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"We are the 99%" : os caminhos contraditórios do mo(vi)mento Occupy Wall Street

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

NARA ROBERTA MOLLA DA SILVA

“We are the 99%”: os caminhos

contraditórios do mo(vi)mento Occupy

Wall Street

CAMPINAS 2017

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INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

NARA ROBERTA MOLLA DA SILVA

“We are the 99%”: os caminhos

contraditórios do mo(vi)mento Occupy

Wall Street

Tese apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutora em Sociologia

Orientador: Prof. Dr. Jesus José Ranieri

Este exemplar corresponde à versão final da Tese defendida pela aluna Nara Roberta Molla da Silva e orientada pelo Prof. Dr. Jesus José Ranieri.

CAMPINAS 2017

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de defesa de Tese de Doutorado, composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 21/12/2017, considerou a candidata Nara Roberta Molla da Silva aprovada.

BANCA:

Prof. Dr. Jesus Ranieri (IFCH/Unicamp – orientador)

Prof. Dra. Ana Claudia Chaves Teixeira (IFCH/Unicamp)

Prof. Dra. Andréia Galvão (IFCH/Unicamp)

Prof. Dr. Marc Edelman (Hunter College e Graduate Center – CUNY)

Prof. Dr. Pablo Ortellado (EACH/USP)

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica da aluna.

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Para a Paula Mariana, a minha Paulinha – irmã e companheira de todas as horas, “até ficarmos velhinhas”

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Agradecimentos

Por muito tempo eu imaginei o dia em que eu escreveria os agradecimentos da minha tese. O ato de agradecer indicaria que haveria chegado, enfim, o momento que eu cuidadosamente planejara por tantos anos. Certamente, eu teria muito o que escrever e muito o que agradecer. Verdade, mas há de se lembrar também que o que a gente mais deseja é, por vezes, o que mais assusta a gente. Nada mais esperado do que, quando chegada a hora, ser então atingida por aquela sensação de que faltam as palavras, de que não se sabe o quanto de emoção colocar e quem especificamente nomear. Muita coisa muda em seis anos, não é mesmo? Mobilizei as minhas mandingas para lidar com o writer’s block que bateu quando justamente era para a escrita acabar de uma vez por todas. Mas nem precisava: era só lembrar que ninguém é obrigado ou obrigada a ler os agradecimentos. Que as páginas a seguir sirvam somente a quem interessar e a quem quiser lembrar ou relembrar que, por atrás do documento chamado tese, sempre há uma pessoa de carne e osso e que a vida, feliz ou infelizmente, não para que a gente possa fazer doutorado.

Em primeiro lugar, devo agradecer formalmente à Capes pelo apoio a esta pesquisa. Eu agradeço genuinamente ao meu Programa de Pós-Graduação, nas figuras dos Professores Sílvio Camargo, Michel Nicolau Netto e Mário Augusto Medeiros da Silva. A minha pesquisa não teria sido possível sem a confiança depositada em mim e o consequente suporte burocrático que o meu programa de pós-graduação sempre me deu. Aos funcionários do IFCH, em especial Christina Faccioni, Daniel Monte Cardoso, Sônia Beatriz e Priscila Gartier, o reconhecimento de que a universidade não anda nem um milímetro sem vocês. Muito obrigada por toda a ajuda nos diferentes estágios desta pesquisa. Ao Jeff Vasques, agradeço pelas sugestões durante a correção deste texto.

Ao meu orientador e amigo, Jesus Ranieri, obrigada pelos anos de parceria, por ter me ensinado a pensar complexamente o marxismo e a teoria social, sempre me tratando respeitosamente, de igual para igual – e isso não é pouca coisa num mundo competitivo e hierárquico como o nosso. À Professora Gilda Figueiredo Portugal Gouvea, pelo melhor conselho possível, “vai fazer pesquisa empírica, menina”, e por ter me acompanhado quando eu finalmente decidi segui-lo. Ao Omar Ribeiro Thomaz – imagina se todo mundo fosse brilhante como você, “marido”. Ao Ronaldo de Almeida, pelas discussões inesquecíveis sobre antropologia e marxismo.

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À Professora Ruth Milkman, por ter me recebido em Nova York, ter me encorajado a me jogar no campo e ser um exemplo de mulher forte na academia. Ao Professor Marc Edelman, por toda gentileza, confiança no trabalho como sua assistente e comentários certeiros, que sempre me faziam pensar um pouco mais sobre uma questão ou outra. Aos Professores Jim Jasper e John Krinsky, por me acolhido no PPW – Politics and Protest Workshop, cujas discussões foram tão importantes para que eu desabrochasse o e no doutorado.

Aos Professores Andréia Galvão, Ana Claudia Teixeira, Marc Edelman e Pablo Ortellado, agradeço demais a disposição de discutir este trabalho comigo – sobretudo considerando a inconveniente data – assim como agradeço aos membros suplentes, Professores Sávio Cavalcante, Cássio Cunha Soares e Santiane Arias. Ao Pablo Ortellado e à Santiane Arias, um agradecimento extra pelas sugestões durante o exame de qualificação.

Agradeço aos colegas da turma Mestrado e Doutorado 2012 pelo ótimo ano de “bixos” que tivemos juntos – em especial ao Vinícius “Xegado”, Sheyla Diniz, Carla Cordeiro, Márcio Moneta e Raphael Silveiras. Para o Henrique Pasti, que caminhou na Unicamp comigo desde a época da graduação, deixo registrada a minha admiração e a certeza do quanto sua amizade é importante para mim. A convivência com o Hélio Ázara de Oliveira e a Daniele Motta pode não ser mais intensa quanto o era no início do doutorado, mas os dois continuam no meu coração e nos meus pensamentos. À Maria Emília Castro, Miri, muita obrigada por ser a minha contínua inspiração na busca pela coerência com os meus/nossos valores. O Igor Figueiredo é outra pessoa que me inspira imensamente e de quem eu sinto uma falta danada no dia-a-dia. Minha amiga Tessy Priscila, quero ser a mulher incrível que você é quando eu crescer. Agradeço à Letícia Tarifa pela cumplicidade capricorniana de ser.

Agradeço também aos meus amigos da “turminha”, feliz pelo conforto que só a amizade de muitos anos dá. Em especial, às minhas queridas: Natália Helou Fazzioni, por sempre me ajudar a enxergar melhor as coisas e o melhor das coisas; Ana “Pura” Moraes Coelho, pela alegria assustadoramente contagiante; Maria Angélica Souza, pela inabalável sensatez; Giovana Moraes Suzin, pela doçura e pelos rolês corretos; Tatiana Gonçalves, por sempre ter uma palavra de ânimo e coragem; e Fernanda Leão, pelo conselho certo na hora certa. Eu passei alguns dos melhores momentos e alguns dos momentos mais difíceis desses anos de doutorado ao lado da minha segunda família: Karen Nunes, João Priolli e Caio Guerra – estando eles fisicamente perto ou longe de mim. Família é família, não tem jeito: eu sou uma pessoa melhor e mais feliz por causa de vocês três.

Lais Duarte e Luciana Kornalewski, meus anjos em Nova York, criar raízes nesta cidade não teria sido possível sem vocês – sem todas as dicas, o abrigo providencial e a amizade sincera

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que vocês me ofereceram e ainda me oferecem. Agradeço à Courtney Frantz, que me ajudou tanto na adaptação à academia dos Estados Unidos. Thanks às minhas roommates: Sinead Hennessy, Allison Eddy, Marlena Ryan e Roni Juszczyk – sabemos que nem tudo foram flores, choque cultural existe, mas eu ri muito e aprendi muito com vocês e é isso que importa no fim das contas. Absolutamente nada do que eu disser poderá expressar a dívida enorme e o amor gigante que tenho por Emili Aström e Andrew Thompson – eu sou realmente muito sortuda por ter cruzado com vocês. Dank, claro, à Jana Gilbert, minha alemã favorita. Ao Theo, 3, India, 5, e Wyeth, 8, obrigada pelas tardes em que me fizeram esquecer da escrita da tese e das tensões da vida adulta e por contribuírem para a minha pronúncia em inglês melhorar exponencialmente – “Por que você fala engraçado?” O meu respeito ao passado me obriga a registrar que o Brad Lloyd inspirou algumas das melhores passagens desta tese. Que pena que, do processo todo, ele só conseguiu enxergar os finais de semana perdidos, a ansiedade, a instabilidade financeira e as dúvidas sobre o futuro. Portanto, o meu respeito ao passado também me obriga a registrar aqui a mediocridade que dele é característica.

