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RDJ 109 n. 2

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Academic year: 2021

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ANO

53

V.10tO

º

2

JAN-JUN 2018

REVISTA DE DOUTRINA

E JURISPRUDÊNCIA

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AGOSTO 2018 BRASÍLIA – DF PUBLICAÇÃO SEMESTRAL DO TJDFT TIRAGEM 550 EXEMPLARES V. 109 N. 2 JAN-JUN 2018 ISSN 0101-8868

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DESEMBARGADOR ROMÃO CÍCERO DE OLIVEIRA Presidente

DESEMBARGADORA SANDRA DE SANTIS MENDES DE FARIAS MELLO Primeira Vice-Presidente

DESEMBARGADORA ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO Segunda Vice-Presidente

DESEMBARGADOR HUMBERTO ADJUTO ULHÔA Corregedor da Justiça

P R O D U Ç Ã O

PRIMEIRA VICE-PRESIDÊNCIA

Sandra De Santis Mendes de Farias Mello | Desembargadora Primeira Vice-Presidente Omar Dantas Lima | Juiz Assistente

Luciana Godoy Baltar | Chefe de Gabinete SECRETARIA DE JURISPRUDÊNCIA E BIBLIOTECA – SEBI

Sheyla Teixeira Lino

SUBSECRETARIA DE DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA – SUDJU Clélio Lima Santa Cecília Neto

Milene Adriana da Silva Gibson NÚCLEO DE REVISTA JURÍDICA – NUREV

Adriana Salerno Re Sandra Venâncio de Araújo Alexandre da Silva Lacerda

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C O R P O E D I T O R I A L

EDITORA-CHEFE

Desembargadora Sandra De Santis Mendes de Farias Mello.

COMISSÃO DE JURISPRUDÊNCIA

Desembargadores Titulares: Mário-Zam Belmiro Rosa (Presidente); Flavio Renato Jaquet Rostirola; Roberval Casemiro Belinati; Maria de Lourdes Abreu; James Eduardo da Cruz de Moraes Oliveira.

Desembargadora Suplente: Leila Cristina Garbin Arlanch. CONSELHO EDITORIAL

Álvaro Luís de Araújo Sales Ciarlini (IDP/DF); Carlos Ayres de Freitas Britto (UniCEUB/DF); Cláudio Peneda Madureira (UFES/ES); Cristiano Chaves de Farias (Universidade Baiana de Direito/BA); Edgar Guimarães (Instituto de Direito Romeu Felipe Barcellar/PR); Fabrício Motta (UFG/GO); Fredie Didier (UFBA/BA); Geilson Salomão Leite (UFPB/ PB); Geilza Fátima Cavalcanti Diniz (UniCEUB/DF); Héctor Valverde Santana (UniCEUB/DF); Ingo Wolfgang Sarlet (PUC/RS); Jeff erson Carús Guedes (UniCEUB/DF); Lígia Maria Silva Melo de Casimiro (URCA/FAP/ CE); Luciano Ferraz (UFMG/MG); Maurício Leal Dias (UFPA/PA); Miguel Etinger de Araújo Junior (UEL/PR); Pablo Stolze (UFBA/BA); Paulo Afonso Cavichioli Carmona (UniCEUB/DF); Thiago Marrara (USP/SP).

EDITORES ASSOCIADOS

André Macedo Oliveira (UnB/DF); Diaulas Costa Ribeiro (UCB/DF); Héctor Valverde Santana (UniCEUB/DF); João Batista Teixeira (UCB/DF); Lucas Rocha Furtado (UnB/DF); Marcos Catalan (Unisinos/RS); Marcus Alan Melo Gomes (UFPA/PA); Marlon Tomazette (UniCEUB/DF); Rogerio Schietti Machado Cruz (IDP).

COMISSÃO EXECUTIVA

Adriana Salerno Re; Alexandre da Silva Lacerda e Sandra Venâncio de Araújo – NUREV/TJDFT.

PROCESSO EDITORIAL

Adriana Salerno Re; Alexandre da Silva Lacerda e Sandra Venâncio de Araújo – NUREV/TJDFT.

REVISÃO ABNT

Adriana Salerno Re; Alexandre da Silva Lacerda e Sandra Venâncio de Araújo – NUREV/TJDFT.

REVISÃO TEXTUAL

Ana Luiza de Azevedo dos Santos – GPVP/TJDFT. Adriana Salerno Re; Alexandre da Silva Lacerda e Sandra Venâncio de Araújo – NUREV/TJDFT. Sheyla Teixeira Lino – SEBI/TJDFT.

Alexandre Augusto Borges Gomes – SEBI/TJDFT. Revista de doutrina e jurisprudência / Tribunal de Justiça do Distrito

Federal e dos Territórios – Vol. 1, n. 1 (1966) –. Brasília : TJDFT, 1966-.

Quadrimestral: 1966 – 2014. Semestral: 2015-. Disponível também em versão eletrônica a partir de 2002: http://www.tjdft.jus.br/institucional/jurisprudencia/revistas/ doutrina-e-jurisprudencia

ISSN 0101-8868

1. Direito, Periódico. 2. Direito, Jurisprudência. I. Brasil. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT)

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Produção gráfi ca realizada pela Coordenadoria de Digitalização e Serviços Gráfi cos – CODIG/SEG/ TJDFT

Publicação semestral da RDJ. Jan-Jun/2018. ISSN 0101-8868 Núcleo de Revista Jurídica – NUREV

Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios

Fórum Milton Sebastião Barbosa, Bloco A, Sala 526 – CEP 70094-900 Brasília – DF

Telefones: (61) 3103-4642 e 3103-4644 E-mail: nurev@tjdft.jus.br

@Todos os direitos reservados. A reprodução ou tradução de qualquer parte desta publicação será permitida mediante autorização expressa do editor. Solicita-se permuta/ Pídese canje/ On demande l´échange/ Si richiede lo scambio/ We ask for exchange/ Wir bitten um Austausch

Luana Oliveira Torres Monteiro (Gab. Desª Sandra De Santis); Marcio Del Fiore (NUPIJUR) e

Patricia Lopes da Costa (NUPIJUR). REVISÃO DAS NOTAS DE JURISPRUDÊNCIA Ana Luiza de Azevedo dos Santos – GPVP/TJDFT. Sheyla Teixeira Lino – SEBI/TJDFT.

PROJETO GRÁFICO

Coordenadoria de Digitalização e Serviços Gráfi cos – CODIG. PRODUÇÃO GRÁFICA

Impressão e acabamento: Coordenadoria de Digitalização e Serviços Gráfi cos – CODIG.

Data de impressão: Agosto 2018. Tiragem: 550 exemplares.

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REVISTA DE DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. 53. BRASÍLIA. 109 (2). EDITORIAL / JAN - JUN 2018

EDITORIAL

Desembargadora Sandra De Santis Mendes de Farias Mello

Primeira Vice-Presidente do TJDFT e Editora-Chefe da RDJ

É com imensa alegria que lançamos outro número da RDJ, o pri-meiro como Editora-Chefe deste veículo. É uma honra participar do esforço conjunto para a publicação de artigos científicos que buscam, por meio da divulgação de ideias, contribuir para a evolução do pensamento jurídico.

Este Editorial se resume a despretensiosa carta ao leitor, exclusi-vamente com o intuito de ressaltar a importância da leitura para o desen-volvimento de uma sociedade pensante, crítica, mais justa e menos vul-nerável aos desvios do senso comum. Não por outro motivo, este texto foi inspirado na citação atribuída a Carlos Drummond de Andrade, que con-siderava a leitura "fonte inesgotável de prazer", entretanto, “por incrível que pareça, a quase totalidade não sente esta sede.”

O poeta tinha razão. Atualmente, o desinteresse outrora notado por Carlos Drummond de Andrade se agravou com a chegada da época das superficialidades. A tecnologia e os diversos meios de comunicação de acesso rápido nos bombardeiam com intensa gama de informações. Po-rém, nem todas são aproveitáveis. As boas e clássicas leituras, os textos com conteúdo e capacidade de iluminar mentes, de conduzir a decisões conscientes e a reflexões ficam relegados a segundo plano, pois o relógio não nos favorece e preferimos as formas de comunicação instantâneas. Que pena, pois quanto mais cultivado o hábito da boa leitura, mais proba-bilidades surgem para o aprimoramento do senso crítico, da criatividade e de outras tantas capacidades intelectuais. Noutro giro, quanto menos se lê, menos se desenvolvem essas habilidades. Trata-se da aplicação, por analogia, da “Lei do Uso e Desuso”, de Lamarck, que, embora pertença às ciências biológicas, pode ser perfeitamente aplicada à hipótese.

