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Do velho se faz o ovo

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES

Mestrado em Artes

Do Velho se Faz o Ovo

Ivan Vilela Pinto

(2)

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES

Mestrado em Artes

Do Velho se Faz o Ovo

Ivan Vilela

Pinto

Esle exemplar

e

a reda9ao final da Dissert.a9iio defendida pelo Sr. Ivan Vilela Pinto e aorovado pela Comissao Julgadora

'

~11999

-L

I

-..__;

.

Prof. Dr. Jose Roberto Zan orientador

-Disserta9io apresentada ao Cw:so de Mesttado em Artes do Institute de Artes da UNICAMP como reqmsito parcial para obten<;ao do grau de Mestre em Artes sob orienta<;ao do Pro£ Dr. Jose Roberto Zan.

(3)

_ _ _,_.,.~·--'<• ~~'-¥'~~~~

~---··~-·~ "f"FT:r£~7~

FICHA CATALOGRAFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA UNICAMP

Vilela Pinto, Ivan

V711 d Do velho se faz o ovo /Ivan Vilela Pinto.-Campinas, SP : [s.n.], 1999.

Orientador: Jose Roberto zan.

Tese (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Institute de Artes.

1.0pera- Brasil. 2. Cultura Popular. 3. Composigao (Miisica). 4. Miisica Popular. I. zan, Jose Roberto.

II. Universidade Estadual de Campinas. Institute de Artes Ill. Titulo.

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RESUMO

Este trabalho pretende fazer uma reflexiio sobre a composi<;iio do musical, Cheiro de

Mail! e de Chilo, obra baseada em um libreto, ate aqui conhecida como opera caipira. Sua composi<;iio utilizou elementos da cultura popular e da tradi<;iio mal brasileira.

Para realizar esta reflexiio, faremos uma breve explana<;iio sobre o universo caipira e algumas de suas manifes~6es culturais presentes na musica folcl6rica e na musica caipira. Alguns elementos destes dois universos musicais serviram como rnatrizes que foram utilizadas no processo de composi<;iio do musical em foco. A descri<;iio destes elementos seri realizada com o intuito de colaborar nesta reflexiio.

Na tentativa de entender melhor em qual genero de drama musical se encruxa o trabalho em foco, seri feita uma compara~iio entre ele e os diferentes sistemas dramarurgicos afins.

Finalmente, seri feita uma analise dos recursos e elementos utilizados para a composi<;iio dos temas.

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RESUMO · · - - - - · - · - - - · · - - - · - · · - - - - · · - - - · - · 7 AGRADECUMENTOS---11 I N T R O D U < ; : A O - · - - - -

---15

CAPiTULO 1 - - · - - - - - - - . - 1 7 BEMANTEsOOCOMEQO ... 17 RAizEs ... 19

Surge uma Grande Oportunidade ... 21

0 LlBRETO ... 21 Jeovah Amaral ... 22 CAPiTULO D--·-··----···---··-·-·---··---·---·---·---· 25 0 COME<;:O DE TUoo ... 25 DEF1NINDO CAMINHOS ... 26 CAPITULO DI -·--·-··--·-···--·---···---····-···----···-···---·-·-·--·---···-·--·· 35 AS MA1R1ZES ... 35 0 Folclore ... 35 A Milsica Caipira ... 36

A Milsica Vista par Dentro .. ... ... ... ... .... .... ... ... .. ... 38

0Aboio ... 40 0 BaiAo ... 41 A (0) Catira ou Caterettl.. ... 41 O(A) Congado(a) ... 42 0 Cururu ... .43 A Folia ... 45

Como funciona a Folia ... 47

A Gemedeirn ... 48 A Guar.lnia ... 49 AJaca ... 49 A Ladainba ... 50 0Maxixe ... 50 A Mazurca ... 51 A Moda de Viola ... 51 0 Pagode ... 52

A Polca Pa1aguaia ou Rasqueado ou Cbamame ... 53

A Quadrilha ... 54

A Toada Hist6rica. ... 54

A Valsa ... 55

CAPiTULO IV ANALISE OOS TEMAs 00 MUSICAL ... 57

ATO ! ... 57 ABERTURA ... 57 ABERTURA VOCAL ... 58 ANACLETO E MARCULINA ... 60 BANDEIREIRO DO DIVINO ... 62 ERVATARlO ... 64

DITO BENTO E A PROFESSORA ... 67

CEGO SALUSTIANO (NARRAooR) ... 71

CALMA ROCE!RA (NAsA VE MARIA) ... 72

JOAO LAU (BAIXO, CURURU) ... 7 4 JOAO LAU (RECITATIVO) ... 75

ANATALIA ( CROMA TICA, RABECA) ... 77

(7)

ADELAIDE (VALSA, FLAUIA) ... 82

zE DO Erro (CONGADO, TAMBOR) ... 84

MEsTRE CARRElRO ... 85

TUD!CA (MAZURCA, BANDOLIM) ... 87

T!AO MADEIRA ( POLCA, VIOLA) ... 89

MEsTRE BERRANTEJRO ... 91

ATO II ... 92

SALVE SJ\OJOJ\0 ... 92

CURURU PRA SJ\o JOJ\0 ... 93

CURURU DO DITO CRESPO ... 94

CURURU DO z:E CURUJA ... 95

SOU ROCEIRO ... 98 NARRADOR F E H ... 99 T!Ao MADEIRA 2 ... ! 0 I TUD!CA2 ... !02 ANATAL1A2 ... 104 SOU BRASILElRO ... 1 05 ADELAIDE 2 ... ] 07 z:E oo Erro 2 ... 108 JUNlNAS ... !! 0 BIBLIOGRAFIA UTILIZADA---··---·---~--·---- - 1 1 5 DISCOGRAFIA UTILIZADA -~·--~-~·---

---··----119

ANEXO

1: LIBRET0--····---·-~·~-·-·-~--~---·-~-~----~-~---~--··--~··123 CHEIRODEMATOEDECHAO ... I23 ANEXO :Z: PARTITURAS--~·~---~·---·--161 PARTITURAS ... !61

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AGRADECIMENTOS

A professora Niza de Castro Tank que idealizou a possibilidade de urn musical deste

ttpo.

A J eovah Amaral pela parceria e carinho.

A Alexandre Lunsqui pelo empenho em dividlr comigo a maior parte dos ar:ranjos.

Aos mlisicos amigos pelas sugestoes e N elo Balducci pelo material de pesquisa.

A Fred Cavalcante e Budi Garcia pela colabora¢o nos ar:ranjos, e

a

Omar Fontes Jr. pela parceria em quatro temas.

Ao professor Claudinei Carrasco pela preciosa sugestiio de dois livros.

A

professora Helena Jank pelo apoio durante todo o mestrado.

A Marco Scarassatti pelas c6pias, editora<;io musical e pronta presen~

A Jose Roberto Zan pela dedica<;io e amizade.

A

Gabriela por estar sempre ao meu !ado.

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"Comemos com Oswald nosso repasto mais serio e severo de assun<;iio do nosso ser, diante da esttangeirada. Com ele, pela primeira vez, gargalhamos:

_Ali vern a nossa comida pulando.

Neste impeto de reversao da comedoria pantagruelica, s6 pedimos a Deus a boca voraz e insaciivel dos pr6speros da terra para devorar a estranja e fazer deJa o estrume com que floresceremos.

Ainda hoje

e

este brado que ecoa, chamando tanto macaquito seno que empulha europeismos por ai para lavar a cara, rir e se armar para ca~ar e comer quem nos come. Menos para fazer nossa sua came nojenta do que para preservar nosso pr6pno sumo.

6 que pao. 6 que comida. ..

6

que divino manjar ...

Canta o beato, morto de inveja do rnspo Sardinha comungado pelos

Caetes."

Utopia S elvagem

(10)

INTRODU<;:AO

Este trabalho pretende realizar uma reflexio musical de uma obra inicialmente chamada de 6pera Caipira, composta por mim a partir de urn libreto que enfoca aspectos da cultura do caipira. A composi~iio desta obra musical foi calcada em pesquisas acerca dos ritmos e generos das musicas ca.ipiras e da cultura de tradi~ oral do homem do campo. Alem dos elementos das matrizes musica.is e culturais acima indicadas, esta opera tambbn buscou recrii-los, fundindo-os a uma linguagem musical mais moderna1

A partir da mescla de instrumentos de uma orquestra tradicional com alguns instrumentos utilizados em festas populares, concebi uma nova forma~o que designei orq11estra caipira. Alem da fusiio de linguagens, no processo de composic;iio desta opera incluiu-se intencionalmente citac;6es de alguns grandes chissicos da musica caipira como forma de homenagea-los. Uma pequena ideia musical, qual urn mote, permeia toda a opera, e, alem dele, a musica T ristezas do Jeca, de Angelino de Oliveira, e recorrente em todo o Musical.