Eu sei que deixei meus pais aflitos com a escolha pelo doutorado. Pessoas como eu arriscam muito ao tentarem caminhar pelas trilhas elitizadas da carreira acadêmica – e eles bem que tentaram me avisar, do jeito deles... Seu Paulo Roberto e dona Paulina, obrigada por terem chegado ao final comigo. Sem a resiliência que vocês forjaram em mim desde cedo, essa loucura toda provavelmente não teria dado certo. Como se viu páginas atrás, a dedicatória desta tese é para a minha irmã, Paula. Sem o apoio emocional e, em certos momentos, o apoio financeiro dela, eu não teria conseguido terminar este trabalho. Simplesmente nenhum outro nome seria possível naquela folha.

Meu reconhecimento aos meus alunos da Unifal-MG, com quem eu trabalhei no segundo semestre letivo de 2012. A experiência com vocês manteve vivo durante os anos subsequentes o motivo pelo qual eu escolhi essa carreira, por vezes tão ingrata. Por fim, um agradecimento aos

occupiers, em especial àqueles e àquelas que dividiram sua experiência comigo. Meu sincero

respeito à ousadia de vocês, a despeito de qualquer crítica. Um beijo – porque eu sou brasileira – àqueles e àquelas que se tornaram meus amigos e minhas amigas e que fizeram e fazem da minha vida em Nova York ainda melhor.

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“I guess in the future I would be more careful, more… not jumping into something with… But then you can’t really… Of course, in a moment like that there is this kind of throwing-off chains and people wanting to take action, this global uprising, like you are gonna have tons of new people and people with different agendas trying to push it, so like I don’t think that is actually something that can be resolved.” “The thing that I hate, that’s why I stopped going to grad school, is people saying ‘Occupy should do this, Occupy should do that.’ Sure, great, go and fucking make it happen. Not only not understanding the difficulties, the ability of what you are saying, but also... There was so much armchair criticism of Occupy, like you seat in a chair and ‘you should do this,’ you know, not understanding… so you know… so it’s hard for me still to understand what are the good things that made Occupy and what were the bad things that were relying on the good things. What could we actually have done differently that would have changed the encampment?” “I’m haunted by Occupy, you know, there are all these ghosts in people, in books, and projects, and…” “I think… I think I changed because of the movement, it changed me… I feel… in some ways lucky because I got the chance to be part of it. I’m really glad I did it, I don’t know if it showed up now if I would do it, I feel lucky I made the decision of doing it.”

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Resumo

A tese discute a prática política do movimento Occupy Wall Street, surgido em 2011 na cidade de Nova York, dando particular atenção à sua estrutura de organização. Como ponto de partida, a investigação considera dois aspectos na literatura relacionada ao Occupy Wall Street e aos estudos de movimentos sociais: por um lado, a pesquisa concentra-se nas especificidades do movimento nova-iorquino, deslocando-o momentaneamente da discussão sobre o ciclo de protestos de 2011 dentro do qual é geralmente avaliado; por outro lado, a pesquisa realça a escassez de reflexões sobre a questão da organização nos movimentos sociais. O debate sobre a estrutura de organização do Occupy Wall Street emerge a partir de pesquisa in loco, na cidade de Nova York, no que a autora define como uma abordagem inside out [de dentro para fora]. Sendo assim, a pesquisa apoia-se em análise de documentos, observação participante e entrevistas semiestruturadas com ativistas, além de levantamento bibliográfico. Os quatro capítulos da tese levam à conclusão de que a estrutura de organização do Occupy Wall Street – aberta, flexível, horizontal, formalmente sem líderes – é crucial em sua trajetória, sendo a sua potencialidade e, ao mesmo tempo, a sua limitação, a fonte de seus atributos positivos e também de seus atributos negativos. A estrutura de organização adotada pelo movimento é, então, fundamental para a compreensão de sua prática política. Como implicações teóricas, a tese ilumina, enfim, a importância de um conceito ampliado de ideologia, que concebe este fenômeno enquanto representação a moldar a prática, e abre caminho para a avaliação da relevância da categoria totalidade nos estudos de movimentos sociais.

Palavras-chave: movimento de ocupação de Wall Street; movimentos sociais; ideologia; democracia; movimentos de protesto.

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Abstract

The dissertation discusses the Occupy Wall Street movement, which emerged in New York City, 2011. It focuses on the movement’s political practice by shedding light on its organizational structure. The investigation is motivated by two shortcomings found in the literature related to Occupy Wall Street and social movements studies. On the one hand, it zooms in on the specificities of the New York City context, momentarily shifting the discussion away from the debate on the 2011 cycle of protests within which the Occupy Wall Street is often assessed. On the other hand, the investigation considers the scarcity of reflections on the organizational feature in and of social movements. Concerns with the Occupy Wall Street’s organizational structure emerged out of an on-site investigation in New York City, with what the author defines as an inside-out approach. Therefore, alongside the review of the literature, the research relies on document analysis, participant observation, and in-depth interviews with activists. The four chapters lead to the argument that the Occupy Wall Street’s organizational structure – open, flexible, horizontal, formally leaderless – is crucial for its outcomes, and it marks both its merits and limitations. The organizational structure adopted by the movement is thus paramount to understand its political practice. As of theoretical implications, the dissertation amplifies the significance of a systemic perspective in the analysis of social movements and collective action as well as confirms the importance of an expanded concept of ideology. A systemic perspective is grounded in a Marxist ideal of totality whereas an expanded concept of ideology considers it as a representation that intimately shapes practice.

Keywords: Occupy Wall Street (Movement); social movements; ideology; democracy; protest movements.

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Lista de Ilustrações

Figura 1 – Pôster Lançado na Edição de Julho de 2011 da Revista Adbusters Figura 2 – Esquema Estilizado de Securitização de Créditos Subprime

Gráfico 1 – Parcela dos Rendimentos do Decil Mais Elevado Entre 1917 e 2002 nos Estados Unidos

Figura 3 – Financial District e Locais Importantes Para o OWS Figura 4 – Mapa da Ocupação no Zuccotti Park

Figura 5 – Principais Sinais Gestuais Utilizados no OWS Figura 6 – Como Chegar ao Consenso

Figura 7 – Arte da Declaration of the Occupation

Gráfico 2 – Desempenho dos Índices Nasdaq (vermelho), Dow Jones (azul) e S&P500 (verde) de Janeiro de 2008 a Dezembro de 2012

Figura 8 – Flyer Para o Day of Rage Against the Cuts, em 24 de Março de 2011 Figura 9 – Ilustração do Occupy Wall Street Screenprinters (criação de Ray Cross)

Figura 10 – Item de The Occupied Wall Street Journal Issue 4 Poster Folio (criação de Matt Huynh através do Occu-Print)

Figura 11 – Menções do Termo “Desigualdade de Renda” na Imprensa Estadunidense de Janeiro de 2011 a Novembro de 2012

Figura 12 – Ciclo de Movimento

Figura 13 – Ilustração de Occupy Wall Street Screenprinters (criação de Edd Baldry) Figura 14 – Zuccotti Park, abril de 2016

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Lista de Abreviaturas e Siglas

1

32BJ SEIU Service Employees International Union, Local 32BJ (União Internacional dos

Trabalhadores de Serviço, Federação 32BJ)

AFL-CIO American Federation of Labor and Congress of Industrial Organizations

(Confederação Americana do Trabalho e Congresso das Organizações Industriais) CI Comitê Internacional

DAN-NYC Direct Action Network – New York City (Rede de Ação Direta – Nova York)

Fannie Mae Federal National Mortgage Association (Associação Hipotecária Federal)

FCIC Financial Crisis Inquiry Commission (Comissão de Investigação da Crise Financeira)

Fed Federal Reserve System (Sistema de Reserva Federal)

