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A alteração dos factos no Processo Penal Português

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UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA FACULDADE DE DIREITO – ESCOLA DE LISBOA

A ALTERAÇÃO DOS FACTOS

NO PROCESSO PENAL PORTUGUÊS

Daniela Figueiredo Patrício

Dissertação de Mestrado Forense sob a orientação

do Professor Doutor Germano Marques da Silva

(2)

2 Agradecimentos

Agradeço, em primeiro lugar, ao Professor Doutor Germano Marques da Silva, pela sua disponibilidade e por todos os ensinamentos enquanto aluna e mestranda.

Agradeço aos meus pais e ao meu irmão, pelos valores transmitidos e apoio incondicional no meu percurso pessoal e académico.

Por fim, agradeço aos amigos que me acompanharam, e em especial, ao Rafael, pelo companheirismo, paciência e carinho.

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3 Índice

Introdução ... 5

Capítulo I – O Objecto do Processo 1. O Objecto do Processo e a Estrutura Acusatória ... 6

2. O Efeito de Vinculação Temática e a Correlação entre a Acusação e a Sentença ... 7

3. O Facto Penalmente Relevante ... 9

Capítulo II – A Alteração dos Factos 1. A Alteração dos Factos e os Factos Novos ... 12

2. A Alteração Substancial ... 13

2.1. O Crime Diverso ...14

2.1.1. Os Critérios de Definição do Conceito de Crime Diverso ...14

2.2. A Agravação dos Limites Máximos das Sanções Aplicáveis ...24

3. A Alteração Não Substancial ... 25

Capítulo III – O Regime da Alteração dos Factos 1. Considerações Iniciais ... 27

2. O Regime da Alteração Substancial dos Factos... 27

2.1. O Regime da Alteração Substancial na Fase de Julgamento ...27

2.1.1. A existência de acordo entre o Ministério Público, o arguido e o assistente ...28

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4 2.1.2. A inexistência de acordo entre o Ministério Público, o arguido e o assistente

...29

2.1.2.1. Os factos autonomizáveis ...30

2.1.2.2. Os factos não autonomizáveis ...30

2.1.2.2.1. O regime anterior à Reforma de 2007...31

2.1.2.2.2. O regime em vigor ...33

2.2. O Regime da Alteração Substancial na Fase de Instrução ...35

3. O Regime da Alteração Não Substancial dos Factos ...37

3.1. O Regime da Alteração Não Substancial na Fase de Julgamento ...37

3.1.1. A tutela dos direitos de defesa do arguido ...37

3.1.2. Os factos irrelevantes ...38

3.2. O Regime da Alteração Não Substancial na Fase de Instrução ...39

Capítulo IV – A Alteração da Qualificação Jurídica 1. Considerações Iniciais ...41

2. O Regime da Alteração da Qualificação Jurídica ...42

2.1. A Tese da Liberdade de Alteração da Qualificação Jurídica ...43

2.2. A Tese da Compatibilização da Alteração da Qualificação Jurídica e as Garantias de Defesa do Arguido ...44

2.3. A Tese da Vinculação do Tribunal à Qualificação Jurídica ...45

2.4. O Regime em Vigor ...47

Conclusão ...49

Bibliografia ...52

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5 Introdução

A presente dissertação centra-se na problemática da alteração dos factos no processo penal português, nomeadamente nos artigos 303.º, 358.º e 359.º do Código de Processo Penal. O seu regime foi alvo de diversas alterações legislativas, consequência de inúmeras divergências doutrinais e jurisprudenciais, tendo suscitado o nosso interesse.

Num primeiro momento, impõe-se a análise do objecto do processo como ponto de partida para a delimitação da actividade cognitória do tribunal. A questão central passará por definir os limites do objecto do processo e identificar as alterações que, a serem aceites, não o modifiquem de forma estrutural, respeitando uma certa correlação entre a acusação e a sentença.

Num segundo momento, debruçar-nos-emos sobre os conceitos de alteração substancial e alteração não substancial, incidindo na querela doutrinal sobre os critérios de definição da concepção de crime diverso, enquanto ponto basilar da distinção entre os dois primeiros conceitos.

De seguida, versaremos sobre o regime da alteração substancial dos factos, nomeadamente, o regime da alteração substancial dos factos não autonomizáveis, com especial atenção às situações de inexistência de acordo entre o Ministério Público, o arguido e o assistente. Por contraposição, procederemos também a uma análise do regime da alteração não substancial e a sua relevância na tutela dos direitos de defesa do arguido. Por fim, será estudada a questão da alteração da qualificação jurídica que, embora não sendo uma alteração dos factos, com ela se encontra intimamente conexionada. Abordaremos o tema com o objectivo de analisar relevância da alteração da qualificação jurídica no objecto do processo e a sua relação com a alteração dos factos.

Neste estudo o nosso escopo será o de percorrer os conceitos e os regimes da alteração dos factos e alteração da qualificação jurídica, concluindo pela flexibilidade do objecto do processo quando às mesmas, sem descurar as garantias de defesa do arguido constitucionalmente consagradas. Para tal será elaborado sempre que necessário uma ponderada reflexão, apoiada na doutrina e jurisprudência, por assim o exigir a complexidade e importância do tema.

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6 Capítulo I – O Objecto do Processo

1. O Objecto do Processo e a Estrutura Acusatória

O objecto de qualquer processo é a matéria ou assunto que esse mesmo processo trata. No processo penal está em causa um crime, um facto violador de um bem jurídico, que irá ser investigado e de onde decorrerá uma acusação, na qual é pedido ao tribunal que aplique ao acusado a sanção prevista na lei.1

Consoante estejamos perante um modelo processual constitucionalmente consagrado de tipo inquisitório ou acusatório, mais ou menos amplo será o espaço de liberdade concedido à entidade sobre quem recai a análise do comportamento do acusado.2 A problemática da delimitação do objecto do processo só se coloca num processo penal com estrutura acusatória,3 onde existe uma necessidade de limitar a actividade cognitória e

decisória do tribunal.4 O processo penal português tem uma estrutura basicamente

acusatória integrada por um princípio de investigação, consagrada no n.º 5 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

Estando em causa o princípio da acusação exige-se que uma entidade autónoma, distinta da entidade que irá julgar os factos, investigue e deduza acusação de forma a não comprometer a sua imparcialidade.5 Mas não é apenas isso, porque a estrutura acusatória

é um conceito mais vasto6 do que o conceito de princípio da acusação. Há também uma

preocupação com a compatibilização entre as várias finalidades do processo e a possibilidade que alguns intervenientes ascendam à qualidade de sujeitos com poderes de conformação processual, valendo o princípio do contraditório.

1 Vide GERMANO MARQUES DA SILVA, Direito Processual Penal Português: Noções gerais, sujeitos

processuais e objecto, Vol. I, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2013, p. 365-366.

2 Vide FREDERICO ISASCA, Alteração Substancial dos Factos e a sua Relevância no Processo Penal

Português, 2ª Edição, Coimbra, Almedina, 1995, p. 214.

3 Vide A. CASTANHEIRA NEVES, Sumários de Processo Criminal, Coimbra, 1968, p. 208.

4 Vide M. MARQUES FERREIRA, “Da alteração dos factos objecto do processo penal” in Revista

Portuguesa de Ciência Criminal, Ano I, Fasc. 1, 1991, p. 221.

