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João Paulo II, a Laborem Exercens e a tradição: marcar passo!

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Academic year: 2021

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Perspectivas, S ã o Paulo

7:75-80, 1984.

JOÃO P A U L O II, A LABOREM EXERCENS E A TRADIÇÃO:

M A R C A R PASSO!

Ivan A . M A N O E L *

RESUMO: Leitura da Enciclica Laborem Exercens, objetivando compreender, através dos concei-tos emitidos por João Paulo II, a postura católica diante dos problemas sociais gerados no processo de compra e venda de força de trabalho e de geração do excedente de trabalho.

UNITERMOS: Doutrina social católica; política católica; João Paulo II; modo de produção.

A doutrina social católica, consigna-da nos documentos consigna-da hierarquia, parti-cularmente nas Cartas Encíclicas dos últi-mos cento e dez anos, pretende inserir-se no interior da sociedade moderna como um marco divisor entre duas realidades históricas e suas " f i l o s o f i a s " correspon-dentes, estabelecendo os limites de aceita-bilidade de capitalismo e comunismo, principalmente demarcando as fronteiras últimas a que eles podem chegar, e j á as atingiram, além das quais situa-se o cam-po p r ó p r i o para o estabelecimento do "sistema social c r i s t ã o " , proposto por es-sa mesma doutrina.

Interrogar capitalismo e comunismo, desvelando o interior desses dois "siste-mas"; demonstrar que seus limites de aceitabilidade são m í n i m o s e mesmo ine-xistentes; e, por fim, que ultrapassadas es-sas fronteiras, impõe-se o "sistema cris-t ã o " como necessidade social e humana, são os objetivos primeiros desses docu-mentos. Os outros, desdobrando-se desses iniciais, confluem para um, de extrema importância, constituindo-se na elabora-ção de um programa de reformas a ser aplicado em " t o d a sociedade humana" objetivando-se a i m p l a n t a ç ã o do "sistema desejado".

Colocando as balizas do presente tra-balho nos reinados de Leão X I I I e J o ã o Paulo II, encontramos aí um longo

perío-do de cem anos, correspondente ao aper-feiçoamento do capitalismo, adentrado em sua fase monopolista, e às revoluções de cunho socialista, eqüivalendo dizer, as contradições existentes n ã o se limitam mais ao interior de cada n a ç ã o e nem mes-mo ao interior do capitalismes-mo, mas, ga-nham uma d i m e n s ã o internacional, cuja característica é a luta entre dois modos de p r o d u ç ã o , que n ã o podem mais coexistir, pacífica e indefinidamente.

Nesse quadro de tensões sociais, cujo tecido se constitui dessas lutas, a doutrina social católica se arroga o direito, o dever e a competência de apresentar uma via de solução intermediária entre a concentração capitalista e a coletivizaconcentração c o m u n i t á -ria, cujo fundamento deve ser um huma-nismo que recoloque o Homem no centro das preocupações do processo produtivo, subordinando-o a si.

Desde a Rerum Novarum (3) até a

Laborem Exercens (2) e nessa última em

particular, a chave para o entendimento de todo o problema está em compreender o trabalho a que ele foi reduzido na socie-dade moderna, especialmente no capita-lismo.

J o ã o Paulo II, no 90.° aniversário da

Rerum Novarum (3), comemora essa

"magna C a r t a " dos o p e r á r i o s , recolocan-do os problemas j á levantarecolocan-dos por Leão X I I I , reinterpretandoos à luz das " N o

-* Departamento de Ciências da E d u c a ç ã o — Instituto de Letras, Ciências Sociais e Educação — Unesp — 14.800 — Arara-quara — SP.

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M A N O E L , L A . — J o ã o Paulo II, a Laborem Exercens e a tradição- marcar passo1 Perspectivas, S ã o

Pau-lo, 7:75-80, 1984.

vas" condições sociais, alicerçando suas análises na t r a d i ç ã o católica, que atraves-sou esse longo período reproduzida nos documentos de P i o X I , P i o X I I , J o ã o X I I I , Paulo V I *. E m suma, trata-se de uma leitura dos problemas atuais através da ótica do tradicional magistério católi-co.