A reflexio sobre este musical ate aqui chamado ''6pet:a

caipira"

inic:ia com a

apresenta<;iio do conte>.-to em que sua composi~o foi realizada. Para isto, no primeiro capitulo realizamos uma breve apresentac;iio de seu compositor para que se conhec;a algumas de suas

influ&ncias musicais, bern como do lib:retn, materia-prima da composi~o, e de seu autor.

No segundo capitulo discuriremos o conceito de opera e de outros generos musicais com o intuito de situar a opera caipira frente a generos ja existentes, ou ao menos aproxim:i-la destes. Contrapondo-a com o que j:i existe poderemos defini-la com mais clareza.

Posteriormente, no terceiro capitulo, trataremos do processo de composi~o e veremos com mais detalhes as matrizes musicais urilizadas na confecc;iio da obra. Neste momento seci apresentado urn pouco do material que foi utilizado como referencia para a composi~o.

t Entenda-se poe modema uma linguagern que incorpore elementos de diversas epocas e estilos, como

e

hoje a

(11)

0 quarto capitulo tenta expor 0 processo de composicyiio da opera apresentando as composic;:oes e as raz6es das escolhas das rnatrizes e dos timbres elegidos para cada personagem.

Esperamos com este trabalho apontar alguns caminhos de reutiliza<;iio de materiais que

temos is nossas mios, e ao qual nem sempre damos a importincia de\rida.. Para isto usaremos

como exemplo a insercyiio de elementos da nossa cultura popular em urna criac;iio que pretende um disranciamento desta raiz sem, no entanto, prescindir dela.

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CAPITULO I

Este capitulo inicia com uma breve apresenta~ao do universo caipira, pano de fundo da hist6ria do libreto e fonte de algumas das principals influencias do compositor do musical Em seguida.,

e

feita uma apresenta~ao do compositor e narrada a ocasilio que ttou.-.ce a oportunidade de composi~ao deste ttabalho. Finalmente,

e

reabzada uma apresenta~ do libreto2 e de] ehovah Amaral, seu autor.

Bem Antes do Comes:o

0 Brasil

e

um pais que apresenta inumeras peculiaridades que chamam aten~o de seus estudiosos. Urna delas

e

a unidade da lingua conquistada ao Iongo de sua fo~ao hist6rica Isto nos possibilita viajar do Oiapoque ao Chui sem nos desdobrarmos para falar outro idiorna. Outta caracteristica

e

o ttilingulo de influencias culturais que se formou com as ttes etnias que aqui se misturaram : o indio, o branco e o negro.

No entanto, partindo destas uniformidades, foram se criando, por razoes hist6ricas e socials, nuan~as que fizeram com que a chantada cultura nacional fosse sendo formada por culturas diversas marcadas por recortes regionais que continham em si parte da cultura nacional e, ao mesmo tempo, caracteristicas inerentes

a

propria localidade.

Estas peculiaridades nos f:azem diferenciar elementos culturais que fizeram com que alguns autores, dentte eles Jacques Lambert e Maria Isaura Pereira de Queiroz, diferenciassem o Brasil Urbano e o Brasil RuraL Olhando para dentro deste Brasil Rural, percebemos profundas

diferen~as dentro de um estado de semelhan~ entre o rural sertanifo, o rural caipira, o mral dos pampas, o rural seringueiro. Esta diversidade cultural regional fez com que cada regilio ganhasse

configura~oes pr6prias.

Alguns autores, com aguda perspic:icia, olharam para estes peda~os do pais e

ttataram-nos como universos culturais disrintos. Antonio Candido dedicou uma extensa pesquisa a um desses tipos regionais, mais especificamente ao tipo que

e

o nosso objeto de estudo: o caipira.

(13)

processos historicos e sociais da coloniza<;iio do Sudeste brasileiro, a fortna<;iio de uma cultura caipira, fruto inicialmente da miscigena<;iio do branco pottugues com o indigena brnsileiro e mais tarde com o negro africano.

0 processo de forma<;iio desta cultura se confunde com a propria coloniza<;iio do Brasil. Bandeirantes abriam frentes no interim que posteriormente eram ocupados por pequenos agricultores que, aos poucos, foram fundindo a sua maneira de viver com a dos povos que ji babitavam a terra. Assim, foi se moldando urna cultura peculiar em seus virios aspectos: culin:iria, lingua, costumes, valores, tecnicas de trabalho, etc.

Antonio Candido nos elucida a este respeito ao perceber que alem da devasta<;iio e da preda<;iio o bandeirismo ttouxe consigo :

• determinado tipo de sociabilidade, com suas formas proprias de ocupa<;iio

do solo e determi~o de rel~aes intergrupais e intragrupais. A linha geral do processo foi determinada pelos tipos de ajustamento do grupo ao meio, com a fusiio entre a heran<;a portuguesa e a do primitivo habitante da terra; .. ." (Candido, 1975: 36)

Antonio Candido mostra detalbadamente que os modos de obten<;iio dos meios de subsistencia aparecem como forma social organizada de atividades, criando-se uma rela<;iio entre a sociabilidade do grupo e as formas de se obter aliraento. 0 autor afirrna que existem "mlninlos vitais de aliraenta<;iio e abrigo e mlninlos sociais de organiza<;iio (Candido, 1975: 25)" e que todo equiliorio social depende da equa<;iio destas duas determinantes. Assim, se

entrelas:am aspectos biol6gicos, econOrnicos, hldicos, religiosos e sociais a partir da

manuten<;ao da subsistencia.

Estes sao alguns dos aspectos que Antonio Candido identifica como as bases e as origens da cultura caipira. Ap6s o ciclo dos bandeirantes, no seculo XVII, virias transforma<;oes s6cio-econ6micas interferiram naquelas solus;oes mlninlas que mantinbam a vida daquelas pessoas de Sao Paulo, Minas Getais, Goiis e Mato Grosso. Surgiram fazendas,

2 A c6pia do libreto se en contra no AntOaJ I.

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miio-de-obra escrava, equipamentos e re~oes econ6micas mais intensas. PorCm, a cultura caipira persistia na figw:a de sitiantes, posseims e agregados. A defini<;io plena do modo caipira de subsistencia e sociabilidade vinculou-se aos bairros rurais.

Antonio Candido aponta que a esttatifica<;io pmduziu algumas mudan<;as na ordem de

rela~6es pois as vilas e fazendas abastadas romperam o circulo da economia fechada. Os propriecirios de fazendas de cana, gado ou cafe Ji,oavam-se ao mercado tomando-se vulneciveis a suas altera~oes (Candido, 1975: 79). Os costumes, a fala e o grau de rusticidade fizeram desta categoria, freqiientemente "participante mas nem sempre integrante da cultura caipira, considerada nas suas formas peculiares (Candido, 1975: 80)". Desta forma as

diferencia~oes culturais e economicas entre sitiantes e fazendeiros foram se adensando e sendo

refor~adas com os latifilndios e a espo~iio dos propriecirios menores.

A cultura ttadicional foi marginalizada, tomando-se urn sistema de vida daqueles niio incorporados its formas mais desenvolvidas de produqiio. E nesse universo que se constitui e se reproduz uma cultura da qual faz parte o que chamam de mrlsica caipira.

Raizes

Tive uma infi.ncia bastante proxima deste mundo caipira. Cresci em uma cidade do Sui de Minas Gerais e, desde pequeno, o contato mancido com o mundo rural foi por demais intenso, propiciando-me a oportunidade de presenciar festas populares e acompanhar nos pormenores o ritmo da vida do campo.

Mesmo morando em uma cidade e estando sob os auspicios e influencias do meio urbano, sentia uma predisposi<;io inata em conhecer mais de perto as manifestaqoes culturais do povo do campo. Aprendi com isto a ter uma rela<;iio de respeito e admiraqao para com

est e.

Musicalmente, vivia sob algumas influencias que foram decisivas para minha forma<;io: a Musica de Concerto, a MPB e o Rock que meus irmiios gostavam e que aos poucos fui

aprendendo a gostar. Tam bern absorvi o som das festas populares que sempre se fizeram presentes na infi.ncia.

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Desta rnaneira, desde cedo aprendi a perceber que o povo do campo,

a

revelia de ser tratado como povo

a

margem do sistema, tinha, ao contcirio, uma maneira singular e assaz profunda de ser, representar e se relacionar com o mundo. Uma cultura resistente que aos poucos foi assimilando, ao seu modo, caracteristicas da cultura urbana e tambem deixando nela impressos os seus tra~os fortes e marcantes.

Ja adolescente, sob a influencia da MPB dos anos setenta, aprendi a tocar violao e aos dezenove anos fazia parte de urn grupo musical que primava pela pesquisa das matcizes musicais ainda existentes na regiio como Catira, Congado, Folia de Reis, dentre outras.