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REVISTA DE DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. 53. BRASÍLIA. 109 (2). EDITORIAL / JAN - JUN 2018

dar o leitor a desenvolver o saudável hábito de desbordar a sua zona de conforto.

Nesta edição, os textos selecionados versam sobre temas relevantes, tais como a necessida-de necessida-de prestação necessida-de assistência jurídica gratuita pelos Municípios, o abandono afetivo e o seu reflexo na jurisprudência, a imigração e a sua relação com o trabalho escravo, o papel do Supremo Tribunal Federal no cenário político, dentre outros. Como destaque, separamos o estudo acerca do art. 489, § 2º, do Código de Processo Civil, no qual o autor aborda a inconveniência da redação do citado dispo-sitivo e a necessidade de os operadores do direito interpretarem-no restritivamente, bem como as causas da insegurança jurídica no ordenamento pátrio e o neoconstitucionalismo como antagonista do positivismo.

Despedimo-nos com um convite à leitura. E também com o compromisso de, nas próximas edições, além de zelar pela transparência do processo editorial, desenvolver formas de aprimora-mento da RDJ e apresentar artigos inovadores que possam não só abrilhantar o meio acadêmico, mas também colaborar com a prática jurídica de excelência.

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DESTAQUE

JURISPRUDÊNCIA 294

176 162

A NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DO ARTIGO 489, § 2º, DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

THE NECESSITY OF RESTRICT INTERPRETATION OF THE ARTICLE 489, §2º OF THE NEW CODE OF CIVIL PROCEDURE

Ricardo Pacheco Mesquita de Freitas . . . 162

GRILHÕES DE ONTEM E DE HOJE: A ESCRAVIDÃO HUMANA E O CONTEXTO DO MIGRANTE

SHACKLES OF YESTERDAY AND TODAY: SLAVERY WORKERS AND MIGRANTS IN BRAZIL

Lucyanna Quartieri Pinheiro Rodrigues . . . 176

A CORRUPÇÃO ENQUANTO FENÔMENO SOCIAL: ELEMENTO PERNICIOSO NAS ESTRUTURAS ESTATAIS OU GRAXA SOBRE AS RODAS DA ECONOMIA?

CORRUPTION AS A SOCIAL PHENOMENON: HARMFUL ELEMENT IN STATE´S STRUCTURES OR GREASE TO THE WHEELS OF ECONOMY?

Diego Gomes . . . . 198

O ABANDONO AFETIVO NA JURISPRUDÊNCIA

AFFECTIVE ABANDONMENT AND ITS REFLECTION IN JURISPRUDENCE

Aliny Modesto Moura Vieira e Fabrício Ramos Ferreira . . . . 212

A CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E O RECONHECIMENTO DA POSSIBILIDADE DAS DIRETIVAS ANTECIPADAS COMO EXERCÍCIO DA SUA AUTONOMIA PRIVADA

THE CONCRETIZATION OF THE RIGHTS OF THE DISABLED PERSON AND THE RECOGNITION OF THE POSSIBILITY OF THE ADVANCE DIRECTIONS AS EXERCISE OF THEIR PRIVATE AUTONOMY

Cristiano Chaves de Farias e Melissa Ourives Veiga . . . 235

UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA – ENUNCIADO DA SÚMULA 22 – DISPENSABILIDADE DE APREENSÃO DA ARMA NO ROUBO PARA RECONHECIMENTO DA CIRCUNSTÂNCIA DO ART. 157, §2º, INCISO I, DO CP . .294

ATRASO NA ENTREGA DA UNIDADE IMOBILIÁRIA E DANO MORAL . . . .296

COBRANÇA DE TAXA CONDOMINIAL POR ASSOCIAÇÕES DE FATO . . . .298

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E FIXAÇÃO DE VALOR MÍNIMO PARA OS DANOS MORAIS . . . .300

EXECUÇÃO PENAL: DATA-BASE PARA CONCESSÃO DE NOVOS BENEFÍCIOS APÓS A UNIFICAÇÃO DAS PENAS . .302

NOTIFICAÇÃO E PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO PRÉVIOS À DERRUBADA DE OBRA EM ÁREA PÚBLICA . .304

HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS E ISENÇÃO DE CUSTAS PROCESSUAIS PARA PROCURADORES DO DISTRITO FEDERAL . . . .306 ARTIGOS

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MUNICIPALITIES AND THE ENFORCEMENT OF FUNDAMENTAL RIGHTS

Ana Carolina Couto Matheus . . . 247

SISTEMA DE TUTELAS PROVISÓRIAS NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015: A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO INSTITUTO E OS CONTORNOS DA ESTABILIZAÇÃO DA DECISÃO

SYSTEM OF PROVISIONAL TUTORS IN THE CIVIL PROCESS CODE OF 2015: THE HISTORICAL EVOLUTION OF THE INSTITUTE AND THE CONTEXTS OF THE ESTABLISHMENT OF THE DECISION

Lenda Tariana Dib Faria Neves . . . . 264

Aprígio Aguiar de Oliveira Sousa Camelo

e Lara Lívia Cardoso Costa Bringel . . . 281

LIMITAÇÃO DO PERCENTUAL DE DESCONTO DA PARCELA DE MÚTUO BANCÁRIO NA CONTA-CORRENTE DO

DEVEDOR . . . . 307

MATRÍCULA EM SUPLETIVO DE MENOR APROVADO NO VESTIBULAR . . . . 310

DANO MORAL DECORRENTE DE CORPO ESTRANHO EM ALIMENTO NÃO ENGOLIDO . . . .313

PRAZO DE SUSPENSÃO DAS AÇÕES E EXECUÇÕES NA LEI DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL E FALÊNCIA . . . . 315

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A NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DO ARTIGO 489, § 2º, DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

REVISTA DE DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. 53. BRASÍLIA. 109 (2). P. 162-175 / JAN - JUN 2018

162

A NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DO

ARTIGO 489, § 2º, DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Ricardo Pacheco Mesquita de Freitas

THE NECESSITY OF RESTRICTIVE INTERPRETATION OF THE

ARTICLE 489, §2º OF THE NEW CODE OF CIVIL PROCEDURE

RESUMO

O objetivo deste artigo é analisar a necessidade de interpretar restritivamente o § 2º do art. 489 da Lei 13.105/2015, tendo em vista que a interpretação literal deste poderia ameaçar o Estado de Direito e a segurança jurídica, ainda mais no presente contexto jurídico brasileiro. Inicialmente, será estabelecido o conceito de norma jurídica e ressaltada sua subdivisão em normas-princípio e normas-regra, enaltecida a força normativa dos princípios. Em seguida, será apresentada a inconveniência do § 2º do art. 489 da Lei 13.105/2015 e os danos que podem advir de sua interpretação literal. Por fim, serão delimitadas as causas agravantes da insegurança jurídica no Brasil, que pode ser potencializada por uma interpretação ampliativa do dispositivo analisado, chegando-se à conclusão, com base na pesquisa realizada, que, com o intuito de resguardar o Estado de Direito e de prestigiar a segurança jurídica, é necessário que a palavra “normas”, constante do art. 489, § 2º, do Novo CPC, seja interpretada restritivamente, como sinônimo de princípios.

» PALAVRAS-CHAVE: NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. SEGURANÇA JURÍDICA. DECISÕES JUDICIAIS. SINCRETISMO

METODOLÓGICO. NEOCONSTITUCIONALISMO.

