• Nenhum resultado encontrado

O suicídio na contemporaneidade: entre questões psíquicas e socioculturais

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O suicídio na contemporaneidade: entre questões psíquicas e socioculturais"

Copied!
43
0
0

Texto

(1)

ANDRIELI LEMES

O SUICÍDIO NA CONTEMPORANEIDADE: ENTRE QUESTÕES PSÍQUICAS E SOCIOCULTURAIS

(2)

UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ

DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO CURSO DE PSICOLOGIA

O SUICÍDIO NA CONTEMPORANEIDADE: ENTRE QUESTÕES PSÍQUICAS E SOCIOCULTURAIS

ANDRIELI LEMES

Orientadora: Lála Catarina Lenzi Nodari

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Psicologia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Psicologia.

(3)

A todos aqueles qυе de alguma forma es-tiveram е estão próximos de mim, fazendo esta vida valer cada vez mais а pena.

(4)

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus pela existência e fé que frente a tantas difi-culdades jamais desanimei até aqui.

Aos meus pais pelo incentivo em todos os momentos. Pelo fato de terem abraçado o meu sonho como sendo seus, acreditando no meu potencial. Obrigada, principalmente pelas palavras de amor e carinho nos momentos mais difíceis. Por poder contar com o apoio da família como minha base em qualquer situação. Amo vocês.

Ao meu companheiro de todas as horas... Marcio ofereço a você um agrade-cimento especial, por estar ao meu lado em todo o percurso acadêmico. Pela paci-ência, pela compreensão, pelo apoio e pelas palavras, que me confortavam nos momentos mais árduos. Pelo carinho e respeito que sempre teve, em especial quando me aturava nos estados de ansiedade, nos momentos de estresse e nos meus devaneios. Tornando meus dias melhores e felizes.

Aos meus amigos que mesmo de longe, me incentivaram e apoiaram nessa caminhada. Obrigado!

A minha orientadora Lála, agradeço pelos apontamentos, pelas ideias e co-nhecimentos compartilhados que foram essenciais para o desenvolvimento desse trabalho.

A minha banca, agradeço ao professor Daniel que prontamente aceitou o convite e foi muito receptivo e disponível para avaliar o meu trabalho.

Aos professores pelos conhecimentos transmitidos. Servirão sempre de exemplo e inspiração para o exercício da profissão.

Enfim, agradeço a todos (colegas, instituições de estágio, entre outros) que foram fundamentais e contribuíram com a minha formação.

(5)

“Não é simplesmente levantar da cama e sorrir.

É o cansaço extremo. É o medo que persegue. É a dor que dilacera. É a agonia constante.

É o excesso de sentimentos. É a falta deles.

É a confusão mental. É a desesperança.

É a pressão de não poder falhar. É muito mais que apenas querer. Não é preguiça.

Não é manha.

Não é apenas uma crise. Entenda!

Não é simplesmente levantar da cama e sorrir”.

(6)

RESUMO

O presente trabalho visa refletir a temática do suicídio, devido ao significativo au-mento na atualidade, revelando-se assim um problema de saúde pública. Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), os sujeitos acometidos por doenças mentais possuem uma predisposição maior a chegar ao ato de suicídio. Dentre as patologias a depressão tem sido uma das síndromes com maior incidência e prevalência nos casos de morte voluntária, o que orienta a investigar sobre a relação que se estabe-lece entre as concepções. A pesquisa foi realizada por meio de uma revisão biblio-gráfica, para dar conta da temática e dos conceitos nela envolvidos. O estudo decor-reu com o intuito de conhecer a problemática investigada e todo o seu contexto, es-pecialmente quanto às contribuições que a psicologia, psicanálise e a sociologia têm construído ao longo do tempo que possam nos auxiliar em sua compreensão e co-nhecimento.

(7)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 7

1 CONTEXTUALIZANDO A DEPRESSÃO ... 9

2 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO SUICÍDIO ... 20

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 35

REFERÊNCIAS ... 37

ANEXOS ... 40

ANEXO A – Carta-Testamento ... 40

(8)

7

INTRODUÇÃO

Os casos de suicídio, em nosso contexto social são cada vez mais recorrentes. Esse assunto surge a partir de uma experiência clínica, em que, na posição de terapeuta-estagiária com uma prática orientada, me encontrei diante de um caso clínico no qual a morte era o significante principal, acompanhado de um diagnóstico de depressão, o que permite pensar que a ideação ou o ato suicida não é algo que ocorre paralelamente, mas que pode haver um sintoma ou fatores que contribuam para essa problemática, podendo estar atrelado na maioria dos casos, a doenças mentais dentre elas, a depressão, parecendo ser uma patologia que tem relações importantes com o tema do suicídio.

Não se pode pensar o sujeito independentemente da cultura em que está inserido. Esse, como propõe Freud, é constituído socialmente por identificações diversas que incidem sobre seus desejos, afetos e fantasias. Desse modo parece difícil deixar de levar em conta a importância da relação com seus semelhantes, consequentemente o contexto sociocultural do qual está inserido e que constituirá, como elemento importante sua subjetividade. Os efeitos das mudanças socioculturais são profundos. Advindas da contemporaneidade, evidenciando a fragilização dos vínculos sociais. No contexto atual, padrões de referências antes sólidos e que organizavam as experiências do sujeito tornaram-se maleáveis.

Se a partir de um dado momento histórico-social um problema se apresenta de modo enfático, torna-se importante estudá-lo. A busca por resolvê-lo demanda conhecimento sobre o mesmo. Essa pesquisa é relevante tendo em vista que a depressão tem sido uma das síndromes com maior incidência se tratando de saúde mental, sendo cada vez mais relacionada aos crescentes índices de suicídio, apresentando-se como um problema a nível mundial.

Desse modo é pertinente trabalhar os conceitos de depressão e suicídio, verificando qual relação se estabelece entre ambos. É importante esclarecer paradigmas referentes ao suicídio, compreendendo suas possíveis causas e efeitos sobre o social. Em vista disso, contribuir com a discussão acadêmica sobre a temática, entendendo que os conhecimentos são ferramentas essenciais para o profissional de psicologia.