As influencias da MPB, elaborada, com suas harmonias dissonantes que me atraiam, foram muito marcantes, pois eu tocava violao. Milton Nascimento, Noel Rosa, Elis Regina, Chico Buarque, Gilberta Gil, Edu Lobo, Tom Jobim, Joao Bosco, o Pessoal do Ceaci, Nara Leao, Bethania, Toninbo Horta, Ivan Lins, Gonzaguinha, todos eles faziam parte do meu repert6rio e desde muito cedo eu ja gostava de tirar as musicas destes canto res e compositores.

A cada mUsica tirada urn mundo novo se abria

a

minha frente, embora eu nada entendesse da harmonia, das suas regras e de seus procedimentos. 0 ouvido foi meu ptimeiro professor.

Por outto !ado, havia uma musica truUS simples em sua estrutura, que participou

intensamente de minha vida. Era a musica que tocava no radio de manhii, na hora do cafe, antes de ir para a escola - no programa do Ze Betio. Apreciava ainda as festas de Folia de Reis,

de Congado, de Quadrilha, com suas melodias desenhadas a partir de uma extrema simplicidade.

Hoje percebo que esta m1lsica, de maneira muito subjetiva, conttibuiu para que eu desenvolvesse uma concep~ao estetica propria. Nesta musica simples, percebia mrus a for~

que a plasticidade, mais a simplicidade que a elabo~. As vezes ela era :ispera, rustica, mas sempre chegava aonde queria. Hoje entendo que, como no hexagrama 22 do I Ching, "A Graciosidade", a fo~ deva vir antes que a beleza. Como a graciosidade, a beleza

e

uma coroa<;iio.

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Aquela simplicidade rustica, imperfeita, trazJa em si uma fuq:a. Esta fon;a foi detenninante na minha vida e na busca de wna maneira propria de compor. Aprendi que antes de ser belo, o ttabalho precisa ser forte.

Surge uma Grande Oportunidade

Quando ingressei no Curso de Musica da Unicamp, na modalidade composi<;ao, ji vinha exercendo o oficio de mU.Sico profissional. A duras penas, conseguia viver do meu trabalho musical Ate entiio, quase tudo que tinha composto eram cans;oes; poernas musicados. Em algumas oportunidades havia mosttado algumas de minhas cans;6es

a

professora Niza Tank. Certo dia, apos wna aula, ela chegou a mime disse ter em mios um libreto escrito por ] eovah Amaral, poeta de Capivari, regiii.o proxima a Campinas. Niza perguntou se eu gostaria de compor algo que se assemelhasse a wna Opera Caipira3 Assustado e desconfiado, fulei que precisaria pensar. Parte da duvida e desconfians;a surgiram por eu nao acreditar, naquele memento, em minha capacidade de realizar urn ttabalho de tal envergadura.

Com o libreto em mios, comecei a perceber a densidade proposta por Jehovah Amaral, seu autor. Foi quando resolvi que gostaria de tentar realizar o trabalho de composi<;:iio da "opera" proposta por Niza Tank

0 Libreto

A estrutura do libreto assemelha-se

a

dos romances mediev-ais, presentes na nossa cultura attaves da !iteratura de cordel e de quase todos os generos da musica caipira, ou seja, Jehovah Amaral niio tomou como base a estrutura de uma opera tradicional. Por outro !ado, a apresenta<;:iio constante de arias, quase sem wna a<;:iio explicita, coloca o libreto mais proximo de urn material de opera barroca.

A est6ria narrada no libreto se passa em urn arraial T rata de amores e contendas entre colones e fazendeiros, conflitos pela posse de terra e algumas festas caracteristicas da nossa

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regiao, como o Cururu, a Folia do Divino, a Quadrilha e a Procissao. 0 sentimento lirico e brejeiro

e

percebido em alguns dos personagens.

Jehovah Amaral concebeu sua est6ria centrada em urn narrador, urn violeiro cego, que

sempre abre a ac;ao dos personagens com versos, como se a ac;io se inicia.sse em seu

comencirio, e deixa a conrinuidade da aqio para a aria dos respectivos personagens. Todo o libreto, com suas ttinta e tres arias, foi esctito na rnais pura tradic;iio dos romances: redondilha rnaior e versos octossilabos.

Gostatia de fazer urn pequeno comentirio a respeito da contagem silibica dos versos. Acatando a sugestio do professor Romildo Sant'Anna, adotamos aqui o sistema mettico espanhol para a contagem sihibica das redondilhas. Esta decisiio surgiu a partir de uma conversa informal em que o professor teve oportunidade de explicar que no Brasil foi adotado

0 sistema metrico frances, 0 qual refere-se a uma lingua predominantemente oxitona: 0

frances. Na lingua portuguesa, assim como na espanhola, predominam as palavras paroxitonas (em tomo de 65%) e tendemos, na lingua falada, a "paroxitonizar" as palavras oxitonas e

proparoxitona.s. Deste ponte de vis~ em urn verso a redondilha maior cont:aci. com oito, ao

inves de sete silabas.

Jeovah Amaral

Agora vamos conhecer urn pouco a respeito do autor do libreto.

Jehovah Braz do Amaral

e

natural de Capi.vari, interior de Sao Paulo, e conta , hoje, com 78 anos de idade. Reside em Campinas desde os vinte e seis anos e relata que conviveu desde crian~a com festas de Batuque e desafios de Cumru, muito comuns em sua cidade. 0 primeiro estimulo a uma vida arcistica se deveu a intensa presen~ dos Ci.rcos de Cavalinbo, como eram chamados os circos de antigamente que reuniam circenses, rodeio e cantores sob a mesma lona. A poesia ji se fazia presente em sua vida desde a in&ncia e urn dos seus primeiros emprego foi o de jomaleiro. Segundo ele, dai para come~ a escrever poemas e publici-los no proprio jomal que entregava, foi urn pulo.

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Vindo a Campinas, conciliou a vida de comerciirio e, vez ou outta., pubhcicirio, ao seu

ji existente pendor artistico. Com~ou a escrever e atuar em cidio-novelas, apresentar prog:ramas de audit6rio e montar roteiros para prog:ramas de milsica sertaneja. Escreveu o sucesso Zulmira, Todos Nos, cidio-noveh dirigida por CJeber Afonso.

Surgiu-lhe, em um determinado momento da vida, um convite para atuar em um filme que estava sendo rodado em sua terra natal. Durante a gravac;iio, tomava a hcen~a de melhorar ou recriar as frases de seu script.

Toda a conVlvencia com o me1o deu suporte para que escrevesse o seu pr6pno argumento. Escreveu o roteiro de Mais Vale Quem Deus Ajuda e 0 Conto do T/{gario, este ultimo contou com a parricipa~ao de Nalva Aguiar e Barros de AT en car. ] ehovah fazia o papel de um personagem que homenageava Mazzaropi, era o Mais Xarope.

Com e>."trema simpatia e desenvoltura trabalhou em oito filmes, manteve a coluna jomaliscica Catucando com Vara Curta com o pseudonimo de Ze da Vara e criou uma extensa obra poecica tendo publicado iniirneros livros.

A respeito da iniciaciva de escrever a Opera caipira, Jehovah conta:

·A ideia de escrever uma opera com tematica caipira foi uma forma de me lembrar de um sobrinho que faleceu ainda jovem. Ele gostava muito de 6pero e de moda de viola por achar que os dois generos tinham um argumento, contavam

uma est6ria. ..

Em 1992, ap6s conversas com a professora Niza Tank, Jehovah realizou a empreitada e escreveu Cheiro de Mato e de Chiio4•

mostrar nao se tratar de uma Opera Caipira.

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CAPITuLO II

Este capitulo subdivide-se em duas partes. Na primeira parte procure descrever quais foram os pacim.etros que usei para definir como e o que eu comporia. Na segunda parte, contraponho a minha cria~iio

as

modalidades ja existentes de dramas musicados na tentativa de defini-la enquanto genero.

0 Come~o de Tudo

Num am de realizar o trabalho, mal relida as arias, comecei a compor. Na medida em que ia compondo, fui percebendo que diante de tal quantidade de ternas, em pouco tempo eu estaria me repetindo e me copiando.

Resolvi entiio recome~ar. Descompus o que havia feito, sem no entanto desperdi~ar

algumas boas ideias que haviam surgido. Em seguida optei por aumentar o meu repert6rio sobre o assunto. Abri gavetas atcis de velhos cassetes de pesquisas que realizei em outras epocas: pesquisas de festas de Folia de Reis, Congadas, Catiras, Mo~biques, Catopes, Vil6es, Caiap6s, Batuques, Marujadas, Romances, Calangos. E revirei minha prateleira de discos (vinil,

e

claro) atcis das duplas caipiras e festas populares.

Na medida em que ia percebendo que algo me faltava, contatava amigos musicos e amigos pesquisadores que prontamente me mandavam cassetes ajudando a completar o meu repert6rio de pesquisa.

Niio me esque~o de urna viagem para Minas em que o onibus parou

a

noite em um bar de beira de estrada e ali na parada havia um camel& vendendo fitas piratas de musica caipira. Tudo o que eu niio tinha de "Tiiio Carreiro e Pardinho", ''Liu e Leu" e ')ac6 e Jacozinho", ali

enconttet.

