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Vista do Cartografia de controvérsias como procedimento metodológico.

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Cartografia de controvérsias como procedimento

metodológico: mapeando processos culturais em uma

associação de artesãos de Maria da Fé/MG

Adilson da Silva Mello Professor Adjunto IV da Universidade Federal de Itajubá. Possui graduação em Filosofia, mestrado em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1999) e Doutorado pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2008). Professor, Pesquisador e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Tecnologias e Sociedade. Áreas de interesse: Tecnologias e Sociedade; Trabalho; Cultura e Desenvolvimento. Coordenador do GEPE de Ciências Sociais e Desenvolvimento do Instituto de Engenharia de Produção e Gestão da Universidade Federal de Itajubá. Guilherme Garrido Mestrando em Desenvolvimento, Tecnologias e Sociedade pela Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI) com bolsa CNPq. Graduado em Administração de Empresas pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas do Sul de Minas (FACESM) (2013). Pesquisa sobre a relação entre artefatos e tecnologia. Atua principalmente nos seguintes temas: Tecnologia e Sociedade, tendo como grande área Sociologia.

Camila Lorrichio Veiga

Mestrado em andamento em Desenvolvimento, Tecnologia e Sociedade na UNIFEI e bolsista FAPEMIG. Graduada em Design pelas Faculdades Integradas Teresa D'Ávila (FATEA). Foi bolsista PIBIC e PIBITI na FATEA. Pesquisa e Desenvolvimento nas áreas de design de produto, cartografia de controvérsias e teoria

ator-rede. Como trabalho de monografia, estudou a otimização da produção de uma movelaria em Lorena/SP por meio de uma catalogação informatizada e gestão de produtos elaborados na mesma. Escritora com dois livros publicados e membro da Academia Jovem de Letras de Lorena.

Resumo

O presente artigo tem como objetivo demonstrar a utilização da cartografia de controvérsias como método. Essa pesquisa tem por locus a associação Casa do Artesão Mariense, localizada cidade de Maria da Fé/MG, e todos os atores que se relacionam a ela nos vários momentos da rede. Com a dúvida se era possível utilizar a cartografia de controvérsias como método, realizou-se o mapeamento de uma das controvérsias que apareceram durante a pesquisa: sobre a permanência da associação no local atual, o Centro Cultural. Com o mapeamento de dados, realizou-se uma série de redes traçadas pelos atores para uma visualização facilitada da complexidade da controvérsia. Consegue-se concluir que por meio de uma demonstração virtual as possibilidades de visualização na rede possam a ser ampliadas e também que essa visão auxilie na visualização da movimentação da rede e atores e onde/como agem.

Palavras-chave

Cartografia de controvérsias; Ator-Rede; Maria da Fé; Centro Cultural; Artesão.

Abstract

This article aims to demonstrate the use of mapping controversy as a method. This research has the locus association Craftsman House Mariense located in Maria da Fé City/ MG, and all the actors who relate to it at many times of the network. To doubt whether it was possible to use the mapping controversy as a method, it was conducted mapping of the controversies that have appeared during the research: on the association of staying at the current location,

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the Cultural Center. With the data mapping, carried out a series of networks drawn by the actors for easy visualization of the complexity of the dispute. It can be concluded that through a virtual demo visualization possibilities on the network can be expanded and also that this view helps network drive display and actors and where / how they act.

Keywords

Cartography of disputes; Actor-Network; Maria da Fé; Cultural Center; Craftsman.

Introdução

Esse artigo é parte de uma pesquisa de mestrado que teve início em 2014, com uma incursão no campo a partir de maio de 2014 em uma associação de artesãos de Maria da Fé/MG. Também é parte de um projeto maior que envolve mais duas pesquisas diferentes. A visão proposta aqui percorre a ampliação de agência apresentada pela Teoria Ator-Rede1, onde humanos e não-humanos são ambos considerados dotados de agência na rede.

O trabalho do designer tende a se relacionar com várias áreas e profissionais, inserindo-se com diversas funções. Em vários trabalhos visualiza- se que há uma cisão entre design e artesanato, uma fissura que se mostra pautada em um preconceito de que um é mais formal que outro, mais acadêmico que o outro. Mesmo assim, há uma gama ampla de discussões sobre o que é o design e o que é o artesanato até o presente momento. Dentro dessa incursão de pesquisadores com formação em Design, Administração e Ciências Sociais foi coletada uma grande série de dados de campo sobre o cotidiano da Associação Casa do Artesão Mariense, das associadas, dos produtos e das conexões que existem entre todos os atores envolvidos.

Articulando toda essa quantidade de dados e na Teoria Ator-Rede, que vem sendo trabalhada desde o início da pesquisa, obtivemos contato com a Cartografia de Controvérsias2, pensada por Bruno Latour e Tommaso Venturini, que permite descomplexificar o complexo da vida social. Não sem muito esforço.

O objetivo desse artigo é responder à indagação da possiblidade de utilizar a Cartografia de Controvérsias como procedimento metodológico para essa pesquisa especificamente, na qual a quantidade de “dados off-line” é enorme, divergindo dos caminhos pesquisados em Venturini (2012), onde a maior parte dos dados provém de textos e são trabalhados virtualmente.

A estrutura do presente trabalho segue a sequência:

Primeiramente demonstramos o lócus da pesquisa, visualizando a associação estudada, Casa do Artesão Mariense, e os atores que compõem esse cenário formatado em rede. Em seguida situamos nos itens 2 e 3 a Teoria Ator-Rede e a Cartografia de Controvérsias, respectivamente. No item 4 é concluída a análise por meio da Cartografia da controvérsia sobre a permanência da associação no local atual.

1 Teoria Ator-Rede (Actor-Network Theory), desenvolvida por Bruno Latour, Michel Callon e John Law, tem

como pontos-chave a simetria de agência, o não-reducionismo no campo, a visão de que as redes não são estáveis e a reflexividade, onde o pesquisador não se considera diferente do objeto estudado. Mais à frente há um aprofundamento sobre o tema.