(9)

8

livros e artigos sobre o assunto. Os teóricos utilizados são autores da sociologia (Durkheim) e psicanálise (Freud, Lacan, Kehl, Berlinck e Fédida, dentre outros).

A pesquisa foi desenvolvida em dois capítulos. O primeiro propõe uma reflexão a respeito do tema depressão, direcionando a investigação à relação que se estabelece entre a patologia e o suicídio. O segundo capítulo se refere ao suicídio, contextualizando a dinâmica do suicídio, o sujeito que chega ao ato e aspectos psicológicos e sociais envolvidos.

(10)

9

1 CONTEXTUALIZANDO A DEPRESSÃO

Neste capítulo serão abordadas primeiramente considerações teóricas acerca do conceito de depressão, por duas vertentes: como um estado ou estrutura. Na sequência o trabalho será direcionado a entender a relação que se estabelece entre depressão e suicídio.

Segundo o manual de psiquiatria DSM-IV (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2000), depressão é uma doença caracterizada como um Episódio Depressivo, caso os sintomas sejam decorrentes por um período mínimo de duas semanas em que o indivíduo manifesta humor deprimido. Concebe a classificação de transtorno de humor por Depressão Maior, e Transtorno Distímico como forma de depressão mais leve. Diferente da tristeza que pode fazer parte do cotidiano, decorrente de acontecimentos ou notícias tristes e trágicas, que quando superadas não persistem por muito tempo.

Para Deitos (2004), a depressão está subdividida em alguns tipos, sendo eles: depressão endógena, endo-reativa, reativa ou situacional, neurótica e sintomática. A autora descreve estas formas e seus respectivos sintomas. A depressão endógena sendo a que aparece sem motivos, de origem genética, bioquímica e nela o que aparece são tristeza e dor no corpo. Já na depressão endo- reativa, o sujeito tem uma predisposição genética. Além disso, depende de fatos e hábitos de vida que possa desenvolver.

O terceiro tipo de depressão chama-se reativa ou situacional, no qual depende do sujeito, de suas experiências e traumas. São causadas pelo que chamamos de situações depressógenas, ou seja, geradoras de depressão, as mais comuns são: perda afetiva, sobrecarga emocional, isolamento ou inatividade, mudanças bruscas de ambiente, perda de um filho, morte do pai de forma constrangedora, aposentadoria jovem de maneira brusca, dentre outras situações (DEITOS, 2004).

Na depressão neurótica, a base dessa patologia está na personalidade neurótica. Seriam pessoas presas a si mesmas, que necessitam de uma segurança hipertrofiada, são inseguras, estão sempre angustiadas e extremamente sensíveis ao ambiente(DEITOS, 2004).

(11)

10

Por último, a depressão sintomática, que parece, mas não é. Pode estar relacionada a problemas médicos (tumores cerebrais), substâncias químicas (agrotóxicos) e ainda medicamentos (corticoides) (DEITOS, 2004).

Há pouco tempo atrás, a depressão ainda não era considerada uma patologia, mas uma alteração de caráter e da força de vontade ou ainda vista como uma reação psicológica de pessoas fracas e incapazes de resolver seus problemas. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS, 2016), atualmente já se comprova que a depressão é um dos maiores problemas de saúde pública no mundo. O número de pessoas com depressão em 2015 chegou a 322 milhões, 18,4% a mais que em 2005, indica a organização.

De uma forma ou de outra cerca de 20% da população tem um ou mais episódios de depressão suficientemente grave durante a vida. Na maioria dos casos, os episódios estão relacionados a algum acontecimento adverso, como a morte de uma pessoa próxima, a perda de um emprego, a falta temporária de uma perspectiva, o sofrimento com doença crônica. Esse tipo pode ser chamado de depressão situacional (OMS).

Algumas pessoas, entretanto têm depressões mais graves, verdadeiros distúrbios mentais debilitantes. Para estas, a depressão é um manto negro e pesado, que cobre e sufoca tudo, causando um sofrimento indescritível, diminuindo a autoestima e a vontade de viver. Entre 2,5% a 6% da população pode estar incluído neste sofrimento (OMS).

A depressão também pode ser definida como um distúrbio de humor, causado pela deficiência de substâncias no cérebro, tais como a serotonina, noradrenalina e dopamina, afetando homens e mulheres em qualquer fase da vida.

Buscando uma perspectiva histórica desta patologia Deitos (2004), descreve que a depressão antes era vista como melancolia. Então como era referida a melancolia em suas primeiras referências?

Acerca da melancolia a autora diz que encontram-se nos escritos de Hipócrates (séc. IV e V antes de Cristo) que constituem os principais testemunhos das origens da medicina ocidental. Na concepção hipocrática a bílis negra – tradução literal da palavra melancolia constituía o agente causal. O estado que chamamos melancólico não era mais que uma das múltiplas expressões de que a bílis negra alteraria o equilíbrio harmônico dos humores. Antigamente acreditava-se,

(12)

11

que maus líquidos ou fluídos, circulavam pelo corpo, produzindo doenças, a bílis negra era um deles (DEITOS, 2004).

Na metade do século I depois de Cristo a sintomatologia da melancolia foi definida como: “O acabrunhamento do espírito fixado no pensamento e sem febre”. No período da idade média se caracterizou: “Prevalência do pensamento mágico” e a tendência a “Interpretação demológica” da enfermidade mental. O estado depressivo aparece como consequência e como castigo de uma existência culpável. Existia uma primazia do pensamento mítico e demológico nesse período (DEITOS, 2004).

O renascimento marca uma época de transição entre a medicina tradicional e a moderna, assim buscou-se a retomada do conhecimento perdido. Entretanto, a concepção religiosa sobre as doenças mentais ainda não foram abandonadas nessa época. Influências sobrenaturais continuaram sendo consideradas causas da loucura e da melancolia, mas algumas teorias de que o corpo poderia influenciar a mente já começam a aparecer. É apenas após o iluminismo que as teorias religiosas começaram a entrar em declínio, dando espaço a teorias racionalistas. Surge então a anatomia (DEITOS, 2004).