5 Vide FREDERICO ISASCA (1995), ob. cit., p. 214.

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7 O princípio da investigação exprime “o poder-dever que ao tribunal incumbe de esclarecer e instruir autonomamente”7 independentemente do contributo dos vários sujeitos processuais. Não há qualquer subversão do princípio da acusação, pois este princípio é limitado pelos factos constantes do objecto do processo e apenas surge quando é necessário para a descoberta da verdade material.8

2. O Efeito de Vinculação Temática e a Correlação entre a Acusação e a Sentença

É com a acusação9 que se determina o objecto do processo e consequentemente se delimita e fixa os poderes de cognição do tribunal e a extensão do caso julgado. Está em causa o efeito de vinculação temática, segundo FIGUEIREDO DIAS10 “a pedra angular de um efectivo e consistente direito de defesa do arguido”, pois impossibilita que o tribunal conheça factos que não constem da acusação, assumindo a “garantia de que apenas o que é acusado se terá de defender, e de que só por isso será julgado”.11

É no efeito de vinculação temática que se consubstanciam três princípios fundamentais que permitem a definição e o conhecimento do objecto do processo, sendo eles o princípio da identidade, da unidade ou indivisibilidade e da consunção. De acordo com o princípio da identidade os factos devem permanecer os mesmos entre a acusação e o trânsito em julgado da sentença; o princípio da unidade ou indivisibilidade exige que os factos sejam “conhecidos e julgados na sua totalidade, unitária e indivisivelmente”; e por fim o princípio da consunção determina que o objecto do processo se considere

7 JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, Primeiro Volume, Coimbra Editora, 1974,

p. 149.

8 Tal como decorre do n.º 1 do artigo 340.º do Código de Processo Penal “O tribunal ordena, oficiosamente

ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa”.

9 No vocábulo “acusação” pretendemos incluir o requerimento de abertura de instrução, visto que se trata

de uma verdadeira acusação.

10 JORGE DE FIGUEIREDO DIAS (1974), ob. cit., p. 145. 11 A. CASTANHEIRA NEVES (1968), ob. cit., p. 210.

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8 irrepetivelmente decidido, mesmo que quando não conhecido ou julgado na sua globalidade, o devesse ter sido.12

É manifesta a importância de uma correlação entre a acusação e a sentença, tratando-se de uma garantia técnica, enquanto procedente de uma estrutura acusatória, e política por assegurar o direito fundamental de liberdade individual.13 A correlação entre a acusação e a sentença vai no sentido de que, sendo o objecto do processo definido pela acusação, haverá uma desconsideração pelo tribunal de factos ou circunstâncias não presentes na acusação.14 Tal não é assim tão linear porque a vinculação temática não é absoluta e o objecto do processo não é totalmente rígido, admitindo alterações, tanto por razões de economia processual, mas também no próprio interesse da paz do arguido.15

O n.º 3 do artigo 283.º do Código de Processo Penal admite que acusação contenha uma “narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança”, pelo que existe a possibilidade de que surjam posteriormente factos novos que traduzam alteração da factualidade descrita.16

A identidade do objecto do processo não pode definir-se tão rígida e estreitamente de forma a impedir um esclarecimento amplo e adequado dos factos,17 do mesmo modo que

não pode ter limites tão amplos ou indeterminados anulando as garantias que são a sua razão de ser. Esta identidade é uma ideia “prioritária, mas não única”18 na fixação do

objecto do processo. Isto porque não está apenas em causa o direito do arguido a uma

12 Vide JORGE DE FIGUEIREDO DIAS (1974), ob. cit., p. 145; e A. CASTANHEIRA NEVES (1968),

ob. cit., p. 211-220.

13 Vide GERMANO MARQUES DA SILVA, “Objecto do processo penal: a qualificação jurídica dos

factos” in Direito e Justiça, Volume VIII, Tomo I, 1994, p. 115.

14 Neste sentido, LUIS ANDRÉS CUCARELLA GALIANA, “La correlación de la sentencia com la

acusación y la defensa” in Revista Aranzadi de Derecho y Proceso Penal, Número 9, 2003, p. 33-34, “Entendemos que el deber de correlacion de la sentencia se infringe en dos casos. En primer lugar, por defecto. Así ocurre cuando la sentencia no es exhaustiva, es decir, cuando no se resuelve todo lo que se debe resolver, no habiéndose ejercitado la potestad jurisdiccional en toda la extensión requerida en el ordenamento jurídico. En segundo lugar, por excesso, es decir, cuando se resuelve sobre lo que no debía haber sido objecto de resolution”.

15 Vide GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal III, 3ª Edição, Lisboa, Editorial

Verbo, 2009, p. 267-268.

16 Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 130/98, Processo n.º 373/96, disponível em www.dgsi.pt. 17 Vide A. CASTANHEIRA NEVES (1968), ob. cit., p. 210-211.

18 JOSÉ SOUTO DE MOURA, “Notas sobre o objecto do processo” in Apontamentos de Direito Processual

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9 defesa eficaz19 e respeito pela dignidade humana e pelo livre desenvolvimento da sua

personalidade, mas também o interesse público na aplicação do direito penal e na eficaz perseguição e condenação dos crimes cometidos,20 sendo o equilíbrio entre estes dois pólos o fim último do processo penal.

A grande problemática surge na tentativa de definir os limites do objecto do processo e as alterações que possam existir em harmonia com os interesses e garantias referidos. Importa analisar critérios que permitam “fixar o grau de maleabilidade que o objecto do processo comporta”.21

No nosso ordenamento jurídico os critérios surgem com os artigos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal que, consagrando o regime da alteração não substancial e alteração substancial dos factos, permitem identificar as condições em que será possível o conhecimento de factos novos. Nas palavras de FREDERICO ISASCA22 “o legislador traçou a vermelho o círculo dentro do qual o juiz livremente se pode movimentar na sua tarefa de investigação, mas cujo limite é, inexoravelmente, a alteração substancial dos factos”.

Consequentemente, a sentença que condene por factos diversos dos descritos na acusação, fora dos casos e condições destes artigos, será nula.23 Serão estes preceitos a

base do presente estudo.

3. O Facto Penalmente Relevante

Ao estudar a alteração dos factos, substancial ou não, é relevante abordar o conceito de “facto”. O facto é um acontecimento, uma “modificação da realidade preexistente”,24 que relacionado com os conceitos de tempo e espaço, adquire a sua própria dimensão e

19 A defesa do arguido em princípio será assegurada ao lhe ser dado conhecimento de todos os factos pelo

qual é acusado, assim como o tempo suficiente para preparação da sua defesa. Só uma defesa eficaz permite o cumprimento do princípio de presunção de inocência consagrado no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

20 Vide A. CASTANHEIRA NEVES (1968), ob. cit., p. 210-211. 21 JOSÉ SOUTO DE MOURA (1993), ob. cit., p. 27.

22 FREDERICO ISASCA (1995), ob. cit., p. 57.

23 Esta nulidade está prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal. 24 GERMANO MARQUES DA SILVA, Do Processo Preliminar, Lisboa, Minerva, 1990, p. 287.

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10 se destaca deles.25 A mente humana, ao observar diversos fenómenos de um determinado

ponto de vista, unifica conceitualmente alguns deles numa unidade mínima de observação,26 traduzindo-se esta unidade num facto.

O facto que iremos tratar é o facto processual, ou o facto penalmente relevante, aquele que consta da acusação, do requerimento para abertura de instrução ou da pronúncia. O facto penalmente relevante é aquele que o Direito chama a si, atribuindo-lhe juridicidade e exigindo o seu respeito e cumprimento. É com base na dimensão axiológica que estes factos penalmente relevantes são estabelecidos, isto é, será consoante os valores predominantes numa sociedade num determinado momento que tais factos serão ou não considerados como penalmente relevantes.27

A função do processo penal será a de apurar se o facto incorpora o conjunto de pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou medida de segurança criminais, tal como é identificado como crime na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do Código de Processo Penal. Compreendendo o inquérito o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, é nesta fase processual que se dá início à reconstrução do facto.