O sentido e o c o n t e ú d o desse magis-tério definem a postura católica em face ao " m u n d o " . A Igreja concebe-se por-tadora da L u z , da verdadeira luminosida-de da Revelação, cujo objetivo é aclarar as consciências, delineando os verdadei-ros caminhos a serem seguidos pelo ho-mem, em sua vida terrena. Intermediado-ra do Eterno e do espiritual, ela situa-se, portanto, acima e além das vicissitudes temporais, primazia que n ã o pode, em ab-soluto, ser contestada sob pena de enveredar-se por tortuosos caminhos comprometedores da estabilidade social, e muito além disso, c o n t r á r i o aos planos d i -vinos **.

O magistério é, em última análise, a missão da Igreja: gerar e educar filhos pa-ra Deus. É essa missão que, segundo ela, torna-a especialista em humanidade, lhe dá a c o m p e t ê n c i a para interpretar a socie-dade, n ã o apenas para "coligir e repetir o que j á se encontra contido nos ensinamen-tos" (2:2), mas para encontrar a "gradual s o l u ç ã o " para os problemas vivenciados atualmente, conforme as palavras de J o ã o Paulo II (2:2). Objetivando o gradualis-mo, esse Pontífice recoloca o problema do "trabalho h u m a n o " no centro das dis-cussões, considerando-o sob duplo aspec-to: o trabalho objetivo e o trabalho subje-tivo***.

O Pontífice atual visualiza todo o processo produtivo a partir de um prisma "ético-social"**** que, ao decompor o trabalho humano nessas duas "qualida-des", demonstra como eles são partes in-tegrantes do p r ó p r i o trabalho determina-do por Deus, constituindetermina-do-se, portanto, numa " d i m e n s ã o fundamental da existên-cia humana sobre a terra" (2:3).

Na sua qualidade objetiva, ele é en-tendido como a atividade humana conju-gada com a técnica, cuja finalidade última é o domínio sobre a terra. Nesse sentido, a técnica é "indubitavelmente uma aliada do homem" (2:2), porquanto lhe d á as condições de efetivar esse domínio previs-to por Deus. N a sua "qualidade" subjeti-va, ele é entendido como a atividade hu-mana em relação ao p r ó p r i o homem e ao plano Divino. Enquanto ser criado à ima-gem e semelhança de Deus, o Homem é sujeito do próprio trabalho, porque é " u -ma pessoa, um sujeito consciente e livre, isto é, um sujeito que decide de si mes-m o " (2:2).

Essa d i m e n s ã o do H o m e m , esse tra-balho humano, só pode ser compreendido a partir de princípios de natureza ética — ele, independentemente do seu caráter ob-jetivo, só é compreensível quando n ã o se desloca o Homem de seu centro de refe-rências. O u nas palavras do atual Pontífi-ce, só se o compreende e se lhe respeitam suas várias finalidades, quando entende-se que o "trabalho é para o H o m e m e não o Homem para o trabalho"(2:2).

O primado do H o m e m , que deveria permanecer no centro de todas as preocu-pações sociais, foi comprometido já à época de Leão X I I I , com o desenvolvi-mento dos pressupostos do liberalismo

* Tornou-se uma tradição na Igreja, comemorar o aniversário da Rerum Novarum com a publicação de uma Enciclica tratando os problemas por ela discutidos, a luz das "novas" condições sociais. Pio XI assinou o Quadragesimo Anno, J o â o XXIII publicou a Maíer et Magistra e Paulo VI a Octagesima Adveniens.

** A Igreja imagina-se na essência do mundo, na exata medida em que e afastada da direção política da estrutura social finita Ela busca seu poder fora das conjunturas passageiras "seu centro de efetividade e a consciência do homem, lugar da manifestação do Eterno, impossível de ser alcançada por qualquer ordem humana positiva O único absoluto reconhecido é a Palavra Divina, e esta se encarna na Igreja que a interpreta segundo os 'sinais dos tempos'. Toda ordem do mundo que se pretende absoluta, negando a primazia do sagrado e da Igreja, e denunciado por esta como contraria ao plano divino de Sal-vação dos homens" (4.39).