2 A Cartografia de Controvérsias é proposta como uma maneira de visualizar a complexidade da rede, como um

modo de traduzir as relações em um determinado momento e sob um determinado ponto de vista. No item 3 esse tema é explanado mais profundamente.

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Contexto histórico da Casa do Artesão Mariense: como, quando e

quem

Maria da Fé é uma cidade localizada no sul de Minas Gerais, e tem uma população estimada de 14.518 habitantes, de acordo com dados do IBGE de 20153, é uma cidade com 202.898 km², com grande parte da sua população residindo em área rural.

A associação estudada, Casa do Artesão Mariense, tem até o presente momento 43 associados, trabalhando com os mais variados materiais: palha de bananeira, palha de milho, madeira, biscuit, tecido, entre outros. Segue abaixo um relato do cotidiano da Casa do Artesão Mariense realizado pelos pesquisadores durante os anos de 2014 e 2015.

De acordo com o Caderno de Atas mantido por uma das artesãs, a Casa do Artesão Mariense foi inaugurada aos 7 de junho de 2008, como uma premissa da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, por haver uma grande quantidade de artesãos marienses que não faziam parte de nenhum tipo de associação ou cooperativa, ou outra forma de institucionalização. Ainda de acordo com o caderno, consta que a prefeitura assume as despesas referentes ao espaço onde a Associação se estabelece, o Centro Cultural de Maria da Fé.

Figura 1. Foto do Centro Cultural de Maria da Fé, a Associação se encontra na lateral do mesmo. Fonte: Autores, 2015.

No início, o funcionamento da Associação ocorria pelo revezamento dos associados nas funções cotidianas como forma de manter a loja da Associação sempre em funcionamento. Nesse esquema de revezamento não havia cobrança de taxa para que os

3 Dados do IBGE, Ferramenta “Cidades@”, disponível em:

<http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=313990&search=minas-gerais|maria-da-fe> Acesso em: Outubro de 2015.

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associados expusessem e vendessem seus produtos artesanais. Atualmente, de acordo com a pesquisa de campo e entrevistas realizadas4, ainda há o revezamento, com escala do mês seguinte sendo decidida nas reuniões mensais, mas é cobrada uma taxa sobre os produtos, que é direcionado aos fundos de reserva da Associação. O arranjo atual dessa contribuição funciona da seguinte forma: Para os associados que também trabalham na loja em funções determinadas, é cobrada uma taxa de 5% sobre o valor de venda de suas peças. Para aqueles que optam por não trabalhar no funcionamento da loja ou outras atividades administrativas, essa taxa é reajustada para 10% do valor total da venda dos itens.

Figura 2. Exemplo de produtos vendidos e organização na loja Fonte: Autores, 2014.

De acordo com a ata e entrevistas, a Associação já possuiu cinco presidentes desde sua institucionalização. A organização também obteve apoio de outras instituições, como o Grupo Bem Viver da 3ª Idade, o qual contribuiu apoiando os associados na tentativa de registro de um CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica), bem como a própria organização institucional necessária para que o grupo de artesãos se tornasse formalmente uma Associação. A partir de então, alguns cargos e funções foram estipulados. As atividades partiam desde as escala de limpeza, confecção de embalagens fiscalização e controle de qualidade do produto, funções operacionais financeiras, como o recebimento de pagamentos e distribuição de taxas de contribuição aos artesãos. A institucionalização possibilitou também uma realocação de espaço físico dentro do Centro Cultural do município. Em meados de março de 2009, a Associação foi contemplada pela Prefeitura Municipal de Maria da Fé com uma ampliação do seu espaço de funcionamento.

O espaço onde a Associação se estabelece é um ator que sempre se mostrou ativo na rede. A Casa do Artesão sempre esteve, desde sua fundação, no Centro Cultural, porém esse espaço sempre esteve sujeito a diversas mudanças, bem como às movimentações vetorizadas

4 Houve registro fotográfico e gravação de áudio das visitas e entrevistas sociotécnica e transcrição das

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por interesses políticos. Essa ampliação de local é um exemplo dessa manutenção da instabilidade da rede. Em outras palavras, o espaço cedido à Associação foi iniciativa de um prefeito, o qual buscou formas de apoiar e fomentar o trabalho artesanal na cidade de Maria da Fé. Naquela época, a Associação possuía mais associados que atualmente, além de maiores vínculos estratégicos com a Secretaria de Cultura e Turismo do município. A controvérsia, e também o exemplo da instabilidade de uma rede de afetações, está no cenário observado atualmente acerca da Associação. O atual prefeito possui intenções de construir quiosques para todas as Associações da cidade de Maria da Fé em observância à retirada da Associação Casa do Artesão Mariense do local onde estão atualmente, no Centro Cultural. O problema não se restringe à mudança do local da Associação, mas também à reforma dos custos de funcionamento. Esses quiosques não seriam cedidos sem ônus aos associados. Seria sobrado um aluguel pelos mesmos. O rastreio da controvérsia em questão centra-se na questão dos quiosques, que têm sua própria articulação na rede.

Outras consequências da institucionalização recaíram sobre a Associação Casa do Artesão Mariense. A organização formal das artesãs resultou na constituição de um regulamento interno, uma diretriz para a ordenação das competências de cada artesão, bem como daqueles que estão no exercício do plantão na loja.

A abertura dessa pesquisa para um olhar diferente sobre o social, também significa reformular a maneira como o pesquisador observa a rede. Dessa premissa, nascem as incertezas e ficam mais evidentes os pontos de imprevisibilidade dessa rede de afetações. Essas imprevisibilidades são algumas vezes expressas em controvérsias.

O aprofundamento dos pesquisadores na realidade da Associação revelou determinadas características desde o estatuto da organização que não previa nenhum sistema de punição aos infratores das cláusulas acordadas, como também o aparecimento de outras realidades provenientes de um “emaranhado” de atores.