ABSTRACT

The purpose of this article is to analyze the need to interpret §2 of art. 489 of Law 13.105/2015, given that a literal interpretation has the potential to threaten the Rule of Law and Legal Certainty, especially in the current legal context in Brazil. First the concept of legal norm is established and we emphasize its subdivision in norms-principle and norms-rule, extolling the normative force of the norms-principles. Next, we argue the inconvenience of §2 of art. 489 of Law 13.105/2015 and the damages that can be caused by its literal interpretation. Finally, the aggravating causes of the legal uncertainty in Brazil will be delineated. It can be potentialized by an expansive interpretation of the analyzed legal text, reaching the conclusion, based on the research carried out, that in order to safeguard the rule of law and to preserve legal certainty, the word “norms” in art. 489, §2 of the New Code of Civil Procedure should always be interpreted, strictly, as synonymous with principles.

» KEYWORDS: NEW CODE OF CIVIL PROCEDURE. LEGAL CERTAINTY. JUDICIAL DECISIONS. METHODOLOGICAL SYNCRETISM.

NEO-CONSTITUTIONALISM.

INTRODUÇÃO

O presente artigo visa defender a inconveniência da redação atu-al do art. 489, § 2º, do novo Código de Processo Civil e desvelar a inse-gurança jurídica que pode ser desencadeada pela má interpretação desse dispositivo legal, haja vista as ameaças ao Estado de Direito advindas da deturpação do conceito e do sentido de norma jurídica, em virtude dos fe-nômenos, cada vez mais recorrentes, do “sincretismo metodológico” e do “pamprincipiologismo” (STRECK, 2013).

Para tanto, na primeira parte do trabalho, serão expostos os princi-pais conceitos de norma jurídica e suas espécies bem como a necessidade da

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REVISTA DE DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. 53. BRASÍLIA. 109 (2). P. 162-175 / JAN - JUN 2018 força normativa dos princípios jurídicos para a manutenção do equilíbrio do direito, ao criarem um siste-ma não tão rígido quanto um sistesiste-ma puro de regras, nem tão flexível quanto um sistesiste-ma de princípios.

Na segunda parte, será apresentada a redação vigente do § 2º do art. 489 do novo Código de Processo Civil e apontada sua falha técnica por meio da utilização da técnica de ponderação para resolução de conflitos entre “normas”, sem definir suas espécies.

Por fim, na terceira parte, serão expostas as principais causas de insegurança jurídica no direito brasileiro, que podem ser potencializadas pela inexatidão do termo “normas” no dispositivo de lei analisado.

É necessário esclarecer, ainda, que os princípios tratados neste trabalho são aqueles de ver-tente constitucional, que em nada se identificam com os denominados princípios gerais de direito e que foram criados para resolver as lacunas legislativas de matriz puramente positivista.

1 A NORMA JURÍDICA: NECESSIDADE DA FORÇA NORMATIVA DOS PRINCÍPIOS JURÍDICOS

Neste tópico, será exposto o conceito de norma jurídica e suas espécies bem como a necessidade da força normativa dos princípios jurídicos e suas principais construções teóricas e modos de aplicação.

1.1 AS REGRAS E OS PRINCÍPIOS – A INSUFICIÊNCIA DE UM SISTEMA DE REGRAS JURÍDICAS

Para conceituar o que são normas, é preciso entender o que é o direito. Em passagem bas-tante marcante, Limongi (1971, p. 21) expressa ser o direito:

[...] conjunto das normas sociais coercitivas, que regem a questão do meu e do seu. Essas normas, sejam elas emanadas diretamente do Poder Público, sejam oriundas da lenta elaboração da consciência popular, sejam ainda produzidas pelo Direito Cientifico, não são, não podem ser geradas irracionalmente, sem a obediência de princípios básicos, à falta de cuja informação lhes não seria dado alcançar os fins a que se destinam.

Ora, é possível afirmar que a primeira expressão do direito se dá no universo fenomênico, por meio de princípios, normas com alto grau de abstração que visam regular os casos concretos.

É cediço que o estudo dos princípios remonta principalmente aos trabalhos de natureza jus-naturalista, isto é, desde o jusnaturalismo clássico (grego e romano) até a filosofia do direito natural do séc. XX (NADER, 1998, p. 91-5).

Em suas várias fases de desenvolvimento, os princípios sempre procuraram expressar uma manifestação da Justiça, ou seja, a busca incessante por postulados de justiça com aspirações uni-versais, com certa característica abstrata e metafísica, cuja eficácia se aproxima de uma leitura axiológica do direito (BONAVIDES, 2006, p. 234).

No jusnaturalismo clássico, o direito natural era tido por um conjunto de princípios superiores às regras positivas, pois eram considerados como manifestações da própria Justiça. Assim, Aristóteles (1996, p. 206) expressava que “A justiça política é em parte natural e em parte legal; são naturais as

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A NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DO ARTIGO 489, § 2º, DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

REVISTA DE DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. 53. BRASÍLIA. 109 (2). P. 162-175 / JAN - JUN 2018

coisas que em todos os lugares têm a mesma força e não dependem de as aceitarmos ou não [...]”. Percebe-se claramente essa distinção entre Direito Natural e Direito Positivo na tragédia grega An-tígona, de Sófocles (2006), na qual as leis divinas se sobrepõem às normas escritas pelos homens.

No jusnaturalismo medieval, com sua expressão máxima em Tomás de Aquino, o direito natural parte de uma concepção divina da natureza, que transcende a vontade humana; dessa forma, os princí-pios emanados desse direito serviriam como “critério de validade” das normas escritas. Para Tomás de Aquino, “Qualquer lei estabelecida pelos homens é autêntica na medida em que deriva da lei da nature-za; se discordar desta, já não será uma lei, mas corrupção de lei” (apud BOBBIO, 1998, p. 40).

Após esse período, o jusnaturalismo passa por um verdadeiro processo de secularização, aproximando o direito da moral, para reconhecer o direito natural como conceito apriorístico, apre-sentado de forma puramente racional. Os principais nomes desse jusnaturalismo moderno são Gró-cio e Kant (BOBBIO, 1995, p. 22).

No entanto, do positivismo jurídico, derivado do positivismo sociológico de Auguste Comte, adveio forte reação às doutrinas jusnaturalistas e extrema repulsa à aproximação entre conceitos do direito e da moral:

O positivismo nasce do esforço de transformar o estudo do direito numa verdadeira e adequada ciência que tivesse as mesmas características físico-matemáticas, naturais e sociais. Ora, a característica fundamental da ciência consiste em sua avaloratividade, isto é, na distinção entre juízos de fato e juízos de valor e na rigorosa exclusão destes últimos do campo científico: a ciência consiste somente em juízos de fato (BOBBIO, 1995, p. 135).

De acordo com os ditames positivistas, mesmo nas hipóteses de ausência de regras espe-cíficas, o caso concreto deve ser resolvido discricionariamente pela autoridade responsável, que deveria criar uma nova regra ou complementar alguma já existente (BOBBIO, 1995, p. 138-41).

Em conformidade, ainda, com essa seara positivista, os princípios são vistos como inter-pretações do sistema de regramento adotado, isto é, são conteúdos extraídos do próprio sistema normativo formado de regras.

Entretanto, é forçoso reconhecer que um sistema formado exclusivamente por regras jurí-dicas está fadado ao fracasso, uma vez que há casos em que, se houver lacuna na legislação, não se poderá confiar exclusivamente na discricionariedade do julgador para resolvê-los.

Em uma passagem extremamente pertinente, Ávila apregoa que:

[...] um sistema não pode ser composto somente de princípios, ou só de regras. Um sis-tema só de princípios seria demasiado flexível, pela ausência de guias claros de compor-tamento, ocasionando problemas de coordenação, conhecimento, custos e controle de poder. E um sistema só de regras, aplicadas de modo formalista, seria demasiado rígido, pela ausência de válvulas de abertura para o amoldamento das soluções às particulari-dades dos casos concretos. Com isso se quer dizer que, a rigor, não se pode dizer nem que os princípios são mais importantes do que as regras, nem que as regras são mais necessárias que os princípios. Cada espécie normativa desempenha funções diferentes e complementares, não se podendo sequer conceber uma sem a outra, e a outra sem a uma. Tal observação é da mais alta relevância, notadamente tendo em vista o fato de que a Constituição Brasileira é repleta de regras, especialmente de competência, cuja finali-dade é, precisamente, alocar e limitar o exercício do poder (2011, p. 120-1).