Freddie Mac Federal Home Loan Mortgage Corporation (Corporação Federal de Empréstimo Hipotecário)

FSM Fórum Social Mundial

Ginnie Mae Government National Mortgage Association (Associação Hipotecária Governamental em Âmbito Nacional)

ISO International Socialist Organization (Organização Socialista Internacional)

NAACP National Association for the Advancement of Colored People (Associação Nacional para o Avanço de Pessoas de Cor)

Nasdaq National Association of Securities Dealers Automated Quotations (Associação

Nacional de Corretores de Títulos de Cotações Automáticas) NPC National Planning Committee (Comitê de Planejamento Nacional)

NWSF Northwest Social Forum (Fórum Social da Região Noroeste)

NYABC New Yorkers Against Budget Cuts (Nova Iorquinos Contra Cortes no Orçamento)

NYCGA New York City General Assembly (Assembleia Geral da Cidade de Nova York)

NYPD New York Police Department (Departamento de Polícia de Nova York)

OMC Organização Mundial do Comércio

ONG Organização não-governamental

ONU Organização das Nações Unidas

1A tradução das expressões em língua estrangeira presente nesta lista foi feita pela autora deste trabalho, assim

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ORGS Occupy Research General Demographic & Participation Survey (Survey Geral

de Demografia e Participação para Pesquisa do Occupy movement) OWS Occupy Wall Street

PIB Produto Interno Bruto

PPACA Patient Protection and Affordable Care Act (Lei de Proteção e Cuidado Acessível

ao Paciente)

PT Partido dos Trabalhadores

SDS Students for a Democratic Society (Estudantes por uma Sociedade Democrática)

SEC Securities and Exchange Comission (Comissão de Valores Mobiliários e Câmbio)

SNAP Supplemental Nutrition Assistance Program (Programa de Assistência para

Suplementação Alimentar) S&P500 Standard & Poor’s 500

UFT United Federation of Teachers (Confederação Unida dos Professores)

UI Uemployment Insurance (Seguro Desemprego)

URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

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Sumário

Introdução – Descobrindo o Occupy Wall Street e os caminhos a serem trilhados ... 17

Capítulo 1 – História de um Movimento ... 59

Sobre os documentos selecionados e o olhar sobre os documentos ... 60

Primeiro ato: Promessa ... 68

Primeiro entreato: Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme ... 76

Segundo ato: Ascensão ... 83

Segundo entreato: Deu no New York Times... 92

Terceiro ato: Indefinição e incerteza ... 100

Quarto ato: Algumas flores na primavera ... 108

Terceiro entreato: O esqueleto do OWS ... 113

Quinto ato: Primeiro aniversário e além ... 120

Capítulo 2 – Nós Que Aqui Estamos Por Nós Esperávamos ... 130

Momento Tahrir nos Estados Unidos ... 133

Faíscas entre as esquerdas ... 144

Precisamos falar sobre anarquismo ... 155

Um movimento de movimentos ... 171

A herança do altermundialismo nos Estados Unidos e em Nova York ... 182

O novo do velho, o velho do novo ... 196

Capítulo 3 – O Dia Todo, A Semana Inteira ... 202

O meme ... 207

É sobre classe e um pouco mais... 217

Gênero ... 227

Raça ... 232

Classe ... 238

É o processo, estúpido ... 255

Capítulo 4 – O Que Vocês Querem? Quando Vocês Querem? ... 267

Politburo 2.0... 271

O político é pessoal ... 288

O Occupy depois do Occupy ... 304

Considerações Finais – Vícios e Virtudes do Occupy Wall Street ... 318

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Anexo I – Interview Grid (First Round) ... 363

Anexo II – Tabela de Entrevistados (Primeira Rodada) ... 365

Anexo III – Interview Grid (Second Round) ... 370

Anexo IV – Tabela de Entrevistados (Segunda Rodada) ... 371

Anexo V – Declaration of the Occupation ... 372

Anexo VI – Principles of Solidarity ... 374

Anexo VII – Statement of Autonomy ... 376

Anexo VIII – Good Neighbor Policy ... 377

Anexo IX – Adbusters’ Call ... 378

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Introdução – Descobrindo o Occupy Wall Street e os caminhos a serem

trilhados

“Occupy will never die”

Quando as atividades do terceiro aniversário do movimento Occupy Wall Street (OWS) estavam terminando, a frase da epígrafe foi cantada por uma mulher negra posicionada nas escadas do New York Federal Reserve Hall, em Wall Street, e depois repetida algumas vezes, quase em uníssono, pelo grupo de cerca de 50 pessoas que ali estavam – antes que todos tirassem os crachás e as etiquetas das camisetas e se encaminhassem para o metrô. Bom, eu pelo menos precisava pegar o metrô, estava tarde já. Eu segui rumo a oeste, virei à direita na Broadway e fui caminhando em direção ao norte. Este caminho fazia com que eu inevitavelmente passasse em frente ao Zuccotti Park mais uma vez. Fiz questão de retratar o meu pensamento no caderninho a esta hora: “O parque é uma graça! À noite, acendem umas luzes no chão, ele fica super agradável. Não é bem um parque, né, mas uma praça – com chão, bancos e mesinhas de concreto, árvores em sua maioria com tomadas” (nota de campo, 17/09/2014).

O dia tinha sido longo. Eu chegara lá um pouquinho depois das 8h. Não conhecia o trajeto que me levaria até o parque e nem conhecia a região do sul da ilha Manhattan direito – na verdade, eu não conhecia nada direito. Chegando por ali, perguntei para um transeunte onde ficava o Zuccotti Park e, para o meu estranhamento, ele não sabia do quê eu estava falando. Ué, achei que todo mundo saberia onde era o famoso parque, aquele que fora palco de um dos maiores protestos recentes dos Estados Unidos e, aparentemente, parte da onda global de protestos do ano de 2011. Pode parecer um acontecimento irrelevante que uma pessoa aleatória não o soubesse, mas me despertou uma leve angústia: tinha eu uma noção minimamente acurada do que estava me propondo a estudar?

Encontrei o parque a partir das direções anotadas no papelzinho que guardei dentro do bolso mesmo e lá já estavam, sentadas em uma das mesinhas de concreto, cerca de sete ou oito pessoas. Claramente eram amigas – ou, no mínimo, já se conheciam. Roupas pretas, broches nas mochilas e nos casacos, coturno. Tentei dar um sorriso em direção a eles, mas ninguém retribuiu. A típica (estereotipada?) imagem dos jovens anarquistas norte-americanos da atualidade. Também havia um rapaz de cerca de 20 anos, sozinho em um canto e segurando uns

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panfletos – mas sem distribuir (ainda). Dois ou três senhores e senhoras – um deles com uma bandeira de Veterans for Peace. Um cara estilo “Maluco Beleza”, negro, andando para todo lado. Um cara branco, meia idade, sentado sozinho. Um casal de adultos que eu classificaria como jovens senhores – mas que eu não sabia se estava ali para participar ou não. Os conhecidos conversavam entre si, mas não havia interação fora dos grupinhos. No máximo, algumas pessoas eram simpáticas – um sorrisinho, um levantar das sobrancelhas – por conta do frio matinal que estava fazendo.

Havia imprensa àquela hora e mais repórteres foram chegando a partir das 9h e pouco – e foram embora mais ou menos no começo da tarde. Pareciam ser canais de mídia independente ou canais locais – nenhum daqueles canais grandes que eu conhecia da TV a cabo. Em torno desse horário das 9h e pouco, mais gente começou a chegar também – até então, era quase um ou dois policiais para cada manifestante em um parque completamente cercado por grades de metal trazidas pela polícia. Ganhei um panfleto com a agenda do dia, que havia sido organizada pelo OccuEvolve (“hum, o que seria isso?”, pensei na hora). A agenda do panfleto era a mesma que eu vi no evento do Facebook – descoberto uns dias antes através das minhas buscas na tal rede social, levando-me então a ir ao parque naquele 17 de setembro de 2014. Durante o dia, fui fazendo um check no que acontecia e no que não acontecia da programação. O teach-in sobre encarceramento em massa foi, na verdade, uma única fala, relativamente rápida, por parte de um senhor; o teach-in sobre meio ambiente não ganhou um check na minha lista; a marcha que sairia do parque às 17h não aconteceu por falta de quórum. Por outro lado, algumas pessoas se dispuseram a descer um tantinho a Broadway e ir até o Charging Bull, a estátua de bronze na forma de um touro localizada perto de Wall Street e que representa a prosperidade e o otimismo das finanças2. Seguraram-se cartazes, falaram-se algumas palavras, gritaram-se e cantaram-se

outras – mas nada no estilo tradicional de “falas” organizadas em uma ordem. A estátua também estava cercada por barricadas de metal e ouvi alguns turistas reclamando com os policiais por não poderem tirar foto – “é por causa deste pessoal aqui?”. Sim, era.

