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Desafios das políticas públicas intersetoriais- 02-01-12

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DESAFIOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS INTERSETORIAIS- O CASO

DA REPRESA BILLINGS E SEU APROVEITAMENTO MÚLTIPLO

Ricardo de Sousa Moretti* Edson Fernando Escames** Lyvia Nascimento Cirqueira***

* Engenheiro civil, doutor em construção civil pela EPUSP, professor titular da UFABC

** Arquiteto, Mestre em Energia pela Universidade Federal do ABC

*** Aluna e pesquisadora de iniciação científica da UFABC

Resumo

Debate-se nesse texto a importância e a dificuldade da promoção de uma política pública integrada, intersetorial, utilizando-se o caso da Represa Billings, situada do alto da Serra do Mar até a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). Esse caso exemplifica a necessidade prática de aproveitamento múltiplo das águas, incluindo manancial de água potável, geração de energia, lazer e controle de enchentes. Apresenta-se o histórico e os objetivos da sua construção e são descritos alguns dos embates e conflitos de interesses na gestão das suas águas. Sinaliza-se a possibilidade hipotética de uma reversão do quadro atual, com investimentos maciços no tratamento de esgotos da RMSP e na recuperação da qualidade ambiental da Billings, que poderiam ser oriundos também do setor energético. Na última parte é relatada a iniciativa interrompida de melhoria da qualidade das águas aportadas à represa através do processo de flotação. É apresentada a opinião de alguns técnicos sobre os limites e possibilidades dessa iniciativa. O caso analisado reforça a importância de transpor os interesses setoriais no momento de efetivar a política pública.

Introdução- desafios do aproveitamento múltiplo da água

A vida humana sempre foi dependente da possibilidade de obtenção de água de boa qualidade em quantidade suficiente para os diversos processos envolvidos na sua sobrevivência. Na base da construção das grandes civilizações humanas encontra-se a possibilidade de obtenção de segurança alimentar, por sua vez, diretamente associada a formas criativas de obtenção e uso da água. Exemplos são o aproveitamento da fertilidade oriunda das cheias do Rio Nilo, os aquedutos romanos e o sistemas de armazenamento de água em cisternas dos maias.

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transporte de alimentos a longas distâncias faz com que a demanda de água não aconteça exatamente no local em que há o consumo do alimento. Assim, como exemplo, a demanda crescente de carne na China, vai afetar o processo de desmatamento na Amazônia e vai trazer impactos respeitáveis aos recursos hídricos do outro lado do planeta. A água passa a ser utilizada mais intensamente como fonte de energia e crescem os conflitos entorno das diversas demandas de sua utilização, face às dificuldades crescentes de obtenção de água de qualidade a baixo custo. Alguns desses conflitos são emblemáticos: o mesmo reservatório que é vital como manancial de água potável pode ser também estratégico para geração de energia, para controle de enchentes, para recreação e lazer e para o equilíbrio climático e ambiental de uma região.

É evidente a necessidade de respeitar e gerir as diversas demandas de uso da água. Porém, desdobram-se os conflitos associados ao uso múltiplo da água. Para geração de energia e reserva de água para abastecimento público interessa um reservatório de água com nível máximo. Para que o reservatório consiga desempenhar um papel no controle de enchentes, é necessário que esteja vazio. Em outros casos, interessa ao mercado imobiliário a construção junto à lâmina d’água, embora a construção coloque em risco a utilização do manancial. À companhia de saneamento interessa manter os baixos custos de tratamento de esgotos, mesmo que em alguns casos os cursos d’água e os reservatórios sejam prejudicados.

A Represa Billings e seus conflitos

Pode-se considerar a Represa Billings como uma das mais estratégicas obras de engenharia realizada em São Paulo no século XX. Sua construção, na década de 30, viabilizou a produção de energia em larga escala na Usina Hidrelétrica Henry Borden (UHB) em Cubatão. Essa foi, durante cerca de 4 décadas, a maior usina brasileira e sua energia estruturou o desenvolvimento do parque industrial das regiões metropolitanas de São Paulo e da Baixada Santista. Atualmente, a represa é absolutamente estratégica no controle das enchentes de São Paulo, é utilizada como manancial de água potável para cerca de 2,2 milhões de pessoas e tem um papel importante na geração de energia elétrica nos momentos de consumo de pico, embora apenas 15% da potência instalada dessa usina hidrelétrica estejam sendo utilizada. Em um contexto em que o país investe bilhões na construção de novas usinas hidrelétricas, não deixa de ser surpreendente que tenhamos uma usina hidrelétrica de cerca de 900 MW que opera com apenas 15% de sua capacidade instalada. Da mesma forma, é surpreendente que as

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águas oriundas das enchentes que afetam os Rios Pinheiros e Tietê em São Paulo, nos momentos de chuva, sejam bombeadas para a Represa Billings e de lá para a Represa Guarapiranga, por meio do Braço Taquacetuba, e passem a ser utilizadas assim como manancial de água potável. A importância da Represa Billings no equilíbrio ambiental da região é intangível, mas a represa sofre contínuo e crescentes impactos em função do crescimento das áreas urbanas no seu entorno. Um dos determinantes da baixa utilização do potencial de geração de energia da usina é a precária e ineficiente estrutura de tratamento de esgotos na RMSP. Estudo realizado por Jacyro Gramulia Junior mostra que haveria água disponível para quadruplicar a geração de energia na UHB, se os esgotos fossem tratados. Esse estudo mostra a importância financeira desse aproveitamento energético e demonstra que recursos do setor energético poderiam modificar radicalmente o quadro de tratamento de esgotos na região (GRAMULIA JUNIOR, 2009, p.46-62).