Finalmente, em posse do material, comecei a audi~o e mapearnento do mesmo. Durante seis meses, o que fiz foi escutar, pois senria que enquanto eu niio inttojetasse os elementos daquela musica, tudo o que eu compusesse tenderia a soar artificiaL

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Definindo Caminhos

Definir pacimetros foi fundamental De nada adiantaria eu compor uma Foha do Divino tal qual ela e cantada na rol"'- Soaria, no minimo, estrlUlho. 0 que me propus a realizar com este Musical nilo foi um arremedo da tradic;iio, o que soaria vazio. Estas matrizes da cultura popular, comumente chamadas de festas folcloricas, silo manifesta~6es da identidade de urn grupo social, silo festas dotadas de um sentido comum seja ele religiose, hldico ou identicirio. Este "sentido" torna muito diferente um congado realizado pela irmandade dos negrus de Lambari (MG) e uma festa de congos realizada porum gtupo para-folclorico. Cada uma dessas realiza<;oes tern sua razilo de ser: a primeira faz parte da vida socio-cultural de urn gtupo social; a segunda tenta ajudar a resgatar ou niio deixar perder a tradic;iio cultural de um Iugar. A primeira e viva e a sua gradativa transforma<;iio est:i na ordem das possibilidades pois ali a principal preocupaqilo

e

com o conteudo da festa, o que interfere em sua furma. A segunda

e

uma festa da estecica, onde a reprodU<;:ilo de forma recolhida em determinado periodo e em determinado Iugar

e

a principal preocupac;iio. Arremedar a tradic;iio na composi<;iio desta opera seria unicamente uma preocupac;iio em reproduzir a forma. E niio era esta minha intenqiio. A salda que encontrei foi pin<;ar elementos fundamentais de sua estrutura, forma e estetica

Alias,

o maior empecilho que encontrei para compor esta opera

caipira

niio foi a quantidade de musicas nem qualquer outra coisa.. Para mim, a definic;iio estetica do que vinha a sera mtlsica caipira e a mtlsica tradit:Wnaf, e ate aonde eu pretenderia me utilizar delas, foi a parte mais diffcil.

Ten tar en tender e assimilar este conceito foi minha tare& mais penosa, pois ambas silo frutos de miscigenac;iio, ambas silo antropofigicas e incorporam, de tempos em tempos, novos

elementos e conceitos

a

sua ordem intema,

a

sua estrutura..

A Miisica Caipira, desde sua primeira gravaqiio, em 1929, com Cornelio Pires ate o estrondoso sucesso de Leo Canhoto e Robertinho nos anos setenta, esbarrou e assimilou cada novo genero musical que entrava no Brasil, das Guacinias ao Ieieie.

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A riqueza ritmica destes segmentos musicais com os quais eu estava trabalhando era enonne o que me petmiriu dar a cada personagem uma marca ritmica. Inspit:ado no principia de Richard Wagner, do kit motit;, pequena ideia mel6dica que patenteava cada personagem, optei por caracterizi-los atraves dos ritmos: urn ritmo que designava urn genero, que por sua vez designava um comportamento.

Tendo a est6ria de alguns personagens centt:ais, resolvi caracterizi-los com diferencias:oes que os definissem e que delimitassem seus tmiversos. Por exemplo:

Ze do Eito

e

m01=o forte, colono que lab uta e sua na enxada.

J

amais poderia pensar nele com urn ritmo delicado como uma Mazurca'- Seu personagem pedia urn ritmo mais marcado, forte, porem melodicamente exuberante para real1=ar seu temperamento alegre e benevolente. Desta maneit:a, nada mais adequado que urn Conga.do. Ji a Mazurca caiu bern em sua irma, menina brejeira com um certo ar de melancolia.

Tambem relacionei um rimbre a cada ritmo. Assim, cada personagem ficou com duas

marcas: o ritmo e o timbre.

Em rela~o ao rimbre, de inicio me ocorreu uma duvida: quais instrumentos urilizar nesta orquestra? Ap6s muito conversar com amigos e professores e ouvir a todos, optei por nao acatar nenhum, pois todos me apontaram, na realidade, o que eu nao deveria usar. Percebi que a escolha passava integralmente por uma defini<;ao pessoal

Optei por uma solus:ao antropof.igica: a mescla. No Iugar do naipe das cordas, que comp6e magistralmente a cama por onde passeiam os solos, coloquei dois acordeoes. Na busca de um instrumento de orquestra que ttouxesse em seu som um pouco do campo, encontrei a requinta', vez ou outra usada em festas rut:ais por ser urn instrumento de banda; e banda era o que anrigamente toda pequena cidade tinha.

s T oda a mUsica ligada a manife~Oes populares, a mU:s.ica folcl6rica, ou ainda as matrizes.

6 Ritmo advindo da Europa e largamente tocado nas cones nos sckulos XVlii e XIX Constirui-se de urn terruirio

como apoio no segundo tempo.

7 Posteriormente, Cyro Perei-ra me convenceu a usar o clarinete por sua maior tessirura e fucilidade de ser

(22)

Era preciso pensar em uma instrumenta<;ao que fosse viavel. Escolhi duas flautas, urn clarinete, dois acordeoes, uma rnbeca, um bandolim, duas violas caipiras, duas percussoes, um contrabaixo e um violao. Ao violao designei niio pertencer a nenbum personagem. Como o personagem do cego de J ehovab Amarnl, que amartava a trama, o violao era o elemento neutro que clava, antes de mais nada, sustenta<;ao harmonica iis can~oes. Assim, com tteze instrumentos vi montada o que chamei de Orquestra Caipira.

A partir dai, foi so compor. Niza Tank ansiava por montar a 6pern caipira. Parn acelerar meu processo e atende-la, contei com a val.iosa ajuda de amigos: Alexandre Lunsqui dividiu comigo a orquestra~ao de quase toda a Opera. Fred Cavalcante fez o arrnnjo da primeita interven<;ao do narrador, das primeiras arias de T udica e de

J

oao Lau. Budi Garcia fez o arrnnjo da aria do encontro de Anati.lia com Adelaide e do Mestre Carreiro. Omar Fontes JUnior compos a Ladainha parn Sao Joao e dividiu comigo a parceria da aria do Mestre Carreiro, do Mestre Berrnnteiro, da aria Anati.lia e Adelaide, e da segunda aria de Tiao Madeira.

Alem das trinta e tres arias, tambem compus tres temas instrumentals para permearem

os acontec1111entos.

Ser ou Nao Ser, Eis a Questiio

Antes de comec;:ar a situa.r aonde se encai."Xa ou nio se encaixa o meu trabalho,

e

preciso

que primeiro eu o apresente em sua estrutura.

Em um texto operistico, um libreto, a tonica literaria

e

centrada na cria~ao de dcilogos

e encontros entre os personagens, o que, po:r sua vez> determina uma a<;[o. Esta tl[Oo dnica

e

o

centro do desenvolvimento de toda a opera.

Quando um autor escreve um libreto, a estOria

e

desenvolvida de maneira que a a<;ao dram:itica se tome esponcinea, especialmente quando o libreto privilegia, vez ou outra, a

linguagem

coloquial em detrimento da poem:itica para favorecer esta a~ dram:itica.

0 trabalho que chamo de Opera Caipira foi composto a partir de um libreto que, na sua forma estruturnl, acabou delineando todo o trabalho da composi~ musical. Neste libreto

(23)

encontramos uma carencia de dillogos musicais. Toda a a¢o dratruitica se desenvolve a partir da presen<;a de urn violeiro cego que fuz o papel de narrador, e talvez eu pudesse dizer amarradar das cenas. Assim, a intediga9ao e sempre fcita fora da a¢o dratruitica.

0 libreto seria entil.o urn apanhado de poernas que se transformaram em arias. Estas, por sua vez, necessitam da presen<;a de urn elemento externo, no caso o narrador, para poder criar a a¢o dratruitica.

A constincia de versos octossilabos nos remetem a uma estrutura muito an riga, para nao

dizer medieval, que chegou ate nos atraves dos romances.

A origem dos romances e atribuida, segundo Oneyda Alvarenga,

a

epoca inicial da colonizas:io do Brasil "Os romances velhos porf11g11eses datam na stta maiiJiia dos sics. XVI e XVII e diversos sao de origem espanho/a." (Alvarenga, 1950: 263). Camara Cascudo complementa: "Estes romances trouxeram as Jigufl1S c!dssicas do tradicionalismo medievaL" (Cascudo, 1984: 28).

Esta forma se perpetuou no Brasil permeando inumeros generos musicais populates.

Quando as observamos de modo mais amplo, contudo, percebemos que as narrativas

em versos, como os romances, se constituem numa forma universal dos povos, cujas culturas

sao marcadas pelo predominio da tradi¢o oral. Atraves destas narrativas eles contam a sua historia, e transmitem seus valores culturais its gerayoes seguintes.