Diversas vozes se ergueram na definição de facto processual tendo como ponto de partida as teses naturalísticas e as normativistas, que se opõem, pelo que iremos tratar dessa questão aquando da problemática do “crime diverso” na alteração substancial dos factos. Esta nossa opção prende-se com o assumir de uma coincidência entre as noções de crime diverso e facto diverso ou ultrapassagem dos limites do objecto do processo,28

25 Vide FREDERICO ISASCA (1995), ob. cit., p. 61-63. O Autor refere que o conhecimento só se torna

possível porque o objecto se dá a conhecer e se torna perceptível aos sentidos do sujeito, que o submete a uma categoria abstracta – o conceito – identificando-o como objecto.

26 Vide GERMANO MARQUES DA SILVA (1990), ob. cit., p. 287-288. 27 Vide FREDERICO ISASCA (1995), ob. cit., p. 68-69.

28 No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 124/2011 de 3 de Março de 2011, disponível

em www.dgsi.pt, ao referir que “a expressão crime diverso (…) não corresponde à de diferente tipo legal de crime, no sentido substantivo, mas antes de crime para efeitos processuais, no sentido de facto diverso dos que integram os limites preexistentes do objecto do processo, ultrapassando estes.”; e JOSÉ SOUTO DE MOURA (1993), ob. cit., p. 28, “”Crime diverso” tem ali o sentido de “facto diverso”, ou se se quiser, de ultrapassagem dos limites do objecto do processo.” Note-se, porém, que todas as considerações que tecemos sobre o “crime diverso” terão em vista em primeiro lugar, as considerações sobre “alteração dos factos”, isto é, com “ultrapassagem dos limites do objecto do processo” não desconsideramos a diferença entre alteração de factos e factos completamente novos, como teremos oportunidade de referir no capítulo seguinte.

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11 isto é, uma coincidência entre crime diverso e identidade do objecto do processo29. A

análise do conceito de crime diverso no âmbito da teoria da identidade do objecto do processo permitirá uma observação das diferentes concepções de crime diverso consoante a teoria de facto processual adoptada.

29 Vide ANTÓNIO QUIRINO SOARES, “A identidade do objecto do processo” in De Legibus, N.º1, 2013,

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12 Capítulo II – A Alteração dos Factos

1. A Alteração dos Factos e os Factos Novos

A primeira questão que se coloca quando surge um facto novo no decurso do processo, é se esse facto traduz uma alteração dos factos ou um facto completamente novo. Deste modo, não seguimos as posições que não distinguem alteração de factos – enquanto modificação de um objecto preexistente – de factos novos que podem constituir objectos processuais autónomos e distintos, por considerarmos impensável que os sujeitos processuais possam dar o seu acordo no que respeita à inclusão de factos completamente novos no processo pendente, por violação do princípio do acusatório e dos direitos de defesa do arguido.30

A alteração é uma variação dos mesmos factos, o que implica uma mudança nesses factos que são objecto do processo,31 a transformação de algo que é posto ou dado.32 Por

outro lado, se o facto novo traduzir uma realidade completamente distinta da preexistente, normalmente apenas com a coincidência de ter surgido no processo em causa ou de ter alguma ligação com o arguido, tratar-se-á de um facto completamente novo, relacionado com uma “delimitação negativa e excludente do objecto do processo”,33 pois representa

um acontecimento estranho à sequência unitária de factos que integram o processo.34

Aos factos que representem uma alteração dos factos será aplicado o regime previsto nos artigos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal e aos factos que constituam uma “nova identidade jurídico-criminal”35 que não interfiram com o processo e de forma a não violar o princípio da acusação, deverão ser objecto de um novo inquérito, sendo aplicáveis os artigos 242.º n.º 1, 243.º n.º 1 e 262.º n.º 2, todos do Código de Processo Penal.36

30 Vide HENRIQUE SALINAS, Os Limites Objectivos do Ne Bis In Idem e a Estrutura Acusatória no

Processo Penal Português, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2014, p. 324-326.

31 TERESA PIZARRO BELEZA apud HENRIQUE SALINAS (2014), ob. cit., p. 312. 32 FREDERICO ISASCA (1995), ob. cit., p. 97.

33 IVO BARROSO, Objecto do Processo Penal, Lisboa, AAFDL, 2013, p. 131-132. 34 TERESA PIZARRO BELEZA apud HENRIQUE SALINAS (2014), ob. cit., p. 318. 35 ANTÓNIO QUIRINO SOARES (2013), ob. cit., p. 209.

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13 Após determinar que o facto novo consubstancia uma alteração dos factos existentes no processo, o passo seguinte será determinar se está em causa uma alteração substancial, ou uma alteração não substancial, com as consequências que cada regime comporta.

2. A Alteração Substancial

No artigo 1.º do Código de Processo Penal, que respeita às definições legais, encontramos na alínea f) do seu número 1 a definição de alteração substancial dos factos. De acordo com a alínea, será “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”.

O legislador apresenta-nos assim, dois critérios que permitirão qualificar uma alteração como substancial. O primeiro critério do “crime diverso” é um critério qualitativo, e o segundo, a “agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis” é um critério quantitativo.37 Estes critérios, sendo autónomos, funcionam numa relação de

alternatividade, mas não numa relação de exclusividade. Isto é, cada um poderá funcionar por si só, mas o funcionamento de um não exclui o funcionamento do outro, podendo existir coincidência de critérios. Isto ocorrerá quando o critério qualitativo se traduzir também num critério quantitativo, por outras palavras, quando a imputação de um crime diverso implique a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.38

De uma forma geral, e ainda sem uma análise minuciosa dos critérios que compõem a definição de alteração substancial dos factos, podemos concluir que esta sucederá quando exista uma modificação estrutural dos factos descritos na acusação,39 com a

37 Vide MARA LOPES, “O princípio da proibição da reformatio in pejus como limite aos poderes

cognitivos e decisórios do tribunal” in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Vol. III, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 2010, p. 971.

38 Vide FREDERICO ISASCA (1995), ob. cit., p. 114-115.

39 No mesmo sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/03/2007, disponível em

www.dgsi.pt, referiu que “Alteração substancial dos factos significa uma modificação estrutural dos factos descritos na acusação, de modo a que a matéria de facto provada seja diversa, com elementos essenciais de divergência que agravem a posição processual do arguido, ou a tornem não sustentável, fazendo integrar consequências que se não continham na descrição da acusação, constituindo uma surpresa com a qual o arguido não poderia contar, e relativamente às quais não pode preparar a sua defesa”.

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14 ocorrência de factos diversos40 e/ou de factos que ampliem a moldura da pena nos seus

limites máximos, afectando o direito de defesa do arguido.

2.1. O Crime Diverso

2.1.1. Os Critérios de Definição do Conceito de Crime Diverso

I. O crime diverso, base da definição da alteração substancial de factos, comporta uma grande divergência doutrinal. Como foi referido supra, e respeitando a diferença entre alteração de factos e factos novos, entendemos que será à luz das concepções sobre a identidade do objecto do processo que conseguiremos definir o crime diverso enquanto pressuposto de uma alteração substancial.41

Está em causa encontrar um critério que “permitindo o funcionamento de referentes normativos, não cristalize nenhum deles em detrimento dos outros”, e que respeitando os princípios e os fins do processo penal, encontre o ponto de harmonia entre o respeito pela dignidade do arguido e uma efectiva operatividade dos poderes de investigação do tribunal. O objectivo e fim último será sempre “a justa decisão da causa, através da reposição da verdade, declarando o direito do caso concreto”.42

II. Segundo uma teoria naturalística pura, o objecto do processo será o acontecimento histórico unitário, isto é, um conjunto de factos naturais independentes de qualquer consideração jurídica.43 Este acontecimento será delimitado em termos fácticos e o facto

é analisado independentemente da sua classificação jurídica.44 O juiz poderá qualificar livremente os factos acusados, bem como estender o seu poder cognitivo a todos os factos que formem com os anteriores uma unidade naturalística.45 O elemento polarizador seria um elemento naturalístico e todos os factos que o juiz aglutinasse a esse elemento

40 Factos diversos, que não factos completamente novos e estranhos ao objecto do processo. 41 Vide ANTÓNIO QUIRINO SOARES (2013), ob. cit., p. 196.