Surge então, inevitavelmente a questão: por que não se viabiliza uma mudança radical do quadro de investimentos em tratamento de esgotos e melhoria da qualidade da água na RMSP? Essa pergunta tem a dimensão e a complexidade de São Paulo. Pretende-se nesse texto trazer alguns elementos para a compreensão de suas múltiplas respostas, incluindo-se o contexto histórico da construção da Represa Billings e o contexto da transformação do uso das suas águas.

O início dos serviços de eletricidade em São Paulo e o surgimento da Light

Graças à produção e exportação de café, em 1867, foi inaugurada a estrada de ferro Santos Jundiaí, a primeira do Estado de São Paulo. As ferrovias provocaram a reordenação espacial das cidades e também a criação de novos empregos. Começou a haver a transferência dos fazendeiros para a capital, além da vinda da mão de obra imigrante. Por isso, graças à riqueza advinda desta cultura agrícola, a partir de 1870, a cidade de São Paulo cresceu muito: de 1872 a 1900, a sua população aumentou de 31.385 para 239.820 habitantes. A economia cafeeira proporcionou o crescimento econômico com a diversificação do comércio, serviços e o início da industrialização a partir da substituição dos artigos importados, que se intensificou sobremaneira durante a Primeira Grande Guerra, entre 1914 e 1918 (FARIA, 2000, p.1). Os serviços de eletricidade na cidade de São Paulo já haviam sido iniciados com a Empresa Paulista de Eletricidade, que começou a operar em dezembro de 1888 e em 1891 foi absorvida pela Companhia Água e Luz de São Paulo (RICARDI, 2008, p.93). Operava com um gerador

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termelétrico a carvão do entardecer até a noite fornecendo eletricidade para o triângulo comercial da capital, na época a região mais importante da cidade. Essa empresa não conseguiu sobreviver à necessidade de grandes investimentos e em 1899 foi repassado o contrato “para transmissão, exploração ou venda de luz elétrica e energia” para a Light: The

São Paulo Railway, Light and Power Company Ltd. (SOUZA, 1982, p.27 a 29). Ao longo dos

primeiros meses de 1900, a Light adquiriu o controle acionário da Companhia Água e Luz, eliminando a competição pela iluminação de origem elétrica. Além disso, foi a energia dos geradores termoelétricos que eram dessa companhia, instalados na Rua São Caetano, que possibilitou, em maio de 1900, a inauguração do serviço de transporte por bondes (MC DOWALL, 2008, p.128). Se no início, o domínio sobre o serviço de viação urbana foi importante e se tornou a atividade principal para o estabelecimento da Light, por outro lado, o serviço de distribuição da eletricidade foi um subproduto desse primeiro serviço. Com o tempo, graças ao consumo de energia, devido ao crescimento de estabelecimentos industriais e pela progressiva substituição do vapor por energia nas indústrias, o fornecimento de energia elétrica ganhou importância decisiva na política de longo prazo da empresa. Os dados censitários parecem confirmar essa tendência: houve o crescimento da proporção de uso de energia elétrica na indústria de 4,29%, em 1907, para 47,3%, em 1920 (SAES, 1986, p.28-29 apud FARIA, 2000, p.2).

Concomitantemente à instalação do primeiro gerador termelétrico, a partir de janeiro de 1900, foi iniciada a construção da Usina de Parnaíba, na Cachoeira do Inferno, no Rio Tietê, território do município de Santana de Parnaíba, onde hoje se encontra a Estação Elevatória Edgard de Souza. Em setembro de 1901, a Usina de Parnaíba começava a operar com duas turbinas de um megawatt cada uma. Foram realizados sucessivos acréscimos em sua capacidade instalada até 1912, quando atingiu a geração máxima de dezesseis megawatts (PONTES, 1991, p.29). A instalação de sucessivas turbinas impôs a necessidade de regularização da vazão da água do Rio Tietê, principalmente em épocas de estiagem. Para isso, a empresa resolveu construir um grande reservatório de regularização. O local escolhido para a implantação da barragem foi no Rio Guarapiranga, próxima à sua foz no encontro com o Rio Jurubatuba onde nasce o Rio Pinheiros. Dessa forma, em 1908, foi concluída a obra que deu origem à Represa Velha de Santo Amaro, mais tarde denominada Represa do Guarapiranga (SEGATO, 1995, p.18).

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ofereceram a disponibilidade permanente de excedente de energia. A oferta de eletricidade influiu diretamente na forte expansão da indústria de São Paulo nos quinze primeiros anos do século vinte de forma que, em 1914, esse estado respondia por aproximadamente trinta por cento da produção industrial brasileira. (MC DOWALL, 2008, p.129 a 134).

O Projeto Serra

Após a Primeira Guerra Mundial, ficou mais visível a presença da classe média urbana na cena política brasileira, graças à industrialização e ao crescimento urbano favorecido pela restrição aos artigos importados. (FAUSTO, 2010, p.171).