*** J o ã o Paulo II introduz essa distinção m e t o d o l ó g i c a no conceito de trabalho, indicando uma subordinação do sentido objetivo do trabalho (técnica) ao sentido subjetivo (o homem como sujeito do trabalho) demarcando os limites m á x i m o s a que pode chegar o d o m í n i o das técnicas e das relações comerciais nesse universo (2 2)

**** Esse Pontífice, ao determinar o seu instrumental m e t o d o l ó g i c o , evidencia, desde logo. a impossibilidade de aproxima-ção entre a teoria católica e a teoria marxista, e portanto, entre a política católica e a política socialista — a analise materia-lista das relações sociais são preteridas em favor de uma analise moramateria-lista dessas relações

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M A N O E L , I.A. — João P a u l o II, a Laborem Exercens e a tradição marcar passo! Perspectivas, S ã o P a u -lo, 7 75-80, 1984.

econômico, que passou a entendê-lo como força a n ô n i m a e mesmo força-de-trabalho, desconhecendo o eixo ético-social que embasa a atividade laboriosa*. As premissas desse materialismo-liberal, encarnado na liberdade econômi-ca, traziam em si todas as marcas, todas as condições de d e g r a d a ç ã o do trabalho humano. Colocando o lucro como meta de atividade, o liberalismo esquecia-se do Homem enquanto sujeito do trabalho e considerava-o apenas na qualidade de vendedor de trabalho, contrapondo-o ao capitalista, ao " d a d o r " de trabalho**.

Essa c o n t r a p o s i ç ã o entre " d a d o r " e trabalhador é o centro mesmo da degra-dação, porquanto quebra a unidade basi-lar do trabalho, considerado " v o c a ç ã o universal do H o m e m " * * * . Oposição im-própria ao plano Divino, essa separação entre capital e trabalho torna-se a matriz geradora de todos os conflitos e tensões sociais, por colocar burgueses e proletá-rios em campos opostos, esquecendo-se que eles, pela natureza mesma do traba-lho, devem conjuntamente procurar a harmonia necessária ao bem-estar social. Contraposição tanto mais perniciosa, quanto mais se sabe que ela n ã o tem ori-gem no "processo de p r o d u ç ã o e nem na estrutura do processo e c o n ô m i c o em ge-ral. Esse processo, de fato, manifesta a reciproca c o m p e n e t r a ç ã o existente entre trabalho e aquilo que se tornou habitual denominar o capital; mostra mesmo o L i -game indissolúvel entre as duas coi-sas"(2:4).

E m outras palavras, a d e g r a d a ç ã o do trabalho só pode ser a t r i b u í d a a um desar-ranjo na ordem social, onde a ética

católi-ca foi comprometida pelas premissas ma-terialistas, em cuja esteira caminham a ga-nância, o desejo de poder e o e g o í s m o .

A p r e o c u p a ç ã o de J o ã o Paulo II, na

Laborem Exercens (2) é articular a

tradi-cional " f a l a " católica com as novidades atuais (eletrônica, informática etc.) reno-vando esse discurso em seu aspecto exte-rior e introduzindo novos conceitos, com a finalidade de interpretar o " m u n d o con-t e m p o r â n e o " . N o universo semâncon-tico desse Papa e possível recolher os indica-dores para a c o m p r e e n s ã o da fala católica c o n t e m p o r â n e a . Três conceitos chamam imediatamente a a t e n ç ã o : o trabalho co-mo d i m e n s ã o universal do H o m e m ; a degradação do trabalho e o conceito de " d a -d o r " -de trabalho.

Essa Encíclica, ao colocar esses con-ceitos como "novidades t e ó r i c a s " , reco-lhidas no universo social, obscurece o próprio objeto de sua análise, ocultando-o pocultando-or uma semitransparência — saem de cena o capitalismo e o burguês, substi-tuídos por conceitos genéricos e vagos.