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REVISTA DE DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. 53. BRASÍLIA. 109 (2). P. 162-175 / JAN - JUN 2018 O Holocausto nazista, ocorrido na Segunda Guerra Mundial, é sempre lembrado por sim-bolizar uma “legalização do mal”, já que a maior defesa dos militares nazistas no pós-guerra era a de estrito cumprimento do dever legal e das ordens emanadas pelos superiores, que se encontra-vam em consonância com o que expressava o regramento legal. Apesar da polêmica em torno desse assunto, o positivismo jurídico no pós-guerra foi incessantemente atacado por ser supostamente “responsável” por ajudar a legitimar um cenário propício ao desenvolvimento e à manutenção do nazismo, já que o positivismo se pautava simplesmente por um critério de validade ou invalidade das normas e pelo esvaziamento de qualquer conteúdo valorativo.

Assim, é ilustrativa a passagem do livro do próprio Hitler – “Mein Kampf”:

Os direitos humanos estão acima dos direitos do Estado. Se, porém, na luta pelos direitos humanos, uma raça é subjugada, significa isso que ela pesou muito pouco na balança do destino para ter a felicidade de continuar a existir neste mundo terrestre, pois quem não é capaz de lutar pela vida tem o seu fim decretado pela providência (1983, p. 93).

Tais deturpações dos direitos humanos foram reputadas possíveis em um contexto positi-vista, pois, no positivismo jurídico, os direitos devem obrigatoriamente emanar do Estado, respei-tados apenas os critérios de validade da norma. No caso dos direitos humanos, sua essência consiste justamente em direitos utilizados primeiramente contra a organização estatal, do que decorre a ne-cessidade de buscar um fundamento mais profundo do que o simples reconhecimento estatal para a vigência de tais direitos (COMPARATO, 2003, p. 35).

A partir do término da Segunda Guerra Mundial, surgiram várias teorias de reaproximação entre o direito e a moral, o que trouxe a lume teses jurídicas de normatividade e força cogente dos princípios jurídicos, sobretudo dos direitos fundamentais, forçando a norma jurídica, incorporada à figura do princípio, a carregar uma carga valorativa que impedisse um novo Holocausto, isto é, uma deturpação do sentido das regras jurídicas que pudesse culminar em outra tragédia.

É nesse cenário, ainda em construção, que se encontra a ciência jurídica relativa ao estudo das normas jurídicas, as quais são subdivididas, portanto, em regras e princípios.

1.2 AS CONSTRUÇÕES TEÓRICAS ACERCA DO CONCEITO DE PRINCÍPIO E SUA APLICAÇÃO

Ronald Dworkin deu início a uma discussão extremamente pertinente sobre o sistema de regras positivistas, com a seguinte pergunta: existe uma única resposta para todo caso jurídico? (ALEXY, 1988, p. 1).

Essa polêmica visava atacar diretamente as teorias positivistas de Hart e, principalmente, as de Hans Kelsen, segundo as quais não era possível haver resposta única para toda hipótese, visto que, no caso de lacuna no ordenamento jurídico, o juiz poderia se desvincular do sistema e, atuando como um legislador, decidir conforme argumentos e proposições extrajurídicas (ALEXY, 1988, p. 2).

Dworkin, portanto, sugeriu um modelo baseado em princípios e regras, de acordo com o qual a única resposta correta para cada caso seria aquela que melhor pudesse ser justificada por

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A NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DO ARTIGO 489, § 2º, DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

REVISTA DE DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. 53. BRASÍLIA. 109 (2). P. 162-175 / JAN - JUN 2018

uma teoria substantiva que contivesse princípios e a respectiva ponderação deles; e que melhor se relacionasse com a Constituição, com as regras jurídicas e com os precedentes (ALEXY, 1988, p. 2).

Como já apontado no tópico anterior, um sistema jurídico formado apenas por regras é in-viável, tal como um sistema jurídico composto apenas por princípios. Desta forma, não há outra saída, senão considerar que o ordenamento jurídico é formado por normas que se subdividem em princípios e regras.

De acordo com esse paradigma, é necessário fazer a devida distinção entre as espécies de normas. Essa discussão não é de maneira alguma inédita e se afigura como tema bastante polêmico; porém, neste artigo, será limitada às principais conceituações:

Acabei de mencionar “princípios (principles), políticas (policies) e outros tipos de padrões (standards)”. Com muita freqüência, utilizarei o termo “princípio” de maneira genérica, para indicar todo esse conjunto de padrões (standards) que não são regras (rules); even-tualmente, porém, serei mais preciso e estabelecerei uma distinção entre princípios e políticas. Ainda que o presente argumento nada vá depender dessa distinção, devo expor como cheguei a ela. Denomino “política” aquele tipo de padrão que estabelece um ob-jetivo a ser alcançado, em geral uma melhoria em algum aspecto econômico, político ou social da comunidade (ainda que certos objetivos sejam negativos pelo fato de estipula-rem que algum estado atual deve ser protegido contra mudanças adversas). Denomino “princípio” um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exi-gência de justiça ou eqüidade ou alguma outra dimensão da moralidade. Assim, o padrão que estabelece que os acidentes automobilísticos devem ser reduzidos é uma política e o padrão segundo o qual nenhum homem deve beneficiar-se de seus próprios delitos é um princípio (DWORKIN, 2002, p. 36).

O conceito de princípio em Dworkin (2002, p. 36), por estar ligado a uma noção de justiça e à moral, possui inspiração claramente jusnaturalista. Logo, advoga que a distinção entre princípios e regras está na dimensão dos primeiros. Enquanto as regras têm dimensão apenas de validade (tudo ou nada – all or nothing), isto é, aplicam-se, ou não, a um caso, os princípios têm dimensão de peso, ou seja, em um embate, ambos terão validade e ambos se aplicarão a um caso; entretanto, um deles será mais “pesado” do que o outro para a solução da demanda.

Alexy (1997, p. 162), partindo da mesma premissa de que a distinção entre princípios e regras é qualitativa, conceitua os primeiros como mandados de otimização, ou seja, algo que se estabelece, na maior medida possível, onde a realização completa de um princípio esbarra na rea-lização completa de outro; dessa maneira, em uma colisão de princípios, deve haver o sopesamen-to entre eles e a aplicação da técnica da proporcionalidade (comumente chamada de ponderação), na qual, dependendo das variáveis fáticas, são sopesados os princípios ligados ao problema, a fim de chegar a um resultado.

No direito brasileiro, os princípios jurídicos são conceituados tradicionalmente como “man-damentos nucleares”, “disposições fundamentais” de um sistema (MELLO, 2003, p. 817-8), ou, ainda, como “núcleos de ordenações” (CANOTILHO, 1991, p. 49). Essas conceituações tradicionais em nada têm a ver com aquelas empreendidas por Dworkin ou Alexy, uma vez que se relacionam a uma matriz positivista. Afinal, os princípios, no positivismo, destinavam-se a manifestar o cerne

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REVISTA DE DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. 53. BRASÍLIA. 109 (2). P. 162-175 / JAN - JUN 2018 do sistema de regras jurídicas, isto é, advinham das regras, portanto, eram uma construção inter-pretativa de seus “núcleos”.

Entretanto, diversas construções jurídicas acerca desse tema elencam os conceitos de Ro-bert Alexy e Ronald Dworkin e, ao adentrarem nas tipologias e nos exemplos, utilizam a conceitua-ção tradicional brasileira (SILVA, 2003, p. 613).

Ora, para Alexy (1997, p. 162), vários princípios assim nomeados e difundidos no direito bra-sileiro não são sequer princípios. De acordo com essa perspectiva, o princípio da legalidade não seria um princípio, e sim uma regra jurídica, pois a disposição “ninguém será obrigado a fazer ou dei-xar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” poderia ser sopesada? Nos moldes descritos por Dworkin (2002, p. 30-42), trata-se do mesmo raciocínio, é regra, já que a esta é aplicável de maneira “tudo ou nada”.

Além do mais, as regras e os princípios possuem funções totalmente diferentes, não haven-do de falar em primazia de uma sobre a outra, principalmente em nossa Constituição, que é formada precipuamente de regras jurídicas, pois estas têm a função de eliminar ou de reduzir problemas de coordenação, conhecimento, custos e controle de poder, diminuindo a arbitrariedade e a incerteza e gerando ganhos na previsibilidade para a maior parte dos casos (ÁVILA, 2009, p. 4).