Na hora do chamado People’s Voice, deu para sentir um pouco da dinâmica do mic check – onde alguém diz algo e quem está ao redor repete para que todos e todas possam ouvir. Quando alguém demorava muito para dar o seu recado, as pessoas desanimavam, paravam de falar. Percebi uma maneira silenciosa – e nada sutil – de cortar ou limar as pessoas com quem não se concorda ou acha nada a ver: simplesmente não repetindo o que ela fala. Durante este

People’s Voice, as pessoas se apresentaram, algumas falaram das razões para estarem ali e

2 Considere a velha expressão bull market – mercado de touro, cujo registro formal data de, pelo menos, idos do

século XVIII e indica um mercado financeiro no qual os preços dos papeis estão a crescer, encorajando a compra e a especulação.

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outros divulgaram eventos que aconteceriam em breve. Durante as falas, um homem branco na calçada levantou uma placa com os dizeres “Google It! Jews control America” [Pesquise no Google! Judeus controlam a América]. Começou um murmurinho e um princípio de confusão nessa hora. Um pessoal foi até ele e pediu – em vão – para que abaixasse a placa. A imprensa, presente no parque até aquele momento, estava filmando tudo. Escutei alguém dizendo que iriam pensar que ele fazia parte do evento. Alguém então escreveu numa folha de sulfite “not

with us” [não [está] com a gente] e se prostrou ao lado do cara como uma sombra, balançando a

folha para chamar a atenção. O desconforto persistiu por algum tempo, mas depois o cara da placa ficou lá, sozinho na esquina mais a noroeste do parque, sem muito alarde.

Quando se anunciou que se recolheria dinheiro para ajudar a pagar a comida que fora encomendada, aproximei-me de quem carregava o chapéu das contribuições e perguntei: “Posso ajudar a pegar o dinheiro?”. Os dois homens fizeram uma cara de desconfiados, entreolharam-se rapidamente e depois me encararam por uns dois segundos. Um deles deu o sinal para o outro, sem me olhar – “Tudo bem...”. E lá fui eu com o chapéu na mão – “é para a comida”. Após meus primeiros passos coletando os trocados, surge – do nada – o “Maluco Beleza” (aquele!) e me dá um crachá deste terceiro aniversário – um crachá bem no estilo “firma”, de plástico e com uma cordinha para pôr no pescoço. Pensei comigo mesma se eu, de alguma forma, fazia parte daquilo que estava acontecendo. Concluí que sim. Caminhei mais pela porção leste do parque, onde as pessoas se encontravam de forma dispersa. Notei que dispersão era uma coisa constante – “mas mesmo durante o People’s Voice, nem todo mundo ficava junto, vale comentar” (nota de campo, 17/09/2014).

A maior concentração ocorreu na hora da roda sobre mídia independente – que funcionou, na verdade, como uma saudação e uma apresentação dos grupos que estavam lá. Mas, nessa hora, o parque lotou de gente das redondezas, em horário de almoço. Não dava para escutar a roda direito, não dava para saber quem estava ali no parque pelo evento embora não estivesse participando da roda naquele momento, não dava para saber quem estava só de passagem, descansando ou só “de boa” na hora do almoço. Somente depois de alguns meses morando em Nova York que realmente me dei conta de que ali é, de fato, o coração do chamado Financial District e do quanto é esta uma região extremamente importante do ponto de vista econômico e político – Wall Street e o Complexo do World Trade Center encontram-se a poucos minutos a pé daquele parque. É uma área com um fluxo constante de inúmeras pessoas que trabalham por ali ou que estão na cidade a passeio.

Em um momento da roda, chegou a vez de um rapaz vestindo um turbante. Antes de se apresentar e começar a falar, ele sentou no chão, com as pernas cruzadas, e tocou um pouco do

(20)

seu pífano. Segundo ele, a mudança aconteceria a partir de nós, de dentro para fora – no sentido que precisamos mudar nós mesmos para que as coisas mudem. O amor seria um elemento essencial para esta mudança, a qual não ocorreria através de um único foco, mas de vários, múltiplos focos. Enquanto ele falava, uns jovens aparentando vinte e poucos anos, negros e/ou latinos, calças largas e tênis, chegaram ali perto, ligaram o som alto – uma batida que me lembrou hip hop – e começaram a falar alto também, claramente tentando tumultuar. Faziam chacota do que o rapaz de turbante dizia. Um dos membros do OccuEvolve aproximou-se deles, estilo “dando uma intimada”. Tensão. Escutei um dos “provocadores” perguntar, em tom de enfrentamento, o que eles todos ali reunidos diriam se fossem até o Bronx3. O membro do OccuEvolve, negro como o era seu interlocutor, respondeu que falaria dos jovens negros sendo

perseguidos e presos e que eles, ali com o seu som alto, não estavam nem aí para isso. “Como você sabe que eu não estou nem aí?” Não escutei a frase imediatamente seguinte, mas todo mundo ficou bem nervoso e chegou-se na iminência da agressão física – o que só não aconteceu por conta da intervenção da famosa “turma do ‘deixa disso’”, segurando os exaltados de um lado e do outro. Preocupei-me com a possibilidade de intervenção policial e alguém – ou todo mundo – ser preso. Paranoia ou não, só conseguia olhar para a polícia e, para minha surpresa na hora, ela nem se mexeu. O clima desconfortável de confusão e briga perdurou um pouco e, para apaziguar, puxaram uma roda “O que o Occupy significa para mim”.

Passei um tempo conversando com duas pessoas que eu tinha acabado de conhecer e que também estavam sozinhas ali no parque, como eu. Havia uma atmosfera generalizada de conversa informal em pequenos grupinhos, algumas pessoas batiam tambores e eu lembro que aquilo me irritou um pouco – “dava uma leve atrapalhada” (nota de campo, 17/09/2014). A comida chegou no começo da noite, bastante coisa, cozinha profissional. Depois do jantar muito gostoso, rolou uma nova roda, que era para servir como uma assembleia. Muita gente já tinha ido embora com o anoitecer e havia algumas pessoas que continuavam em suas rodinhas, sem participar da roda maior. Eu mesma demorei um tanto para me juntar. No final do jantar, o Chris – o rapaz segurando uns panfletos pela manhã, sozinho em um canto quando eu cheguei ao parque – “começou a falar coisas pessoais dele, achei importante escutar e não cortar” (nota de campo, 17/09/2014). Eu e ele iniciamos uma conversa algum tempo depois de estarmos nós dois sentados sem fazer nada logo no início da manhã, enquanto esperávamos as atividades do aniversário do OWS começarem. Ele foi minha companhia durante o dia todo, tinha vindo de Washington D.C. só para aquilo. Eu fui, honestamente, captada por aquele papo na hora da

3 The Bronx é um dos distritos [boroughs] da cidade de Nova York, localizado mais ao norte. Tradicionalmente

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janta, em meio ao qual eu perdi a noção do tempo e falei com um (quase) estranho sobre o que eu pensava sobre o futuro, militância, carreira, relacionamentos e filhos. Em um momento, olhei para a roda/assembleia e pensei que deveria estar lá, fazendo a minha pesquisa. “Mas aqui está tão legal...”, provavelmente eu pensei. Foi somente depois de alguns meses, após ter lido muitos relatos da ocupação e conversado com occupiers, que a sensação de culpa do “eu deveria estar lá” deu lugar à compreensão de que aquela conversa com o (quase) estranho também era “estar lá”, também era fazer a minha pesquisa.