Depois de conversas com as artesãs descobrimos que elas não são uma associação formalizada, pois não possuem um CNPJ, apesar dos esforços para tal. A Associação está vinculada a uma outra associação denominada Associação Arte Livre, que por falta de atividade não possui mais o próprio CNPJ. Para uma real institucionalização da Associação Casa do Artesão Mariense, haveria necessidade de total desvinculação dessa outra associação para que se configurasse legalmente uma Associação de artesãos.

Mesmo com essas questões controversas acerca da formalização da organização, suas atividades permaneceram constantes desde sua constituição. Um evento importante, e que nesse cenário se configura como um ator importante foi o Festival de Inverno de 2014, que ocorreu no mês de julho. Esse evento é um festival anual, que até então era promovido pela Secretaria de Turismo e Cultura da Prefeitura Municipal de Maria da Fé. Esse evento buscava reunir vários estandes de comida, roupas e artesanato advindos da cidade e de outros municípios próximos.

Foi possível um acompanhamento do evento, com o enfoque sobre a Associação e sua exposição na feira. Os dias de maior intensidade de fluxo de visitantes eram os do final de semana. Com isso, a equipe de quatro pesquisadores foi dividida em duas duplas e ambas frequentaram os dois finais de semana que compunham a feira e nela realizaram observação participante.

O que pode ser observado nesses dias foi que a confiança das associadas havia aumentado com o evento. Porém a presença dos pesquisadores causou uma movimentação nessa rede que apresentou seus pontos recalcitrantes. Muitas informações não eram expressas diretamente, principalmente devido às experiências negativas ocorridas com os membros da Associação em relação a outros pesquisadores.

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O modelo de funcionamento da Associação Casa do Artesão foi copiado anos antes dessa pesquisa por um órgão de apoio ao pequeno produtor. Com isso, a desconfiança por parte dos associados se apresentou como ponto de dificuldade para essa pesquisa.

Durante essas visitas diversas informações foram coletadas. Essas informações abrangiam desde sua organização, passando por esquema de escalas, atritos entre os membros da associação, as controvérsias que nela estavam presentes, e também o público-alvo dos festivais e da própria Associação. A maior parte dos visitantes era composta por turistas de cidades vizinhas ou de municípios mais distantes. Os visitantes muitas vezes se tornam compradores. Para o público da cidade de Maria da Fé, a existência da Associação e de seus produtos é quase desconhecida.

Depois do Festival de Inverno de 2014 surgiu a possibilidade de realizar uma pesquisa mais aprofundada nos locais onde eles desenvolviam o trabalho artesanal. Então, esses locais foram denominados laboratórios. A resistência à inserção dos pesquisadores nas realidades vividas pelos membros da Associação continuou presente.

Com o passar do tempo as respostas positivas à presença dos pesquisadores foram surgindo gradualmente. O início se deu com a anuência da presidente da Associação, a qual cedeu uma entrevista em 5 de agosto de 2014. Depois de realizada essa etapa, as resistências foram diminuindo gradativamente e foram realizadas um total de 17 entrevistas com artesãs e mais 2 entrevistas com pessoas externas à Associação, mas importantes quanto à constituição da instituição como tal.

As entrevistas forneceram dados essenciais para a construção de uma rede de controvérsias sobre as quais foi configurado aquele social observado na época do desenvolvimento da pesquisa.

A ANT e a Casa do Artesão

A Teoria Ator-Rede pode ser abreviada, mas a preferência aqui por utilizar a abreviatura ANT ao invés de TAR, também utilizada em vários trabalhos, é devido à relação que Latour (2012) traz com a palavra em inglês “ant”, que significa formiga. Assim a Teoria Ator-Rede é relacionada com o trabalho da formiga, que condiria com um viajante “cego, míope viciado em trabalho, farejador e gregário” (LATOUR, 2012). Para não perder essa carga de significado, que traduz o que Latour enxerga de um trabalho utilizando a Teoria Ator-Rede: lento, penoso, cheio de obstáculos e mudanças de percurso (devido às incertezas, que serão tratadas adiante), com deslocamentos árduos e equipamento que verifica os vínculos bem pesados, como uma formiga que arrasta um peso muito maior do que pode carregar, se optou por utilizar o termo ANT.

Bruno Latour, Michel Callon e John Law, trabalharam em conjunto para desenvolver a Teoria Ator-Rede, ou Actor-Network Theory, que tem como preceitos um modo de pensar e estudar a heterogeneidade. Isto é, uma proposta de simetria generalizada, uma abordagem construtivista que teve influências da etnometodologia de Harold Garfinkel, dos conceitos da semiótica de Algidas Julius Greimas, da sociologia de Gabriel Tarde, da Filosofia das Ciências por Michel Serres, do princípio metodológico da simetria de David Bloor, da noção de rizoma de Deleuze e Guattari e do conceito de dispositivo de Michel Foucault (FREIRE, 2006). Para Callon (2008), a ANT se refere à inovação, subjetividade e agência, e segundo a qual não se pode compreender a constituição da coletividade sem levar em conta a “materialidade, as tecnologias e os não-humanos” (CALLON, 2008, p. 308).

A ANT também é conhecida como “sociologia da tradução” e “sociologia da inscrição” (LEMOS, 2013). Para John Law, a “materialidade do mundo é heterogênea, uma

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mistura de social, econômico, material, humano, ‘natural’ e técnico” (LAW, 2014). Uma das maneiras de entender essa materialidade é, para ele, a ANT, na qual os processos sociais poderiam ser entendidos por um toolkit, uma ferramenta que ele chama de material-semiotics (MORAES, ARENDT, 2013, p. 316).

Quando a atenção do estudo da ANT foca nas organizações há uma abertura que leva o pesquisador a não se concentrar somente no elemento considerado ou social ou humano, mas estender suas observações às materialidades presentes na realidade (CAVALCANTI, ALCADIPANI, 2013, p. 558). Essa mediação de humanos e não-humanos sempre fez parte do próprio humano, ele se relaciona com todos, e Lemos (2013) traz que a própria constituição, como conjunto de elementos que constituem alguma coisa, da modernidade acabou por fazer com que essa questão fosse ignorada, separando os híbridos de relações humanas e não-humanas em “sujeitos e objetos”.