42 Vide FREDERICO ISASCA (1995), ob. cit., p. 140.

43 Vide MÁRIO DA SILVA TENREIRO, “Considerações Sobre o Objecto do Processo Penal”, Separata

da Revista da Ordem dos Advogados, Ano 47, Lisboa, 1987, p. 1018.

44 Vide IVO BARROSO (2013), ob. cit., p. 81.

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15 poderiam ser conhecidos pelo juiz mesmo não constando da acusação.46 De acordo com

esta teoria, um crime diverso seria um acontecimento histórico completamente diferente do acontecimento histórico presente na acusação.

Entendemos que esta concepção peca em primeiro lugar pela dificuldade de definição de “factos em unidade naturalística”47 por se tratar de um conceito muito subjectivo, em segundo lugar porque no processo penal não são investigados puros acontecimentos históricos, mas como já foi referido, comportamentos que se traduzirão na prática de um crime e por isso com relevância penal,48 e por último porque alarga excessivamente os poderes cognitivos do juiz.

CAVALEIRO DE FERREIRA, cuja posição embora próxima das teorias naturalistas, não se confunde com estas, entende que o objecto do processo é um acontecimento histórico enquanto acontecimento concreto da vida real, um facto humano de relevância penal. Apesar de considerar que no processo penal só serão recolhidos factos juridicamente relevantes, entende que não será pela sua relevância penal que surgirá o critério de diversidade do evento. Para o Autor, a identidade deve ser fundamentada atendendo aos factos praticados, isto é, à acção. A acção será a mesma, mesmo que variem as circunstâncias ou os elementos acidentais da actividade que constitui objecto do processo.49

III. No pólo oposto às primeiras teorias traçadas, temos as teorias normativistas que defendem que a identidade do objecto não deverá resultar de qualquer coincidência naturalística.

EDUARDO CORREIA, defensor de uma teoria normativista, entendia que o objecto do processo seria “a concreta e hipotética violação jurídico-criminal acusada”. Será hipotética porque a conclusão a que se chegará no final do processo pode ser a que de a violação que ocorreu é outra, podendo neste caso o juiz partir da violação inicialmente acusada para investigar outra violação ocorrida. Por outro lado, será concreta porque o

46 Vide ANTÓNIO QUIRINO SOARES (2013), ob. cit., p. 199. 47 Vide MÁRIO DA SILVA TENREIRO (1987), ob. cit., p. 1018. 48 Vide HENRIQUE SALINAS (2014), ob. cit., p. 215.

49 Vide CAVALEIRO DE FERREIRA, Curso de Processo Penal, Vol. 1º, Lisboa, Danúbio, 1986, p. 18 e

ss.; JOSÉ SOUTO DE MOURA (1993), ob. cit., p. 28; FREDERICO ISASCA (1995), ob. cit., p. 86; e IVO BARROSO (2013), ob. cit., p. 81-83.

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16 Autor entende que a violação ocorreu como consequência de um determinado acontecimento histórico.

A identidade do objecto do processo consistiria numa unidade criminosa,50 por referência ao tipo legal de crime.51 Todas as alterações que não implicassem uma proliferação de crimes, isto é, que se reconduzissem ao mesmo tipo legal de crime, seriam lícitas e poderiam ser admitidas pelo juiz. Seriam razões meramente processuais de economia e de aproveitamento do material probatório que possibilitariam que o poder cognitivo do juiz se alargasse a novas incriminações que se apoiassem nos factos naturalísticos descritos na acusação.

O crime não seria diverso mesmo que o juiz chegasse à conclusão que o arguido não praticou os factos que lhe foram imputados na acusação, tendo praticado outros factos que, embora com diversas circunstâncias diferentes, ainda se subsumam ao mesmo tipo legal de crime. Contrariamente, o crime seria diverso se, não havendo qualquer alteração a nível factual, ocorresse alteração da qualificação jurídica imputando ao arguido um crime distinto do inicialmente acusado.52

Estas soluções não são procedentes, primeiramente porque o crime antes de ser um fenómeno jurídico é um fenómeno social “que brota das próprias estruturas ônticas do comportamento”,53 sendo incindível da realidade em que se integra. Em segundo lugar,

porque violadoras do princípio do acusatório, não poderão ser aceites. Razões de economia processual e aproveitamento do material probatório não justificam a subversão do princípio do acusatório. Como referimos inicialmente, o objectivo é a busca por um critério que respeite os princípios e fins do processo penal, com o maior equilíbrio e harmonia possível, não cristalizando nenhum princípio em completo detrimento de outro.

50 O critério da identidade do objecto do processo seria o mesmo que hoje é consagrado para a teoria do

concurso de crimes, consagrada no artigo 30.º do Código Penal.

51 Neste sentido, EDUARDO CORREIA, “Caso julgado e poderes de cognição do juiz” in A Teoria do

Concurso em Direito Criminal, Coimbra, Livraria Atlântida, 1948, p. 51, “Quando se traz um caso ao

conhecimento do tribunal ele começará por dirigir os seus olhos sobre os tipos legais aplicáveis. Só desse modo pode separar o essencial do não essencial nos dados que lhe são apresentados; o tipo legal tem nessa medida uma função limitativa na determinação do que é criminalmente relevante”.

52 Vide quanto a este tópico, EDUARDO CORREIA (1948), ob. cit., p. 29 e ss.; MÁRIO DA SILVA

TENREIRO (1987), ob. cit., p. 1020-1023; GIL MOREIRA DOS SANTOS, “A estabilidade objectiva da lide em processo penal” in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 2, Fasc. 1, 1992, p. 596-598; JOSÉ SOUTO DE MOURA (1993), ob. cit., p. 29 e ss.; IVO BARROSO (2013), ob. cit., p. 84-85; e HENRIQUE SALINAS (2014), ob. cit., p. 216-220.

(17)

17 Diferente entendimento tem CASTANHEIRA NEVES,54 considerando que o objecto

do processo é o “caso jurídico concreto apresentado e a resolver”,55 um caso concreto que suscita um problema jurídico-criminal e que será resolvido, em primeiro lugar e provisoriamente com a acusação e pronúncia, e definitivamente com o julgamento e sentença.

O facto é, no entendimento do Autor, um quid ontologicamente determinado mas juridicamente referenciado, não deixando de ser um facto concreto. A questão da identidade do objecto do processo passaria por “compreender, objectivar e delimitar”56 o caso jurídico concreto. Essa delimitação permitiria “destacá-lo do contínuo fluir da realidade objectiva”57 e autonomizá-lo enquanto dado de um determinado problema. O Autor sublinha a ideia de impossibilidade de uma dissociação absoluta entre “factos” e “normas”, concluindo que a alteração de um implicará quase sempre a alteração do outro. Para determinar a identidade do objecto do processo, a problemática que o juiz teria de equacionar seria a da ressonância do acontecimento histórico, polarizado pela conduta do agente, no círculo de valores pessoais, patrimoniais, ético-sociais entre outros, a que pertence a norma jurídica violada.