Quando Chris e eu finalmente nos juntamos à roda, a discussão era sobre uma proposta de Occupy UN após a People’s Climate March, que seria naquele domingo próximo e prometia ser grande. Quem fazia a fala naquele momento defendia a importância de um lugar físico para uma ocupação, ou ao menos para uma tentativa de ocupação, nem que fossem para eles serem presos. Caso fossem, iriam ao menos criar um fato político, com muito mais gente supostamente se mobilizando para apoiar, ajudar, divulgar. Quando o sujeito terminou, o Chris foi entregar o seu panfleto sobre o Citizens United4, como havia feito muitas vezes ao longo daquele dia, tentando travar uma discussão com as pessoas sobre ter um foco, distinguir e atingir o cerne do problema – que, para ele, seria retirar o dinheiro da esfera política, separar a influênca do dinheiro na política. Ele discordava de quem promovia a criação de vários grupos e subgrupos. Mas muita gente ali falava da existência de vários grupos para ressaltar que o OWS ainda estava ali – não da mesma maneira, não como antes, mas que o movimento não tinha, de forma alguma, acabado. Vi pessoas falando sobre coletivos de mídia que haviam criado e/ou dos quais faziam parte. Vi pessoas falando sobre um Occupy Weed Street para a legalização da maconha e sobre um Occupy Wall Street Alternative Banking Group. Nas discussões – sejam as informais ou aquelas da agenda “oficial” – escutei uma pessoa falar sobre uma aliança com o chamado Tea

Party, outra pessoa explicar que a mudança do sistema exige calma e paciência por ser muito,

muito lenta e uma outra comparar a dificuldade de alguns movimentos sociais e grupos de esquerda do Brasil em fazer a crítica do Partido dos Trabalhadores (PT) que eu mencionara com a atitude do movimento negro dos Estados Unidos em relação à presidência de Barack Obama. A diversidade de assuntos e temas que surgiram ao longo daquele dia refletiu-se na diversidade de panfletos que eu recebi – por exemplo: informe do October 22 National Day of Protest to

4 “Citizens United é uma organização dedicada a restaurar nosso governo ao controle dos cidadãos. Através de uma

combinação de educação, advocacia e organização de base, Citizens United procura reafirmar os valores americanos tradicionais de governo limitado, liberdade de iniciativa, famílias fortes e soberania nacional e de segurança. O objetivo de Citizens United é restaurar a visão dos pais fundadores [founding fathers' vision] de uma nação livre, guiada pela honestidade, senso comum e boa vontade de seus cidadãos” (http://www.citizensunited.org/who-we-are.aspx). Citizens United é uma organização conservadora e, em 2010, conseguiu na Suprema Corte que se estabelecesse a possibilidade de gastos ilimitados em eleições por parte de indivíduos e corporações.

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Stop Police Brutality, Repression and the Criminalization of a Generation; anúncio do Confront the 1% World Busine$$ Forum: From Ferguson to Gaza to Low Wage Jobs Enough is Enough – Protest Wed. Oct 8, 4PM in front of Radio City Music Hall 6th Ave and 48th St.; a festa Rage

against the dying of the light in solidarity and in concert with the People’s Climate March; o

evento Maysles Cinema is Hosting an Encore Screening ‘Miners Shot Down’ Followed by

Discussion: Is this Mandela’s Legacy?; uma lista sobre Why Occupy Wall Street?; uma cartilha

sobre How to Overthrow the Illuminati.

Um pouco antes de sairmos em direção a Wall Street, para nos acomodarmos aos pés da estátua de George Washington em frente ao Federal Reserve e escutarmos o coro de que o

Occupy will never die [Occupy nunca vai morrer], anotei: “Algo a ser comentado e que me

impressionou é que havia muitas pessoas mais velhas no rolê, bem mais do que pessoas jovens. Além daqueles anarquistas que ficaram eternamente no mesmo canto, tinha só mais uns poucos (contando comigo e os dois que se juntaram a mim). Muitos adultos e muitos já com mais de 40, 50 anos... Talvez sejam antigos ativistas que pegaram a onda do Occupy, é preciso investigar” (nota de campo, 17/09/2014). Àquela época, notar a presença de ativistas mais velhos era algo, para mim, dissonante da imagem do OWS como um movimento jovem, de millennials5. Esta seria outra questão que eu resolveria com o tempo e o desenrolar da pesquisa, através do contato com os ativistas e da percepção do cenário recente da esquerda nos Estados Unidos.

Mesmo tendo ficado um pouco confusa por ter visto tais ativistas mais velhos em grande número, considerei, no caminho para casa, que aquele evento, onde circularam entre 150 e 200 pessoas ao todo, muito provavelmente me deu uma boa percepção, uma boa ideia do que acontecera naquele pequeno parque no ano de 2011. Eu podia respirar aliviada. Porém, no que eu comemorava a minha primeiríssima atividade de pesquisa in loco, realizada somente 13 dias após ter chegado em Nova York, lembrei-me do que me dissera um dos meus contatos, localizado previamente à minha chegada. Quando comentei que tinha visto sobre o terceiro aniversário do OWS no Facebook e que iria participar, meu contato disse que era “um pessoal muito zoado que está organizando, não é o que era o Occupy”6.

E agora? Aquilo era ou não era o OWS? Como pensar o movimento iniciado em 2011 que falava tanto em democracia direta, sem endereçar uma demanda ao Estado, chamou a atenção do país e do mundo todo ao questionar a desigualdade econômica e certas bases do

5 Millennials são aqueles e aquelas que formam a geração nascida entre os anos 1980 e 2000, sendo os jovens

adultos do início do século XXI.

6 Falarei adiante como foi o contato com occupiers e como reporto, nesta tese, as informações obtidas através de tal

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sistema capitalista e, ainda assim, era desconhecido ao transeunte às redondezas do parque que foi seu nascedouro? O OWS morreu ou não morreu? O que foi e o que é, afinal, o OWS?

*****

Escrever uma tese sobre o OWS pareceu, em vários momentos, uma tarefa deslocada no tempo, uma proposta um pouco fora de timing. Quando iniciei o doutorado, em 2012, era preciso lidar com a desconfiança daqueles e daquelas que, por diversos motivos, questionavam o por quê de se estudar algo que acontecera no segundo semestre de 2011 e que, ao que tudo indicava, não existia mais. Afinal, o movimento chamava-se Occupy Wall Street e emergiu por conta de uma ocupação em um parque – ocupação que só durou, por sua vez, dois meses. Já em setembro de 2014, no começo das atividades in loco, eu me tornei “mais uma pesquisadora que estuda o Occupy” – e o mais uma era um aspecto que não provocava empolgação em quem fazia o enunciado. A desconfiança tornara-se aquela de “por que eu tenho que ler mais um trabalho sobre o Occupy” – com o qual já se gastou tanta tinta – e era preciso lidar com questionamentos como “você não acha que chegou muito atrasada?”. Comentários do tipo “faz tanto tempo já” não raramente surgiam em entrevistas e conversas com occupiers e fortaleciam a sensação de uma espécie de descompasso entre os eventos e a tarefa a que eu me propunha, entre o acontecimento histórico e a minha proposta de entendê-lo.

Os dilemas acima ajudaram e ajudam a elucidar, antes de tudo, o que esta tese não é. Em primeiro lugar, esta tese não é uma etnografia do OWS – apesar da narrativa ao início desta Introdução. Formalmente, o OWS teve início no dia 17 de setembro de 2011, com a ocupação do Zuccotti Park. A ocupação durou até o dia 15 de novembro do mesmo ano. Eventos e atividades relacionadas ao OWS persistiram por meses, anos. Alguns podem ousar dizer que persistem até hoje. Mas mesmo que se defenda tal persistência e que se afirme que o OWS ainda está vivo – para retomar uma questão anterior –, sua configuração é, sem nenhuma dúvida, totalmente distinta. Desde a reintegração do Zuccotti Park, não houve um espaço comum que pudesse ser qualificado como característico do movimento e nem uma instância que pudesse ser tomada, mesmo que só formalmente, como soberana. As iniciativas multiplicaram-se, seguindo uma tendência existente no OWS desde seu início. Os pontos de contato entre o que surgiu naquele parque em Lower Manhattan e as atividades e eventos que se desenrolaram posteriormente foram se tornando mais e mais difusos, voláteis. Definir quem participava, quem era um(a) occupier tornou-se uma empreitada ainda mais difícil. Os cenários com quais se relacionava o OWS em seu início – a cidade de Nova York, os Estados Unidos e o mundo –

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mudaram, juntamente com as correlações de forças. Quando à minha chegada em Nova York, seria possível uma etnografia de, no máximo, algum ou alguns subgrupos do OWS – o que não foi a minha escolha.