Quando, em 1891, Leão X I I I temati-zava a c o n t r a d i ç ã o entre capital e traba-lho, objetivando demonstrar a harmonia necessária entre eles, o centro da discus-são era, indubitavelmente, a luta entre burgueses e proletários. M u i t o embora a ênfase fosse colocada na necessidade do trabalho conjunto de patrões e emprega-dos, buscando extirpar a luta de classes, era reconhecida a existência dessas classes antagônicas, e a materialização dessa l u -ta, em personagens concretos, permitia reconhecer, no capitalismo, sua c o n d i ç ã o histórica, mesmo à revelia de seu au-tor(3:34).

* Observa-se nessa passagem, a forte carga idealista dessa interpretarão — o que e chamado degradação do trabalho não se explica como produto do desenvolvimento da maquinofatura, onde o trabalho foi reduzido a c o n d i r ã o de trabalho sim-ples, como resultado dos desdobramentos da divisão do trabalho e especialização das tarefas, mas, explicar-se-ia porque ele passou a ser considerado força-de-trabalho Isto e, não se trata de uma degradarão historicamente produzida, mas resultado de um rompimento com a ética catohca(2 2)

** O conceito de "dador" de trabalho, e um artificio ideológico destinado a apagar das relações sociais a compra e a venda da força-de-trabalho Necessitando demonstrar a natural harmonia entre as classes, a Igreja não pode reconhecê-los como elementos opostos e contraditórios entre si, intermediados por uma relação mercantil Por isso, a única forma de torna-los complementares e descaractenzando-os, fazendo desaparecer a relação comercial que os o p õ e , transformando o burguês em alguém que da trabalho, e o proletário em alguém que recebe trabalho(2 5)

*** Ao apresentar o trabalho como v o c a ç ã o universal, a teoria católica pretende a existência de uma atividade laboriosa ge-ral, de todos os homens, independentemente das relações capitalistas Conforme ela, as relações capitalistas s ã o a forma de-gradada do trabalho, assumida na atual fase histórica, fase materialista e ímpia, que desconhece a dignidade da pessoa hu-mana, reificando-as no processo produtivo(2 3)

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M A N O E L , I.A. — J o ã o Paulo 11, a Laborem Exercens e a t r a d i ç ã o : marcar passo! Perspectivas, São P a u -lo, 7 75-80, 1984.

A o longo dos noventa anos que sepa-ram essas Encíclicas, as m u d a n ç a s ocorri-das no interior do capitalismo n ã o foram de tal qualidade a justificar uma análise calcada em novos "conceitos t e ó r i c o s " . A superação da fase concorrencial do capi-talismo significa, antes de mais nada, a sua p e r m a n ê n c i a e a p e r f e i ç o a m e n t o . E n -tretanto, o Pontífice atual procura de-monstrar em sua Carta, uma " n o v a " so-ciedade, um novo tipo de "relacionamen-t o " produ"relacionamen-tivo, cujo eixo principal é o de-senvolvimento da tecnologia. O processo tecnológico que, no capitalismo, é condi-ção de aumento do tempo de trabalho ex-cedente e de sua p r ó p r i a existência, passa, na Encíclica atual, a significar um novo "sistema".

O ocultamento procedido por J o ã o Paulo II alicerça-se exatamente nesses pontos. Quem é o "dador de traba-l h o ? " . O retraba-lacionamento de compra e venda de força-de-trabalho vela-se e apresenta-se com uma nova face — a har-monia entre capital e trabalho explica-se porque o capitalista n ã o é mais alguém que compra mercadoria, mas alguém que " d á " trabalho a quem necessita. P o r ou-tro lado, o proletário deixa de ser um ven-dedor para ser alguém que necessita do trabalho para "comer o p ã o com o suor de seu rosto" (2:4) e encontra na empresa capitalista a possibilidade de trabalhar e cumprir o plano divino.

O prisma " é t i c o - s o c i a l " desse Papa, além de obscurecer o objeto, deforma-o, reduzindo as relações mercantis capitalis-tas a uma mera formalidade ética, através da qual se pode cumprir a finalidade do trabalho: dominar a terra e produzir bens sociais.