O juiz estará ainda perante o mesmo objecto do processo sempre que a sentença decorra do esclarecimento do facto histórico relatado na acusação, à luz das normas incriminatórias de direito penal que pertencem ao mesmo círculo de valores daquela que foi indicada na acusação. Desta forma, o juiz deverá investigar os factos que, mesmo não constando da acusação, estão relacionados com a conduta concreta do agente e permitirão um esclarecimento do relevo jurídico-criminal da sua conduta sob a perspectiva do círculo de valores da norma indicada na acusação.58

54 Ainda que ligado a uma perspectiva normativista.

55 CASTANHEIRA NEVES (1968), ob. cit., p. 250. Como refere o Autor, ob. cit., p. 259, “É um “caso”

porque nele se põe um problema; é “concreto” porque esse problema se põe numa certa situação e para ela; é “jurídico” porque desta emerge um sentido jurídico, o problemático sentido jurídico que o problema lhe refere e que nela ou através dela se assume e para o qual ela se individualiza como situação”.

56 CASTANHEIRA NEVES (1968), ob. cit., p. 250. 57 FREDERICO ISASCA (1995), ob. cit., p. 89.

58 Vide CASTANHEIRA NEVES (1968), ob. cit., p. 250 e ss.; MÁRIO DA SILVA TENREIRO (1987),

ob. cit., p. 1029-1031; FREDERICO ISASCA (1995), ob. cit., p. 88 e ss.; IVO BARROSO (2013), ob. cit.,

p. 85-86; ANTÓNIO QUIRINO SOARES (2013), ob. cit., p. 200-201; e HENRIQUE SALINAS (2014),

(18)

18 IV. Uma outra teoria surgiu, com prevalência do critério da valoração social, afastando-se das teorias naturalísticas e normativistas. Esta teoria surge para demonstrar a relevância das valorações sociais com base no pensamento de que os comportamentos que hoje encontramos reflectidos nos tipos legais, são comportamentos que antes de serem jurídico-penalmente considerados pelo direito, já eram socialmente valorados. É com base na dignidade da pessoa humana que estes comportamentos vão sendo moldados e determinados numa comunidade em cada momento histórico, variando ao longo do tempo. Esta variação vai determinar quais os comportamentos que irão adquirir a qualidade de bens jurídicos, tornando-se merecedores de tutela penal.

Para FIGUEIREDO DIAS, entre nós o defensor das teorias da valoração social, o objecto do processo será “um recorte, um pedaço da vida, um conjunto de factos em conexão natural”59 que serão analisados à luz de todos os juízos jurídicos pertinentes. Será uma conexão natural e não naturalística porque já não está em causa uma racionalidade proveniente das ciências da natureza. O objecto do processo é para o Autor uma “questão-de-facto integrada por todas as possíveis questões de direito que possa suscitar”.60

Será através de um critério fundamentalmente axiológico que se concluirá pelo mesmo ou diverso “pedaço da vida”. Os factores naturalísticos, tal como o tempo ou lugar, também poderão intervir na aglutinação dos factos que compõem a acusação, mas não é nestes que se consubstancia o critério de identidade do objecto do processo. As alterações de factores naturalísticos podem nuns casos conduzir a um objecto do processo distinto, enquanto noutros o objecto será o mesmo.61 O critério é o da avaliação social,

que tanto pode ser relativa à desaprovação fornecida pela lei penal como à sua censura ética e social.62 E mesmo englobando conteúdos jurídicos, não se identifica nem reduz a estes.63

Para FIGUEIREDO DIAS, o crime será o mesmo se o juízo de valoração social do pedaço de vida que consta da acusação for o mesmo juízo de valoração social dos factos

59 MÁRIO DA SILVA TENREIRO (1987), ob. cit., p. 1024. 60 MÁRIO DA SILVA TENREIRO (1987), ob. cit., p. 1024.

61 Como exemplos do que foi referido, vide MÁRIO DA SILVA TENREIRO (1987), ob. cit., p. 1024 e ss. 62 Vide JOSÉ SOUTO DE MOURA (1993), ob. cit., p. 33-34.

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19 novos. A sociedade terá que reagir de forma semelhante a uns e a outros, sendo essa reacção “o conjunto sincrético de elementos morais sociais e eventualmente jurídicos, numa perspectiva de desvalor”.64

FREDERICO ISASCA, no mesmo sentido, entende que a questão do objecto do processo deve ser colocada no plano da valoração social, partindo de uma concepção idêntica à adoptada por FIGUEIREDO DIAS. Afasta-se desde logo de uma teoria naturalística e normativista, considerando que para além de uma delimitação natural outros vectores devem ser atendidos para determinar e autonomizar os comportamentos em análise. O acontecimento histórico será um pedaço da vida que se recorta da realidade envolvente e é submetido a juízo, sendo aqui a referência normativa apenas a legitimação do comportamento aquando da sua apreciação judicial, enquanto decorrência do princípio da legalidade.65

O Autor encara o facto processual como uma “pluralidade de factos singulares que se aglutinam em torno de certos elementos polarizadores” permitindo a sua “compreensão de um ponto de vista social”66 e apreciação judicial, enquanto pedaço de vida que se

separa dos restantes comportamentos do sujeito.

Porém, relativamente ao critério de identidade ou diversidade do crime, FREDERICO ISASCA considera que o critério da valoração social não é o único que deve ser tido em conta. Isto porque dois acontecimentos diferentes podem, do ponto de vista social, ter o mesmo juízo valorativo, pelo que o juiz teria de considerar como sendo o mesmo crime, quando no fundo estavam em causa dois comportamentos distintos. Acrescenta-se assim, ao critério da valoração social, o critério da identidade da imagem social. De acordo com o exemplo anterior o juiz já não chegaria à conclusão de estar em causa o mesmo crime, porque tratando-se de um acontecimento diferente, obrigatoriamente a imagem social será diferente. O Autor entende que só pela combinação destes dois critérios se poderá concluir com segurança pela diversidade do crime e, consequentemente, pela substancialidade da alteração dos factos.

64 JOSÉ SOUTO DE MOURA (1993), ob. cit., p. 33. 65 Vide FREDERICO ISASCA (1995), ob. cit., p. 93-96. 66 FREDERICO ISASCA (1995), ob. cit., p. 96.

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20 FREDERICO ISASCA acrescenta como último crivo o comprometimento da defesa do arguido. O facto novo pode representar para o homem médio uma valoração e imagem social idênticas, mas se comprometer a defesa do arguido irá consubstanciar uma alteração substancial dos factos. O nível de maximização óptima seria pela conjugação dos três critérios, mas cada um deles tem autonomia própria para qualificar uma alteração como substancial.67

Com esta junção de critérios será possível alterar circunstâncias como o lugar, tempo, modo de execução entre outros, e a alteração ser qualificada como não substancial. Ainda que a valoração social seja a mesma e a imagem social seja também a mesma, sempre haverá o último patamar do não comprometimento da defesa do arguido. A título de exemplo, se o arguido A está acusado de cometer um crime de furto no dia X às 14 horas da tarde em Lisboa, e factos novos revelam que afinal não foi às 14 horas mas sim às 18 horas, em princípio a alteração não será substancial porque aparentemente a valoração e imagem social são idênticas e a defesa do arguido está assegurada. Mas se a defesa do arguido se basear numa testemunha que o coloca às 14 horas do dia X em Coimbra, a sua defesa ficaria comprometida com esta alteração pois às 18 horas já poderia estar em Lisboa. Este último critério do comprometimento da defesa do arguido permite assim salvaguardar as situações em que a defesa do arguido poderá ser desconsiderada.

Por fim, não é excluído das hipóteses de alteração substancial, um facto novo que impute um crime menos grave por considerar que mesmo nestas situações qualquer um dos três critérios que indica podem ser afectados, assim como na redundância em que cairia o critério quantitativo da agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, se assim não fosse.68

V. TERESA PIZARRO BELEZA adopta uma teoria mista, conjugando as teorias naturalísticas e normativistas. A definição de crime diverso seria alcançada em dois passos.