Dessa forma, na década de 1920, a Brazilian Traction estava pressionada pelo consumo de energia em expansão. Não expandir a capacidade instalada para atender à demanda poderia colocar as concessões em risco e abrir brecha para possíveis concorrentes. Por outro lado, essa mesma expansão seria muito cara diante dos poucos recursos disponíveis no exterior. De qualquer maneira, não havia outra opção a ser seguida que não fosse a expansão do sistema de geração, em vista dos novos clientes que surgiam, como as empresas de ferrovias brasileiras, a Central e a Paulista, que estavam eletrificando as suas linhas de trens. Se essa demanda não fosse atendida seria aberta uma oportunidade às companhias estrangeiras (MC DOWALL, 2008, p.310 a 311).

As obras de expansão da geração de energia elétrica da Light vão ser coordenadas, a partir de 1922, por um engenheiro hidrelétrico americano chamado Asa White Kenney Billings. Quando Billings chegou ao Brasil, havia uma potência instalada de energia elétrica de quarenta e seis megawatts no Rio de Janeiro e de cinqüenta megawatts em São Paulo. (BILLINGS & BORDEN, 2010). O diagnóstico do levantamento realizado por Billings era de que a Brazilian Traction estava perigosamente beirando os limites de sua capacidade geradora nessas duas cidades. Para São Paulo, chegou à conclusão de que deveria ser realizada a construção, rapidamente, de uma usina de baixo custo para dar apoio ao esforço de atendimento à demanda de energia realizada por meio da Usina de Parnaíba. A seca no período estava restringindo a geração de energia de forma que até o serviço de bondes estava sendo limitado (MC DOWALL, 2008, p.315). Dessa forma, a Light inaugurou, em 1925, a Usina de Rasgão, depois da sua construção às pressas em apenas onze meses, perto da cidade de Itu, interior do Estado. (DIAS, 1989, p.40). Essa usina entra em operação com dois geradores, em setembro e novembro, perfazendo um total de vinte e dois megawatts (SOUZA,

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1982, p.96 a 98). Mesmo assim, permanecia o aumento de demanda acelerada por energia elétrica. A solução complementar deveria ser ainda mais definitiva e abrangente.

A crise energética provocada pela demanda crescente e agravada pela grande estiagem ocorrida em São Paulo, em 1924, embora atenuada com a construção relâmpago, por Billings, da Usina de Rasgão, demonstrou a vulnerabilidade às condições de seca das usinas a "fio d'água", ou seja, usinas que não tem um reservatório de acumulação e utilizam toda a água que chegam às suas comportas. Era o caso, por exemplo, das Usinas de Parnaíba, Sorocaba e Rasgão. A contínua pressão por mais eletricidade cobrava uma solução diferente da utilizada até o momento. Era necessária a concretização de um complexo que utilizasse barragens com reservatório que fornecesse para a usina um abastecimento contínuo de energia mecânica para movimentar os seus geradores, mesmo em épocas de seca (MC DOWALL, 2008, p.316). O grande obstáculo, no entanto, eram as características da topografia brasileira, que permitiam somente o aproveitamento hidrelétrico a partir dos rios que fluíam com quedas graduais no sentido do interior brasileiro, em direção à bacia do Rio Paraná. O grande território do Brasil tem um formato topográfico semelhante a uma bacia enorme e rasa, para cujo centro flui uma imensa rede de rios que convergem e se juntam para formar bacias hidrográficas maiores como a do Rio Amazonas, São Francisco e Paraná. A borda dessa bacia gigantesca é formada pela Serra do Mar, a cadeia acidentada e contínua de montanhas que se ergue próxima à planície litorânea, inclinando toda a superfície do território brasileiro para dentro. Por dedicarem a atenção somente aos rios vagarosos que fluem para o interior do Brasil, havia sido deixada de lado a oportunidade existente a partir da cumeeira da Serra do Mar. A pouca distancia do litoral, a serra se eleva a uma altitude de pouco mais de setecentos metros. Entre a base e o topo dessa escarpa, o volume de precipitação das chuvas apresenta uma diferença impressionante. Na planície litorânea, o índice pluviométrico fica entre 1.800 a 2.400 milímetros por ano, mas, à medida que o ar quente e úmido, vindo do mar, esfria na subida da serra, as nuvens carregadas provocam uma precipitação que atinge até 6.800 milímetros anualmente. Além disso, apesar de inferior à Serra do Mar, a precipitação também é elevada em toda a área de planalto: decresce do alto da serra, onde é registrada uma das mais altas precipitações médias anuais do Brasil que é de até 4.500 mm, em direção à Capital com um valor de 1.700 mm por ano. Esse excepcional padrão pluviométrico numa estreita faixa de território ao longo da cumeeira da serra era um dos maiores do mundo. A constante inundação na borda da serra, junto ao planalto, oferecia aos engenheiros eletricistas um volume de água

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inigualável que poderia ser utilizado na geração de energia (MC DOWALL, 2008, p.316 e 317). Mais tarde, Billings realizou o seguinte depoimento:

“é rara, nesta parte do Brasil a combinação entre índice pluviométrico médio elevado, quedas altas, topografia favorável, pontos esparsos para a formação de reservatórios e a proximidade do mar e de um mercado em crescimento acelerado” (BILLINGS,

1930 apud MC DOWALL, 2008, p.318).

O segredo para o aproveitamento hidrenergético era encontrar uma forma de recolher, armazenar e conduzir as água abundantes para a beira do topo da serra. O aproveitamento hidrenergético poderia ser ainda maior se as águas do Rio Tietê, que é o principal da região do planalto, fossem desviadas, conduzidas e somadas a esse sistema por meio de bombeamento para superar o desnível até o topo da serra. A partir desse ponto, as águas seriam levadas, por gravidade, pela abrupta encosta até o nível da planície litorânea. Esta foi a proposta conceitual do Projeto Serra (MC DOWALL, 2008, p.318).