Em segundo lugar, a presente tese não é um relato interno do OWS. Em função da própria dinâmica temporal que eu mencionei, não seria possível oferecer uma tal perspectiva interna. É importante, porém, salientar que não é somente devido à data do início das minhas atividades in loco que eu não posso fazê-lo. Ao longo dos meses, ficou paulatinamente mais claro que fazer parte do movimento significa(va) também possuir certos laços, ser reconhecido ou reconhecida como confiável, como parceiro ou parceira por outros e outras occupiers, nutrir certas bases de confiança mútua. Para ilustrar isso, valho-me de uma nota de campo:

Hoje, conversando com a Lais [minha anfitriã durante o primeiro mês em Nova York] antes de dormir, comentei que queria conhecer as pessoas, fazer entrevistas, essas coisas. Quando eu comentei que queria entrar na lista de emails, ela fez uma cara de tipo “putz” e disse: “nossa, queri, desiste. Nem eu consegui entrar. Eles têm medo de infiltrados e tal...”. Eu fiquei meio sem graça e disse que podia ao menos tentar, por que não, né... Ela desconversou dizendo: “olha... O Occupy é um grande grupo de amigos, você tem que sair com eles, ficar amiga deles. Eles até que são bem abertos... Eu acho...” (nota de campo, 09/09/2014).

Falar em laços, reconhecimento, proximidade é, certamente, complexo e não significa o preenchimento de certos requisitos, concebidos deliberada e igualmente por todos e todas que se identificam com o OWS. Uma mesma pessoa pode ser classificada como confiável por uma, oportunista por outra e assim por diante. Mas a existência de relações pessoais dentro do movimento e a forma como elas se desenrola(ra)m correspondem sim à emergência de certos desafios e certas questões para a pesquisa e o modo como eu os equacionei metodologicamente será explicado adiante, ao longo das três próximas seções. O mais importante, por ora, é compreender que, mesmo que eu tivesse assistido e tomado parte em alguns dos eventos centrais do/para o OWS, outros fatores seriam relevantes para construir uma pesquisa baseada na chamada perspectiva interna – e não simplesmente estar fisicamente presente ali.

Em terceiro lugar, enfim, esta tese não aborda o OWS prioritária e exclusivamente sobre a perspectiva de que ele é ou seria um capítulo do ciclo global de protestos (cf. Carneiro, 2012). Há de se lembrar que, em 17 de dezembro de 2010, o jovem de 26 anos Mohamed Bouazizi imolou-se em frente à sede de um governo municipal em seu país, Tunísia, em decorrência de uma abordagem policial que sofrera. A morte de Bouazizi, em 5 de janeiro de 2011, intensificou os protestos que haviam tomado conta da Tunísia desde sua tentativa de suicídio e, com isso, o então presidente Zine El Abidine Ben Ali deixou o cargo, após tê-lo ocupado por 23 anos.

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Rapidamente, a insatisfação com as condições sociais, econômicas e políticas espalhou-se para outros países do Oriente Médio e próximo, impulsionando a chamada Primavera Árabe. Inicialmente, foram vistas manifestações no Iêmen, seguidas, em poucos dias, pelos grandes protestos na Praça Tahrir, no Egito. Em ambos os casos, a mobilização de milhares conseguiu efetuar uma mudança no poder político, tendo o presidente de ambos os países (Abdallah Saleh e Hosni Mubarak, respectivamente) deixado o cargo após de décadas no poder. Ao longo do primeiro semestre, testemunharam-se também manifestações no Bahrein, na Líbia, no Marrocos e na Síria – e cada país assistiu a um desdobramento diferente a partir dos intensos protestos de rua. Enquanto a Primavera Árabe se desenrolava, protestos e manifestações passaram a ter como palco a Europa. No Velho Mundo, têm início em Portugal, na composição do conjunto de manifestações da Geração à Rasca, iniciado em 12 de março de 2011, como os maiores protestos desde a Revolução dos Cravos (cf. Baumgarten, 2013). Seguem então para a Espanha, com a emergência do movimento dos Indignados ou 15M, em função do início do acampamento na Puerta del Sol, na capital Madrid, em 15 de maio de 2011. Atingem a Grécia e sua praça Syntagma, Israel, a partir do movimento J14 (cf. Grinberg, 2013), e os subúrbios de Londres e na Itália – quando então já é outubro. Ao longo do segundo semestre, enquanto ainda ocorriam, acomodavam-se ou esmoreciam em cada um dos citados cantos da Europa, os protestos seguiram dali para as Américas. No Chile, a luta por educação pública e gratuita angariou apoio de amplos setores, possibilitando uma série de greves (cf. Valenzuela, 2013). O OWS é o pontapé dos protestos nos Estados Unidos. Iniciaram-se nas imediações de Wall Street, mas foram brotando em inúmeras cidades, de modo que, considerando todos os registros e toda a diversidade, houve mais de 1000 ocupações no país7.

Com o OWS, no segundo semestre de 2011, o tom internacional dos protestos se fortalece. Existe uma comum referência a problemas econômicos, sociais e políticos reconhecidos na extensão dos países: piora das condições de vida, insatisfação com o governo e as instituições, crítica à fração minoritária e mais abastada da sociedade, cujo fortalecimento implica o empobrecimento e a privação de direitos das demais frações. Existe também a defesa de solidariedade entre as diversas manifestações, onde uma é vista como inspiração e modelo ou referência para a outra. É este encadeamento no tempo e no discurso que conforma, em linhas básicas, o que citei acima como ciclo global de protestos. Todavia, é possível reconhecer ainda mais dois aspectos que aprofundam a ideia de ciclo global de protestos.

Por um lado, os protestos de 2011 ocorrem em um momento de dificuldades econômicas prementes – seja em função das consequências mais diretas do estouro da bolha financeira

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ligado ao mercado imobiliário, que paulatinamente enlaçou a economia mundial (e em especial os países centrais) com a recuperação econômica iniciada em 2002, seja pela constatação dos limites e contestação das opções de desenvolvimento adotadas para a saída da crise que então explodiu em 2007-8. A eclosão de inúmeras manifestações ao redor do mundo seria então uma espécie de segunda onda da última crise econômica – ou, como explicita Sader (2012, p. 83), “[o] cenário geral que englobou todo o ano de 2011 foi o novo ciclo da crise geral do capitalismo, iniciado em 2008”. A caracterização “crise geral” certamente é passível de maiores reflexões e mesmo refinamentos. Críticas ao vocabulário utilizado por Sader à parte e resguardando o sentido geral de sua avaliação, teríamos que, na primeira onda, o capitalismo assistiu à explosão de suas limitações e contradições, ainda que mais concentradamente em alguns países do que em outros. Já a segunda onda da crise colocava em pauta como lidar e o que fazer com tais limitações e contradições. Havia um descontentamento com a forma como os legisladores e elaboradores de políticas governamentais lidavam com a crise e, consequentemente, havia a possibilidade de um questionamento das regras do jogo – de maneira distinta em cada localidade, decerto.

Por outro lado, em todos os países, os protestos ocorridos desenvolvem-se sobre e/ou compartilham várias características semelhantes. Tais características são: o importante uso da Internet, das redes sociais e de outras formas então “alternativas” de comunicação para a mobilização; a ocupação e a reivindicação do espaço público como lócus privilegiado de debate; o protagonismo do setor jovem da população; a resistência a partidos políticos e sindicatos e a preferência por formas horizontais de organização; a ausência de ou fluidez no conteúdo programático-estratégico. Na conjunção de tais características, o ciclo global de protestos daria vida, segundo é argumentado, a uma nova forma de ativismo político, um novo modo de organizar-se politicamente – em síntese, ele representaria também “uma nova cultura de protesto global” (Bamyeh, 2012).