67 Vide FREDERICO ISASCA (1995), ob. cit., p. 143-144.

68 Vide FREDERICO ISASCA (1995), ob. cit., p. 144-147. O Autor não exclui a hipótese de a sua

concepção falhar em alguma das inúmeras situações que a vida nos apresenta, entendendo que nesses casos o juiz deve sempre qualificar a alteração como substancial de forma a proteger o arguido com base nos princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo.

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21 Em primeiro lugar, o conceito a determinar seria o de “alteração”, sendo que teria de se recorrer a critérios pré-normativos, adoptando aqui uma teoria naturalística. Através de uma apreciação do caso concreto, o crime não será diverso se não se verificar um conjunto de factos tão distinto que ponha em causa os direitos e defesa do arguido.

Em segundo lugar surge a determinação do “crime diverso”, recorrendo a um critério normativo, isto é, “à identidade do bem jurídico protegido na norma incriminadora”.69 O crime será diverso se o bem jurídico presente no tipo legal for diverso, sendo aplicáveis as regras relativas ao concurso de normas.70

VI. GERMANO MARQUES DA SILVA considera que a distinção entre uma alteração substancial e não substancial dos factos terá de ser analisada com base no juízo de ilicitude, porque “cada norma tem um específico sentido de valor, de ilicitude”.71 Se uma alteração não implicar um juízo de ilicitude distinto do juízo inicial, nem agravar os limites máximos das sanções aplicáveis, poderá ser considerada desde que ao arguido seja assegurada a sua possibilidade de defesa. Desta forma, o crime não será materialmente diverso desde que o bem jurídico protegido seja essencialmente o mesmo, isto é, desde que os seus elementos constitutivos essenciais não divirjam.72 O Autor distingue, no facto

penalmente relevante,73 os elementos essenciais e os elementos acidentais. Os elementos

essenciais são “aqueles sem os quais não existe crime”74 e os elementos acidentais apenas

alteram o desvalor do crime na sua quantidade. Os primeiros são a razão pelo qual é aplicado ao agente uma pena ou medida de segurança, enquanto os segundos servem apenas para graduar a pena quantitativamente.75

Mantendo-se o juízo de ilicitude, “podem alterar-se as modalidades da acção, pode o evento material não ser inteiramente coincidente com o modo descrito, podem alterar-se

69 IVO BARROSO (2013), ob. cit., p. 91.

70 TERESA PIZARRO BELEZA apud IVO BARROSO (2013), ob. cit., p. 90-91.

71 GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal I, 3ª Edição, Lisboa, Editorial Verbo,

1996, p. 339.

72 Vide GERMANO MARQUES DA SILVA (2013), ob. cit., p. 382-383.

73 Facto esse que, sendo uma modificação da realidade preexistente, terá de se tratar de um facto concreto,

porque referido aos tipos legais, e não um mero conceito ou modelo de facto, como refere o Autor (2009),

ob. cit., p. 269.

74 GERMANO MARQUES DA SILVA (1990), ob. cit., p. 282. 75 Vide GERMANO MARQUES DA SILVA (1990), ob. cit., p. 282.

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22 as circunstâncias e o elemento subjectivo”76 que não estaremos perante um crime

materialmente diverso.

GERMANO MARQUES DA SILVA sublinha a relevância da alteração da qualificação jurídica para efeitos de delimitação do objecto do processo, referindo que “à identidade substantiva do facto processualmente relevante importa também a sua qualificação jurídica”,77 pois a consciência da ilicitude é um elemento importante que não pode ser desconsiderado. Com base nesta concepção, a alteração da qualificação jurídica dos factos objecto do processo poderia implicar uma alteração substancial dos factos, mesmo que naturalisticamente os factos se mantenham os mesmos. A alteração da qualificação jurídica e todas as questões decorrentes da mesma, serão estudadas em capítulo próprio.

VII. Importa também referir a posição que tem sido adoptada pela Jurisprudência Portuguesa nos últimos anos.

Como já foi referido, a coincidência entre “crime diverso” e “tipo legal de crime” foi ultrapassada, tendo-se entendido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/11/199978 que a noção de “crime diverso” não corresponde à de “diferente tipo legal

de crime”, correspondendo antes à noção de “facto diverso”.

Um acórdão muito referenciado pela doutrina e jurisprudência é o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23/05/2007.79 Neste tem-se que o objecto do processo é

constituído “por aquele facto naturalístico que se discute, situado no passado, com a sua identidade, imagem e valoração social, que viola os bens jurídicos penalmente tutelados, e por cuja prática o agente é alvo de censura”.

Haverá crime diverso quando da adição ou modificação dos factos resulte um bem jurídico diverso do primitivo, um facto naturalístico diferente, objecto de distinto juízo de valoração social, ou a perda da imagem social do facto primitivo, isto é, a perda da sua

76 GERMANO MARQUES DA SILVA (2013), ob. cit., p. 383. 77 GERMANO MARQUES DA SILVA (1994), ob. cit., p. 95. 78 Processo n.º 1001/98-3, disponível em www.dgsi.pt. 79 Processo n.º 0513936, disponível em www.dgsi.pt.

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23 identidade, assim como quando o arguido não teve oportunidade de se defender dos novos factos e estes não são meramente esclarecedores ou concretizadores dos factos iniciais.80

Os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 21/05/2007 e 24/10/201681 também sublinham a ideia de “juízo de valoração social” e “identidade, imagem e valoração social” para concluir pela diversidade ou identidade do crime.

O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/11/201482 vem decidir no sentido de que o acontecimento histórico terá por base uma percepção social unitária, com uma determinada valoração, não prescindindo de uma referência normativa e de uma referência ao bem jurídico e a outros elementos da acção. A noção de bem jurídico, a identidade do sujeito da acção e o juízo base de ilicitude serão também elementos a considerar ao estabelecer a diferença entre identidade e alteridade dos factos. Este acórdão vem também estabelecer que a alteração para um crime menos grave poderá implicar um crime diverso e, consequentemente, uma alteração substancial dos factos.83

O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24/09/201484 refere que o “crime não

será materialmente diverso desde que o bem jurídico tutelado seja essencialmente o mesmo”. E assim será quando os seus elementos constitutivos essenciais não divergirem e a razão do juízo de ilicitude permaneça a mesma.85 Outros acórdãos seguiram esta

concepção de crime diverso, colocando a tónica nos elementos constitutivos essenciais e, consequentemente, na razão do juízo de ilicitude.86

A jurisprudência tem considerado existir crime diverso quando existe modificação do autor ou da vítima, quando os locais e datas dos factos são muito distintos dos acusados, quando existe imputação de um crime por acção e posteriormente a condenação pelo mesmo crime por omissão, ou vice-versa, imputação por um crime de furto e condenação

80 No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06/10/2010, Processo n.º

403/04.1GAMCNA.P1, disponível em www.dgsi.pt.

81 Processos n.º 605/071 e 1386/11.7TABCL.G1, respectivamente, disponíveis em www.dgsi.pt. 82 Processo n.º 17/07.4GBORQ.E2A.S1, disponível em www.dgsi.pt.

83 Posição defendida por FREDERICO ISASCA (1995), ob. cit., p. 144-147. No mesmo sentido,

MAGISTRADOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO JUDICIAL DO PORTO, Código de

Processo Penal – Comentários e Notas Práticas, Coimbra Editora, 2009, p. 23-24.