É durante o iluminismo que o médico William Cullen emprega pela primeira vez o termo “neurose”, e classifica a melancolia como “uma alteração da função nervosa, e não, como outrora se pensava dos humores”. No século XIX, pela primeira vez, o termo “depressão” surge com um sentido mais próximo ao atual, enquanto o termo “melancolia” poderia estar associado a qualquer tipo de loucura. Por volta de 1860 a palavra começa a aparecer nos dicionários médicos, e surgem tratamentos mais “humanizados” aos “loucos”. O médico Philippe Pinel classificou a melancolia como doença, destacando a predisposição dos pacientes a cometerem suicídio (DEITOS, 2004).

Nos seus escritos Luto e melancolia, Sigmund Freud, perscrutará sobre a melancolia. Segundo esse autor “[...] a melancolia também pode constituir reação mediante a perda de um objeto amado. [..] O objeto talvez não tenha realmente morrido, mas tenha sido perdido enquanto objeto de amor (como no caso, por exemplo de uma noiva que tenha sido preterida). Ainda em outros casos pode-se sustentar a crença de que uma perda dessa espécie ocorreu. Não podemos, porém, ver claramente o que foi perdido, sendo de todo razoável supor que também o

(13)

12

paciente não pode conscientemente receber o que perdeu. Isso, talvez ocorra dessa forma, mesmo que o paciente esteja cônscio da perda que deu origem à sua melancolia, mas apenas no sentido de que sabe que ele perdeu, mas não o que perdeu nesse alguém” (FREUD, 1987, p. 251).

A melancolia, portanto, consiste na perda objetal retirada da consciência, em contraposição ao luto, no qual nada existe de inconsciente a respeito da perda. Nesse sentido é possível pensar a melancolia como um luto patológico, onde a elaboração da perda aparece problematizada.

Mais recentemente os psicanalistas Berlinck e Fédida (2000) no texto “A clínica da depressão: questões atuais” escreveram acerca da depressão partindo do pressuposto de que havia indistinção entre melancolia e depressão. Como na maioria dos textos os conceitos se confundem, a presente pesquisa vai a Freud para fazer contribuições. Observa-se que em “Luto e melancolia” ([1915] 1969) procurou-se estabelecer uma nítida diferença, concebendo a depressão como luto e a melancolia como afecção psíquica específica. A melancolia implica o sujeito na culpa, caracterizada como uma neurose narcísica, assim como a depressão melancólica. O luto está mais para o lado da depressão, agindo sem culpa, caracterizado como um estado, o qual requer tempo subjetivo para ser elaborado, assim como a depressão, cada sujeito tem um tempo.

Segundo Berlinck e Fédida (2000), o fato de os medicamentos antidepressivos não terem a mesma eficácia na eliminação de sintomas melancólicos já indica que há diferença entre essas duas manifestações. A partir disso, afirmam que há melancolia e depressão na melancolia.

Ao afirmar que há depressão na melancolia, os autores conceituam “a depressão enquanto um estado de vazio que pode se manifestar em qualquer estrutura”. A questão é como cada um lida com a falta e o vazio que a depressão produz. Tal estado poderia se caracterizar por: letargia, lentificação, apatia, tristeza, sensações de impotência, desesperança insensibilização da sensorialidade. Nesse vazio, a intensidade das cores esmaece, dando lugar a uma tonalidade cinza, sem contraste. Os cheiros param de ser percebidos, as texturas deixam de ser registradas, os sons ficam amortecidos podendo até desaparecer. O processo digestivo prejudica-se e o corpo passa a ficar pesado. Os movimentos corporais

(14)

13

ficam lentos, os pés se arrastam. Em suma, o corpo penetra num estado de insensibilização (BERLINCK e FÉDIDA, 2000,p.12).

Para explicar a origem desse estado de vazio, esses autores utilizam-se da catástrofe glacial 1como sendo o momento da passagem da animalidade para a

humanidade. Nesse sentido, considerando a passagem da catástrofe glacial como natural do ser humano, não haveria estado humano a-depressivo. A depressão seria um estado constitutivo do psiquismo, durando o tempo necessário para que o vazio inanimado do vivo se constitua como organização narcísica, e retornando toda vez que o psiquismo solicitasse uma restauração do seu narcisismo.

O mito da catástrofe glacial é o que explica o estado de depressão que toma o sujeito e acompanha o homem na sua metamorfose. É a partir daí que a constituição psíquica é psicopatológica, por ter sido algo em que o humano foi brutalmente forçado a mudar para garantir a sua sobrevivência. De acordo com a teoria evolucionista de Charles Darwin, a evolução é a mudança ao longo das gerações, mas como toda a mudança gera sofrimento, a depressão, o vazio, o sofrimento, a dor e a tristeza fazem parte da constituição humana. A sensação de vazio que toma o sujeito jamais será preenchida, sendo que é impossível obter o objeto primitivo de satisfação novamente.

A constituição do aparelho psíquico fica como parte do sistema imunológico fundada no humano durante a catástrofe glacial. Trata-se de uma organização narcísica do vazio correspondendo à perda do objeto de satisfação, à perda do contato com a regularidade sexual, visando proteger-se da dor, da própria depressão e da angústia (BERLINCK e FÉDIDA, 2000, p.15).

Nesse sentido a depressão ajuda o sujeito a manter-se longe da realidade, visto que a mesma pode ser frustrante, ela o auxilia a se proteger, voltando-se para si. Assim a depressão pode ser considerada uma organização narcísica, sendo que ela recolhe a libido que estava exposto-investida em outro objeto (sensorialidade) e investe no próprio eu. Pode ser vista como uma tentativa de cura, onde tenta reestruturar a própria forma do eu.

1Para Freud (1987) a catástrofe glacial constitui o “momento” da passagem da animalidade para a

humanidade e a depressão é um estado acompanhando essa transformação. Com a catástrofe glaci-al, há uma reviravolta no ambiente, seguida pela perda de contato com a regularidade sexual e pelo desaparecimento do objeto primitivo de satisfação. Essas ocorrências lançam o humano a uma situa-ção de insuficiência muito primitiva denominada desamparo (PEREIRA, 1999; ROCHA, 1999) e pro-duzem dor, depressão e angústia, estados solicitando, junto com a ameaça de extinção da espécie, mutação no sistema imunológico visando a sua sobrevivência.