Aproveitando o momento de grande visibilidade e importância por causa das limitações impostas pela crise energética, Billings solicitou a aprovação do Projeto Serra ao Governo Federal, em março de 1925, que foi conquistada em apenas dez dias, apesar do esquema de reversões de vazões entre diferentes bacias e sub-bacias. O projeto foi autorizado pelo Decreto Federal nº 16.844, de 27 de Março de 1925. O plano previa, além da construção de uma usina hidrelétrica na raiz da Serra de Cubatão, a formação de reservatórios no Rio Tietê, acima de Ponte Nova, e em seus afluentes, Grande, Parelheiros, M’Boy Guaçu, Taiaçupeba, Açu e Mirim, Balainho, Jundiaí e Biritiba, os quais seriam interligados entre si, por meio de túneis e canais.

Depois de iniciadas as obras, o projeto foi desenvolvido em maiores detalhes e nova autorização foi solicitada em julho de 1925, junto ao Governo de São Paulo, para evitar, no futuro, questões a respeito do domínio eminente das águas aproveitadas. Dessa forma, rapidamente foi obtida a sua aprovação também por meio de Lei Estadual nº 2109/25, regulamentada pelo Decreto Estadual nº 4056/26 (SOUZA, 1982, p.105).

A primeira etapa do Projeto Serra compreendeu a construção da barragem e dos diques que

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733 metros. Concomitantemente, um pequeno afluente da margem esquerda do Rio Grande foi escavado e dragado para permitir que parte da vazão desse rio fluísse e contribuísse para o Reservatório das Pedras. As vazões obtidas nessa primeira etapa seriam suficientes para a instalação de duas unidades geradoras de vinte e oito megawatts em Cubatão, que entram em operação em 10 de outubro de 1926 e 19 de março de 1927, respectivamente (SOUZA, 1982, p.161).

No ano de 1927, a demanda por energia em São Paulo continuava a aumentar: em relação ao ano anterior subiu em mais 35%. Em 1928, a demanda seria acrescida em mais 22%. Com base no prognóstico de progressão de demanda de energia e nas aprovações legais obtidas, Billings tomou a decisão de iniciar a segunda etapa do Projeto Serra, já revisado e aprimorado, começando a construção do Reservatório do Rio Grande, que contemplou duas grandes barragens: a do Rio Grande, junto ao final do futuro Canal Pinheiros, e o chamado "Summit Control", barragem reguladora junto ao canal que controlaria a vazão das águas do Reservatório Rio Grande, no nível 748 metros, até o Reservatório do Rio das Pedras, na altitude de 728 metros.

Embora previsse o represamento do Rio Grande que formaria o “Reservatório do Rio Grande”, mais tarde rebatizado “Reservatório Billings” (DINIZ; FERRARI, 1995, p.22 a 25), o projeto aprovado não incluía a inversão do sentido natural do escoamento das águas do Rio Pinheiros e Jurubatuba e tampouco a sua canalização até a sua foz, no encontro com o Rio Tietê. Somente após evoluir com os estudos de engenharia, Billings chegou à conclusão que o plano original, de construir quatorze reservatórios no Alto Tietê e nas bacias vizinhas, ficaria muito oneroso por causa da necessidade de interligação de diversos reservatórios por meio de túneis. A escolha definitiva, mais econômica e tão desafiante quanto a anterior, impôs a necessidade de solicitação de nova concessão. As obras, consideradas complementares à primeira etapa realizada, somente foram apresentadas à Câmara dos Deputados, para aprovação, em 1927. Dessa forma, em 27 de dezembro de 1927, o então presidente do Estado, Júlio Prestes, promulgou a lei 2.249, que dentre outros, concedia benefícios, autorizava a elevação do nível do Reservatório Billings até a cota atual de 747 metros, a canalização e inversão do curso do Rio Pinheiros e a exploração dos serviços de transportes fluviais, à

Light, bem como declarava de utilidade pública os terrenos e outros bens indispensáveis à

construção de todas essas obras e de necessidade pública, áreas essas alagadiças ou sujeitas a inundações, dando os direitos de desapropriação também a essa concessionária.

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Esse novo documento legal envolvia a idéia de deixar que todas as águas dos diversos contribuintes do Tietê a montante do Rio Pinheiros fluíssem para o próprio Tietê, construindo-se uma estrutura de controle, Retiro, na confluência desses rios. Essa estrutura, juntamente com a retificação do Rio Pinheiros, transformando-o em canal, permitiram o manejo e reversão de suas águas até o pé da Represa Billngs, onde seriam bombeadas para dentro do reservatório. Era a terceira etapa do Projeto Serra no planalto paulista (SOUZA, 1982, p.105).