Muitos autores concordam no sentido de que o nome Teoria Ator-Rede, não é realmente próprio para o que ela é, mas o objetivo é simplesmente perceber essa nova maneira de analisar o mundo, de compreender as subjetividades e materialidades. As redes sociais são pontos e possuem relações identificáveis, e não se pode descrever a ação realmente considerando as origens das mesmas como pontos, mas sim como relações, pelas coisas que circulam e agem. Já que a rede está sempre em movimento e em crescente mutação. É uma rede de afetações (LATOUR, 2012). Ela não age sozinha, em um único ponto, mas está inserida em um contexto, onde todos agem, inclusive os híbridos, surgidos da interação homem-natureza.

Para Law, a ANT é um grupo de procedimentos que não ignoram as complexidades da rede de relações, e que nada existe fora dessas relações (MORAES, ARENDT, 2013, pg 315). Vários conceitos são traçados e retraçados quando se considera a ANT e teorias adjacentes. Como: o que é o social?

Em Reagregando o Social (2012) tem-se essa indagação por parte de Latour, de que o próprio conceito de social deveria ser reunido, recompreendido, por conta de estar sendo usado atualmente como um diferencial, um “material” que modifica aquilo a que se vincula, esse conceito limita a possibilidade de rastrear as conexões da rede, pois prevê uma estabilidade da mesma. Ele continua traçando o panorama até rever as questões da própria Sociologia, trazendo o que ele considera um paradoxo: “Sociologia da Ciência”. Ele trabalha com a definição de “Sociologia de Associações”, onde o “Social” não é algo estabilizado, fixo em suas definições, conceitos, mas sim algo que é explicado por meio das associações que são encontradas. São várias associações entre atores heterogêneos, são conexões. Ele define o social como “um movimento peculiar de reassociação e reagregação” (LATOUR, 2012, p. 25), pode se relacionar a coisas que não são sociais em si. Torna-se um movimento, uma coisa que só é visível pelos traços, pelas linhas que vai deixando na rede, só existe enquanto está lá e enquanto se busca essas associações.

Para Callon (2008) entidades são mais importantes que pontos ou estruturas na rede, devem ser observadas enquanto estão circulando, enquanto estão agindo, só se observa quando uma ação acontece, quando vira realidade. A intenção é acabar com essa separação entre humanos e não-humanos, tanto que o termo usado para quem age nas relações é somente

actante. Actante vem da semiótica de Greimas e é o que gera uma ação, que age, gera

movimento e modificações e pode ser humano ou não humano, é o que chama-se aqui de Ator. São compostos tanto quanto compõem a rede. (LATOUR, 2012; LEMOS, 2013). Também há a consideração de um intermediário, que é aquele ou aquilo que não modifica, apenas transporta relações, complementa a rede, mas não media nada, não é um actante. A dificuldade surge por não ser possível avaliar quem age e quem sofre agência da rede, nem de onde uma ação surge ao ponto em que a rede se constitui. Já que todos agem nessa rede heterogênea, todos deveriam ser igualmente considerados. Aí que entra o conceito de simetria

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generalizada. Em Callon (2008), tem-se que, para o autor, essa divisão não deve ser o foco, mas sim as agências, os agenciamentos sociotécnicos. Esses híbridos de natureza e humanos, e essas relações entre todos os atores, levaram a “reconstruir um labirinto heterogêneo de homens e máquinas, de grupos sociais e sistemas tecnológicos” (THOMAS, et al, 2013, p. 12, tradução dos autores).

A questão posta sobre as associações e suas incertezas já começa por não se conseguir saber de onde, a fonte, a ação vem, nem para onde ela vai e nem valorar e fazer julgamento de qualidade dessas relações a priori, é um processo que se constrói (LEMOS, 2013).

Dentro da ANT, temos o conceito de tradução, que é aquele momento onde a comunicação e transformação dos actantes se presta, onde as redes se constituem, é a ação que um ator faz a outro, ela é “uma operação semiótica entre actantes modificando ambos a partir de interesses específicos”, é o movimento, a circulação. (LEMOS, 2013).

Há níveis de interesse nesses momentos de tradução, aqueles que são relacionados a um interesse particular e se relaciona com outros atores com o mesmo interesse; quando há uma mobilização para despertar o interesse em outros; quando alguns deixam os interesses de lado para acompanhar outros interesses; quando se modificam todos os interesses envolvidos, se constrói novos grupos, objetivos; quando existe uma mobilização coletiva em prol de um objetivo para que ele se torne indispensável. Há outros conceitos dentro de tradução, como delegação (ator de delegar) ou mudança, quando acontecem essas modificações de objetivos, de interesses, ocorrem as traduções (LEMOS, 2013).

Ainda em Moraes e Arendt (2013), temos que, em estudos mais recentes, Moser, Law e Mol não consideram mais que o objetivo seja acompanhar como os objetos se estabilizam, mas sim com essas intervenções dos atores que criam realidades, as fazem existir, e a construção de uma rede não é nada mais que uma possibilidade. Na ANT se “redefine o próprio objeto de investigação da sociologia das ciências” (FREIRE, 2006), onde não se tem apenas uma construção social, mas sim uma “sócio-natureza”, se tem naturezas-culturas.

Em vários momentos e trabalhos são tratadas as questões de algumas críticas, como a questão da ANT não ser política, respondida por Law em A Sociology of Monsters “a política da ANT trata das distribuições hierárquicas, ou seja, de como ordens específicas criam inclusões e exclusões específicas que são realizadas de forma heterogênea" (CAVALCANTI, ALCADIPANI, 2013, p. 563). Para Law há dificuldades na abordagem da translação, que é examinar o processo de organização dessas redes heterogêneas, que são relacionadas ao problema encontrado de modificar acontecimentos para dados, todos eles relacionados à atuação do pesquisador, seja por conta dele não ter testemunhado algum deles, ou não terem sido anotados de alguma forma e posteriormente esquecidos, não terem sido considerados relevantes, compreendidos e o próprio sistema de translação não ser confiável o suficiente (CAVALCANTI, ALCADIPANI, 2013, p.561).