(15)

14

Não aceitar a perda remete-se também à primeira relação humana, que seria com a mãe. O bebê tem esta mesma constituição, de que a mãe é completa, mas com o rompimento dessa relação, perde-se a noção de completude, onde ali se instala a falta2.

Visto que o homem não consegue superar a perda; o sofrimento e a depressão, não têm hora para acabar. O sujeito fica em uma posição de negação, não acreditando que possa melhorar ou ser curado da sua doença achando-se incapaz de enfrentá-la(BERLINCK e FÉDIDA, 2000).

No luto a perda do objeto causa dor e sofrimento, levando certo tempo para que este seja elaborado. A libido, o afeto e a energia psíquica que estava investida no objeto amado é retirada, e aos poucos o sujeito vai conseguindo desapegar do que se perdeu. Esse processo gera implicações de ordem inconsciente3, sabendo

que quando a pulsão 4encontra satisfação em um determinado objeto, é difícil

deixá-lo. O sujeito só vai substituir o objeto, quando trabalhar o processo de luto (BERLINCK e FÉDIDA, 2000).

Já na melancolia o sujeito se culpa e se recrimina pela perda deste objeto. Como acha que é o culpado de tudo, identifica-se com o objeto perdido, transferindo-o para o eu, toda a raiva, dor e angústia. Todos esses sentimentos que o melancólico designa para si próprio, na verdade são para outra pessoa, porém o que acontece é uma mudança de objeto, que ao invés de insultar o outro por tê-lo abandonado, insulta a si mesmo. Acaba perdendo o próprio eu, ficando modificado

2

Para Lacan (1995) o objeto perdido da história de cada sujeito objeto a, pode ser reencontrado nos sucessivos substitutos que o sujeito organiza para si em seus deslocamentos simbólicos e investi-mentos libidinais imaginários. Mas nesses reencontros, por trás dos objetos privilegiados de seu de-sejo, o sujeito irá se deparar de forma inarredável com a Coisa perdida da espécie-humana; o que significa que trata-se sempre, nos reencontros com o objeto, da repetição de um 'encontro faltoso com o real. “Uma nostalgia liga o sujeito ao objeto perdido, através da qual se exerce todo o esforço da busca. Ela marca a redescoberta do signo de uma repetição impossível, já que, precisamente, este não é o mesmo objeto, não poderia sê-lo”. No Seminário 4, Lacan distingue três formas de falta de objeto, ou seja, três registros diferentes da falta, que se articulam para confeccionar o sujeito. São eles: a privação, a frustração e a castração. São três tempos lógicos distintos da transmissão da falta e cada tempo engloba e ressignifica o anterior, ampliando as possibilidades de circulação discursiva do sujeito.

3Em psicanálise o inconsciente é um lugar desconhecido pela consciência: ”uma outra cena”. Na

primeira tópica elaborada por Sigmund Freud* trata-se de uma instância ou um sistema constituído por conteúdos recalcados que escapam a outras instâncias, o pré-consciente* e o consciente*. Na segunda tópica, deixa de ser uma instância, passando a servir para qualificar o isso* e, em grande parte, o eu* e o supereu (ROUSINESCO e PLON, 1998).

4Empregado por Sigmund Freud* a partir de 1905 tornou-se um grande conceito da doutrina

psicanalítica, definido como a carga energética que se encontra na origem da atividade motora do organismo e do funcionamento psíquico inconsciente do homem (ROUSINESCO e PLON, 1998).

(16)

15

pela identificação. É na substituição do objeto perdido, pelo próprio eu, que se explica o risco de suicídio. O sujeito trata o ego como se fosse um objeto de fora, do mundo exterior, então lança toda a sua agressividade ao Eu, se autodestruindo (BERLINCK e FÉDIDA, 2000).

Outra ideia apresentada pelos referidos psicanalistas é a depressividade. A depressividade é vista como uma sensorialidade emergente, a saída da depressão, podendo ocorrer naturalmente ou induzida por antidepressivos. O risco que se correria ao induzir de forma medicamentosa a depressividade seria a cronificação da depressão, ou seja, o uso de antidepressivos pode não respeitar o tempo do depressivo impossibilitando a saída desse estado de vazio, tornando permanente.

Pacientes deprimidos em tratamento psicoterapêuticos, quando conseguem se afastar de uma irritabilidade ativa com evidentes alterações da sensorialidade, entram em contato com a sua inanimação, buscando um lugar tranquilo e protegido, junto a alguém capaz de cuidar deles, para se entregarem ao sono e à prostração.

Esses pacientes revelam, frequentemente, uma identificação vampiresca associada ao vazio e à necessidade que sentem de serem preenchidos por conteúdos alimentadores e imunitários vindos de fora; podem relatar a ne-cessidade por “sangue novo” e sua capacidade de atrair “jovens puras e vir-gens” para serem sugadas a fim de se sentirem animados. A depressão po-de levar, então, a um comportamento aditivo manifestando-se por meio po-de certos comportamentos de deglutição visando preencher o vazio, aplacar a ausência (BERLINCK e FÉDIDA, 2000, p.19).

Dessa forma entende-se que para tratar a depressão o psicoterapeuta deve apresentar ao paciente uma caverna placentária onde porte um leito com recursos o suficiente para dar possibilidade à passagem da depressão a depressividade. O tra-tamento exige, portanto, um tempo, que corresponde à organização narcísica do vazio e às manifestações que aí ocorrem.

Berlinck e Fédida trazem também uma contribuição a respeito da relação da depressão com o cenário social contemporâneo. A temporalidade da depressão estaria em ritmo contrário ao tempo da contemporaneidade que exige produção e eficácia em curto prazo. Esse é um ponto em comum entre a teorização desses psicanalistas e as ideias de Maria Rita Kehl.