GERADOR INÍCIO DE OPERAÇÃO POTÊNCIA ATIVA (MW)

1 10/10/1926 40 2 19/03/1927 35 3 05/01/1936 65 4 17/04/1947 68 5 02/08/1938 65 6 21/04/1948 66 7 21/12/1938 65 8 07/06/1950 65

POTÊNCIA TOTAL INSTALADA 469

Tabela 1 – cronologia de implantação e potência instalada atual da Usina Henry Borden externa Fonte: preparada pelos próprios autores a partir de SOUZA, 1982, p.161 e

GRAMULIA JUNIOR, 2009, p.29

As autorizações concedidas e os fatos que ocorreram posteriormente alimentaram a desconfiança sobre a conduta da Light quanto aos critérios e procedimentos adotados para a delimitação das áreas de desapropriação, estabelecidos pelas cheias de 1929 e o consequente impulso da especulação imobiliária sobre essas áreas. O processo de intervenção no Rio Pinheiros foi precedido por uma enchente, que pode ter sido provocada, de acordo com o levantamento da autora Odete Seabra. Durante o período de chuvas do verão de 1929, há registros de que a empresa, ao mesmo tempo em que fechou as comportas da Usina de Parnaíba, abriu o escoamento das águas dos Reservatórios do Rio Grande e do Guarapiranga (SEABRA, 1988, p.22). Essa enchente estabeleceu a cota de desapropriação e retirou inúmeros moradores nas imediações da várzea do Rio Pinheiros. Não foi o que aconteceu com uma empresa poderosa que possuía muitas terras nessa área alagável: a companhia de empreendimentos imobiliários “City”. Após negociações, como compensação pelas áreas desapropriadas às margens do Rio Pinheiros, a Light fez um acordo para implantação de uma linha de bonde até o bairro do Pacaembu, empreendimento da City: “Era uma contenda entre ‘iguais’ (PONTES; LIMA, 1992, p.42).

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Durante a depressão do início da década de 1930, as obras do Projeto Serra ficaram paralisadas praticamente por três anos. Nesse período ocorreu um fato importante ligada à história paulista e nacional. No dia 28 de junho de 1932, dois aviões Savoia Marchetti sobrevoam a Cidade de Cubatão e lançam duas bombas. Uma delas acerta uma plantação de bananas e a outra atinge a Usina de Cubatão. O ataque aparentou ter a intenção de paralisar temporariamente a geração de eletricidade e prejudicar o esforço de guerra dos paulistas. O objetivo não era destruir totalmente a usina (DINIZ, 1992, p.64).

Após o período de recessão econômica, em 1934, foram retomadas as obras do Projeto Serra. Os diques e as barragens foram concluídos apenas em 1937, possibilitando o preenchimento completo do Reservatório do Rio Grande. Em Cubatão, entre 1936 e 1938 são instaladas mais três unidades geradoras, com potência total de 195 megawatts. Em fevereiro de 1939 e julho de 1940 entraram em operação as primeiras unidades de recalque nas Usinas de Pedreira e Traição, respectivamente, situadas no final e meio do Canal Pinheiros, dando início a efetiva reversão das águas do Rio Tietê para a Represa Billings (SOUZA, 1982, p.161).

No final da segunda guerra mundial, a Light voltava a enfrentar um desafio enorme. Entre 1935 a 1945, a capacidade hidrelétrica no território nacional aumentou em quarenta e seis por cento, enquanto o consumo de eletricidade per capita subiu em setenta por cento (MC DOWALL, 2008, p.457). O problema é que não era mais possível ampliar a Usina Henry Borden- UHB, da maneira realizada até então, devido à impossibilidade de sobrecarregar, com novos aquedutos, o espigão que era utilizado na Serra do Mar (BARRETO, 1956, p.7). Para instalação de novas turbinas, optou-se pela instalação de dutos e geradores subterrâneos. O determinante dessa opção foi a economia graças à tecnologia de escavação em rocha consagrada desde o início do século vinte (BARRETO, 1956, p.5). Não se confirmam as informações, usualmente difundidas, de que a principal motivação para a construção da usina subterrânea tenha sido o ataque aéreo à usina externa em 1932.

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Figura 1 – Usina Henry Borden externa e subterrânea Fonte: BILLINGS & BORDEN, 2010

Para viabilizar a demanda adicional de água para as novas turbinas, em 1952, a Usina de Parnaíba foi demolida, dando lugar a Usina Elevatória Edgard de Souza, com capacidade para inverter o curso das águas do Rio Tietê e ampliar a capacidade de reversão das águas para a Billings. Em 1955, essa usina entrou em operação, dando início à reversão das águas do Rio Juqueri, para o Reservatório Billings. Para complementar os trabalhos realizados, foi ainda necessário ampliar a capacidade da Usina Elevatória de Traição, localizada na metade do Canal Pinheiros, com a instalação, em 1962, de mais uma unidade de recalque, elevando a capacidade total instalada para 210 m³/s, que é novamente ampliada em 1977 para 270 m³/s. Nesta mesma época a Usina de Pedreira, situada ao final do canal de Pinheiros, junto à Billings, tem capacidade de recalque de 280 m³/s, capacidade que é ampliada para 395 m³/s, em 1993. Atualmente, na perspectiva de enfrentamento dos problemas de enchentes na capital, o governo do Estado anunciou planos de ampliar a capacidade de bombeamento da Usina Pedreira para 600 m³/s, valor expressivo quando comparado com a capacidade máxima de escoamento do canal do Rio Tietê, que é da ordem de 1.000 m³/s.