Ainda em Cavalcanti e Alcadipani (2013), temos alguns princípios metodológicos que guiam a ANT na opinião de Law:

• Simetria: tudo merece uma explicação;

• Não reducionismo: crítica à prática da sociologia moderna, que parte ao campo com conceitos prontos ou reduções;

• Visão processual, contingente e precária do objeto analisado: nada pode ser encarado estável;

• Reflexividade: pesquisador não se considerar diferente do que está sendo estudado;

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Como pode ser visto, os autores sempre trabalham tendo como foco as relações, e a ANT serve para enfatizar essas relações, esses movimentos que os atores deixam ao se relacionar, interagir. A proposta é trabalhar com uma sociologia de associações, onde se segue os atores, se busca descobrir a realidade criada por eles, as relações travadas, as novas associações que eles travam a todo momento em que a rede se configura (LATOUR, 2012). E também traduzir isso por meio de uma cartografia de controvérsias, a ser tratado mais a fundo no próximo item.

A ANT também foi construída se alimentando de vários direcionamentos para seguir como uma abordagem diferente de compreender as realidades que são construídas, seja por que ponto de vista, de John Law, Michell Callon, Bruno Latour, Annemarie Mol, as relações geradas pelas ações dos actantes são o elemento chave para tentar compreender o que ocorre, não se prendendo à conceitos pré-concebidos ao ir em campo; não se esquecendo da questão da simetria, onde tudo merece uma explicação e é essencial, por mais que, como as críticas e o próprio John Law tenham explicitado, há falhas em considerar o que é essencial na pesquisa; o pensamento de que as realidades não são estáveis, podem e irão mudar a cada interação e movimentação dessa rede; e a mudança de paradigma do pesquisador não poder se considerar diferente da pesquisa, superior à ela, como aparece em Jamais Fomos Modernos (1994) de Latour, que na sociedade dita moderna de não se estuda a si mesmo, apenas sociedades externas à nossa, além do conceito de tradução, essencial no momento de visualizar e compreender a rede serem complexos.

A Cartografia de Controvérsias e a ANT

A ANT trabalha bastante a questão das controvérsias: de acordo com Latour (2012) analisando as controvérsias se consegue trabalhar melhor as “instituições das ciências sociais”. Controvérsias são o que possibilitam ao social ser social e às Ciências Sociais visualizarem e permitirem essa construção das redes, essas associações que são travadas. Elas são todo pedaço de ciência e tecnologia que ainda se consegue rastrear, não se solidificou ou fechou-se em uma caixa-preta. É como uma incerteza que os atores envolvidos na rede dividem, tudo aquilo que não virou consenso ou não é de conhecimento do coletivo, gerando, assim, discussão. Elas funcionam como “fóruns híbridos”, espaços de conflito e negociação entre atores, que abrem caixas-pretas e renovam discussões (VENTURINI, 2010).

As controvérsias, que são a chave importante na observação com a ANT, é onde se elaboram as relações, onde o social é constituído e desconstituído, já que não há uma estabilização verdadeira da rede. É o meio por onde se enxerga a rede. Rastreia-se as controvérsias para se rastrear as associações e relações, entender como o social se constitui naquele momento da rede, antes que se tornem caixas-pretas, que vão para o fundo da rede, e precisaríamos desconfigurá-las para entender como se constituem. Só que ao se tornarem caixas-pretas, se torna extremamente dificultoso entender quem e o quê as constituem. Elas se tornam os tais intermediários anteriormente citados. Como traz Lemos (2013):

[...] toda associação tende a virar uma caixa-preta, a se estabilizar e cessar a controvérsia. O interesse é sempre abrir as caixas-pretas, colocar de novo em causa (enquanto “matters of concern”, como prefere Latour) os elementos estabilizados, ressaltado a necessidade de olhar para as controvérsias (a construção das associações) e as suas novas e futuras estabilizações (em outras caixas-pretas) (LEMOS, 2013, p. 56, grifo do autor).

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Ainda em Lemos (2013), temos a Cartografia de Controvérsias, um método para “revelar as mediações”, proposta por Latour e Venturini, elas “desenham” esse processo de rastrear os atores, segui-los, como as ações são distribuídas e se constituem, como se fossem mapas. Em Venturini (2010) temos a descrição de que a cartografia de controvérsias como a prática da ANT sem limitações de teorias e metodologias, o que não quer dizer desconsiderá-las, mas trabalhar com o máximo de pontos de vista possíveis. Ele prossegue dizendo que ela é construtivista e que o objetivo dessa cartografia é tornar a complexidade da vida social legível, dando o protagonismo devido aos atores que encabeçam cada fenômeno social (VENTURINI, 2010).

Tem-se vários problemas ao tentar compreender o como fazer isso. As controvérsias são aquelas que geram as tensões, geram as polêmicas na rede, que ainda causam desarmonia na rede, que ainda não se tornaram caixas-pretas. Mas como se seleciona as controvérsias relevantes, qual o melhor formato para fazê-lo, já que também é construído, e ainda mais considerando que o pesquisador colabora na construção dessas controvérsias, e por vezes é também um ator na rede.

O primeiro passo, em Lemos (2013), seria conseguir compreender quais são as controvérsias, que todos os atores concordam que são, concordam na desarmonia da mesma na rede constituída. Essa cartografia se propõe a reunir o social a partir dos rastros, mesma proposta da ANT em si, em buscar os indícios, as pistas, para constituir esse mapa, que não podem generalizar nada na verdade, porque a questão não é gerar estereótipos, voltar à Sociologia antiga que criava fotos ao invés de entender que as redes sempre se movimentam e reconstituem.

