrato, quanto a propriedade devem atender a
determinados objetivos para que se possa considerar que a terra cumpre sua função social.
Ocorre para as comunidades tradicionais terra também pode se afigurar como parte da
identidade, numa definição complementar a legislativa, e cunho, inclusive, principiológico.
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