Deste modo, em um embate entre regra constitucional e princípio constitucional, aplica-se a regra, pois o próprio constituinte já fez a escolha, que não pode ser ignorada, acerca da solução de tal conflito: “Entender de modo contrário, é interpretar como descartáveis normas que a Constitui-ção quis resistentes a uma ponderaConstitui-ção horizontal, flexibilizando aquilo que ela quis objetivamente enrijecer” (ÁVILA, 2009, p. 5).

2 A INCONVENIÊNCIA DO § 2º DO ART. 489 DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Inicialmente, cumpre expor a redação do artigo de lei aqui debatido:

Art. 489.  São elementos essenciais da sentença: [...]

§ 2º No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.

O problema que se verifica nesse caso é de matriz puramente técnica, haja vista que a reda-ção do referido parágrafo permite utilizar a ponderareda-ção no caso de colisão entre normas jurídicas, e, conforme visto, norma jurídica pode ser tanto uma regra quanto um princípio.

Ora, a técnica da ponderação, conforme explanado, é utilizada amplamente no Brasil, para dirimir a colisão entre princípios jurídicos e para resolver casos difíceis; entretanto, a redação do aludido artigo permite, pelo menos em tese, a ponderação entre regras jurídicas, fato tecnicamente inviável, já que estas não comportam qualquer tipo de ponderação, nem podem, devendo ser apli-cadas por meio da interpretação e da subsunção, o que já é por demais difícil de conciliar, pois até

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mesmo uma palavra pode conter diversos significados que, dependendo do esforço hermenêutico, podem levar a consequências jurídicas totalmente distintas. Sobre isso já se pronunciou Dworkin (2005, p. 189).

De qualquer modo, o argumento da imprecisão comete um erro adicional. Supõe que o legislador aprova uma lei, o efeito desta lei sobre o Direito é determinado exclusivamente pelo significado abstrato das palavras que usou, de modo que se as palavras são impre-cisas, deve decorrer daí, que o impacto da lei sobre o Direito deve, de alguma maneira, ser indeterminado. Mas esta suposição está claramente errada, pois os critérios de um jurista para estabelecer o impacto de um lei sobre o Direito podem incluir cânones de interpretação ou explicação legal que determinam que força se deve considerar que uma palavra imprecisa tem num ocasião particular, ou, pelo menos, fazer sua força depender de questões adicionais que, em princípio, têm uma resposta certa.

Desta forma, caso se admita a ponderação entre regras jurídicas, haveria sério risco à segu-rança jurídica e ao próprio Estado de Direito, ainda mais nesse momento, em que o Brasil passa por uma crise de “decisionismos”, “criação” e aplicação exagerada de princípios bem como de sincre-tismos metodológicos.

Um dos maiores desafios da atualidade, principalmente no que se refere à aplicação dos princípios, é conciliar a segurança jurídica com a necessidade de tomada de decisões corretas, isto é, até que ponto a segurança jurídica poderá ser sacrificada, para que se possa, no direito, julgar corretamente, já que uma decisão aplicadora de Princípios Constitucionais traz consigo alta carga valorativa. Haveria o caos, se, para aplicar as regras, fosse também utilizado esse mesmo expedien-te de ponderação.

Assim, enaltecendo a necessidade de fundamentação das decisões por meio de uma linha argumentativa lógica, Habermas (2003, p. 281) expressa o seguinte.

[...] "Correção” significa aceitabilidade racional, apoiada em argumentos. Certamente a validade de um juízo é definida a partir do preenchimento das condições de validade. No entanto, para saber se estão preenchidas, não basta lançar mão de evidências empíricas diretas ou de fatos dados numa visão ideal: isso só é possível através do discurso - ou seja, pelo caminho de uma fundamentação que se desenrola argumentativamente. [...].

O recorte que deve ser realizado, portanto, é que, no direito brasileiro, a relativização da se-gurança jurídica por meio da ponderação só pode ocorrer no caso de aplicação dos princípios postos na Constituição Federal. Nos demais casos, devem prevalecer as regras jurídicas infraconstitucio-nais pertinentes, só afastadas em razão da existência de princípio constitucional ou de regra cons-titucional aplicável ao caso.

Na hipótese de regra jurídica, a ponderação já é realizada no próprio processo legislativo, quando o legislador opta por criar uma norma estruturalmente definitiva. Tanto é verdade, que as regras jurídicas não colidem e devem ser analisadas somente sob a dimensão de validade, uma vez que não podem ser analisadas sob a dimensão de peso. Caso contrário, se as regras jurídicas, que formam a maioria esmagadora das normas do nosso ordenamento jurídico, não tivessem caráter definitivo e abarcassem a dimensão de peso, não haveria qualquer espécie de segurança jurídica, pois estariam sujeitas às intempéries da ponderação.

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REVISTA DE DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. 53. BRASÍLIA. 109 (2). P. 162-175 / JAN - JUN 2018 Streck (2010, p. 165-6) apregoa que um dos problemas do Estado Democrático de Direito é a ausência de escolha de um paradigma capaz de nortear a aplicação do direito. O autor defende que a aplicação do direito deve se dar por meio da hermenêutica (filosófica), com base na qual é tomada uma posição não relativista nas decisões, isto é, há, sim, uma decisão correta para cada caso, e a correção dela é aferida por sua adequação à Constituição.

Ora, ao ser transposta uma teoria argumentativa para o Brasil, é óbvio que os argumentos e os métodos utilizados no deslinde da demanda devem ser conformes à Carta Magna.

Tendo em vista a necessidade de garantia do Estado de Direito e da própria segurança ju-rídica, a palavra “normas”, no art. 489, § 2º, do Novo CPC, deve sempre ser interpretada como sinônimo de princípios, uma vez que a interpretação ampliativa levaria a um caos maior do que o já vivenciado atualmente.

3 AS CAUSAS AGRAVANTES DE INSEGURANÇA JURÍDICA NO DIREITO BRASILEIRO

Conforme exposto, a segurança jurídica deve ser relativizada, em alguns casos, para aplica-ção de princípios e tomada de decisões “justas”; entretanto, o que se percebe atualmente, no ce-nário jurídico brasileiro, é a aplicação e a “criação” errônea de princípios “constitucionais”, do que decorre não haver, nas decisões, um mínimo de aceitabilidade racional, apoiada em argumentos só-lidos. Verifica-se, ainda, a aplicação de teorias e correntes doutrinárias incompatíveis entre si e, até mesmo, com o ordenamento jurídico pátrio (sincretismo metodológico), fatos esses que, aliados a uma interpretação ampliativa do art. 489, § 2º, do Novo CPC, levarão o Estado de Direito ao declínio.

3.1 O SINCRETISMO METODOLÓGICO

Em linhas gerais, sincretismo metodológico foi conceituação cunhada por Virgílio Afonso da Silva acerca de um fenômeno que vem ganhando bastante força no Brasil, o qual consiste na adoção de teorias incompatíveis, como se compatíveis fossem:

Um exemplo bastante acentuado de sincretismo metodológico no campo da distinção entre regras e princípios pode ser encontrado na obra de Ruy Samuel Espíndola, Conceito de princípios constitucionais [...]. O autor critica a doutrina brasileira sobre princípios por não se utilizar dos “clássicos principialistas” (sic), como Boulanger, Dworkin, Ale-xy, Canaris, Esser, Luhmann, Larenz, Müller, Krawietz, Zagrebelsky, Crisafulli, Enterría, Scheuner, Engisch e Ross. O próprio Espíndola, entretanto, não só não se utiliza de obras de quase nenhum deles, como também não explica como compatibilizar autores tão dís-pares, muitos dos quais, a despeito de serem por ele chamados de “clássicos principialis-tas”, nunca se dedicaram a construir uma teoria sobre princípios constitucionais (SILVA, 2003, p. 625-6).