Em Lemos (2013) tem-se alguns passos para evitar uma “má” controvérsia: evitar as frias, já harmonizadas ou que não interessam a vários atores; evitar controvérsias que já se constituíram como caixas-pretas, preferir as que ainda são debate, ainda geram discussões; fugir das que são ilimitadas, grandes demais, e por vezes não se tem recursos suficientes para rastreá-las, sejam eles monetários, humanos ou temporais mesmo; evitar assuntos que sejam difíceis de acessar ou secretos. Deve-se ter sempre em mente, porém, que ao final, se é que se pode chamar de final, não há uma verdade absoluta a ser encontrada, definida, não há essência, mas sim uma “coleção de rastros deixados” pelos atores.

Há uma sintetização dos passos para uma criação de uma cartografia de controvérsias:

1. Definir a controvérsia;

2. Observar e descrever o porquê de ser uma controvérsia;

3. Identificar as características da mesma (quente/fria; presente/passada; secreta/pública; difícil acesso/acessível; limitada/ilimitada);

4. Recolher declarações, opiniões, ler literatura relacionada;

5. Identificar os atores humanos e não-humanos, esboçando a rede; 6. Identificar os cosmogramas, ideologias e visões de mundo.

7. Entender a representatividade, influência e interesses dos atores. (LEMOS, 2013)

Segue-se com as questões do que o pesquisador deve fazer:

1. Ouvir todos os atores, já que são eles que trazem a definição da controvérsia; 2. Observar os vários pontos de vista;

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4. Dar peso proporcional aos atores. (LEMOS, 2013)

Além dessas recomendações se traz os seguintes instrumentos para o conjunto de mapas a ser gerado:

1. Glossário de termos aceitos e controversos; 2. Repertório de documentos;

3. Análise da literatura especializada 4. Análise de opiniões publicadas na mídia

5. Mapa das posições contrárias ou ações de discordância 6. Limites ou escala da controvérsia

7. Diagrama dos atores-rede 8. Cronologia da controvérsia

9. Tabela “cosmos” ou das ideologias diferenciadas (LEMOS, 2013)

Ao acompanhar a descrição e estudo da cartografia de controvérsias por Venturini (2010, 2012) temos que essa observação das mesmas também não é feita de forma simples. Ela requer três questões chave: não restringir a observação a apenas uma teoria ou método; observar do máximo de pontos de vista possível e sempre priorizar as “vozes” dos atores acima das presunções do pesquisador. Vozes entre aspas por conta de atores não-humanos não possuírem uma voz literal.

Venturini (2010) segue trazendo algumas “lentes” para se observar as controvérsias:  Pensar nos argumentos usados e a literatura envolvida na controvérsia. Mapear

a rede de referências

 Pensar da literatura para os atores. Ampliar a rede pensada dessas referências até os atores envolvidos, os atores actantes, que fazem diferença nessa rede no caso.

 Pensar dos atores para as redes. Atores isolados não existem, atores atuam na rede e a modificam e são modificados por ela, trabalham relações. Observar as controvérsias é ver esse movimento de conexões e interações na rede.  Pensar das redes pro-cosmos. Pensar a observação além de “statements, actions

and relations” (afirmações, ações e relações), mas em como o significado que

atores dão pra essas questões modificam a rede. Pensar nesse significado.  Pensar do Cosmos para a cosmopolítica. As verdades consideradas como

verdades são potenciais controvérsias. É preciso multiplicar pontos de vista, atores e discussões.

Segue-se lembrando sempre que a simetria que é trazida na ANT, mantém-se na Cartografia, e não significa de forma alguma uma simetria de pesos nas agências dos atores envolvidos. Assim, Venturini (2010) traz as diretrizes pra se lidar com os pesos de cada ponto de vista de uma controvérsia:

 Pesar a representatividade de cada ponto de vista.

o Como? Quantidade de atores que adere a ele. Dar o peso proporcional a cada um.

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104

o Como? Atores que tem mais influência na rede podem modificar mais a controvérsia.

 Pesar os interesses.

o Como? São as minorias que discordam de pontos de vista que trazem a controvérsia à tona, que fazem caixas-pretas abrirem.

 Justificar cada escolha de recorte em uma controvérsia.

Pensando em todas essas questões que propomos trabalhar no presente artigo uma controvérsia e seu peso em um período específico de tempo de incursão dos pesquisadores, para entender como funciona utilizá-la como método na prática.

Controvérsia do Local da Associação: de maio de 2014 a agosto

de 2015

O local onde a Associação se encontra, o Centro Cultural, como já foi dito anteriormente, é fonte de controvérsias expressivas: a dúvida sobre a permanência no local; a construção de quiosques menores; o pagamento de aluguel; a organização interna; a distribuição de produtos; a escala de trabalho. Como demandaria muito espaço percorrer detalhes e mapas de todas as considerações anteriores, propõe-se nesse artigo fazer um recorte das controvérsias relacionadas ao local pensando no que foi coletado quanto à permanência no local. A justificativa para tanto é baseada no fato de ainda ser uma controvérsia no seu estado magmático (VENTURINI, 2010), com atores interagindo a cada instante na rede e ela ainda não ter sinais de que vai se fechar em uma caixa-preta (LATOUR, 2012). Então essa foi a escolha dentre as controvérsias citadas com o intuito de observar as interlocuções da rede em questão. Considerando a estrutura proposta no item anterior, tem-se como ordem:

 Rede de Referências  Diagrama dos Atores-Rede  Cronologia das Controvérsias

Há mais etapas e considerações nesse âmbito, mas como a cartografia é voltada para assuntos tecnocientíficos (VENTURINI, 2012) e com informações e referências muitas vezes

online, reduziu-se a gama de referências no caso.

A rede de referências quanto ao assunto percorre todos os cadernos de campo desde julho de 2014 até agosto de 2015, com base em um mapeamento de palavras-chave relacionadas ao local, um mapeamento manual pesquisando-se através dos arquivos digitais e também em um caderno físico. Os cadernos de campo percorrem as entrevistas, transcrições de conversas gravadas e/ou filmadas, as visitas periódicas à Associação e outras anotações, como ligações realizadas por associadas. Também foi pesquisado o banco de arquivos da prefeitura de Maria da Fé, disponível online no site oficial5.