Que vários protestos extrapolaram o ano de 2011 e seguiram um rastro mimético nos anos subsequentes fortalece a ideia de ciclo global de protesto. Em 2012, tem-se o advento do movimento mexicano YoSoy132, motivado pelo anseio de maior democratização dos meios de comunicação e das instituições políticas, mais saúde, educação e também segurança pública. No Peru, sob a consigna #Tomalacalle, realizaram-se passeatas relâmpago em função da indignação com a partilha de cargos no congresso. Na primeira metade de 2013, a decisão de fechar um parque na capital da Turquia, visando à construção de um grande shopping center, gerou uma onda de protestos com fortes embates contra as forças de repressão estatal. O chamado

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há tempos tomada pelo governo e o partido no poder. Já no Brasil, atos convocados contra o aumento das passagens de ônibus em algumas localidades (Porto Alegre, Natal, Goiânia) explodiram em massivas manifestações em várias cidades do país após a repercussão da repressão policial, especialmente quando atingiram os grandes protestos sediados em São Paulo, capital. Durante as chamadas Jornadas de Junho, a questão específica do aumento passou de estopim a item de uma ampla pauta de direitos sociais reivindicados, numa insatisfação generalizada e difusa com o governo (cf. Judensnaider et al., 2013; Harvey et al., 2013). Por fim, em 2014, foram notícia o movimento Sunflower, em Taiwan, e o movimento Yellow Umbrella, em Hong Kong, ambos questionando seus respectivos governos em seu (não) comprometimento em expandir e fortalecer instituições democráticas (cf. Gelb, 2016).

Quando se expandem para além do ano de 2011, protestos adquirem características mais variadas: por vezes, apresentam demandas mais delineadas; por vezes, reduzem-se a alguns poucos dias; em geral, não levam a cabo uma ocupação prolongada do espaço público e mantêm a forma de protesto, pontual e definido no espaço e tempo. Todavia, os traços básicos mencionados acima persistem – como o uso da Internet, a massiva participação de jovens, a resistência a organizações tradicionais etc. Neste sentido, também se fortalece a ideia de nova cultura de protesto global.

Caso o OWS fosse aqui pensado a partir dos dias que abalaram o mundo de 2011 em diante, ele seria tomado então como uma expressão regional de um fenômeno mais geral. A pesquisa tenderia a problematizar as características associadas tanto ao ciclo global de protestos quanto à nova cultura global de protestos, encaminhando perguntas relacionadas a tais temas. Numa trajetória que partiria das generalidades e chegaria às particularidades ou especificidades, imagino uma análise que se preocuparia, por exemplo, com temas como: a importância da crise econômica para a erupção dos protestos, de que maneira a crise influenciou a conformação do OWS e como (ou se) o OWS respondeu aos eventos e às reações geradas pela crise; a importância das ruas, de um lado, e a importância das redes, de outro, para a emergência e para a continuidade do movimento e qual seria o balanço adequado entre ruas e redes no mundo contemporâneo; qual o setor hegemônico ou o setor que participou mais ativamente do OWS e como isto revela ou está associado ao programa político oferecido pelo movimento. O procedimento seria o mesmo caso se optasse por uma análise comparativa, onde dois ou mais movimentos são avaliados. Numa ocasião como esta, o pesquisador ou a pesquisadora poderia verificar em qual dos dois ou mais protestos ou movimentos considerados há influência de outros grupos tradicionalmente organizados, como partidos ou sindicatos, e sua relação com o conjunto da mobilização. Poderia também contrastar o uso das redes sociais em cada um dos

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protestos ou movimentos. Poderia, ainda, avaliar como um protesto ou movimento está conectado e/ou influenciou outro.

Várias análises foram realizadas segundo o anseio de compreender e equacionar a onda de protestos que sacudiu o mundo desde – e principalmente em – 2011. Alguns autores esforçaram-se para organizar, refinar ou construir conceitos que pudessem auxiliar e guiar a compreensão do conjunto dos fenômenos em questão. Nesse sentido, falou-se e fala-se de

Revolução 2.0 (cf. Cocco; Albagli, 2012), movimentos de ocupação (cf. Tejerina; Perugorría;

Benski; Langman, 2013); movimentos de praças (cf. Gerbaudo, 2014), novos novos movimentos

sociais (cf. Langman, 2013) ou sociedades em movimento (cf. Sitrin, 2016)8. Neste trabalho, não

tenho como foco principal a relevância ou a acuidade destes e de outros conceitos que surgiram nos debates relativos aos protestos recentes. Também não invalido de imediato o esforço de sistematizar quais seriam as características comuns a tais protestos.

No entanto, é preciso reconhecer que, em comparação à grande quantidade de material sobre o assunto, há pouca pesquisa qualitativa sobre os protestos emergentes a partir de 20119.

Existe extensa bibliografia que retrata a conjuntura e (algumas das) principais questões em debate à época, mas há carência de análises que articulem a dimensão conjuntural com a dimensão estrutural, desvelando e conectando história (sobretudo a da década recente), atores direta e indiretamente envolvidos e ferramentas analíticas, de teoria sociológica e de teoria social, que auxiliem a compreensão e o desenvolvimento dos questionamentos. Como sintetiza Thompson (2015, p. 2), algo ficara incompleto: “como um continente assolado por

8 Com exceção do primeiro conceito, Revolução 2.0, não é de meu conhecimento o uso em português de nenhum

dos termos. A tradução é minha, para facilitar a leitura do texto.

9 Citemos o exemplo do OWS. Inúmeros e variados textos em estilo jornalístico foram escritos sobre o movimento,

em vários países, propondo-se a avaliar o momento político. Ademais, muitos textos foram escritos como relatos e narrativas de participantes (cf. Writers for the 99%, 2012; Khatib; Killjoy; McGuire (orgs.), 2012) ou com base no que ocorreu em eventos conectados ao movimento, na ocupação em si ou na repercussão midiática (cf. Taylor, Cessen et al (orgs.), 2011; Chomsky, 2012; van Gelder (org.), 2011). Alguns usam em extensão limitada alguma ferramenta de pesquisa qualitativa (ou combinação de aspectos qualitativos e quantitativos), como entrevistas semiestruturadas, análise de documentos, surveys, observação direta e/ou participante, já que o foco é avaliar algum aspecto ou subgrupo do movimento somente (cf. Milkman; Luce; Lewis, 2013; Hammond, 2013). Pouquíssimos são de fato profundamente estruturados por tais ferramentas, propondo-se a reflexões com fôlego (cf. Gould-Wartofsky, 2015). Recentemente, passamos a contar com trabalhos de intelectuais ativistas, intelectuais orgânicos do próprio movimento, como Graeber (2013) e Sitrin e Azzellini (2014). Estes dois últimos trabalhos têm, todavia, focos distintos, embora preocupações e diagnósticos bastante semelhantes: enquanto o primeiro preocupa-se em apresentar uma análise mais centrada no próprio OWS, apresentando em maiores detalhes sua dinâmica, alguns de seus debates etc., respaldando-se no olhar de participante do autor, Sitrin e Azzellini preferem dar destaque a como este movimento encaixa-se na trajetória da crise e negação da democracia representativa e da busca e construção de uma alternativa, ilustrando, em sua análise, as diversas iniciativas – como, por exemplo, os piqueteiros na Argentina, auto-organização na Venezuela etc. No Brasil, muitos dos trabalhos sobre o OWS são monografias de graduação, analisando algum aspecto do movimento em escala mais reduzida (cf. Zardo, 2014; Souza, 2011). Há ainda o trabalho de Rocha (2013), que conta com observação participante, in loco, originado da participação em diversos eventos relacionados ao OWS e do contato com occupiers durante o ano de 2012. E já que esta é uma tese, um trabalho visando à obtenção de um título acadêmico, vale comentar que nenhum destes trabalhos brasileiros localiza-se especificamente na área da Sociologia, da Ciência Política ou da Antropologia.

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acampamentos no outono teve pouco mais do que uma barricada de antologias apressadas e monografias vapt-vupt para enfrentar na primavera?”10.

