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LIBERDADE PROVISÓRIA E FIANÇA NO PROJETO DE CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (PLS 156/2009)

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LIBERDADE PROVISÓRIA E FIANÇA NO PROJETO DE CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (PLS 156/2009)

ANDRÉ VINÍCIUS MONTEIRO Assistente Jurídico do Tribunal de Justiça de São Paulo, graduado pela PUC/SP e pesquisador do Núcleo de

Ciências Criminais da PUC/SP

DANIEL GEMIGNANI Advogado, bacharel pela PUC/SP e pesquisador do Núcleo de Ciências Criminais da PUC/SP

A nomenclatura liberdade provisória apresenta-se, sob a atual sistemática constitucional, crivada de evidente impropriedade. Cunhado sob contexto diverso, a permanência do epíteto não mais se justifica, haja vista não ser a provisoriedade característica da liberdade do réu não condenado em definitivo.

Nesse sentido, mostra-se de boa técnica que o novo Código de Processo Penal venha a abolir a nomenclatura tacanha e jejuna consagrada pelo Direito Processual Penal, indicando, não só atenção aos novos ares da Constituição Cidadã, como instruindo posição de respaldo a valor tão caro; de forma que a substituição do epíteto liberdade provisória, por apenas liberdade, coaduna-se com o princípio da presunção de inocência.

O projeto, porém, mantém a antiquada expressão, e a insere, equivocadamente, dentre as medidas cautelares (art. 521). É patente que a liberdade não se apresenta como uma cautela, mas sim, como status natural daquele ainda não condenado definitivamente por sentença penal transitada em julgado – cautelar é a prisão processual, destinada a garantir a ordem pública ou econômica, assegurar a aplicação da lei penal, ou por conveniência da instrução criminal (art. 544).

Há, aqui, uma manifesta contradição. A liberdade provisória não deve ser entendida sequer como contra-cautela, como quer a tradicional doutrina1. Contra-cautela é

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o meio apto a impedir que o uso abusivo da medida cautelar venha expor a risco o bem jurídico do réu, ainda não atingido por decisão final. O instituto da contra-cautela é medida garantidora da equiparação de interesses, que nasce “da necessidade de tratamento igualitário às partes dentro da bilateralidade que é inerente ao processo contraditório”.2 Desta feita, sendo a cautela a prisão processual, não vislumbramos qualquer contra-cautelaridade em se colocar em liberdade o réu, pois tal medida em nada contribui para sanar os males já causados pelo encarceramento provisório, assim como não impede que nova prisão preventiva seja decreta; sendo, portanto, mero retorno do investigado ao seu estado natural de liberdade, garantido pelo princípio constitucional da presunção de inocência.

Assim, o argumento que a natureza cautelar, ou contra-cautelar, da liberdade provisória encontra-se na medida em que esta obsta a indevida permanência do réu no cárcere não se sustenta, posto que a restituição da liberdade é mera reafirmação da inocência presumida.

Temos ainda, que a liberdade provisória não se caracteriza por uma “liberdade limitada pelos escopos do processo penal”, da forma proposta por MANZINI; ou ainda como um estado transitório de liberdade, que se dá entre a prisão processual e a sentença, condenatória ou absolutória, como aponta TOURINHO FILHO. É que a concessão da liberdade provisória, por si só, não impõe qualquer restrição ao investigado; sendo, em verdade, as limitações impostas pelo termo de fiança (art. 569). Porém, como sabemos, no Brasil é possível a concessão da liberdade sem que se arbitre fiança, hipótese em que o liberto não arcará com qualquer ônus; a demonstrar que a liberdade provisória não apresenta qualquer caráter cautelar.

Houve época em que a fiança pautava-se tão somente no termo de compromisso prestado pelo afiançado, pelo qual comprometia-se a comparecer em juízo sempre que intimado para tanto; era portanto evidente instituto de caráter pessoal, que confiava na palavra dada pelo cidadão de acompanhar o processo e fazer-se presente quando necessário. Ao depois, somou-se ao termo de compromisso o depósito de quantia determinada, na tentativa de manter o réu vinculado ao processo em razão de questão patrimonial de seu interesse; passando a fiança a ser entendida como medida de natureza real.

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Na nova proposta de Código de Processo Penal a fiança continua por caracterizar-se pelo depósito de valor pecuniário, parecendo-nos, assim, tratar-se, em verdade, de instituto mais aproximado à cautela real. No entanto, o projeto elenca a fiança dentre as medidas cautelares pessoais, em clara contradição com os contornos propostos para o instituto, o qual tem por escopo maior garantir o pagamento de eventuais custas processuais, indenização civil3 e multa (art. 567) – tanto assim o é que o projeto autoriza que qualquer pessoa preste fiança em favor do investigado (art. 562), desnaturalizando, por completo, a fiança como caução fidejussória; bem como elenca entre as medidas cautelares pessoais o comparecimento periódico em juízo, o qual teria efeito semelhante ao termo de fiança sem necessidade de depósito.