Ele se recusa, por outro lado, a reco-nhecer, nos problemas atuais, as contradi-ções básicas do capitalismo. O desconhe-cimento dessas contradições principia exatamente quando ele apresenta o

traba-lho como uma ética, uma atividade huma-na que reaproxima e reconduz o homem a Deus. O u seja, o trabalho é considerado em uma d i m e n s ã o a-histórica.

Essa antropologia, que entende a universalidade temporal do trabalho, não pode encontrar as causas da "degrada-ç ã o " no â m b i t o das rela"degrada-ções sociais de p r o d u ç ã o , mas " n o pensamento huma-n o " (2:4), porque huma-nele a ruptura ehuma-ntre o capital e trabalho gerou toda uma forma comprometida de encaminhar o processo produtivo, "erro fundamental que se dá quando o trabalho humano é considerado exclusivamente segundo a sua finalidade e c o n ô m i c a " (2:4).

Rompido o equilíbrio ético, através do "economicismo materialista", o tra-balho, considerado " f o r ç a a n ô n i m a " , foi reduzido à condição de "fator de produ-ç ã o " , destinado a gerar IUCÍO.

Portanto, aí está a " n o v a f o r m a " de relacionamento entre os homens — uma nova forma em que a técnica ocupa um lugar proeminente, substituindo o traba-lho humano, porque ele, enquanto fator de p r o d u ç ã o , é mais precário que a má-quina. E aí t a m b é m , e por isso, a degrada-ção do trabalho — em lugar da sua

voca-ção universal dos homens, a condivoca-ção de

força-de-trabalho; em lugar de uma ativi-dade através da qual o " h o m e m se torna mais h o m e m " (2:3), uma atividade pro-dutora de lucro para o capitalista.

Retirando o burguês e o proletário do centro da discussão, J o ã o Paulo II proce-de a uma dupla inversão. Primeiro, proce- desca-racteriza a luta entre as classes, significan-do dizer que os problemas deixam de ser da sociedade capitalista e passam a ser da " d e g r a d a ç ã o universal do trabalho". Se-gundo, reafirmando a t r a d i ç ã o que vem desde a Mater et Magistra, e seus comen-tadores, a idéia de que capitalismo e co-munismo são apenas "verso e reverso de uma mesma medalha"*. N ã o se trata,

* A idéia desenvolvida pela Igreja aproxima-se de uma coerência histórica ao afirmar a proximidade entre o liberalismo e o comunismo Entretanto, dela se afasta quando identifica as razões dessa proximidade Para ela o comunismo não resulta das contradições capitalistas, tendo no liberalismo uma de suas fases, mas sim origina-se do fato de serem atéias e ímpias as ba¬ ses teóricas do liberalismo, do qual o comunismo passa a ser uma conseqüência natural Em outras palavras, e negado o mo¬ vimento histórico de superação de uma fase histórica por outra Veja-se a passagem a seguir:

"Alguns se admirarão vendo o capitalismo sendo atingido pela mesma reprovação que fere o comu-nismo E que existe entre ambos, não obstante tudo que os separa, uma afinidade natural e uma re lacão de causa e efeito" (1:117)

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M A N O E L , l . A . — J o ã o Paulo II, a Laborem Exercens e a t r a d i ç ã o : marcar passo! Perspectivas, S ã o P a u -lo, 7:75-80, 1984.

portanto, de procurar as raízes do proble-ma apenas no " â m b i t o da classe, proble-mas no âmbito mundial das desigualdades e das injustiças; e, como conseqüência, n ã o apenas a d i m e n s ã o da classe, mas sim a dimensão mundial das tarefas a assumir na caminhada que há de levar à realização da justiça no mundo c o n t e m p o r â n e o " (2:4).

Firmada em sua t r a d i ç ã o , a Igreja, através de seu Pastor, muito embora rear-ticule sua fala às " c o n d i ç õ e s novas", n ã o abre nenhuma via interpretativa contra-posta ao discurso dos últimos cem anos. O Papa atual, compreensivelmente, reto-ma todo esse discurso, tanto com a preo-cupação interpretativa, estabelecendo uma teoria a respeiro do capitalismo, co-mo recuperando as bases mesmas do "sis-tema social c r i s t ã o " , que, embora tenha ocupado o centro das atenções mais re-centemente, é t ã o antigo quanto a p r ó p r i a Igreja, porque a sua fonte, primeira e últi-ma é a " . . . Sagrada Escritura, a começar pelo Livro do Gênesis, e, em particular no Evangelho e nos escritos dos tempos apos-tólicos" (2:3).