E inimagiruivel por nos,

letrados, a importil.ncia que tern nas sociedades tradicionais o contador de est6rias, digo, o cantador de historias.

"Nao entra aqui discutir origem do 'romance", do "rimance", a controversia erudita sobre sua tra~(io literal, ampla e historico. 0 que e real e a sua ancianidade veneranda. Todos os acontecimentos historicos est1io ou foram registrodos em versos. Guerras de Saladino, proezas de Carlos Martel. aventuras de cavaleiros, fidelidade de esposas, incorruptibilidade moral de donzelas, sao materiais para a memoria coletiva. SO esse verso anonimo carreou para nosso conhecimento fatos que passariam despercebidos para sempre. A lenda de Rolond, Rold1io, a gesta de Robin Hood, herois da Georgia e do Turquest1io, da Persia e da China, s6 vivem

(24)

porque foram haloodos pela moldura sonora das rimas saidas da homenagem popular. • (Cascudo, 1984: 28).

NW seria a colocaqio dos acontecimentos em versos e rimas uma maneira destes

iletrados contadores de hist6rias estarem facilitando a memoriza~ao dos mesmos? Camara Cascudo chamou este processo de mnemonia.

Camara Cascudo nos elucida quanto a origem e condi~iio deste conta®r - cantadqr de hist6rias, dizendo ser este o descendente do aedo da Grecia, do rapsodo ambulante dos helenos, do glee-man anglo-saxao, dos moganis e mettis irabes, do veJadica da India.

E

quem canta a hist6ria da regilio e a gesta rude do homem.

E

a est6ria portuguesa, a

'-"-=

recordadora.

E

o registro da memoria viva, a voz da multidiio silenciosa, a presen~ do passado, o vestigio das emo~oes anteriores, a Hist6ria sonora e humilde dos que niio tern hist6ria.

E

o testemunho. Ele, analfabeto e bronco, arranhando a viola prurutiva, pobre de melodia e de efeito musicaL Por toda a parte encontramos, ao Iongo da hist6ria, aquele que, atraves dos versos e da mtisica, conta a saga de seu povo (Cascudo, 1984: 126). Camara Cascudo continua:

• Curiosa

e

a figura do cantador. Tem ele todo orgulho do seu estado. Sabe que

e

uma marco de superioridade ambiental, um sinal de ele~o. de supremacia, de predominio. Pauperrimo, andrajoso, semifaminto, errante, ostenta, num diapasao de consciente prestigio,

os

valores da inteligencia inculta e bravo mas senhora de si, reverenciada e dominadora: (Cascudo, 1984: 127).

Assim, tendo a acreditar, conhecendo o libretista, que sua principal fonte de inspira~o

foi a mais pura intui~o que talvez tenha trazido em si, inttojetados, a forte presen~ do romance e das narrativas de povos diversos, cuja presen~

e

fort:issima na musica caipira atraves dos diversos generos nela existentes.

A forma normalmente

e

o pacimetto primeiro para situarmos uma obra. Conhecer sua esttutura

e

dar urn passo rumo ao entendimento de seu significado.

(25)

Na tent:ativa de melhor entender o meu trabalho, procurei obras e generos ji existentes e pus-me a investiga:r onde melhor situi-lo. Buscando as modalidades que fundem teatro com musica e dan~ comecei minba busca. Tento, port:anto, localizar o espa<;o onde este musical se acomode da melhor forma.

Agora apresento algumas modalidades de drama musicado que encontrei, no intuito de contrap6-las com a minha cria<;ao para assim tent:ar definir melhor est:a obra que chama de opera

caipira.

Como hem nos ensina N eyde Veneziano, para conceituarmos e definirmos o que vern a ser o trabalho que aqui apresento, seci necessirio:

Opera.

"( ... ) comparci-lo a sistemas dramarurgicos afins. A compara<;Cio tem o

intuito de ajudar a perceber e contextualizar8 nitidamente o objeto estudado e chegar a uma posterior conceitua<;Cio do mesmo (Veneziano, 1996: 14)."

Come<;arei trat:ando do rnais proeminente de todos os generos de drama musical, a

Todo trabalho musical tende a se situar em

algum

Iugar (estilo, genero, epoca). Quando falamos de

opera,

nos referimos a uma modalidade musical que busca incorporar

a

sua estrutw:a, elementos de diversos segmentos artisticos como a musica, o teatro, a dan<;a e as artes plisticas. Stanley Sadie diz que:

"opera

e

a unii!io

de

musica, drama e espetaculo e tem ganhado formas diversas ao Iongo da hist6ria e diferentes conce~aes que variam com o pais onde

e

criada

(Sadie, 1980: 544)"9•

A partir de uma primeira concep<;iio de opera, concep<;iio esta oriunda do Barraco, a criatividade humana atraves dos tempos foi gerando forrnas e modalidades diferentes de 'operas' que por sua vez acabaram por se constituir em um novo estilo. Da 6pera, forma

s Grifomeu.

(26)

maior do drama musical,

a

opereta, burlesca, teatro de revista, entre outros generos e estilos, muitos caminhos foram percomdos.

E

interessante obse:rvar que muitas vezes as pr6prias condi~oes objetivas para a rea.liza¢o do espeticulo, podem dar origem a urn novo segmento, uma nova modalirlade, do objeto tmtado. Pensemos, por exemplo, que urn espa~o limitado, o palco, pode induzir a uma

altera~ao da forma desejada, criando ai modifica~oes que acabariio por constituir urn novo genero. A propria questao rla lintita~ do tempo para a apresenta~, a disponibilidade de musicos e insttumentos,

as

vezes ate 0 foco rla potencialirlade dos artistas que secio usados na preparac;ao do espeticulo contribuem para isto. Sem contar a propria op<;ao ideol6gica, estetica, intelectual de se estar criando uma nova forma ou genera. Isto nos leva a pensar que uma obra acaba conquistando sua singularidade atrnves de suas e.'<ce~6es, attaves do que ela nao e em relac;ao ao ji existente.

Na comedia antiga, grega, presenciamos a seguinte esttuturn: em urn pnmetro ato temos 0 que se chanta, de Agon, que e uma luta, urn debate. No segundo ato, uma serie de

esquetes, do ingles sketches, que esclarecem o sucesso da a<;[o desenvolvida no primeiro ato (Brandao in Veneziano: 1996: 18).

Ai, ji presenciamos a dualirlade estetica que permeou toda a arte musical, qui<;i torlas as artes, ate o final do seculo passado. Creio que esta situa<;iio seja uma sintese do drama da existencia humana, a experiencia ttazendo o entendimento para o constante ampliar rla consciencia. Esta rela<;[o tese - antitese se manifesta musicalmente na rela<;[o dominante -tonica. Esta ideia, problemas apresentados - problemas reso/vidos,

e

a diretriz que governa torla a concepc;ao deste musical brasileiro.

Este musical se aproxima rla opera no momenta em que OS mon6logos e diilogos sao

apresentados sob a forma de drias. A estruturn concebida por Jehovah para este musical era quase tota!mente desprovirla de ac;ao dramitica. Para minimiza.r esta carncteristica, acatando uma sugestiio de Niza Tank, criei interludios musicais para manter urn ou mais personagens no palco enquanto uma aria fosse apresentarla. Com isso consegui criar a a<;[o dramitica esperada.

(27)

:E

sabido por nos que a opera

e

uma pan-arte, uma congrega9io de diversas modalidades artisticas. Neste musical pretende-se uma abrangencia das diversas faces da cultura caipira como a miisica, a dans;a, a culiruiria, a religiosidade, os autos. A presens;a de uma pes;a de abertura tambem 0 faz semelhante it uma opera.

Por outro, !ado este musical brasileito trabalha a partir de uma forte as;ao vocal popular, se distanciando assim dos moldes de uma aS:O.o vocal lirica. Esta as:iio vocal lirica tratatia a obra sob uma perspectiva mais melodica, ao passo que a aS:O.o popular, mais proxima de urn genero epico, datia urn enfoque com mais enfase ao aspecto ritmico.

Agora, apoiado em Neyde Veneziano, contraporei este musical com outras modalidades do teatro musicado para en tender melbor as semelbans;as e diferens;as entre eles.

0 Musical guarda tambem alguma correspondencia como teatro de revista. Contudo, os elementos que marcam as diferen5as sao infuneros. Uma

retista

se inicia com a entrada secionada dos integrantes do drama musical Nao entram todos de uma vez. Uma vez que o termo revista vern de revisitar, olbar para o que acabou de passar, o Teatro de Revista trabalha com ternas da atualidade, com uma sucessao de quadros bern distintos, constanternente com inten5iio c6mico-satirica e uma rapidez presente no ritmo das cenas onde "o ritmo wrtiginoso

e

condi~iio bcisica do texto e da ence~Cio" (Veneziano, 1996: 28). A musica niio precisa, necessariamente, ser composta para a cena e ocorre, vez ou outra, uma alternancia de melodias novas com antigos exitos populares. 0 T eatro de Revista trabalba no dominio dos costumes, da moda, dos prazeres e principalmente da atualidade (1996: 28). Talvez a Unica sernelbans;a esteja na uriliza5ao do compere - narrador para viabilizar, its vezes, a as:ao dramitica.