Percebe-se, portanto, que depressão e melancolia não são a mesma coisa. O que constituí um quadro depressivo não é o mesmo que constituí um quadro melancólico. Abre-se a possibilidade de pensarmos a respeito de outro paradigma envolvendo a depressão: A depressão como um estado, no qual dependeria de

(17)

16

determinadas circunstâncias de vida de cada sujeito, ou como uma questão de estrutura psíquica.

Nesse sentido, Delouya (2014, p.51), em referência a Freud, chega a seguinte fórmula: “a perda é para a depressão o que o perigo é para a angústia”. Tentando demarcar diferença, Kehl (2009, p.245) aponta para o momento de estruturação do sujeito, diferenciando o melancólico no qual “a estrutura se define no momento inaugural da constituição do sujeito, a posição do depressivo se decide no segundo tempo do Complexo de Édipo 5 que é o momento por excelência das escolhas de

neurose”.

A posição do depressivo decorre de uma escolha, no sentido freudiano de escolha das neuroses, que se dá no momento em que o pai imaginário se apresenta como rival da criança, no segundo tempo do atravessamento do Édipo (KHEL, 2009, p.16).

Kehl entende que a depressão participa das estruturas neuróticas “como uma posição que encobre a estrutura”, mencionando que a posição do depressivo se definiria a partir de um recuo da criança em relação à rivalidade fálica, típica do segundo tempo do Édipo.

A escolha precoce do futuro depressivo seria a de se retirar do campo da rivalidade fálica: Em vez de disputar o falo com o pai (e perder para ele...), o depressivo teria preferido recuar, permanecendo sob o abrigo da proteção materna. Ao invés de enfrentar a rivalidade fálica, na tentativa de reverter os efeitos da perda que já ocorreu, os depressivos escolhem permanecer na condição de castrados. Se eles recuam, é por que não admitem o risco da derrota nem a possibilidade de um segundo lugar. Ao colocar-se ante a exigência de “tudo ou nada”, acabam por instalar-se do lado do nada. O depressivo não enfrenta o pai. (KEHL, 2009.p. 15-16)

A autora remete que está posição de recuo frente à rivalidade com o pai, corresponderia “recusar a entrada da dimensão conflitiva que marca a vida psíquica do neurótico” (KEHL, 2009, p. 251). A escolha por uma posição depressiva estaria aí, o depressivo não avança em direção ao conflito, mas regride para a posição anterior, na qual estaria em uma relação de dependência com a mãe, mesmo tendo condições de se separar.

Sua estratégia é oferecer-se como objeto inofensivo, ou indefeso, à proteção da mãe. O gozo dessa posição protegida custa ao sujeito o preço da impotência, do abatimento e da inapetência para os desafios que a vida

5Pode ser considerado o momento em que a criança constata a diferença anatômica entre os sexos.

Também pode ser referido ao complexo de castração - o estabelecimento da ordem cultural, com isso implica em termos da proibição e da lei constitutiva da ordem humana (ROUSINESCO e PLON, 1998).

(18)

17

lhe apresentar. A posição do depressivo é consequência, além do recuo ante o enfrentamento com o pai, da tentativa de recuar também ante um saber que se impõe a todo sujeito, seja pela via do sonho, do lapso ou do sintoma. É ao tentar ignorá-lo que o depressivo se aniquila subjetivamente. O gozo está perigosamente próximo ao domínio da pulsão de morte, participa de um modo singular da economia da depressão. Parafraseando Freud diria que o depressivo quer gozar, mas á sua maneira. Essa é uma maneira particularmente lenta. Embora pareça “conformado” com a sua castração, não conhece o valor dela como motor e causa de seu desejo. A castração para ele é uma ferida aberta que, além de envergonhá-lo, não para de doer. Nisso consiste a dor moral do depressivo, prova que ele, embora conheça a castração, não é capaz de simbolizá-la. O que o abate não é propriamente o vazio, é o desconhecimento do que causa seu desejo. Recua de todo movimento adiante na tentativa de adiar ao máximo o encontro com um Outro excessivamente voraz” (KEHL, 2009.p. 15-16).

Assim perpassa o sentimento de impotência dos depressivos diante aos desafios da vida. O tempo para esses sujeitos é um tempo que não passa, sua realidade parece estar ligada a uma infinita repetição. Pode-se pensar numa ligação patogênica entre tempo e depressão, pois esse tempo não visualiza futuro e não possui passado, estaria aí uma dificuldade de subjetivar o tempo?

O depressivo mergulhado em sua negatividade e lentidão busca um esconderijo frente à voracidade do tempo do Outro. Assim contradiz a prática da vida contemporânea. “Soma de instantes velozes que passam sem deixar marcas significativas” (KEHL, 2009, p.148), o passado cada vez mais distante e o presente “avança a roer o futuro” (KEHL, 2009, p. 147). Assim encontra-se um sujeito achatado pela temporalidade do Outro. Desse modo a depressão pode ser marcada como sintoma social porque desfaz, lenta e silenciosamente, a teia de sentidos e de crenças que sustenta e ordena a vida social.

No contraponto é relevante pensar o tempo em que o paciente permanece na depressão, pois este também deve ser considerado pelo psicoterapeuta, se o outro ao ter partido, tornou-se excessivamente presente no vazio, é necessário encontrar mais uma vez uma temporalidade própria possibilitando a saída deste, visto como estado. No entanto a saída induzida do estado de depressão pela ação de antide-pressivos, ou por uma atividade psicoterapêutica equivocada, pode provocar um efeito inibidor na depressividade – por não respeitar a temporalidade nascente – e levar o paciente ao suicídio. (BERLINCK e FÉDIDA 2000, p.20).

Atualmente o mundo espera viver em um ambiente sem catástrofe, ou seja, os sujeitos se ocupam com abundância de objetos internos e externos evitando, assim, o contato com a falta, o vazio, a ausência e a própria depressão. O aumento

(19)

18

sucessivo de diagnósticos de depressão trás a ampliação da indústria farmacêutica que consequentemente ganhou espaço para o comércio de psicotrópicos, principalmente os antidepressivos, dentre estes, a fluoxetina está entre as mais utilizadas nessa patologia. Percebe-se uma indução na cultura, em relação à venda da pílula “mágica” da felicidade por meio de mídias sociais com a fantasia de cura imediata. Lançado na década de 80 pelo laboratório Eli Lilly, o Prozac revolucionou o tratamento contra a depressão. O mérito da chamada “pílula da felicidade” foi reduzir os efeitos colaterais que, até então, eram muito acentuados nos outros remédios antidepressivos, trazendo uma sensação de bem-estar para o paciente. Estima-se que mais de 40 milhões de pessoas no mundo já tenham usado o medicamento desde o seu surgimento, em 1986 (HAMA, 2004).