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Realidade física e operacional da Usina Hidrelétrica Henry Borden

A RMSP está situada no início da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê. Devido à proximidade das cabeceiras, é muito baixa a disponibilidade hídrica na região, que depende das águas oriundas de uma outra bacia hidrográfica para completar seu sistema de abastecimento de água potável, que produz cerca de 65 m³/s. Nesse contexto se insere a Usina Henry Borden-UHB, que integra o sistema hidrenergético da Light e que depois passaria a ser da Eletropaulo Eletricidade de São Paulo (Eletropaulo) e atualmente pertence à Empresa Metropolitana de Águas e Energia S.A. (EMAE). A história da operação desse sistema, o também conhecido Projeto Serra, pode ser dividida em três grandes fases e períodos: Operação Energética, um grande período que foi das décadas de 1920 a 1970, Operação Balanceada, na década de 1980 e início da década de 1990 e, por fim, Operação Ambiental, que se estende da década de 1990 aos nossos dias. A Operação Energética caracteriza o período em que houve a disponibilidade de energia em quantidade, qualidade e baixo custo que alavancou o processo de industrialização e o crescimento na região de São Paulo. Nas décadas seguintes, o aumento populacional na região do planalto paulistano não foi acompanhado da implantação adequada do sistema de esgotamento sanitário o que interferiu diretamente no manejo das águas da Bacia do Alto Tietê para a geração de energia elétrica na UHB, antes denominada Usina de Cubatão.

O processo de formação da RMSP confunde-se com a história da industrialização tardia e com baixos salários e com o crescimento acelerado da cidade de São Paulo, que resultou num contínuo processo de expulsão dos estratos mais empobrecidos para as periferias da região, no trinômio: loteamento periférico, casa própria e autoconstrução. O processo de ocupação do espaço urbano de forma desordenada, nos anos de 1980, engloba loteamentos irregulares ou clandestinos e crescente processo de favelização. Nesse espaço metropolitano heterogêneo, atividades e moradores se distribuem de forma desigual. Assim, a região abriga um parque industrial diversificado, múltiplo, composto desde fábricas “de fundo de quintal” até empreendimentos com tecnologia de ponta, como também condomínios de luxo e favelas em encostas de morros, fundos de vales e beira de córregos, muitas vezes desprovidos de serviços e de infraestrutura urbana.

Nas décadas de 1970 e 1980, o processo de urbanização passa de um crescimento rápido, explosivo e com grandes espaços vazios, para um preenchimento no “padrão periférico”, isto

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é, com segregação espacial por renda, estagnação das áreas consolidadas e sem construção de saneamento básico em ritmo consistente ao desenvolvimento. A expansão urbana na RMSP faz com que áreas em torno dos reservatórios sofram forte pressão de ocupações irregulares. A partir da década de 1970, foram criados instrumentos legais com o objetivo de impedir a ocupação inadequada das áreas de mananciais e passadas quatro décadas, o que ocorreu foi justamente o contrário: a mancha urbana formada pela conurbação dos municípios da RMSP avançou de maneira ilegal e desordenada sobre os mananciais, em especial sobre as bacias dos Reservatórios Billings e Guarapiranga. Como o crescimento da mancha urbana, não foi acompanhado de sistemas de tratamento de esgotos e de efluentes industriais, a Billings transformou-se na grande receptora de água com efluentes não tratados da RMSP.

Dessa forma, a Operação Balanceada foi testada já em meados da década de 1970 e teve essa denominação porque consistia na operação considerando o saneamento e a geração de energia. Na década de 1970, as condições sanitárias do Reservatório Billings ficaram tão degradadas que, em 1976, as autoridades governamentais foram obrigadas a mudar as regras operacionais do sistema de geração. Provisoriamente, cinqüenta por cento das águas eram descarregadas Rio Tietê abaixo, a partir da Usina Elevatória Edgard de Souza, e os outros cinqüenta por cento eram bombeados para o reservatório. Além disso, o turbinamento pela UHB era mantido no mínimo para permitir o máximo armazenamento possível e favorecer a diluição dos esgotos no reservatório. (FARIA, 2000, p.6).

A tomada de consciência sobre o problema ambiental, principalmente por meio do movimento ambientalista e organizações não governamentais que surgiram com o movimento pacifista, permitiu o desenvolvimento de instrumentos legais e de fiscalização que passaram a considerar as responsabilidades pelos danos ambientais a partir da poluição do ar, água e solo (DIAS, 2006, p.12 a 29). Gradativamente cresceram as manifestações das entidades ambientalistas, em protesto contra a poluição no Reservatório Billings e esse movimento conseguiu interromper o bombeamento de água, que na verdade já havia se tornado esgoto, de forma continuada para a represa, por meio de alterações na Constituição Estadual de 1989. Dessa forma, foi favorecido o aproveitamento das águas da Billings para usos múltiplos, além do uso energético, sendo o bombeamento permitido quase que exclusivamente devido à ameaça de enchentes na cidade de São Paulo.

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água e a prioridade para o abastecimento público. O cenário desse período já era o da intensa poluição das águas e o aprimoramento da legislação ambiental. A proibição do bombeamento das águas poluídas do Rio Tietê e Pinheiros para a Billings teve o objetivo de melhorar as condições sanitárias do reservatório para atividades de lazer, náuticas e, acima de tudo, para que ele pudesse servir melhor como manancial de abastecimento público. Além desses usos, abastecimento público, geração de energia e alívio das enchentes da capital paulista para milhões de pessoas, a partir de 1996, esse manancial passou ainda a ser responsável pelo suprimento de outro reservatório importante, o Reservatório Guarapiranga, por meio da transferência, pelo braço do Taquaquecetuba, de aproximadamente quatro metros cúbicos de água por segundo.