Nao se trata ainda de um Fietie porque nao se rernete

a

estorias fa.ntisticas, nem its fadas (do frances fte). Ou seja, nao eo que conhecernos por mtigica, que

e

um tipo de espeticulo com um enredo primordialmente calcado no sobrenatural, no fa.ntistico (Veneziano, 1996: 27).

Se afasta tambem do Teatro de V ariedades -Cabaretb, Cafe Concerto, Music Hall - na medida em que se propoe uma estotia mais longa, onde nem sempre uma aria adquire vida proptia fora de seu contexto. 0 Teatro de Variedades se aproxima mais de uma brico!agem de

(28)

esquetes, danc;as e can<;oes que almejam ser urn especiculo unico sem, no entanto, priorizar a unidade e contigilldade das partes (Veneziano, 1996: 24).

0 musical brasileit:o em foco neste trnbalho passa Ionge do V

=deville

que

e

uma est6ria centtada em complicadas intrigas baseadas em coincidencias de cariter extraordiruirio. Neyde veneziano diz que o V =devil/e se baseia no quiproqu6 e no equivoco, onde sao freqiientes as burlas, o enganos, os golpes (Veneziano, 1996: 23).

Nem tampouco

e

uma Bttr!eta, descendente direta da Comidia deU'Arte, que

e

uma comedia de costumes curta e musicada (Veneziano, 1996: ??).

Espero ter conseguido definir em parte o que vern a ser este musical por rmm compos to.

(29)

CAPITULO III

As Matrizes

Neste capitulo tratarei das fontes utilizadas para a composis:io do Musical brasileiro em foco. Conforme ja mencionei anteriormente, chamarei de matriz a todo o material que serviu

de suporte

a

composis:io do Musical, quer seja ela uma musica folcl6rica, quer seja urn genero que se derivou desta modalidade folcl6rica, como a chamada mri.ffi:a caipira. 0 Folclore sendo a base onde tudo se fundamenta. Tudo o que temos na nossa musica, inicialmente, tern sempre uma raiz ulterior, nem que seja urn pequeno componente daquela ou desta estrutura ritmica.

0

Folclore

Gostaria inicialmente de expor o que compreendo por "folclore", e para isto me apoiarei em Maria Isaura Pereira de Queiroz (1976). Esta aurora a.firma que o termo "folclore" e urn tipo especifico de fa to social e cultural que diz respeito

as

comunidades 10

ou grupos de pequena extensao demogcifica. 0 fato folcl6rico traz algumas caracteristicas importantes, entre elas a de refor<;ar ou fortalecer a identidade e personalidade dos pequenos grupos.

0 fato fold6rico guarda como caracteristica marcante o fato de ser "tradicional", compreendendo-se por "tradis:io" a transmissao oral ou atraves de exemplos, por longos espasos de tempo, de doutrinas, lendas e costumes (Queiroz, 1976: 125).

"Muito embora sua origem se perca no passado, o fato folcl6rico permanece vivo, na medida em que homens e mulheres continuam a exerc€-lo em sua vida cotidiana, na medida em que desempenha uma fu~O.o dentro dos grupos de media e pequena envergadura, dentro dos quais surgiu e continua a surgir (Queiroz, 1976: 126)'.

10 0 termo "comunidade~

e

usado pela autora como unidade social com pequena variedade de subgrupos e

divisOes de tarefas e em cujo interior as rel~Oes entre os membros sio pessoais, diretas e afetivas (Queiroz~ 1976: 124).

(30)

0 que chamamos de folclore existe no interior de uma cultura, de culturns que se cruzam e que representam categorias sociais. Sao mementos em que configuram furmas de cria~ao: popular, coletivizada, persistente, tradicional e reproduzidas atraves dos sistemas comunicirios niio eruditos de comunica<;ao do saber.

Percebemos a1 que o folclore niio

e

im6vel e que ele pode existir em cada pequeno ou grande "sinal" do folclore, em diferentes mementos, situa~oes e significados na cultura (no todo da cultura de que siio urn modo e uma parte) e para a vida das pessoas, grupos, classes sociais e comunidades que o criam (Brandiio, 1982: 75). A Folia de

Reis,

por exemplo, foi sucessivamente uma dan~ profana popular, uma dan<;a tomada erudita, possivelmente urn ritmo de dan<;a incorporada a rituais drarruiticos para-litilrgicos, urn ritual devoto de camponeses brnsileiros. Hoje ela existe em mwtiphs situa<;oes diferentes: de mestre Messias a Ivan Linse Milton Nascimento.

Outro aspecto importante, para o qual Maria Isaura Pereira de Queiroz chama aten<;ao, e 0 &to de nas manifesta<;Oes folcl6ricas se entrela<;arem aspectos sociais, econ6micos,

religiosos e ludicos. Dai seu car:iter de &to social e &to cultural, e talvez dal a expressiio "&to folcl6rico" utilizada pela aut ora. Esta caracteristica fica mais clara na aruilise da Folia de Reis realizada adiante.

Em meio a toda esta elabora<;iio e varia<;oes das manifesta<;5es folcl6ricas me permiti "pin<;ar'' elementos que parecessem interessantes para mim naquele memento, ainda que fossem parcelas ou detalhes de uma manifesta<;ao mais complexa, como a catira da Dan<;a de Sao Gon~alo, por exemplo.

A

Musica Caipira

Grosso modo podemos afu:mar que a chamada rnusica caipira, em parte de seus generos, foi urn desdobramento da mlisica folcl6rica: a Moda e a Catira na Dan~ de Sao Gon<;alo; o Cururu que sofreu adapta~oes para entrar no disco. A Catira, por exemplo, e urn mornento de urn ritual complexo, que envolve mais do que musica e dan<;a, que

e

a Dan<;a de Sao Gon<;alo.

(31)

Jose de Souza Martins, em Capitalismo e Tradiciona/ismo (1975) realiza uma aruilise bastante incisiva a respeito das transforma.s:oes ocorridas na mnsica caipira quando ela passou a ser gravada e comercializada em cliscos.

Martins inicia sua aruilise mostrando que por sua origem folcl6rica a mrlsica caipira nunca aparece apenas enquanto mUsica. Niio apenas porque sempre existe urn acompanhamento vocal, mas "porque

e

sempre acompanhamento de algum ritual de religiao, de 1rabalho ou de lazer (Martins, 1975: 105)", como veremos acliante, por exemplo, na descric;:ao da Folia de Reis.

Dai

a clistin<;iio que este autor faz da m1lsica caipira para a chamada mUsica sertaneja, a qual converteu-se em mercadoria, perdendo assim a fun<;ao ritual e deixando de ser uma manifesta<;iio esponcinea de pequenas comunidades caipiras.

Sob nenhum aspecto clivergirei da tiio precisa definic;:iio dada por Martins a esses dois ttpos diferenciados, porem, pr6ximos de mnsica. Tomarei a liberdade de mudar a nomenclatura e usar uma anterior

a

elabora<;Jio do postulado de Martins. 0 que ele chama de musica caipira, chamarei de mUsica .folcltinea, nome j:i desgastado porem ainda muito preciso, conforme vemos na cita<;iio de Maria Isaura Pereira de Queiroz (1976); eo que Martins chama de mnsica sertaneja, chamarei de mUsica caipira, tomando-a como igual

a

mUsica sertaneja. Fac;o isto, pois h:i muito, tanto a mnsica caipira como a musica sertaneja nao sao cliferenciadas enquanto genera musical comercializado em discos.

Diferentemente de Martins, niio vejo como urn mal a conversiio da musica folc16rica dos caipiras em mnsica sertaneja (ou caipira). A comercializa<;iio ajudou, nao s6 na clifusao como permitiu que estes generos se relacionassem com outros advindos de outras paragens, como a Guaci.nia e a Polca; ambas do Paraguai Toda mistura pode ser boa, muito embora se corra 0 risco da total descaracteriza<;iio do genero primeiro. 0 que niio

e

a mnsica brasileira

senao a total fusao dos ritmos daqui com os que aqui aportam?

A vanc;:ando um pouco nesta cliscussao, acho erronea a apropria<;iio do termo musica sertaneja pelas duplas atuais que pouco ou nada conservam da matriz sertaneja a nao ser as

(32)

vozes duetadas. Acharia mais pertinente se chamissemos a este novo genero de romantico ou romint:ico sertanejo.11

A Musica Vista por Dentro

Depois de apresentarmos a musica folclorica e a mfuica cruptra em seus aspectos sociais: sua origem ritual e posterior conversao em mercadoria; gostaria de refletir sobre alguns aspectos de sua forma.

Alguns generos ex:istentes na mustca folclorica sao marcadamente de origem luso-indigena12, noutros percebe-se a influencia negra.