O princípio ativo do Prozac é o cloridrato de fluoxetina. Fazendo parte de um grupo de medicamentos chamados de “inibidores seletivos da recaptura de serotonina”. A serotonina é um dos neurotransmissores do cérebro e atua na comunicação entre as células nervosas – os neurônios. Inibindo a sua recaptura pelas células nervosas, o Prozac aumenta o nível de serotonina disponível no cérebro. Assim a intenção desse antidepressivo seria facilitar a transmissão da informação entre os neurônios, aliviando os sintomas da depressão. Apesar disso, pesquisas atuais como a de Matthew Miller (apud VEJA, 2014), realizada na faculdade de saúde pública de Harvard nos Estados Unidos, aponta em seus resultados que pacientes que receberam altas doses de antidepressivos tiveram duas vezes mais comportamentos suicidas do que aqueles que tomaram doses usuais. Estaria aí um paradoxo ou tamponamento de sintomas?

A depressão diz de um tempo estagnado e estático, expressa num tipo particular de discurso no qual o desânimo e a lentidão do depressivo revelam um sujeito do qual não acredita mais na promessa contemporânea de felicidade plena. Com seu passo arrastado e fala encoberta, o depressivo anuncia a dor de seu viver. Caracterizada por alguns como tristeza sem fim, a depressão parece por vezes como uma falta de vontade, um desânimo frente ao viver. Assim seria uma renúncia frente à vida e ao desejo? Existiria aí uma relação de depressivos que chegam ao ato de suicídio?

Embora ainda não exista nenhum acontecimento ou circunstância que possa prever o suicídio, existem certas vulnerabilidades que tornam alguns indivíduos mais

(20)

19

propensos a cometer esse ato do que outros. Dentre essas, encontram-se as doen-ças mentais com especial destaque para a depressão, apontada pela Organização Mundial de Saúde (2000) como responsável por 30% dos casos de suicídio relata-dos em todo o mundo (VIEIRA E COUTINHO, 2008 p. 715).

De acordo com Corrêa e Barrero (2006), a relação entre suicídio e depressão é estreita, a ponto do suicídio ser considerado por muitos um sintoma ou uma con-sequência exclusiva da depressão. De fato, a importância da associação entre um e outro é um dos dados mais conhecidos e replicados na literatura psiquiátrica. Além do que, o comportamento suicida é frequentemente relacionado a depressão, nos grandes sistemas nosográficos de classificação, como o CID 10, ou em escalas e inventários internacionalmente conhecidos para avaliação dos sintomas depressivos, como o inventário de depressão de Beck.

Para François Ansermet (2003) afirma ser o suicídio atravessado por um paradoxo: o sujeito se suicida já que tem medo da morte6, ou seja, se salva tentando

fugir de si mesmo, procurando na morte uma saída para sua vida.

A sociedade ainda possui certa resistência se tratando desses assuntos, prin-cipalmente o suicídio, até porque não é ingênua quanto ao seu papel nesta proble-mática. Este tema não costuma ser abordado de forma espontânea e/ou descontraí-da, pois traz à tona a finitude da vida e que há um mal-estar presente em nossa so-ciedade que pode tomar o sujeito e levá-lo a tomar a decisão extrema e irreversível do suicídio.

6Em sua etimologia, a palavra morte origina-se do latim “morte” e significa o ato de morrer; termo fim.

(21)

20

2 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO SUICÍDIO

Há uma morte que vem de fora e uma morte que cresce por dentro. A morte do suicida é diferente. Pois ela não é coisa que venha de força, mas gesto que nasce de dentro. O seu cadáver é o seu último acorde, término de uma melodia que vinha sendo preparada no silêncio do seu ser. A primeira morte não foi um gesto; foi um acontecimento de dor. Mas no corpo do suicida en-contra-se uma melodia para ser ouvida. Ele deseja ser ouvido. Para ele va-lem as palavras de César Vallejo: "su cadáver estava lleno de mundo". O seu silêncio é um pedido para que ouçamos uma história de cujo acorde necessário e final é aquele mesmo, um corpo sem vida (ALVES, 2000).

A dor de existir é inevitável à condição humana, isto é, a dor faz parte da constituição da subjetividade, pois esta aponta que o objeto de nosso desejo está desde sempre perdido, é nesse sentido que nos movimentamos em busca de algo que nos remeta à completude. Desse modo, a contemporaneidade nos afirma diari-amente um imperativo de felicidade, oferecendo objetos de consumo para tamponar a dor, a falta, e a tristeza. É relevante pensar o que isso vem produzindo nos sujei-tos, uma série de problemáticas, dentre essa, sintomas contemporâneos nos quais cabe citar a depressão. Frente a essa dor, uma última saída radical pode acabar dando-se pelo suicídio (RAMALHO, 2001).

A substituição das tradições e a ordem do social por um fazer-se por si mes-mo, na falta de ideais que orientem as buscas de uma vida, bem como de ilusões coletivas; ocasiona o tédio, a apatia e um voltar-se para si mesmo, o que caracteri-zaria o sujeito contemporâneo como individualista e narcisista.

Na falta de ideais do- eu como referências simbólicas, o sujeito voltar-se-ia, então, ao Eu ideal. Isto é, com a modernidade, as angústias são outras, bem como o mal-estar é expresso de forma diferente daquelas manifestas nas sociedades tradicionais. Fala-se em era do vazio para denominar nosso momento atual, bem como em sociedade deprimida, para caracterizar a cul-tura ocidental (RAMALHO, 2001, pg. 17).