Na prática, há um exemplo claro de verdadeiro sincretismo metodológico no “Caso Ellwan-ger”, julgado pelo Supremo Tribunal Federal em 2003, o qual, para melhor debate, deve ser conhecido:

HABEAS-CORPUS. PUBLICAÇÃO DE LIVROS: ANTI-SEMITISMO. RACISMO. CRIME IM-PRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE EX-PRESSÃO. LIMITES. ORDEM DENEGADA. 1. Escrever, editar, divulgar e comerciar livros

“fazendo apologia de idéias preconceituosas e discriminatórias” contra a comunidade judaica (Lei 7716/89, artigo 20, na redação dada pela Lei 8081/90) constitui crime de

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racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII). 2. Aplicação do princípio da prescritibilidade geral dos crimes: se os judeus não são

uma raça, segue-se que contra eles não pode haver discriminação capaz de ensejar a ex-ceção constitucional de imprescritibilidade. Inconsistência da premissa. 3. Raça humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição e o mapeamento do genoma humano, cientifi-camente não existem distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos iguais. 4. Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em

ra-ças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacio-nista. 5. Fundamento do núcleo do pensamento do nacional-socialismo de que os judeus

e os arianos formam raças distintas. Os primeiros seriam raça inferior, nefasta e infecta, características suficientes para justificar a segregação e o extermínio: inconciliabilidade com os padrões éticos e morais definidos na Carta Política do Brasil e do mundo contem-porâneo, sob os quais se ergue e se harmoniza o estado democrático. Estigmas que por

si só evidenciam crime de racismo. Concepção atentatória dos princípios nos quais se erige e se organiza a sociedade humana, baseada na respeitabilidade e dignidade do ser humano e de sua pacífica convivência no meio social. Condutas e evocações aéticas

e imorais que implicam repulsiva ação estatal por se revestirem de densa intolerabilidade, de sorte a afrontar o ordenamento infraconstitucional e constitucional do País. 6. Ade-são do Brasil a tratados e acordos multilaterais, que energicamente repudiam quaisquer discriminações raciais, aí compreendidas as distinções entre os homens por restrições ou preferências oriundas de raça, cor, credo, descendência ou origem nacional ou étnica, ins-piradas na pretensa superioridade de um povo sobre outro, de que são exemplos a xeno-fobia, “negrofobia”, “islamafobia” e o anti-semitismo. 7. A Constituição Federal de 1988 impôs aos agentes de delitos dessa natureza, pela gravidade e repulsividade da ofensa, a cláusula de imprescritibilidade, para que fique, ad perpetuam rei memoriam, verberado o repúdio e a abjeção da sociedade nacional à sua prática. 8. Racismo. Abrangência. Compa-tibilização dos conceitos etimológicos, etnológicos, sociológicos, antropológicos ou bio-lógicos, de modo a construir a definição jurídico-constitucional do termo. Interpretação

teleológica e sistêmica da Constituição Federal, conjugando fatores e circunstâncias históricas, políticas e sociais que regeram sua formação e aplicação, a fim de obter-se o real sentido e alcance da norma. 9. Direito comparado. A exemplo do Brasil as legislações

de países organizados sob a égide do estado moderno de direito democrático igualmente adotam em seu ordenamento legal punições para delitos que estimulem e propaguem se-gregação racial. Manifestações da Suprema Corte Norte-Americana, da Câmara dos Lordes da Inglaterra e da Corte de Apelação da Califórnia nos Estados Unidos que consagraram entendimento que aplicam sanções àqueles que transgridem as regras de boa convivência social com grupos humanos que simbolizem a prática de racismo. 10. A edição e publica-ção de obras escritas veiculando idéias anti-semitas, que buscam resgatar e dar credibi-lidade à concepção racial definida pelo regime nazista, negadoras e subversoras de fatos históricos incontroversos como o holocausto, consubstanciadas na pretensa inferioridade e desqualificação do povo judeu, equivalem à incitação ao discrímen com acentuado con-teúdo racista, reforçadas pelas conseqüências históricas dos atos em que se baseiam. 11. Explícita conduta do agente responsável pelo agravo revelador de manifesto dolo, baseada na equivocada premissa de que os judeus não só são uma raça, mas, mais do que isso, um segmento racial atávica e geneticamente menor e pernicioso. 12. Discriminação que, no caso, se evidencia como deliberada e dirigida especificamente aos judeus, que configura ato ilícito de prática de racismo, com as conseqüências gravosas que o acompanham. 13. Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, ma-nifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal. 14. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte).

O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o “direito à incitação ao racismo”, dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princí-pios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica. 15. “Existe um nexo

estrei-to entre a imprescritibilidade, este tempo jurídico que se escoa sem encontrar termo, e a memória, apelo do passado à disposição dos vivos, triunfo da lembrança sobre o esqueci-mento”. No estado de direito democrático devem ser intransigentemente respeitados os princípios que garantem a prevalência dos direitos humanos. Jamais podem se apagar da memória dos povos que se pretendam justos os atos repulsivos do passado que permitiram e incentivaram o ódio entre iguais por motivos raciais de torpeza inominável. 16. A ausên-cia de prescrição nos crimes de racismo justifica-se como alerta grave para as gerações de hoje e de amanhã, para que se impeça a reinstauração de velhos e ultrapassados conceitos que a consciência jurídica e histórica não mais admitem. Ordem denegada (STF, Tribunal Pleno, HC n. 82424, Relator Min. Moreira Alves, Relator p/ Acórdão: Min. Maurício Corrêa, DJe de 19/3/2004 ). [grifo do autor].

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REVISTA DE DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. 53. BRASÍLIA. 109 (2). P. 162-175 / JAN - JUN 2018 Nessa decisão, verifica-se que os Ministros do STF delimitam o direito à liberdade de expressão sob uma perspectiva teórica interna (embasada na Teoria Estruturante de Müller, segundo a qual não há espaço, nos direitos fundamentais, para colisões e sopesamentos, já que, no processo de concreti-zação da norma jurídica, já se delimita seu alcance e conteúdo a partir do caso concreto), perpetrada, assim, a teoria interna, quando, a priori, são excluídas do conceito de liberdade de expressão “mani-festações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal” (MAGALHÃES, 2009, p. 6.656-7).

Delimitando a norma com base em uma teoria interna, em seguida o direito é considerado como princípio e sopesado com os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana nos moldes de uma teoria externa dos direitos fundamentais, na qual estes possuem um conceito que só poderá ser delimitado de acordo com o caso concreto, teoria apregoada por Alexy; dessa forma, é criada uma decisão verdadeiramente sincrética (MAGALHÃES, 2009, p. 6.656-7).

O perigo real da existência, e principalmente da aceitação, desse tipo de “sincretismo me-todológico” reside na ausência de aceitabilidade racional, pois esta é apoiada em argumentos vazios cuja utilização, sem nenhuma compatibilidade, dá a entender que a decisão já havia sido tomada e buscou-se fundamentá-la com quaisquer argumentos cabíveis.

É imperioso anotar, ainda, que um discurso sincrético é ausente de fundamentação do ponto de vista metodológico, pois não é possível compreender os caminhos trilhados e os conceitos utili-zados na construção do decisum (MAGALHÃES, 2009, p. 6.658).

Na doutrina, verifica-se esse sincretismo metodológico ainda mais arraigado nos chamados “princípios constitucionais de interpretação”, que, em grande maioria, foram retirados da obra de Hesse (1998), que trata dos Elementos de Direito Constitucional na República Federativa da Alemanha.

Silva (2007, p. 121) verifica que tais “princípios constitucionais de interpretação” sequer são populares ou debatidos na Alemanha e que apenas o “princípio interpretativo” da unidade da Constituição pode ser visualizado em algumas outras obras alemãs.

Entretanto, no Brasil, tais postulados têm tal popularidade e força na doutrina e na juris-prudência, que são adotados como se fossem universais e cogentes e, principalmente, como se, na Alemanha, fossem corriqueiros.

Nesse caso, a problemática dos conceitos interpretativos não se mostra bastante pertinente pragmaticamente, pois realmente o debate acerca dos “princípios” de interpretação constitucio-nal não tem quase nenhuma importância prática, pois visa apenas a dissociar os conceitos de her-menêutica do direito privado (conceitos tradicionais) dos conceitos utilizados na interpretação da Constituição (SILVA, 2007, p. 140-1).