Sob um recorte musical, podemos perceber a ausencia de sincopas nos ritmos caipiras. Quase todos eles sao sempre subdivididos por dois, n3.o dando muita margem para deslocamentos do tempo forte; contririo ao Samba, ao Batuque e outros ritmos que tiveram notadamente a forte presen<;a da ra<;a negra. Por isso acredito que a conttibui<;iio do negro para a forma<;iio de alguns generos da musica caipira nao foi tao e:.:pressiva como a das duas outras etnias.

Toda forma acabada de qualquer manifesta<;ao determina., conseqtientemente, o seu padclo de existencia, a sua estetica. Na mfuica

caipira

e na mUsica folclorica, contingencias e manifesta<;oes de percep<;iio inerentes it propria cultura foram aos poucos moldando urn

padtii.o de se fazer, de se tocar e cantar a musica.

E

sabido por nos que a prosodia musical difere, normalmente, da prosodia gramatical. Quando cantamos, nem sempre acentuamos as palavras nas suas silabas t6nicas. "A tendencia dos povos iletrados

e

a de ter um dominio intuitivo da lingua, ter mais a informa<;iio do espirito

II Se prestarmos aten~ao, perceberemos que o mesmo tern ocorrido com o Samba. Grupos de mUsica rom3ntica se apropriaram do termo Pagode, que €: muito antigo entre OS sambistas. Mais intecessante €: observarmos que estas duas mllsicas: a roll'l2ntica sertaneja e a romintica pagode, convergem para urn mesmo ponto que

e

o de urn

ripo de mUsica romiotica de baixa qualidade produzida nos Estados Unidos. J:i existe at€: uma fusao destas duas: o

Sambanejo.

12 Mario de Andrade (1989) afinna que _P,.nchieta ja se aproveitata do Caterete, dan9< indigena, alterando-lhe os

(33)

da lingua que a informa~ao da propria lingua",

e

o que me explicou o professor Romildo Sant' Anna. Sendo assim, muitas vezes encontraremos na musica cajpira a tentativa de se transformar tanto as proparo:citonas como as o:citonas em paro:citonas. Dificilmente um caipira diz c6rrego, passaro preto; ele possivelmente dici "c6rgo", "passo preto". E tendeci, quando cantar, a duplicar a d~o do som das palavras o:citonas: 'Ouvi as fulas do Laau, como pode alguem ser rnaau, com filhos tao bons assim' (primeira aria de Anacilia). Isto

e

feito para se poder respeitar a pros6dia. Neste caso, sempre que tivermos uma o:citona terminando uma frase poetica, tenderemos a esticar a silaba, fazendo com que ela dure dois, ao inves de um tempo.

Muitas vezes, pelo nao conhecimento do recurso erudito das regras de metrifica~o, os versos se fazem maior que o tarnanho da melodia que o comporta, resultando em um acelerar da

fala

que extrapola o esperado ritmico, criando assim um novo e sofisticado recurso, o da transgressao da normalidade ritmica.

Na maneu:a de produzir e tocar a sua mus•ca, tambem percebemos uma grande

diferen~a.

E

curioso observarmos que tudo se estabelece e se propaga a partir do ji e:cistente. A aparente falta de recursos para uma determinada a~ pode ocasionar a c:ria~ao de recursos outros que dificilmente se:riam desenvolvidos por outras vias. 0 fato de 0 cajpira ter a mao

endurecida pelo trato na enxada e a lida no campo, possibilita que ele vi buscar outros recursos que dificilmente urna

mao

hibil em dedilhar se preocupasse em descobrir. Falo de ritrnos, de ritmica, de pros6dia. A maneira como um carireiro ou um pagodeiro conduz ritmicamente o acompanhamento de uma mU.Sica e profundamente sofisticada, sendo assim muito dificil para uma autocidade no instrumento, porem nao iniciado nos meneios caipiras, conseguir executar com o balan~o e sotaque esperados. Por exemplo: a maneira niio limpa de se tocar, devido

a

propria rusticidade das maos que labutam no campo, acaba por definir urn padrao, como ocorre na musica flamenga onde os violoes sao ajustados para terem as cordas rentes

a

escala para facilitar a execu~ao de solos cipidos, resultando disso 0 trastejar que

e

0

zumbir da corda no traste quando o instrumento

e

tocado com

alguma

fon;a. Assim o trastejado, que

e

banido com todas as for~ de uma execu~ erudita,

e

urn elemento de diversidade sonora deste outro segrnento musical.

(34)

Ap6s estas breves reflex6es feitas sobre a maneira de fazer mtisica do caipira, e"1'orei

urn pouco dos generos que utilizei para compor esta Musical.

As matrizes utilizadas foram v:irias. Discorrerei sobre cada uma delas. A Folia, o Cururu, a Catira, a Ladainha, o Congado, o Aboio, a Jaca e o Maxixe, a Moda de Viola, o Cururu, A Guarinia, a Polca Paraguaia, a Valsa, a Mazurca, a Toada, a Toada Hist6rica, o Pagode, o Baiao.

OAboio

Segundo Camara Cascudo, o Aboio

e

um 'canto sem palavras, marcado exclusivamente em vogais, entoado pelos vaqueiros quando conduzem o gado. Dentro desses limites tradicionais, o aboio

e

de

livre improvisa~ao, e sao apontados os que salientam como

bons no aboio (Cascudo, 1979: 02)".

No Brasil o aboiar esti mais ligado a condu<;ao do gado.

E

um canto forte, com muitas vogrus e com portamentos no final e inicio das frases. Normalmente sao sons longos carregados de portamentos.

No Nordeste, o Aboio quase sempre

e

feito a partir dos modos Litiio e Mixolitiio, que o diferencia do Aboio do Sudeste que

e

cantado no modo

Jonico.

Em conversa informal com urn pesquisador da Associa<;io Cultural Cachuera, fui infonnado que acredita-se que o aboio tenha vindo da india, devido a liga~ao dos tratadores com o gado. 0 gado, trazido da India pelos portugueses, vinha com urna pessoa que durante toda a sua vida escivera vinculada aquele rebanho, e a fonna de comunica~o criada entre eles era o canto. A riqueza em portarnentos deste canto, tao incomum na nossa tradi~o musical, di urn certo sentido a esta afmnativa.

(35)

0 Bailio

"D~ popular muito preferida durante o seculo XIX no nordeste do Brasil. (Cascudo, 1979: 97)". Ficou conhecido em todo o Brasil gra<;as ao sucesso obtido por Luiz Gonzaga. 0 Baiao, juntamente com o Samba sao os dois ritmos mais explorados e renovados na MPB.

Nosso foco ao Baiao esti na sua ritmica marcante e pulsante que di a impressiio de se estar empurrando o ritmo para a frente.

Baiao

II

;

r

J

~r

A (0) Catira ou Catered!

r

II

Danp encontrada em quase todos os estados do Sudeste e Centro Oeste, na area onde se estende a cultura caipira. Oneyda Alvarenga nos situa melhor esta danp:

"Segundo opiniilo corrente,

e

d~ de origem amerindia, tendo sido no primeiro seculo da coloniz~ao aproveitada pelo Padre Anchieta nas festas cat61icas... Tal como consta dos trabalhos mais minuciosos, a d~a se executa sempre em fileiras que se defrontam ... 0 acompanhamento

e

feito especiaJmente par violas~·· 0s violeiros, OS unicos que cantam, fazem tambem parte da d~a e dirigem a coreografia. Durante o canto dos violeiros, entoado em ter~as. os d~odores apenas meneiam o corpo, sem sair do Iugar. A figur~ao se desenvolve so como acompanhamento das violas, sem canto, e apresenta os seguintes elementos constantes: sapateados e palmas apos coda fase do canto; troca de lugares que os figurantes fazem com seus vis-Q-vis; passeio em cfrculo que os violeiros fazem seguidos pelos d~adores ou sozinhos, ou form~ao de uma grande roda. Pela sua natureza elas sao legitimamente cantos puros, perfeitamente iguais, como esplrito e estrutura,

as

chamadas Modas de Viola. A elas tambem se aparentam pelos seus textos, que sao fixos, sempre historiados ou narrativos.· (Alvarenga, 1950: 185).

(36)

Na realidade, a moda a que se refere Oneyda Alvarenga

e

conhecida por Moda de Cat:ira. No intervale das vozes, a viola executa uma barida nonnalmente tocada em compasso quatemirio ou biruirio.

Outras danqas como a Dan<;a de Sao Gon<;alo e a de Santa Cruz utilizam o Caterete em suas coreografias.

Caterete

" 2

£

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r

u

1

r

'v u

cr

1

r

11

O(A) Congado(a)

Congado ou Congada e uma dan<;a dra.mirica que normalmente trata da conversao dos infieis ao crisrianismo e e basicamente composta por negros.

'A Congada

e

um bailado que

se

compile de duas partes: d~ e evol~iles. e numa segundo parte a 'embaixada' ou parte dramatica.