84 Processo n.º 28/12.8TACPV.P1, disponível em www.dgsi.pt.

85 Vide GERMANO MARQUES DA SILVA (2013), ob. cit., p. 382-383.

86 Cfr. Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 09/03/2016 e de 24/10/2016, Processos n.ºs

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24 por um crime de receptação e vice-versa, ou imputação por um crime continuado e acusação por um crime único.87

O nosso entendimento vai no sentido adoptado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/11/2014 que conjuga em harmonia as noções de valoração e identidade social, bem como de bem jurídico e juízo base de ilicitude, sendo todos estes elementos observados no caso concreto para um melhor entendimento do que será o crime diverso, com uma análise do caso concreto e não uma análise abstracta. O respeito pela dignidade do arguido verificado na preocupação pelas suas garantias de defesa e conjugado com a operatividade dos poderes de investigação do tribunal, possibilitará um perfeito ponto de equilíbrio que consubstanciará na justa decisão da causa.

2.2. A Agravação dos Limites Máximos das Sanções Aplicáveis

A parte final da alínea f) do n.º 1 do artigo 1.º do Código de Processo Penal consagra que será alteração substancial dos factos aquela que tiver por efeito a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis. Este critério quantitativo é também autónomo, ou seja, é independente da imputação de um crime diverso. Haverá alteração substancial dos factos por força deste critério quantitativo quando da adição ou subtracção de factos novos à acusação resulte a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.

Há várias situações em que factos novos poderão representar uma agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis sem ocorrência de crime diverso, qualificando a alteração como substancial. Desde logo, as situações em que os factos acusados impliquem uma condenação por um crime simples e os factos novos uma qualificação pelo crime qualificado. Há uma subsunção a um tipo legal de crime distinto que se encontra numa relação de especialidade e cujo limite máximo da pena é superior, mas o crime é o mesmo.

Também nas situações em que os factos novos se traduzam numa diversa modalidade de comparticipação criminosa ou num diverso grau de execução do facto, nos casos da

87 Vide PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª Edição

actualizada, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2009, p. 40; e FERNANDO GAMA LOBO, Código de

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25 tendência criminosa, do alcoolismo ou situações equiparadas,88 ou quando o arguido é

acusado pelo crime na forma tentada, traduzindo os factos novos a imputação do crime consumado, estará em causa a activação deste critério de qualificação de uma alteração como substancial, de forma a assegurar as garantias de defesa do arguido.89

3. A Alteração Não Substancial

O conceito de alteração não substancial dos factos não se encontra expressamente definido na lei, pelo que só poderá ser alcançado através do seu conceito contrário, o da alteração substancial. Uma alteração será não substancial quando da alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia não resulte a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.

Será com base nos conceitos que definimos anteriormente que será atingido o presente conceito de alteração não substancial dos factos. Uma alteração não substancial dos factos não implica um “desfiguramento do crime”,90 tratando-se de uma divergência de

identidade que não transforme o quadro da acusação em outro distinto quanto aos seus elementos essenciais,91 respeitando a circunstâncias acidentais ou a circunstâncias

modificativas atenuantes.92

Tem-se entendido que haverá alteração não substancial93 quando, não tendo por efeito

a imputação de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, dos novos factos resulte uma alteração nos elementos espácio-temporais e no objecto do crime, uma alteração na forma de participação do agente, uma subida de grau no elemento ético-psicológico doloso ou negligente do crime, ou o conhecimento de novas condutas que resultem na mesma unidade de resolução, ou se integrem num crime

88 Nos casos do artigo 83.º e seguintes do Código Penal.

89 Vide PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE (2009), ob. cit., p. 39-40; ANTÓNIO QUIRINO SOARES

(2013), ob. cit., p. 208; HENRIQUE SALINAS (2014), ob. cit., p. 354; e FERNANDO GAMA LOBO (2015), ob. cit., p. 12.

90 IVO BARROSO (2013), ob. cit., p. 41.

91 Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/03/2007, Processo n.º 07P024, disponível

em www.dgsi.pt.

92 Vide GERMANO MARQUES DA SILVA (2009), ob. cit., p. 276.

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26 continuado com as da acusação. Também estaremos perante uma alteração não substancial quando dos factos novos resulte a reincidência,94 pois os seus efeitos não interferem com o limite máximo das sanções aplicáveis, mas tão só com o seu limite mínimo.95

O modo como as alterações, substanciais ou não, podem ser integradas no objecto do processo será estudado no capítulo seguinte.

94 No mesmo sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5/12/1990, Processo n.º 041292,

disponível em www.dgsi.pt.

95 O n.º 1 do artigo 76.º do Código Penal consagra que “em caso de reincidência, o limite mínimo da pena

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27 Capítulo III – O Regime da Alteração dos Factos

1. Considerações Iniciais

Na fase de inquérito existe uma maior indefinição do objecto do processo, pois sendo a fase onde se irá indagar a notícia do crime e lhe “definir os contornos”,96 através da recolha de elementos de prova, o objecto irá variar livremente ao ritmo dos elementos recolhidos.97 Só no final desta fase – com a acusação – é que a alteração do objecto do processo ganha relevância e o efeito de vinculação temática se torna operativo. Com a sua progressiva concretização e definição, o objecto do processo ganha contornos reais, cuja ultrapassagem será fortemente regulada.

Assim é na fase de instrução e na fase de julgamento, cujo regime da alteração dos factos foi consagrado nos artigos 303.º, 358.º e 359.º do Código de Processo Penal. O primeiro regime a analisar será o da alteração substancial dos factos.

2. O Regime da Alteração Substancial dos Factos

2.1. O Regime da Alteração Substancial na Fase de Julgamento

O artigo 359.º do Código de Processo Penal regula a alteração substancial dos factos na fase de julgamento. Esta apenas poderá ser suscitada no decurso da audiência de julgamento e depois de se discutir e contraditar a prova que indicia os factos novos.98 A violação desta norma gera a nulidade insanável ou absoluta, prevista no artigo 379.º n.º 1 alínea b) do mesmo código, com repetição total ou parcial do julgamento.99

Nos números 1 e 2 lê-se que “uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de

96 GERMANO MARQUES DA SILVA (2013), ob. cit., p. 381. 97 Vide IVO BARROSO (2013), ob. cit., p. 138.

98 Vide MAGISTRADOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO (2009), ob. cit., p. 914. 99 Neste sentido, FERNANDO GAMA LOBO (2015), ob. cit., p. 697.

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28 condenação do processo em curso, nem implica a extinção da instância” e que a comunicação dessa alteração ao Ministério Público “vale como denúncia para que ele proceda pelos novos factos, se estes forem autonomizáveis em relação ao objecto do processo”. A regra geral será a de que o tribunal não pode considerar os novos factos se estes consubstanciarem uma alteração substancial.

2.1.1. A existência de acordo entre o Ministério Público, o arguido e o assistente

No n.º 3 está estabelecida a excepção a esta regra geral, dispondo que se ressalvam dos números anteriores os casos em que o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo com a continuação do julgamento pelos novos factos, se estes não determinarem a incompetência do tribunal.100

Na audiência de julgamento, se se concluir que os novos factos determinam uma reconfiguração do objecto do processo determinando um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, poderá ocorrer ou não o acordo dos sujeitos processuais na continuação do julgamento pelos novos factos. Contudo, excepcionais serão as situações em que o arguido consentirá no prosseguimento do processo com a inclusão dos novos factos.101

Havendo acordo entre o Ministério Público, o arguido e o assistente sobre a continuação do julgamento pelos novos factos, não se coloca a distinção entre factos autonomizáveis e não autonomizáveis, pois ambos serão investigados no processo em curso.102 Trata-se de uma forma de “contribuir para a eficiência da administração da

justiça penal”,103 onde os sujeitos processuais se encontram interessados numa resolução rápida e justa do caso concreto.104 Como nota FREDERICO ISASCA, também os

100 Sendo determinada a incompetência do tribunal para julgar os novos factos, tal deverá ser consignado

em acta e ordenada a remessa dos autos ao tribunal competente para julgamento. Neste sentido, FERNANDO GAMA LOBO (2015), ob. cit., p. 697.