A falta de um ideal e de uma razão para morrer implica também uma falta de um ideal para viver, de um sentido para a vida.

Chama-se suicídio (do latim sui, "próprio", e caedere, "matar") o ato intencio-nal de matar a si mesmo. Pensar em suicídio é uma busca incansável dos por quês. É refletir sobre quais sentimentos, faltas, lacunas ou mistérios rondavam aquela existência. Muitos questionamentos surgem, como por exemplo, por que as pessoas

(22)

21

se suicidam, o que aconteceu com aquele sujeito para desistir de viver etc. Isto nos leva à procura por respostas no sentido de significar esse ato.

Durkheim (1982, p. 16) conceitua o suicídio como:

Chama-se de suicídio todo caso de morte que resulta direta ou indiretamen-te de um ato, positivo ou negativo, realizado pela própria vítima e que ela sabia que produziria esse resultado. A tentativa é o ato assim definido, mas interrompido antes que dele resulte a morte.

Conforme o sociólogo, cada sociedade está predisposta a fornecer um con-tingente determinado de mortes voluntárias, e o que interessa à sociologia sobre o suicídio é a análise de todo o processo social, dos fatores que agem não sobre os indivíduos isolados, mas sobre o grupo, sobre o conjunto da sociedade. Cada socie-dade possui, a cada momento da sua história, uma atitude definida em relação ao suicídio.

Há três tipos de suicídio, segundo a etimologia de Durkheim, a saber:

• Suicídio Egoísta: É aquele em que o ego individual se afirma demasiada-mente face ao ego social, ou seja, há uma individualização desmesurada. As rela-ções entre os indivíduos e a sociedade se afrouxam fazendo com que o indivíduo não veja mais sentido na vida, não tenha mais razão para viver;

• Suicídio Altruísta: O indivíduo sente-se no dever de fazê-lo para se desem-baraçar de uma vida insuportável. É aquele em que o ego não lhe pertence, confun-de-se com outra coisa que se situa fora de si mesmo, isto é, em um dos grupos a que o indivíduo pertence. Temos como exemplo os kamikazes japoneses, os mu-çulmanos que colidiram com o World Trade Center em Nova Iorque, em 2001, etc.;

• Suicídio Anômico: Ocorre em uma situação de anomia social, ou seja, quan-do há ausência de regras na sociedade, geranquan-do o caos, fazenquan-do com que a norma-lidade social não seja mantida. Em uma situação de crise econômica, por exemplo, na qual há uma completa desregulação das regras organizadoras da sociedade, propiciando que certos indivíduos fiquem em situações inferiores àquelas que ocu-pavam anteriormente. Durkheim ao analisar esse tipo de suicídio, percebe o possível rompimento do domínio sustentado nas normas tradicionais, assim os indivíduos ficam sem referências. A crise produz deslocamentos financeiros, gera falências e processos de enriquecimento. E, em meio à crise, os indivíduos são obrigados à se educarem em uma nova ética adaptada á nova situação. Este processo é doloroso e coloca em movimento a tendência suicidogênea anômica.

(23)

22

Desse modo, ficam especificados os tipos de suicídios e suas causas, que são, segundo Durkheim, sempre sociais.

Trazendo elementos para essa reflexão, Thomas Szasz (2002, p.21), em seu livro chamado: Libertad Fatal – Ética y Política del suicídio, diz que:

Usamos a palavra suicídio para expressar duas ideias bastante diferentes: por um lado, com ela descrevemos uma maneira de morrer; ou seja: tirar a própria vida, voluntária e deliberadamente; por outro lado, utilizamos para condenar a ação, ou seja, para qualificar o suicídio de pecaminoso, crimino-so, irracional, injustificado, em uma palavra mal.

A morte voluntária foi se constituindo como um fenômeno que tem caracterís-ticas específicas, em momentos históricos diferentes. Para Thomas Szasz, as pes-soas tendem a compreender o suicídio de forma moralizante, como um fenômeno necessariamente negativo, do qual se quer buscar constante afastamento.

Em geral a morte é vista como um tabu, as pessoas não gostam e não que-rem ouvir falar, pois está na contramão da ciência que em geral busca fazer o possí-vel e o impossípossí-vel para a manutenção da vida. Dentro disso uma morte voluntária remete a um problema ainda maior. Em um social que não quer saber da morte, que busca escondê-la ou afastá-la a todo custo para impedir que ela aconteça, alguém que tente ou que consiga tirar a própria vida voluntariamente é chamado de louco, no jargão do “senso comum”.

Freud (1915) busca compreender os fenômenos do psiquismo humano. Em suas obras não se dedica especificamente a escrever sobre suicídio, mas fala sobre a morte. Para falar da morte, ele escreve “Reflexões para os tempos de guerra e morte” no qual trata sobre a perturbação humana diante da ideia da própria morte, afirmando que:

Revelávamos uma tendência inegável para pôr a morte de lado, para elimi-ná-la da vida. Tentamos silenciá-la (...). De fato, é impossível imaginar nos-sa própria morte e, sempre que tentamos fazê-lo, podemos perceber que ainda estamos presentes como espectadores. Por isso, a escola psicanalíti-ca pôde aventurar-se a afirmar que no fundo ninguém crê em sua própria morte, ou, dizendo a mesma coisa de outra maneira, que no inconsciente cada um de nós está convencido da própria imortalidade (FREUD, 1915, p. 299).

Subentende-se que o apego humano à vida e a dificuldade em aceitar e con-viver com a certeza da finitude humana na medida em que “no inconsciente nada existe que possa dar algum conteúdo a nosso conceito da aniquilação da vida” diz

(24)

23

Freud (1915, p. 299). Podemos pensar que as motivações que conduzem o sujeito ao suicídio vão contra a “natureza humana” que não busca a morte, mas a sua ne-gação.

Pode-se dizer que o sujeito que tenta suicídio quer duas coisas ao mesmo tempo: viver e morrer. Tentar o suicídio pode dar a impressão de que de fato, há o desejo de morrer, mas ao mesmo que, pode já haver o pensamento da possibilidade de que alguém o encontre e ajude, o que configura a ambivalência morrer-viver. (RESMINI, 2004). “Numa tentativa de suicídio temos sempre a combinação, em pro-porções variadas, de duas tendências: o desejo de autodestruição e o desejo de fa-zer com que as outras pessoas manifestem amor e compaixão e que procedam de acordo com esses sentimentos” (STENGEL, 1980 apud RESMINI, 2004 p.37).