O Diagrama do Atores-Rede foi realizado tentando não ignorar nenhum tipo de ator envolvido na controvérsia em questão, mas tentando, simultaneamente restringir aos que possuíam relação direta com a controvérsia, que eram atores de fato e não intermediários.

5 Página da Secretaria de Cultura e Turismo de Maria da Fé, disponível em:

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Criou-se uma lista de nomes, que podem ser vistos na Tabela 1, de cada ator, 6e estabelecidos pesos para frisar a representatividade de cada ator, já que a simetria premente é relacionada tão somente à agência de todos e não à intensidade da mesma, e um fluxograma de relações. Todos os pesos foram pensados depois do mapeamento das referências anteriormente citadas, quanto mais citado e mais influente um ator, maior seu peso.

Produtos (4) Artesãs (3) Prefeitura (3) Ator A (2) Conselho Municipal de Patrimônio

Cultural (3) Eleições

futuras (2)

Ator P. (5) Artesã M. (4) Centro Cultural

(5)

Espaço menor (5)

Quiosques (5) Verba externa

(3)

Organização interna (3)

Rodoviária (4) Movimento Turístico

(5)

Maria da Fé (4) Ator A. P. (5)

Tabela 1. Atores envolvidos na controvérsia "Permanência no Local" (Os pesos são os números entre parênteses variaram de 1 a 5, sendo 1 menor representatividade e 5 maior representatividade)

Fonte: Autores, 2015

A primeira referência que tem-se sobre uma possível mudança do local da Associação consta de 4 de julho de 2014, durante a primeira participação do Festival de Inverno. Essa mudança é relacionada, naquele momento, diretamente ao Ator P. e Ator A. P. em decorrência de atritos pessoais envolvendo críticas à gestão e até alegações de roubo da Associação. Ao mesmo tempo, temos um ator externo que funcionou como intermediário que trouxe um ponto de vista oposto para se expressar positivamente em relação ao Ator P., criticando a postura de recriminação para com esse ator.

Nessa época também temos os elementos do conselho de turismo e da falta de movimento turístico sendo citados, principalmente o fator de não haver reuniões para se decidir caminhos para melhorar o turismo, objetivo desse Conselho, a Artesã M. faz parte do Conselho e foi ela quem forneceu a informação sobre a ausência de atividade do mesmo, que tinha sido criado havia 8 meses. Frisou-se que a falta de turismo na cidade era diretamente relacionada à falta de divulgação.

Ao ser realizada uma busca no site da prefeitura os documentos referentes ao Conselho, obtivemos que o nome de fato desse conselho é Conselho Municipal de Patrimônio Cultural, e a primeira reunião ocorreu no dia 11 de julho de 2014. Nessa reunião do dia 11, temos que Maria da Fé aderiu ao Sistema Nacional de Cultura.

A segunda referência que se tem começa nos cadernos de campo dos dias 11 e 12 de julho de 2014, ainda durante o Festival de Inverno. Temos a informação de que durante junho de 2013 houve uma manifestação contra a prefeitura, e que a partir dessa data, o apoio que se tinha da mesma foi reduzido. Também foi feita uma alegação de que o Ator A. P. tenta tirar a Associação do local desde que o Ator P. assumiu a gestão, por “não gostar delas desde o início” e terem ocorrido rixas pessoais.

Em 8 de agosto de 2015, durante uma entrevista, foram feitas alegações quanto a falta de auxílio da prefeitura e de que as associadas não pagam manutenção do Centro Cultural, a prefeitura não cobrando aluguel nem energia. Há a primeira menção aos

6 Para alguns atores humanos não utiliza-se o nome completo para não constranger, mas apenas uma inicial para

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106

quiosques, um projeto da prefeitura de criar um quiosque para cada associação/cooperativa da cidade e cobrar aluguel pelo uso.

Também já se começa a pensar os problemas de organização interna que seriam ocasionados pela mudança para um espaço menor, com problemas no sistema de escala e também de locomoção para quem mora na zona rural.

Em 8 de agosto também foi realizada a segunda reunião do Conselho Municipal de Patrimônio Cultural, onde se traz a relação do clima frio com o aumento do turismo e uma iniciativa de reformas de alguns locais da cidade.

Uma contradição fica na declaração da artesã M. de que não teve reunião do Conselho nesse dia, o mesmo da entrevista, e sua assinatura constar na ata lavrada. Tanto que o nome da mesma não consta na escrita da ata.

Seguindo para a entrevista do dia 8 de setembro de 2014 tem-se citações diretas à precariedade do Centro Cultural, da estrutura de fiação elétrica ser muito antiga, terem ocorrido problemas de infiltração e de que a Associação já teve que arcar com a troca de uma janela quebrada por crianças que brincavam de bola na frente das mesmas.

A artesã entrevistada naquele momento também demonstrou claramente a preocupação sobre a permanência no local, citando que havia uma preocupação de algumas artesãs em ter de votar nesse prefeito atual para não perder os benefícios. A entrevistada discordou, já que se tratava de um prédio público e elas auxiliam na manutenção e atração turística, já que o museu que havia por lá foi retirado.

Continuados os procedimentos investigativos, foi observada uma ata da terceira reunião do Conselho de Turismo do município, datada de 22 de outubro de 2014, onde se diz que Maria da Fé não atingiu pontuação necessária para requerer o ICMS Cultural, subsídio para fomento do turismo e de eventos culturais. Também ficou evidente que mais eventos culturais seriam promovidos no ano seguinte para pleitear o mesmo. Esses dados, de acordo com a ata, foram descritos e apresentados pelo ator A., que foi figura presente em todas as atas. Novamente há assinaturas de várias pessoas, inclusive da artesã M. que não estava presente na ata lavrada.

Em uma visita posterior, a artesã M. comentou sobre a baixa pontuação do município na avaliação do ICMS Cultural. As artesãs também comentaram que a ideia era tornar o Centro Cultural uma rodoviária, o que entraria em conflito direto com os esforços de promoção cultural do município.