101 Vide GERMANO MARQUES DA SILVA (2009), ob. cit., p. 275.

102 Vide M. MAIA GONÇALVES, Código de Processo Penal Anotado, 17ª Edição, Coimbra, Almedina,

2009, p. 823; JOSÉ MANUEL BUCHO, “Alteração substancial dos factos em processo penal” in Julgar N.º 9, 2009, p. 47; e PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE (2009), ob. cit., p. 913.

103 PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE (2009), ob. cit., p. 909. 104 Vide FREDERICO ISASCA (1995), ob. cit., p. 200-201.

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29 interesses da vítima são tidos em conta, pois tanto o assistente como o Ministério Público podem quebrar este acordo.105

O acordo do arguido deverá ser expresso e dado pessoalmente ou pelo seu defensor, sendo que o seu silêncio nunca será visto como aceitação da continuação do julgamento pelos novos factos.106

É de ressalvar que o acordo do arguido não significa nunca uma confissão automática dos factos novos.107 Assim será mesmo nos casos em que o arguido tenha confessado os factos que já constavam do objecto do processo. Deve ser desenvolvida quanto aos novos factos uma completa actividade investigatória e probatória.108

O n.º 4 do preceito em análise demonstra o respeito pelos direitos de defesa do arguido e pelo princípio do contraditório ao consagrar que nos casos em que exista acordo, “o presidente concede ao arguido, a requerimento deste, prazo para preparação de defesa não superior a 10 dias, com o consequente adiamento da audiência, se necessário”. Também neste prazo poderá o arguido requerer a produção de prova suplementar, que considere necessária para contraditar ou esclarecer os novos factos, sendo este requerimento analisado pelo tribunal à luz do artigo 340.º n.º 1 do Código de Processo Penal.109

2.1.2. A inexistência de acordo entre o Ministério Público, o arguido e o assistente

É neste âmbito – na inexistência de acordo entre os sujeitos processuais – que se introduziu a distinção entre factos autonomizáveis e factos não autonomizáveis.110

105 Vide FREDERICO ISASCA (1995), ob. cit., p. 200-201.

106 Neste sentido, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 463/2004 Processo n.º 226/2003 e Acórdão do

Supremo Tribunal de Justiça de 5/3/2008 Processo n.º 3259/07, disponíveis em www.dgsi.pt. Quando o tribunal comunica ao arguido estar-se perante uma alteração não substancial dos factos, mas na realidade se trata de uma alteração substancial, o seu silêncio não pode valer como acordo para continuação do julgamento.

107 Tal pode acontecer, mas não vai implícito ao acordo para continuação do julgamento pelos novos factos. 108 Vide JOSÉ MANUEL BUCHO (2009), ob. cit., p. 49-50.

109 Vide IVO BARROSO (2013), ob. cit., p. 271; e MAGISTRADOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO (2009),

ob. cit., p. 914.

(30)

30 2.1.2.1. Os factos autonomizáveis

Os factos são autonomizáveis111 em relação ao objecto do processo quando, sendo ainda uma variação dos factos que compõem o objecto do processo, constituem um quadro fáctico distinto, integrando a prática de um ilícito criminal quando analisados separadamente.112 Por outras palavras, “quando podem, por si só, (…) ser susceptíveis de fundamentar uma incriminação autónoma em face do objecto do processo”.113

O regime dos factos autonomizáveis é simples, pois como o n.º 2 do artigo 359.º refere, a sua comunicação ao Ministério Público vale como denúncia para que ele proceda pelos novos factos, prosseguindo o processo originário a sua tramitação normal. Isto significa que será aberto um inquérito num novo e autónomo processo penal, procedendo o Ministério Público pelos novos factos “se e na medida em que tal se imponha” face aos critérios a que se encontra vinculado.114

2.1.2.2. Os factos não autonomizáveis

Os factos não autonomizáveis – não destacáveis ou inextrincáveis115 – são factos que

não são cindíveis do núcleo de factos inicial, sendo insusceptíveis de uma valoração jurídico-penal alheia ao objecto do processo existente.116 O facto novo não é susceptível

de fundamentar nenhum crime. Os novos factos estão “imbrincados nos factos constantes da acusação”.117 A título de exemplo, a relação de parentesco, presente na alínea a) do n.º

2 do artigo 132.º, enquanto facto novo, conhecido num processo que julga um crime de homicídio simples, isoladamente considerado não fundamenta qualquer crime. Só junto do núcleo de factos inicial fará sentido fazer a sua análise.

111 Os factos autonomizáveis podem surgir através de duas modalidades de alterações, as substitutivas e as

cumulativas. Na alteração substitutiva acresce ao objecto do processo um novo facto que substitui integralmente o antigo, e na cumulativa os factos novos fazem acrescer outros bens jurídicos violados, existindo uma acumulação de acções. Neste sentido, IVO BARROSO (2013), ob. cit., p. 79 e p. 124.

112 Vide MAGISTRADOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO (2009), ob. cit., p. 913; e VINÍCIO RIBEIRO,

Código de Processo Penal – Notas e Comentários, 2ª Edição, Coimbra Editora, 2011, p. 1011.

113 FREDERICO ISASCA (1995), ob. cit., p. 203. 114 Vide JOSÉ MANUEL BUCHO (2009), ob. cit., p. 61. 115 IVO BARROSO (2013), ob. cit., p. 173.

116 Vide IVO BARROSO (2013), ob. cit., p. 216.

(31)

31 O seu regime é uma problemática mais controversa. Hoje a lei é clara quando dispõe que não sendo os factos autonomizáveis, não poderão ser tomados em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso, nem implicam a extinção da instância. Mas antes da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, agora vigente, o regime na fase de instrução e de julgamento era mais dúbio.118

2.1.2.2.1. O regime anterior à Reforma de 2007

O Código de Processo Penal, antes da Reforma de 2007, não consagrava expressamente o regime a cumprir nos casos de alteração substancial do objecto do processo. Consequentemente, várias posições doutrinais e jurisprudenciais se propuseram a suprir esta lacuna legislativa.

TERESA PIZARRO BELEZA, FERNANDA PALMA, SOUSA MENDES E GIL MOREIRA DOS SANTOS adoptaram a tese da total desconsideração pelos novos factos com continuação do processo em curso. Também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/11/1990119 seguiu este entendimento, exigindo que o tribunal

desconsiderasse os factos novos se de um facto não autonomizável se tratasse. Esta posição que impunha a preterição absoluta de conhecimento de uma alteração substancial dos factos era minoritária.

Contra esta posição, diversas foram as teorias que sustentavam que todos os casos de alteração substancial deveriam ter como consequência a comunicação ao Ministério Público para que procedesse pelos novos factos, autonomizáveis ou não.120

Na tese da suspensão da instância – no sentido do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/01/1993121 – o juiz deveria suspender a instância perante uma alteração

118 Nas palavras de NUNO BRANDÃO, “A nova face da instrução” in Revista Portuguesa de Ciência

Criminal, N.º 18, 2008, p. 246, “entendeu-se não ser prudente cristalizar na lei adjectiva determinada

solução que com o tempo poderia vir a revelar-se desadequada ou ultrapassada”.

119 Publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 401, p. 443.

120 A solução era compatível com a letra da lei na medida em que não distinguia entre factos autonomizáveis

ou não autonomizáveis, apenas consagrando o n.º 1 do artigo 359.º que “uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação do processo em curso; mas a comunicação da alteração ao Ministério Público vale como denúncia para que ele proceda pelos novos factos.”

Referências

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