Em outras palavras, n ã o se trata de um documento novo, no sentido de colo-car novos problemas e propor novas solu-ções. Distanciado noventa anos da Rerum

Novarum (3) a atual Encíclica recupera-a

e a seus sucessores, patenteando a urgente necessidade do "sistema social c r i s t ã o " .

A constante retomada da posição as-sumida no fim do século X I X serve de alerta aos c o n t e m p o r â n e o s : cada " n o v a " Encíclica " s o c i a l " é saudada como o " n o v o " posicionamento católico, que po-de, "desta vez", sacudir definitivamente o mundo das injustiças vivenciadas*. E n -tretanto, a leitura desses documentos pe-los diversos organismos católicos e sua destilação em fórmulas reformistas e or-ganizacionais, afastam do centro da dis-cussão a tecitura do discurso, obscurecen-do o fato de a Igreja, constantemente, re-tomar os fios de uma teoria que atravessa séculos, desde a Summa Theológica, na-quilo que diz respeito, por exemplo, aos problemas da propriedade privada.

As Encíclicas, efetivamente, n ã o se sucedem no tempo apenas para " c o l i g i r " a fala anterior. Além de recuperar o con-teúdo e rearticular o discurso, elas confir-mam a doutrina tradicional e insistem na sua condição de " ú n i c a v i a " para instaurar a " j u s t i ç a no mundo c o n t e m p o r â -neo", mesmo que para isso tenha que conservar as bases das " i n j u s t i ç a s " — a propriedade privada e o trabalho assala-riado.

M A N O E L , L A . — J o h n Paul II, the Laborem Exercensand the tradition: holding back. Perspectivas, São Paulo, 7-75-80 1984.

ABSTRACT: A reading of the encyclical Laborem Exercens, with the scope of interpreting John Paul's II concepts, regarding the cathohc position as far as social problems generated by the work force tradtng are concerned, and the problem of the generation of the surplus labor

KEY- WORDS: Cathohc social doctrine; cathohc pohlics; John Paul II; Modes of produt tion

* " O ex-deputado Plínio de Arruda Sampaio acha a Laborem Exercens uma Encíclica importante, capaz de sacudir a Igre-ja "

Com essa chamada, o Folhetim de 27 de setembro de 1981, apresentou uma serie de artigos e c o m e n t á r i o s a Encíclica de João Paulo II, todas elas laborando o sentido de demonstrar a "novidade" da Carla, entendida como um marco divisor de águas. Veja-se por exemplo, o seguinte comentário de D Angélico Sândalo, no mesmo jornal "Essa encíclica veio mesmo na hora certa'"

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M A N O E L , L A . — J o ã o Paulo 11, a Laborem Exercens e a t r a d i ç ã o : marcar passo! Perspectivas, b ã o P a u -lo, 7:75-80, 1984.

R E F E R Ê N C I A S B I B L I O G R Á F I C A S

1. G E S T E L , C . van. Padre — A igreja e a questão

social. R i o de Janeiro, A g i r . 1956. Apud:

M E S Q U I T A , L . J . , ed. As encíclicas sociais

de João XXIII. ed. R i o de Janeiro, L i v . J

O l y m p i o , 1963. v . l

2. l O Ã O P A U L O 11, P a p a — L o b o r e m Exercens:

sobre o trabalho humano. Folha de São

Pau-lo, São P a u l o , 19 set. 1981. (encarte especial).

3. L E Ã O X I I , Papa — Rerum Novarum: sobre a condição dos o p e r á r i o s . 3. ed. P e t r ó p o h s , Vozes, 1950. 44p.

4. R O M A N O , R. — Brasil: Igreja contra Estado. S ã o Paulo, Kairoz, 1979. 270 p.

Referências

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