Em várias visitas foi citado o contato próximo do ator A. com a Associação, mas uma falta de interlocuções em relação à um auxílio na divulgação ou um possível auxílio na permanência da associação no Centro Cultural reconfiguraram essa relação, e os vetores de afetação se transformaram.

Buscou-se também as atas de reuniões de 2015, mas o último arquivo disponível é de julho de 2014 a dezembro de 2014. E não há uma agenda disponível das reuniões de 2014, nem de 2015. Esse tipo de registro ocorre apenas até o ano de 2013.

Seguindo com os cadernos de campos, temos dados de 7 de abril de 2015, durante uma oficina de Criatividade em Artesanato, onde citou-se a questão de organização interna e como lidar com uma gama muito grande de produtos num espaço menor, como o dos quiosques, que ofertariam um espaço bem reduzido em relação ao atual. Nessa época os quiosques ainda não eram uma certeza, e as artesãs esperavam que a ideia não se concretizasse. Em uma reunião posterior dessa oficina, realizada no dia 28 de abril de 2015, tem-se declarações referentes à necessidade de uma rodoviária. A artesã M. diz que é simplesmente pra prejudicar os moradores e que assim a prefeitura poderia ganhar mais dinheiro com a taxa de embarque, já que os pontos de ônibus mais próximos seriam excluídos

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e seria priorizada a rodoviária. Uma das artesãs presentes retrucou, dizendo que seria muito bom ter uma rodoviária oficial, que todas as cidades próximas possuíam uma, exceto Maria da Fé. Houve uma declaração de uma terceira artesã também referente à preocupação de uma reforma interna no Centro Cultural, devido esse ser um patrimônio histórico. Havia também o fato de que os artesãos gostariam que a lateral do mesmo se tornasse um museu pra voltar a atrair turistas.

Em 5 de maio de 2015, durante uma outra oficina foi trazido à tona novamente a questão dos quiosques, mencionados os problemas que viriam de uma organização interna, que teriam um gasto a mais, que seria mais complicado trabalhar com escalas e também a questão logística dos produtos devido questões de segurança. As artesãs pensam que os quiosques serão abertos.

Em uma ligação de uma das artesãs no dia 12 de agosto, tem-se uma reviravolta na controvérsia dos quiosques. Eles são finalmente aprovados e com prazo de finalização até julho de 2016, e ainda segundo ela, e elas terão de sair do Centro Cultural até essa data.

Com base nessas informações e traçados, construiu-se um diagrama de relações ator-rede, que pode ser observado na Figura 3.

Figura 3. Nuvem de palavras recorrentes nos trechos descrevendo a controvérsia. Fonte: Autores, 2015 (Feito por meio do site Wordle.net)

Como pode ser visualizado na Figura 3, várias palavras que foram citadas como portadoras de representatividade apareceram, algumas não por conta da utilização do nome diferenciado.

Com isso em mente e com todo o mapeamento de dados de pesquisa, trabalhou-se uma construção de uma linha do tempo utilizando-se o site Timeline7 envolvendo os momentos-chave que apareceram na análise dos dados. Ela é composta de duas páginas contendo a descrição da atividade da data em questão e uma pequena descrição do momento. Que pode ser visualizada na Figura 4.

7 Timeline do site Read, Write,Think. Disponível em:

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108 Figura 4. Linha do Tempo da Controvérsia sobre a Permanência do Local

Fonte: Autores, 2015. (Feito no site Timeline da ReadWriteThink)

Considerações finais

O interessante de se utilizar a cartografia de controvérsias na análise de dados da pesquisa de campo é verificar essa movimentação da rede e da complexidade da vida social. Foi também uma experiência interessante verificar como a configuração da rede pode se modificar a cada instante, tornando o que era certeza uma incerteza e a controvérsia se mostrando solidificar e voltar ao estado magmático conforme o tempo. Não é simples a tarefa de pensar essa complexidade de dados e atores de forma sucinta, até por conta da necessidade de valorizar todos os pontos de vista para entender as várias facetas da rede naquele momento em questão e ainda falta pensar maneiras diferenciadas de trabalhar esses dados coletados e visualizá-los, por conta dos estudos permearem trabalhos tecnocientíficos online e a presente pesquisa ter mais dados físicos ou coletados por meio de conversas. Os resultados dessa pesquisa também não são definitivos, já que podem surgir declarações de atores que reconfigurem toda a organização da rede e a modifiquem a favor de seus interesses. Como foi o caso da construção dos quiosques e a possível mudança de local da Associação Casa do Artesão do Centro Cultural. Entende-se também que a possibilidade de verificar tantos pontos foi a de estar presente enquanto a controvérsia ainda se fazia presente e ativa, não tinha se tornado uma caixa-preta, e dos pesquisadores estarem abertos para ouvir todos os atores, humanos e não humanos.

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Referências

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CAVALCANTI, M. F. R.; ALCADIPANI, R.. Organizações como processos e Teoria

Ator-Rede: A contribuição de John Law para os Estudos Organizacionais. Cad. EBAPE.BR, v.11,

n.4, artigo 4, Rio de Janeiro, p. 556-568, 2013

FREIRE, L. de L. Seguindo Bruno Latour: notas para uma antropologia simétrica. Comum. 2006, vol. 11, n. 26, p 46-65.

LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: Edufba, 2012.

__________. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. Tradução de Carlos Irineu da Costa. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994. Coleção Trans.

LAW, J. Perfil de John Law na Open University. Disponível em: <http://www.open.ac.uk/socialsciences/main/staff/people-profile.php?name =John_Law #profile> Acesso em 19 abr. 2014.

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THOMAS, H.; FESSOLI, M.; LALOUF, A. Introducción. In: Actos Actores e Artefactos. Org: Hernán Thomas, Alfonso Buch. Bernal: Universidad Nacional de Quilmes, 2013. p. 9-17.

VENTURINI, T. (2010). Diving in magma: how to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), p. 258–273.

VENTURINI, T. (2012). Building on faults: how to represent controversies with digital methods.Public Understanding of Science, 21(7), p. 796 – 812.

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Referências

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