Tal fato, apesar de não refletir perigo real, na prática contribui para a ausência de “persona-lidade” do direito brasileiro, ou seja, em vez de a doutrina pátria discorrer sobre postulados

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pretativos aplicáveis à Constituição brasileira, são adotados postulados estrangeiros, aplicados em outros momentos e contextos totalmente diferentes, como se fossem universais.

Tais influências teóricas, ao serem abrigadas nas decisões judiciais, trazem, com certeza, certa insegurança jurídica, pois retiram a fundamentação das decisões, ao ocultar o caminho trilha-do hermeneuticamente para se chegar à ratio decidendi, afastantrilha-do da decisão sua necessária aceita-bilidade racional, fundada em argumentos coerentes e compatíveis.

Assim, optar por uma interpretação ampliativa do art. 489, § 2º, do Novo CPC só contribuirá ainda mais para o agravamento do sincretismo metodológico existente em várias decisões no Bra-sil, ao compatibilizar a técnica de ponderação (originalmente incompatível) com a colisão entre as regras jurídicas ou entre os princípios e as regras.

3.2 O NEOCONSTITUCIONALISMO NO BRASIL

O neoconstitucionalismo no Brasil se desenvolveu com base em um cenário de “pós-positi-vismo”, assim definido por Barroso e Barcelos (2003, p. 27-8) como:

[...] designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada  nova hermenêu-tica e a teoria dos direitos fundamentais. [...] O Direito, a partir da segunda metade do século XX, já não cabia mais no positivismo jurídico. A aproximação quase absoluta entre Direito e norma e sua rígida separação da ética não correspondiam ao estágio do processo civilizatório e às ambições dos que patrocinavam a causa da humanidade. Por outro lado, o discurso científico impregnara o Direito. Seus operadores não desejavam o retorno puro e simples ao jusnaturalismo, aos fundamentos vagos, abstratos ou metafísicos de uma razão subjetiva. Nesse contexto, o pós-positivismo não surge com o ímpeto da descons-trução, mas como uma superação do conhecimento convencional. Ele inicia sua traje-tória guardando deferência relativa ao ordenamento positivo, mas nele reintroduzindo as idéias de justiça e legitimidade. O constitucionalismo moderno promove, assim, uma volta aos valores, uma reaproximação entre ética e Direito.

Nesse cenário, o neoconstitucionalismo pretende alterar o direito vigente, propondo uma “nova hermenêutica constitucional”, por meio da qual se luta por mais princípios do que por regras, por mais ponderação do que subsunção, pela supremacia da Constituição em todas as searas e conflitos e pela coexistência de valores (até mesmo opostos) na aplicação das normas (SANCHÍS, 2003, p. 117).

Essa nova interpretação, de acordo com os neoconstitucionalistas, é uma clara oposição ao po-sitivismo jurídico (dito por eles com conotação pejorativa) e classifica as normas constitucionais como cláusulas abertas, de conteúdo principiológico e extremamente dependente da realidade, não expres-sando sentido único ou objetivo, em que a descrição da norma “demarca apenas uma moldura dentro da qual se desenham diferentes possibilidades interpretativas” (BARROSO; BARCELOS, 2003, p. 5).

Tal postulado parece ser muito cativante, pois convida o jurista, o intérprete, a alterar a rea-lidade por meio da interpretação; contudo, tal teoria pode até mesmo aniquilar a ideia de Estado de Direito, pois, se a constitucionalidade das normas for constantemente atacada por intérpretes – por meio da utilização de princípios como parâmetro e ponderação como técnica –, as normas perderão

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REVISTA DE DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. 53. BRASÍLIA. 109 (2). P. 162-175 / JAN - JUN 2018 a capacidade de guiar as condutas individuais, o que pode ensejar uma atuação mais subjetiva dos agentes públicos (GALVÃO, 2012, p. 19).

Galvão (2012, p. 17), inclusive, apresenta exemplo contundente, no qual o STF ficou discu-tindo, por quase 11 horas, a aplicabilidade do princípio constitucional da moralidade sobre a regra constitucional exposta no art. 16 da Constituição Federal. Esse fato acentua os perigos da utilização do neoconstitucionalismo e suas implicações quanto ao Estado de Direito e à segurança jurídica, pois substituiria as razões de existência da norma pelas razões do intérprete, tornando a aplicação do direito imprevisível e destituída de qualquer segurança.

Portanto, o neoconstitucionalismo, aliado a uma interpretação ampliativa e literal do art. 489, § 2º, do Novo CPC, constitui uma ameaça à segurança jurídica, porque prega o menosprezo pela lei, o que agride, inclusive, a separação dos poderes e a própria democracia, uma vez que o juiz neoconstitucionalista faz as vezes do legislador, cuja função primária é “densificar” os princípios constitucionais e regulamentar sua aplicação aos casos concretos. Além disso, o juiz se torna um governante sem legitimidade, pois é o povo que exerce o poder diretamente ou por meio de seus representantes eleitos (FERREIRA FILHO, 2009, p. 164).

CONCLUSÃO

Apesar de haver a necessidade da existência e da aplicação dos princípios jurídicos com força normativa, para tentar fugir da aplicação discricionária do direito (positivismo), tal aplicação, por si só, jamais poderá levar à insegurança jurídica, pois é imprescindível para a solução de casos difíceis, nos quais há conflito entre princípios constitucionais. O mesmo não se pode dizer das regras jurídi-cas, que se aplicam, ou não, ao caso em sua inteireza, independentemente de ponderação.

Depreende-se disso que os fatores de insegurança jurídica na atual conjuntura consubstan-ciam-se na fundamentação dos atos decisórios judiciais por meio de teorias incompatíveis entre si e na utilização de pretensos princípios jurídicos amparados em proposições vazias e extremamente genéricas, que obscurecem o caminho trilhado pelo aplicador do direito na feitura do ato decisório, fatores que só se agravam com uma interpretação ampliativa do art. 489, § 2º, do Novo CPC.

Desta feita, tendo em vista a necessidade de garantia do Estado de Direito e da própria se-gurança jurídica, a palavra “normas”, no art. 489, § 2º, do Novo CPC deve sempre ser interpretada como sinônimo de princípios, uma vez que uma interpretação ampliativa levaria a um caos maior do que o vivenciado atualmente no ordenamento pátrio.

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Ricardo Pacheco Mesquita de Freitas

Mestrado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Graduação em Direito pela Universidade de Uberaba/UNIUBE. Pós-graduação lato sensu em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera/ UniDERP. Advogado. contato@rfreitas.adv.br

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GRILHÕES DE ONTEM E DE HOJE: A ESCRAVIDÃO HUMANA E O CONTEXTO DO MIGRANTE

GRILHÕES DE ONTEM E DE HOJE: A ESCRAVIDÃO

HUMANA E O CONTEXTO DO MIGRANTE

Lucyanna Quartieri Pinheiro Rodrigues

SHACKLES OF YESTERDAY AND TODAY:

HUMAN SLAVERY AND MIGRANTS IN BRAZIL

RESUMO

No presente artigo, propõe-se refletir sobre a escravidão no Brasil, a partir da explanação de aspectos históricos, seguida pela apresentação das normas internacionais e nacionais de combate à prática e, finalmente, pela exposição da atual realidade dos migrantes no País. Em tempos de recrudescimento da violência no mundo, as ondas migratórias também se ampliaram, e o Brasil passou a figurar como importante destino de imigrantes que, muitas vezes, adentram as fronteiras sem documentação adequada, domínio da língua ou capacitação técnica para alçarem espaço no mercado de trabalho. Tornam-se, por isso tudo, vítimas em potencial do aliciamento para o trabalho escravo. Visitar os fatos históricos permite constatar quão árdua e lenta é a vereda da civilização para erradicar a prática. Por outro lado, o conhecimento dos institutos normativos que visam combater a continuidade da escravidão se mostra essencial para afastar argumentos rasos de que não há mais escravos no Brasil e no mundo, ou de que há exageros na proteção aos direitos humanos. A escravidão tem nova roupagem, não se apresenta como outrora, mas subsiste, permanece injustificável e está em franca expansão. A pergunta que se faz é se o Brasil, internacionalmente elogiado pela conduta de combate estatal às práticas de submissão de vulneráveis na atualidade, seguirá esse caminho ou retrocederá.