O sistema de flotação

Na perspectiva de recuperação da capacidade de produção energética da UHB, a EMAE, empresa que administra a hidrelétrica, propôs um empreendimento denominado “Sistema de Melhoria da Qualidade das Águas do Complexo Hidroenergético Pinheiros- Billings para Fins de Uso Múltiplo”, visando melhorar a qualidade das águas do Rio Pinheiros e de alguns de seus afluentes através de um processo denominado flotação em fluxo (Especificação Técnica, 2007, p.3 a 7). Esse processo se baseia na aplicação de agentes químicos coagulantes em determinados trechos do rio, para desestabilizar as partículas que se encontram em suspensão, seguida da injeção de ar comprimido, o que promove a aglomeração das partículas (formação flocos) e sua elevação até a superfície (BARROS et al, 2009).

A primeira fase desse empreendimento consistiu na operação de um protótipo do sistema de flotação, com capacidade de tratamento de 10 m³/s. O funcionamento desse sistema teve início em agosto de 2007, sendo a operação acompanhada de um programa de monitoramento das águas dos rios Tietê, Pinheiros e dos reservatórios Billings e Guarapiranga. Esse monitoramento foi realizado na perspectiva de criar subsídios para o Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) e processo de licenciamento, para o empreendimento na sua capacidade final de 50 m³/s. (FUNDAÇÃO CENTRO TECNOLÓGICO DE HIDRÁULICA, 2010, p.7-10). No entanto, os resultados obtidos na execução dos testes realizados não autorizaram a manutenção do processo. Apesar dos testes terem apontado melhoria nos índices que avaliam a qualidade da água do rio, esses resultados não foram o bastante para autorizar o bombeamento sistemático de água do Rio Pinheiros para a Represa Billings,

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ampliando assim a geração de energia na UHB. Criou-se uma grande polêmica sobre essa alternativa técnica, defendida por muitos, combatida por muitos. Visando aprofundar o debate sobre essa questão, foram entrevistados especialistas em saneamento, que se manifestaram quanto à situação de precariedade dos nossos rios e quanto à eficácia do método proposto para limpeza do Rio Pinheiros. Também, foi questionada a perda de receita nesses anos em que a UHB se encontra subutilizada e se os recursos que deixaram de ser gerados poderiam ter promovido mudanças no quadro de tratamento de esgotos na RMSP. Ademais, questionou-se sobre alternativas complementares a técnica da flotação e a falta de preocupação da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) para com os rios da região. Foram entrevistados o engenheiro Júlio Cerqueira César Neto, que durante 30 anos foi professor de Hidráulica e Saneamento da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), Doron Grull, docente da USP e pesquisador e consultor junto ao Centro de Apoio à Faculdade de Saúde Pública da USP (CEAP – FSP) e Luiz Fernando Orsini Yazaki, líder de projetos de Pesquisa & Desenvolvimento da Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica (FCTH) e coordenador adjunto do Projeto de Avaliação da Qualidade das Águas do Sistema Pinheiros- Billings.

As opiniões dos entrevistados refletem a complexidade da questão. De acordo com o Prof. Júlio Cerqueira, o bombeamento de água para represa deveria ser retomado e o dinheiro gerado com a produção de energia deveria ser destinado para limpeza da calha do Tietê e a investimentos em novas tecnologias de tratamento de esgotos, mesmo que sejam caras. Os braços de captação de água para abastecimento da represa deveriam ser isolados e o corpo central da represa deveria ficar livre para receber a água que voltaria a ser bombeada (informação verbal) i.

Já na opinião do Prof. Doron, os recursos que deixaram de ser gerados com produção de energia, no período 1992-2011, devido a ociosidade de Henry Borden, acarretariam uma mudança no quadro de tratamento de esgotos da RMSP, mas ela não seria tão substancial assim. Segundo ele, a essa altura (2011) a Billings já estaria com a qualidade da água completamente comprometida. Ou seja, interromper o bombeamento foi significativo. Ele diz ainda que apesar das disposições impostas pela Constituição do Estado que restringiram a partir de 1992 o bombeamento das águas do Tietê e Pinheiros ao reservatório Billings não terem assegurado melhores condições ao reservatório uma vez que não se conseguiu controlar/planejar a ocupação da bacia, houve uma significativa redução de aporte de cargas

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poluidoras ao reservatório, fato esse, que associado à alteração da hidrodinâmica do lago (velocidades de fluxos internos muito menores, favorecendo a sedimentação), melhorou muito a qualidade da água. Quando questionado quanto à eficiência do método de flotação diz que o sistema é inadequado, pois não atende nem os requisitos ambientais, nem os condicionantes legais e ainda por cima, em face ao valor da energia que proporciona, é economicamente inviável. Ele ainda lembra que há 25 parâmetros para os quais o tratamento se mostrou inadequado e que oferecem perigo à Billings, além do N-amoniacal e fósforo (informação verbal) ii.