Entendemos que, seja através de mero compromisso prestado pelo investigado, seja pelo depósito de considerável valor, deve a fiança ter por finalidade vincular o investigado ao processo criminal, de forma que este tenha interesse em acompanhar o procedimento. Parece-nos, porém, não ser a caução fidejussória apta a este fim, uma vez que o único interesse do réu em cumprir seu compromisso será o de não retornar ao cárcere provisoriamente – fato que pode não intimidar aqueles que se sabem culpados; enquanto que com o depósito de quantia não irrisória, terá o réu também o interesse de reaver, ao final do processo, o valor que dispôs.

O projeto, no entanto, mantendo posição já adotada pelo atual Diploma Processual, vale-se da fiança como meio de garantir a satisfação de eventuais custas processuais, indenização civil e multa, sem preocupar-se com o comprometimento do próprio agente, possibilitando inclusive que qualquer um preste a fiança em seu favor, assemelhando-a, quanto à finalidade, ao arresto, o seqüestro ou a hipoteca legal. Tal aproximação entre institutos parece-nos, entretanto, descabida, uma vez que o não pagamento da fiança ensejaria a manutenção da privação da liberdade por motivo alheio ao acautelamento processual, configurando-se verdadeira prisão por dívida sequer devidamente constituída.

Tal contradição não ocorreria se a fiança não fosse tratada como meio de garantir o adimplemento dos consectários penais e processuais, mas sim como forma de

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NUCCI, Guilherme de Souza; MONTEIRO, André Vinícius; GEMIGNANI, Daniel; MARQUES, Ivan Luís; SILVA, Raphael Zanon da. Ação Civil ex delicto: problemática e procedimento após a Lei 11.719/2008. Revista dos Tribunais, v. 888, 2009, p. 395-439.

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trazer espontaneamente o réu ao processo, sendo o pagamento de eventuais débitos mera conseqüência da condenação.

Vislumbrada as incongruências e anacronismos que persistem em nosso ordenamento, analisemos agora a relação entre os institutos da liberdade provisória e da fiança. A mais discutida celeuma quanto à fiança e à liberdade provisória no Código de Processo Penal em vigor é a razoabilidade do parágrafo único do artigo 310, o qual autoriza a concessão da liberdade sempre que não estiverem presentes os requisitos para a decretação da prisão preventiva, ainda que inafiançável o delito. Assim, para os crimes menos graves, e.g. o furto, a liberdade estará condicionada ao pagamento da fiança, enquanto que para os crimes mais graves, como os hediondos, a liberdade poderá ser concedida sem fiança. A contradição é cristalina, uma vez que ao agente em tese mais perigoso impõe-se menos dificuldades para a concessão da liberdade. Sobre o assunto escreve SCARANCE FERNANDES que “De regra, aquele que tem direito à liberdade provisória com fiança terá também direito à liberdade provisória sem fiança, e obviamente essa solução, por ser mais benéfica, é a que deve ser acolhida pelo juiz”4, o que nos leva à total inutilidade do instituto.

O projeto dá continuidade a este absurdo ao desvincular por completo a liberdade provisória da fiança, sem, no entanto, vedar ao magistrado condicionar aquela a esta. Desta forma cremos que a proposta de alteração da legislação processual aumentará a discricionariedade do magistrado e, por conseguinte, reduzirá a segurança jurídica, vez que haverá hipóteses em que determinado julgador concederá a liberdade sem exigir a fiança, e outras em que apenas o fará após o pagamento desta.

Formalmente o artigo 557 do projeto adotou a regra da inafiançabilidade de determinados delitos, inserida nos incisos XLII, XLIII e XLIV do art. 5° da CF. Crê-se, porém, ter o legislador ordinário feito leitura truncada de tais dispositivos constitucionais. Ao dispor que tal ou qual crime será insuscetível de graça ou anistia, a única conclusão a que se pode chegar é ter o constituinte considerado-os como de alta gravidade, capazes de distorcer de forma anômala a paz social. Estes mesmos mandamentos de criminalização foram considerados inafiançáveis. Não nos parece razoável assumir que, em um mesmo inciso, quis o constituinte, ao mesmo tempo, agravar e abrandar a situação do agente, ora negando-lhe a graça e a anistia, ora facilitando a concessão da liberdade

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provisória – em uma leitura que desatrela a fiança da liberdade provisória, como o fez e o faz o legislador infraconstitucional.

Por tal razão entendemos que a inafiançabilidade constitucional deve ser compreendida atrelada à liberdade provisória, isto é, a inafiançabilidade como negativa de concessão de liberdade provisória, cabendo ao legislador ordinário cuidar de ordenar o sistema de modo a acautelar apenas os crimes afiançáveis. Assim, aos inafiançáveis não se admitiria a liberdade provisória, enquanto que, aos afiançáveis, a liberdade só seria facultada mediante a prestação da devida garantia; extirpando-se a incoerência da legislação vigente.

Desta forma, não se há de argumentar que a manutenção da prisão em flagrante fere o princípio da presunção de inocência, pois em caso de crimes inafiançáveis, a ordem de manutenção da segregação cautelar emana da própria Constituição, tal qual o famigerado princípio.

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