As generalizações apresentadas em/através de alguns conceitos são decerto interessantes e potencialmente válidas em termos analíticos e políticos. No entanto, a ausência ou a fraca investigação qualitativa, considerando os contextos específicos em que cada protesto e/ou movimento emerge e seu histórico anterior, leva a que se percam as engrenagens que, de fato, puseram tais protestos e movimentos em ação. Ainda, as generalizações não respaldadas pela profunda investigação das particularidades podem fazer com que se dê demasiada atenção ou se atribua uma importância indevida a certos aspectos presentes nos novos protestos e movimentos. Por exemplo, há por vezes um grande destaque ao uso da internet e das redes sociais na defesa da relevância da tecnologia para a atuação política hoje ou a busca pelo equilíbrio existente entre redes e ruas como o centro do novo agir político – conforme fiz alusão acima. Com isso, pouca ou nenhuma menção é feita aos antecedentes de cada uma das mobilizações e como os eventos anteriores e as organizações, movimentos e redes de contatos já existentes foram cruciais para os rumos ali tomados.

A partir deste diagnóstico, o que eu pretendo em minha tese é tão somente inverter a perspectiva através da qual se comumente olha para as mobilizações recentes. Ao invés de buscar traçar conexões amplas e/ou comparações ou explorar uma configuração eventualmente nova do agir político, minha ideia é focar nas especificidades do OWS. Isso não significa, decerto, que as conexões do OWS com outras mobilizações e protestos a ele contemporâneos ou a dimensão global, transnacional deste movimento serão negligenciadas. Pelo contrário, tais conexões são essenciais para a compreensão dos caminhos pelos quais o OWS despontou, auxiliam a apreensão de sua configuração e serão importantes na construção do meu argumento. Da mesma forma, não desconsidero o contexto internacional e o contexto nacional que envolvem e acomodam o OWS. Neles, estão sim presentes uma crise econômica de gigantescas proporções e suas severas consequências, a sinalizar importantes contradições do desenvolvimento do sistema capitalista. Por sua vez, tais proporções e consequências, juntamente com suas contradições, não podem ser compreendidas sem uma análise que desvele seus antecedentes. A questão é, na verdade, como a dimensão global (ou transnacional) e contexto internacional e nacional são mobilizados ao longo da análise: servem muito mais para dar sentido ao OWS do que para terem sentido a partir deste.

10 A tradução da bibliografia e documentos em língua estrangeira mencionada ao longo de todo o corpo do texto da

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Tendo exposto o que esta tese não é, é preciso, consequentemente, falar sobre o que ela é. Penso que existem diversas maneiras pelas quais o pesquisador ou a pesquisadora pode considerar e “focar” nas chamadas “especificidades do OWS”. Que se esclareça, então, como isto foi feito na minha pesquisa e como o será traduzido nas páginas seguintes.

*****

Durante o evento no Zuccotti Park em 17 de setembro de 2014, no terceiro aniversário do OWS e meu primeiro contato em “primeiro grau” com aquilo tudo, eu estava bastante preocupada em captar o que era levantado e discutido ali. Como disse acima, pude perceber uma diversidade de temas e assuntos, visualizadas nas conversas que vi, ouvi e vivi e nos panfletos que circularam durante o dia. Sobre temas e assuntos, há, por exemplo, o seguinte comentário nas minhas notas: “Depois da parte da mídia, a ideia era falar sobre Occupy Solutions – in short

and long-term, mas não foi esse o debate. Na verdade, falas sobre ‘por que estamos aqui’ e ‘o

Occupy não morreu’ eram predominantes – e ainda houve comentários sobre abrir caminhos para a mudança de consciência e a importância de get together” (nota de campo, 17/09/2014).

A minha preocupação em distinguir tópicos, temas, assuntos e afins decorria de como o OWS era inicialmente abordado. Ao início da investigação, pensei em seguir o trajeto que, na seção anterior, me esforcei para afastar. O OWS era sim pensado, antes de tudo, como uma (das) resposta(s) à crise econômica que ocorrera cerca de três anos de sua emergência, seguindo a proposta de “segunda onda” mencionada acima. Circunscrevi, então, as inúmeras possibilidades de aproximação ao objeto, reduzindo-as à reflexão de como o movimento poderia ser considerado a partir do conceito de ideologia. Não é segredo que tal conceito, todavia, é um dos mais polêmicos das Ciências Sociais e das Ciências Humanas em geral, numa variedade impressionante de significados e conteúdos (cf. Eagleton, 1997), e, de antemão, seria preciso distinguir qual concepção de ideologia a ser adotada. Tal reflexão deve ser aqui exposta ao leitor na medida em que OWS e ideologia comprovaram-se, sim, como uma combinação extremamente profícua. Quando se define corretamente o ponto de partida da análise, é possível tanto desvendar o primeiro a partir da segunda quanto entender melhor o que é ideologia a partir do OWS.

Defendo que ideologia é uma representação que não se restringe de maneira alguma a aspectos como falsa consciência, ilusão, engodo, representação da classe dominante e/ou afins, afastando-me de quaisquer leituras que assim a concebam e que estão relacionadas, principalmente, a certas tradições de interpretação da obra de Marx (por exemplo, Althusser,

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1979; Althusser, 1999a; Althusser, 1999b). Eu também sigo os rastros de Marx, mas penso que a ideologia é uma forma de consciência impulsionada por conflitos sociais existentes na sociedade. De fato, ela ganha saliência na sociedade capitalista, onde contradições são mais agudas e conflitos são potencialmente mais frequentes. Como os conflitos são variados, movidos por interesses diversos, também variadas podem ser as ideologias. Estas existem, afinal, para dar respostas, encaminhar e/ou combater aqueles e o fazem na medida em que conformam, moldam, condicionam a prática dos sujeitos envolvidos. O mais importante é compreender que as ideologias funcionam como um projeto para a sociedade, para a formação social na qual está inserida. Em outras palavras, elas não estão descoladas das condições e das relações sociais que as conformam e que circunscrevem, por conseguinte, seus limites e suas potencialidades. Ao retratarem as condições e as relações sociais de uma dada forma, são movidas – velada ou evidentemente, consciente ou inconscientemente – por interesses em disputa e, logo, em busca de confirmação e perpetuação sobre outros interesses (cf. Silva, 2012). Cada qual à sua maneira, ideologias são representações que terminam, enfim, por contribuir para a produção e reprodução da vida social, conforme explicaram Marx e Engels (2007).

Na noção de ideologia que defendo, está embutida, evidentemente, certa concepção de sistema social. Não só se concebe que há um sistema social interligado, do qual a ideologia inevitavelmente faz parte. Concebe-se também que há uma determinação material a dar movimento a este sistema e que, ao mesmo tempo, este movimento só é completo com a presença e a atuação – insuprimível – de elementos que se conectam com a produção material somente de forma mais mediada – tal qual a ideologia, por exemplo. Concebe-se, ainda, a existência de sujeitos coletivos, que ganham vida a partir e através das relações sociais e que ocupam os diversos loci sociais erigidos com e por estas. Se eu fosse, então, classificar o presente trabalho dentro de grandes linhagens de pensamento da Sociologia – ou mesmo da Teoria Social –, ele estaria alinhado, por conta, inclusive, de sua inspiração marxista, a uma perspectiva macrossociológica, atenta às estruturas sociais, aos processos sociais, às instituições, às relações sociais etc.11. Por ora, este comentário serve somente para definir o terreno em que

piso, confirmando que, sim, todo aquele contexto econômico, internacional citado na seção anterior é importante. Logo adiante, serão necessárias mais algumas palavras sobre a adoção de uma perspectiva macrossociológica, a escolha de métodos e os caminhos concretos para um

11 Para uma visão geral e, ao mesmo tempo, acurada do debate entre perspectiva macrossociológica e perspectiva

microssociológica nos estudos sobre movimentos sociais, ver Jasper (2012). Não vem ao caso, neste momento, expor minha discordância com a abordagem defendida pelo autor do texto, claramente a favor de análises que se desenvolvam a partir do nível microssocial. O interessante é compreender, a partir dos argumentos por ele apresentados, o quanto a tensão entre perspectiva macrossociológica e perspectiva microssociológica está no coração do campo das teorias dos movimentos sociais. O debate também é mencionado em Alonso (2009).

Referências

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