Na Congada a d~

e

muito pouco desenvolvida. Consiste quase

que

exclusivamente de movimentos de marcha, evol~iles simples de marcha e contra-marcha·. (Araujo, 1952: 47 e 48).

o

que mais nos interessa da Congada

e

a sua musica.

E

uma musica bin:iria, pulsante que hora se aproxinla do Samba nao tendo, portanto, a divisao tiio sincopada nem o apoio no segundo tempo. Fica dificil estabelecer uma ce!ula Msica para a defini,a_o do Congado, pois ele se apresenta com muitas variantes, que dependem do Iugar onde e encontrado. Coloco aqui uma celula muito usada pelos temos de Congo do Sul de Minas, regiiio onde mais os pesquisei.

Congado

i

(

X

j

r

=II

(37)

OCururu

Cururu e uma peleja, urn desafio.

Hi controversias quanto

a

sua origem. Joao Chiarini em seu livro Cumru, afirma ser uma modalidade muito antiga de origem portuguesa, mas parece que a maior corrente de pesquisadores, dentre eles, Mario de Andrade, Alceu Maynard .Antujo e Renata Almeida, acreditam ser o Cururu de origem amerindia. Atribui-se aos Tupi, o hibito de dan~arem

batendo pes e palmas.

Outra controversia

e

quanta a ser ou nio uma dan<;a- Pude constatar, conflitando as fontes e as datas de sua respectivas pesquisas que o Cumru hi muito deixou de ser uma dan~

exceto no Mato Grosso onde e tocado em roda com viola de cocho, adufe e catacaxi.

Alceu Maynard .Antujo nos e>:plicita com clareza e profundidade acerca deste genero:

"Cururu

e

uma d~a popular, sobrevivencia da d~a amerindia que os jesuftas l~aram maos para catequese, nos prim6rdios da vida brasileira.

E

uma d~ paulista, piratiningana, que se propagou dentro do cinturao jesuitico usado para a catequese e introduzida nas festas religiosas, sendo da~ada fora ou dentro do templo. Possivelmente Cururu venha da

detu~ao do vocabulo cruz, que o gentio pronunciava curuce, curu ( ... ).

"Esta d~a foi levada pelos bandeirantes, seguindo a rota liquida do Anhembi e hoje, fora da zona cururueira paulista, encontramo-la em mato Grosso, Goicis e Amazonas( ... ).

"0 ritmo desta d~a religiosa

e

marcodo porum instrumento de cordas, a viola.

As

vezes ressaltam melhor o ritmo com o bater de palmas ... Entram outros instrumentos: no Cururu Rural estao sempre presentes reco-reco, adulfe e,

as

vezes, a puita. A mUSica

e

em ritmo bin6rio e puramente tonal, evitando todo cromatismo. 0 canto

e

a duas vozes ( ... ).

(38)

Cururueiro

e

0 cantador de desafio que faz a tro~o de improviso (.-).

A viola eo instrumento fundamental do Cururu. (Araujo, 1952: 23 e 24)".

As ca.trei:ras sao os canones que da.clo ao cururueiro a rima de sua canturia. As ca.rrei:ras

mais usadas sao a do Sagrado, onde a cada dois versos a rima deveci ser fcita por uma palavra com a tennina<;iio ado, a carrcira do Navio, de Sao Joao. Na sua normalidade sao usados

versos octassilabos (heptassilabos na silaba metrica).

Uma diferen<;a fundamental do Cururu como Repente Nordestino

e

que no Repente, a resposta

e

dada ap6s cada estrofe cantada pelo combatente e no Cumru a resposta s6

e

dada ap6s o canturiiUJ ( o que canta) can tar tudo o que deseja, niio importando o tempo nem a quantidade de estrofes.

Todos os ritrnos populaces tradicionais, quando migraram para o mercado fonogrifico, sofi:eram algumas adapta<;6es timbricas, ou seja, foram acrescentados outros instrumentos definindo uma nova norma estetica de uso dos mesmos. Houve tamhem a varia<;ao que cada dupla clava

a

sua maneira de tocar o Cururu.

Musicalmente, assim poderiamos definir a celula basica do Cururu:

De todos OS ritrnos da MUsica Caipira, 0 Cururu

e

0 que tern a batida mais primitiva,

(39)

A Folia

Deftno aqui a Folia com maior precisao que os outros generos par esta fazer parte, tal como

e,

do Musical.

A Folia tern sua origem remontada na Europa da Idade Media chegando ate nos como urn rita pro&no-religioso portugues. Oneyda Alvarenga remonta a Folia

as

Bandeiras de Santos, especialmente as de pedit6rio, como a do Thvino e de Reis que parecem representar a confluencia de dois costumes portugueses: os da corpora~oes de oficio e dos ranchos pedintes das Janeiras e Maias, com que se comemora nao s6 em Portugal, mas em quase toda a Europa a entrada do ano e da primavera. Sabe-se que a Igreja , nao conseguindo muitas vezes apagar os veihos costume pagiios; conservou muitos deles it sua sombra, mudando-Ihes os names e a

destina~ao aparentes." (1982: 232).

Urn relata portugues nos mostra mais urn pouco:

•o

hdbito das reisadas deve provir das 18as (sic) deitadas no presepio, ou, perdido este, das cantigas do Natal,

que

da ado~Cio do Menino-Jesus ficavam

vogando

ao sabor dos tempos e das almas. • (Chaves,1932: 32).

Camara Cascudo, em seu Dicioruirio do Folclore Brasileiro, 1979, aponta que em "Hist6ria, Marte e Milagres, Canoniza~o e T ranslada~o de Santa Isabel, sexta Raioha de Portugal'; de D. Fernando Correia de Lacerda 1680;

e

citado que a festa do Thvino foi estabelecida em Portugal nas primeiras decadas do sec. XTV pela rainha D. Isabel (1271-1336), casada como rei D. Thniz de Portugal (1261-1325).

Mario de Andrade define a estrutura da Folia dizendo ser esta formada por urn ou dais violeiros, que se encarregam de pu.xar a cantoria, urn triingulo, urn pandeiro e as vezes urn tocador de caixa. A bandeira, simbolo sagrado da Folia, e levada por uma pessoa encarregada de tal missao. Este

e

chamado de bandeireiro ou alferes-da-bandeira. Urn outro se encarrega da coleta de donativos. (1989: 229).

(40)

Com as defini~oes de Oneyda Alvarenga, Luis Chaves, Mario de Andrade e Camara Cascudo, come~mos a desenhar mais claramente urn esbo~o do que venha a ser uma Folia.

Mario de Andrade, na tentativa de definir o Temo de Reis, ou Folia de Reis, peca na defini<;iio de sua estrutura pais, apesar de ter realmente urn mestre, urn bandeireiro e urn encarregado da coleta, que

e

o palha~o ou bastiao ou ainda marungo, a Folia, como quase todas as outras manifesta~oes da cultura popular, tern em sua forma<;iio o que o grupo pode oferecer. Todo e qualquer instrumentista que queira integrar o grupo, podeci faze-lo com a permissao do mestre, independente do instrumento que toque.

Quanta

a

estrutura, a Folia

e

composta basicamente de tres grupos: 0 coro, OS palha~os

e o bandeireiro ou alferes.

0 mestre, ou cacique,

e

a autoridade m:ixima do grupo. Tern plenos poderes e suas decisoes, sempre sensatas, sao acatadas por todos.

E

ele quem puxa o canto, normalmente improvisado - a letca.

Ja

vi mestres tocando viola, violao, acordeio, dublando violao e ate tocando nada. 0 contra-mestre, ou respondedar, e 0 que primeiro interv&n, duetando, no cantorio

do mestre.

J

a

no desfecho da ideia mel6dica - estrofe - en tram os desdobramentos das duas vozes feitas pelos contrtz!;(}(a),

tipi,

contratipi e jinorio ou requinta ou ainda turi= 0 fin6rio s6 intervem nas Ultimas silabas do Ulrimo verso jogando sua voz na ponta do coro em quinta ou

01tava.

Os palh!Zfos, marungos ou bas!Wes (corruptela de bastio), sao os responsaveis pelo sucesso dos fundos angariados pela Companhia - outro nome de Folia, ou ainda T emo. Muitas vezes fazem a Danp da Jaca, que exige tremendo dominio de corpo no subir e abaixar e constante troca de passos. Eles tambem recitam versos, as vezes hist6rias biblicas inteiras, como verdadeiros cordbs. Usam uma roupa muito estampada, normalmente chita, e mascaras. Em alguns lugares ainda e comurn encontrarrnos na Folia a qtiiJtragem, ou quatro, que

e

uma dan~a

feita a quatro.

0 bandeireiro, ou a!feres,

e

o encarregado de guardar o simbolo miximo da Folia: a Bandeica. 0 bandeireiro ou o palha~o

sao

os encarregados de receber os donativos dados pelas familias.

A

bandeira,

e

sempre guardado o melhor Iugar da casa visitada.

Referências

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