» PALAVRAS-CHAVE: DIREITO PENAL. ESCRAVIDÃO. DIREITOS HUMANOS. MIGRANTES.

ABSTRACT

In this article, a reflection is proposed about slavery in Brazil, starting with an explanation about historical aspects, followed by the presentation of the international and Brazilian rules against its practice and, finally, by presenting the current reality of migrants in Brazil. With the resurgence of violence around the world, migratory waves also increased, and Brazil became an important destination of migrants who, oftentimes, cross the borders without proper documentation, language proficiency or technical training for the labor market. Because of these difficulties, migrants become potential victims of enticement into slave labor. Revisiting the historical facts shows how arduous and slow the path of civilization is to eradicate the practice. On the other hand, knowledge of international and Brazilian law that aim to fight the continuity of slavery is essential to put away shallow arguments that there are no more slaves in Brazil and around the world or that there are exaggerations in the protection of human rights. Slavery has a new way of presentation, but still exists, it´s unjustifiable and it´s greatly expanding. The question is whether Brazil, internationally praised by its current stance in fighting the submission of vulnerable human beings, will continue this path or regress.

» KEYWORDS: CRIMINAL LAW. SLAVERY. HUMAN RIGHTS. MIGRANTS.

INTRODUÇÃO

Escravidão. Eis o tema do presente artigo. Com base em revisão bi-bliográfica e normativa, pretende-se discutir a escravidão nos dias de hoje, as normas internacionais e nacionais que delineiam a sua caracterização e, em aspecto mais pontual, a situação do trabalhador migrante no Brasil.

Busca-se demonstrar que a situação ainda hoje vivenciada por milhões de pessoas ao redor do planeta merece ser tratada com a seriedade devida e combatida veementemente, pois afronta o mais primordial dos atuais

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pios civilizatórios: a dignidade da pessoa humana. Objetiva-se, ainda, contribuir para a discussão sobre o tema, especialmente sobre a situação do trabalhador migrante haja vista seu estado assaz vulnerável.

Nesse contexto, o Brasil vem se posicionando como polo de imigração, principalmente em decorrência das promessas de acolhimento e de respeito às diferenças; todavia, em razão de vários obstáculos encontrados em solo brasileiro, os migrantes findam por se tornar grupo de fácil coop-tação por empregadores que utilizam mão de obra escrava.

As reflexões propostas decorrem da verificação – e da grande inquietação com isto – do recente enfraquecimento das ações estatais brasileiras de combate ao crime de redução à condição análoga à de escravo, previsto no artigo 149 do Código Penal. Essa mudança de rumos denota neces-sidade de firme posicionamento acadêmico e social.

Com o fito de auxiliar tal embate, este estudo tem o firme desiderato de rechaçar a relati-vização da submissão humana, ao levar em conta que, caso haja silêncio sobre o assunto, o Brasil poderá retroceder a quadros ainda mais vergonhosos do que os vividos outrora, ou mesmo do que aqueles persistentes ainda hoje.

1 OS ASPECTOS HISTÓRICOS: VISITAR O PASSADO PARA COMPREENDER O PRESENTE

É de notório conhecimento que o Brasil foi a última nação americana a abolir a escravidão (DE MENEZES, 2009). Quando, em 13 de maio de 1888, a Princesa Isabel assinou a Lei 3.353, o mundo já havia compreendido que escravos eram trabalhadores que não consumiam; logo, não contribui-riam, de maneira plena, para a ordem político-econômica que se inaugurava.

Eis o verdadeiro motivo do ocaso do sistema escravagista, embora a roupagem da dignidade hu-mana tenha sido usada como argumento moralmente válido para a medida. O fato é que, em uma socieda-de cuja mola motriz começava a ser a lógica do consumo, carecia socieda-de sentido a existência socieda-de trabalhadores não remunerados, que não poderiam contribuir para o desenvolvimento do mercado em formação.

Em igual medida, pesou para o Brasil a pressão mundial, capitaneada pela dona dos mares de então, a nação inglesa, pois, nos preços dos insumos brasileiros, não constava o custo de remunera-ção de empregados, do que decorria serem mais baratos do que o de outras regiões fornecedoras de matéria-prima, algumas das quais colônias europeias.

Com base nesses pressupostos, ao menos em análise perfunctória, fica claro que a abolição da escravatura no Brasil pouco teve relação com os ideais de dignidade e de igualdade, sempre alar-deados como nobres justificantes para a decisão. As razões foram outras, de ordem eminentemente prática, vinculadas, em especial, aos aspectos econômico-concorrenciais.

Tais digressões iniciais explicam, deveras, a razão pela qual a sociedade brasileira manteve o

status de inferioridade dos libertos e dos seus descendentes. A abolição não foi consequência natural

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O poeta popular eternizou, em versos, a lógica de continuidade à qual os libertos foram sub-metidos, pois ficaram, de fato, livres dos açoites da senzala, mas presos à miséria das favelas. Após uma vida inteira de subserviência, foram abertas as portas das senzalas e, sem qualquer perspec-tiva, restaram aos libertos dois caminhos. O primeiro era o subemprego nas cidades; o segundo, o subemprego no campo. Este último, com o agravante da concorrência da mão de obra que chegava da Europa. Os dois caminhos, todavia, convergiam para uma mesma situação: o subemprego.

A abolição retirou dos senhores a possibilidade de exploração do trabalho alheio sem qual-quer contrapartida remuneratória e com cerceamento de liberdade, mas, em decorrência da falta de capacitação dos libertos; de recursos para recomeçarem e de conhecimento sobre os próprios direi-tos, a libertação se fez apenas formalmente. Não por outra razão, Bijos (2009) salienta:

As raízes da escravidão contemporânea no Brasil devem ser buscadas no período que antecedeu à própria libertação dos escravos, em 1888. As elites rurais brasileiras foram muito cuidadosas no sentido de garantir que seus interesses sempre se mantivessem intocados. Já em 1850, prevendo a possibilidade de futura abolição, fizeram aprovar no parlamento a Chamada Lei das Terras, que impediu o acesso a terra por parte de qualquer cidadão, por quaisquer meios que não fosse o da compra.

Ainda por completo dependentes dos senhores de outrora, ou tendo apenas realizado a troca destes por um novo senhor, foi necessário aos libertos, por instinto de sobrevivência, submeterem--se, agora mediante contrato assinado, a condições degradantes, desumanas e injustas de trabalho. Conforme explana De Menezes (2009):

[...] o pós-abolição não correspondeu às expectativas dos abolicionistas. [...] A sociedade brasileira reverteu para as regras que haviam sido ameaçadas pela experiência abolicio-nista e milhões de brasileiros, descendentes dos escravos continuaram vivendo de for-ma semelhante àquela em que viviam sob a escravatura, dado à indigência a que foram lançados. A abolição da escravatura não criou as condições para que os antigos escravos pudessem alcançar a igualdade, a cidadania plena.

A remuneração em patamares mínimos jamais permitiu a ascensão aos níveis de dignidade apregoados pelos entusiastas da abolição. Aos negros e aos índios alforriados e libertos foi permi-tido, tão somente, escolher o relento sob o qual permaneceriam; não houve, em momento algum, a viabilização de oportunidade de sustento capaz de garantir um teto, um pedaço de chão, ou mesmo de possibilitar sonhos de melhoria para as gerações vindouras.

Aliás, que se diga, igual lógica foi implementada nas leis liberatórias que antecederam a Lei Áurea. De fato, a Lei do Ventre Livre despejou crianças desamparadas nas ruas, pois já não se exigia dos donos de suas mães que lhes dessem abrigo ou alimento. Como resultado, excepcionando-se as que foram acolhidas por instituições religiosas, sobreviveram aquelas que, nas ruas, aprenderam a lei do mais forte, a prostituição e a malandragem. Mais tarde, com a Lei dos Sexagenários, nova leva de andarilhos surgiu: ex-escravos já sem forças para o trabalho pesado foram desalojados sem qualquer preocupação social. Obviamente, restou-lhes a mendicância e os empregos mais desvalo-rizados. Uma verdadeira condenação à escravidão perene da miséria com roupagem de libertação.

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