Para Luiz Orsini, os recursos que deixaram de ser gerados em decorrência da restrição do lançamento das águas do Tietê e Pinheiros ao reservatório Billings não teriam sido utilizados para reverter o quadro de tratamento de esgotos da RMSP. Ou seja, ainda que a UHB estivesse funcionado a plena carga durante esses anos, a receita que teria sido arrecadada com a geração de energia elétrica não poderia ser utilizada para promover mudanças no quadro de saneamento na RMSP, visto que as despesas com saneamento não podem ser pagas a partir dos ganhos com geração de energia. A conta do saneamento é outra. Para ele, o sistema de flotação trouxe luz sobre os problemas decorrentes da situação do saneamento da RMSP. Em sua opinião, os testes do sistema de flotação do Rio Pinheiros, mostraram que a melhor solução para a melhoria da qualidade da água desse rio e do Reservatório Billings é melhorar o sistema de coleta e tratamento de esgotos, tratando também a poluição difusa, como é feito com sucesso em outros países. Ele diz ainda que a tecnologia de coleta e tratamento de esgoto no país deve ser repensada. As técnicas tradicionais de controle de poluição por sistema separador, onde os esgotos domésticos e industriais ficam separados do esgoto pluvial, têm se mostrado ineficientes para a nossa realidade. Alguns países da Europa têm um bom padrão a ser seguido. Em grande parte da Itália, por exemplo, o sistema de coleta é realizado através de sistemas unitários ou mistos e as metas de despoluição têm sido alcançadas. Novas tecnologias não são caras, mais caro é sustentar os prejuízos causados pelo sistema de saneamento vigente no país. Todavia, para que novas experiências dêem certo é necessário que haja gestão integrada da água na cidade. Instituições como Sabesp, EMAE e prefeituras não deveriam implantar ações isoladas, até porque a falta de saneamento encarece a energia, prejudica a saúde da população, entre outros agravantes (informação verbal) iii.

Em relação a negligencia da Sabesp com o saneamento básico, Orsini diz que a empresa deveria assumir os custos dos danos ambientais causados pelas suas deficiências operacionais.

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Porém, os passivos ambientais não entram no cálculo do valor das ações da companhia. Talvez, se esses custos fossem considerados, a companhia seria incentivada a investir em novas tecnologias de saneamento para reduzir a poluição hídrica. Para ele, a situação de precariedade em saneamento básico vivenciada na RMSP deve-se, entre outros, ao fato de que a Sabesp é uma sociedade anônima que tem o lucro como seu principal objetivo e ao fato de que essa situação é cômoda para o Estado, uma vez que ele é seu maior acionista. Outras empresas de saneamento da RMSP se espelham na sua irmã maior e também não se interessam em investir em melhorias do sistema de esgotos sanitários. Dentro da ordem vigente, a receita vem das ligações prediais de esgotos e tanto faz se esses esgotos coletados são devolvidos ao meio ambiente tratados corretamente ou não. Além disso, a redução das cargas difusas geradas pelo escoamento superficial não tem nenhum responsável e essas cargas correspondem a mais de 30% da poluição hídrica (informação verbal) iv.

Apesar disso, Orsini ressalta que algumas iniciativas vêm sendo tomadas. Guarulhos assinou um Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público, comprometendo-se, nos próximos 30 anos, a coletar e tratar a maior parte dos esgotos do município. A cidade de Santo André acertou um contrato com a Sabesp para tratar seus esgotos na Estação de Tratamento de Esgotos ABC. A própria Sabesp vem saneando, em parceria com a Prefeitura de São Paulo, através do Programa Córrego Limpo, algumas sub-bacias urbanas. São iniciativas ainda tímidas que produzirão resultados em longo prazo, porém já são sinais positivos (informação verbal) v.

Considerações Finais

É necessário ampliar significativamente os esforços e os investimentos em saneamento e melhoria da qualidade das águas na RMSP. É necessário na perspectiva de segurança dos mananciais, mas também na ótica ambiental e de qualidade de vida da população. É necessário na perspectiva setorial de ampliação da oferta energética e também na de redução dos impactos ambientais associados à construção de novas usinas. Há recursos para essa ampliação radical de investimentos. Baseado em dados do orçamento do Estado de São Paulo e balanços da Sabesp, esta empresa teve um lucro líquido de R$ 9,2 bilhões no período entre 1995 e 2009, com valores corrigidos pela IGP-DI, da Fundação Getúlio Vargas (LEMES, 2010), ou seja, em média R$ 613 milhões anuais. Conforme estudo de Jacyro Gramulia Junior, os investimentos para construção de uma Usina do porte da Henry Borden superam R$

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3 bilhões e o recurso adicional pela venda de energia elétrica na UHB no período de 1993 a 2008, caso tivéssemos rios limpos, seria de R$ 3,67 bilhões, ou seja, R$ 230 milhões anuais (GRAMULIA JUNIOR, 2009, p.56).

Se fosse possível uma maior integração intersetorial poderiam haver recursos orçamentários dos governos federal e estadual, originalmente destinados à ampliação da capacidade de geração de energia elétrica, aplicados à recuperação da qualidade das águas na RMSP. Da mesma forma que se investe na produção de uma nova usina que vai gerar energia apenas depois de alguns anos, o investimento em melhoria da qualidade das águas em São Paulo, seria um investimento que possibilitaria que no futuro se retomasse a utilização adequada da UHB, sem prejuízo da utilização da Billings como manancial de água potável e como lazer pela população paulista. É claramente estratégico que seja possível viabilizar a construção de políticas públicas que superem o foco tradicional da lógica setorial.

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i Informações fornecidas pelo Prof. Júlio Cerqueira em entrevista realizada por telefone em novembro de 2010.

ii Informações fornecidas pelo professor Doron Grull em entrevista por e-mail em maio de 2011.

iii Informações fornecidas pelo professor Luiz Orsini em entrevista realizada na Fundação Centro Tecnológico de

Hidráulica na Universidade de São Paulo, em dezembro de 2010.

iv Informações fornecidas pelo professor Luiz Orsini em entrevista realizada na Fundação Centro Tecnológico de

Hidráulica na USP, em dezembro de 2010.

v Informações fornecidas pelo professor Luiz Orsini em entrevista realizada na Fundação Centro Tecnológico de

Hidráulica na USP, em dezembro de 2010.

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