São considerados comportamentos suicidas, além do ato propriamente dito, as ideias, os planos, como também as tentativas de suicídio.

Considera-se tentativa de suicídio um ato, do indivíduo em relação a si pró-prio, com variado grau de consciência sobre seu significado e com possibili-dade de provocar um dano físico que real ou aparentemente ameaça a vida, de modo que é potencialmente perigosa a sua execução, quer pela intenci-onalidade autodestrutiva subjacente, quer pelo desconhecimento do indiví-duo sobre os riscos a que se expõe, e cuja motivação situa-se no amplo es-pectro que vai desde o desejo de acabar com a própria existência até o de-sejo de, com o ato, modificar o ambiente sócio familiar (RESMINI, 2004, p. 39).

As motivações envolvidas em um ato suicida variam de pessoa para pessoa, mas a presença de intenso sofrimento é um fator comum. Cassorla faz uma análise baseando-se na obra freudiana acerca do suicídio. Produz uma interpretação de forma bastante sucinta das motivações envolvidas:

Principalmente a partir de estudos psicanalíticos pôde-se concluir que o ato suicida tem várias funções, que vão depender de cada indivíduo e situação. De uma forma geral, o suicida está tentando fugir de uma situação de sofri-mento que chega às raias do insuportável. Esse sofrisofri-mento é, geralmente, indescritível com o vocabulário que temos. Mas palavras como medo da loucura, do aniquilamento, da desintegração etc, às vezes pronunciam-se junto com a manifestação de uma angústia imensa. Outras vezes a isso se soma uma desesperança, uma tristeza incomensurável, uma melancolia, em que nada mais vale a pena. A morte é vista como uma solução- não porque se deseje a morte, mas porque a vida se torna insuportável. (...). O leitor pode estender, sem receio, esse raciocínio a outros tipos de tortura: a fome, o desemprego, a violência contra a dignidade humana. Felizmente a maioria resiste a essas torturas e espera-se que a força da vida os faça lutar contra elas.

Mas quase sempre a tortura é principalmente interna. Vem de dentro da mente do indivíduo e tem que ver com a imensidão de fatores que citei e que se mesclam e interferem entre si.

(25)

24

Isto nos leva a um aspecto básico: o suicida não quer morrer- na verdade ele não sabe o que é a morte. Aliás, ninguém sabe. O que ele deseja é fugir do sofrimento. As fantasias inconscientes que o psicanalista encontra em re-lação ao que seria a morte são muito variáveis (...). (CASSORLA,1991, p.21-22).

O suicida estaria então, tentando fugir de uma determinada situação que para ele está insuportável. Não existe uma causa única para o comportamento em estudo. Compreende-se que a partir da somatória de uma série de fatores que podem acumular-se durante a história do sujeito até a situação em que ele se encontra no presente é que pode levar ao suicídio (CASSORLA, 1991).

Independentemente do êxito ou não do ato, o que é inegável é a presença de um sofrimento intenso que imobiliza a capacidade do sujeito de enfrentar as problemáticas da vida. O suicídio aparece como meio eficiente de pôr fim a dor de existir7

(CASSORLA, 1991).

Cassorla (1991) a partir de sua experiência clínica traz algumas hipóteses a respeito de tipos de fantasias relacionadas com a morte, sendo elas:

1) Que por meio da morte haja um encontro com uma vida sem sofrimento. Há também uma busca de um reencontro com uma figura importante para o sujeito e que está morta8. Se essa pessoa querida cometeu suicídio isso pode reforçar ainda mais esta fantasia no sujeito. Um exemplo é quando uma criança perde os pais e acredita que por meio da morte pode reencontrá-los.

2) Pode ter um caráter de agressividade. Nesse tipo de fantasia o sujeito vê no suicídio uma maneira de vingança contra inimigos sejam reais ou imaginários. Isso pode aparecer quando, por exemplo, nos caso de um relacionamento, quando seu término ocorre por iniciativa de uma das partes. Nesse caso, é possível que aquele que foi “deixado” opte pela morte, na tentativa de ferir aquele que o abandonou. Cria-se assim, um delírio de que pode haver esse sofrimento no outro, pela fantasia de que esse sofreria com sua tentativa ou morte.

3) É possível surgir fantasias referentes a um sentimento de culpa, quando o sujeito vê sua morte como uma punição. Isto pode ser relacionado à melancolia, na

7

Nos casos de suicídio assistido é o próprio sujeito que põe fim a sua vida. Há a colaboração de uma pessoa, geralmente um profissional de saúde, que ajuda o doente a pôr termo à vida, mas com uma participação indireta, já que o último gesto de tomar os fármacos letais tem de ser concretizado pela própria pessoa. Na maioria dos casos o sujeito sofreu em algum momento da vida um acidente ficando limitado fisicamente ou possuí doença incurável, no qual escolhe pelo suicídio assistido como uma decisão de por fim a esse sofrimento.

(26)

25

qual o sujeito identificado com o objeto amado se sente culpado pela sua perda, passando a pensar que a morte sanaria esse sentimento angustiante que é a culpa e acreditando que ele merece a morte como um castigo. Segundo o autor, essas fantasias poderiam levar o sujeito a cometer o suicídio, contudo isso não significa que sempre que elas estiverem presentes o sujeito cometa o ato.

O suicídio também pode ser considerado como o eco de alguém que falou/discursou, mas não foi escutado, restando assim, apenas sua ressonância àqueles que partilharam do que o sujeito discursava, para poder entender o que queria o suicida dizer.

O ato (suicida) é executado porque a palavra9 não lhe bastou, não conseguiu

exorcizar no corpo o seu sofrimento e assim sendo, é com o seu próprio corpo que irá padecer. O sujeito psíquico é indissociável de seu corpo e qualquer ato/agressão que seja infligida a ele revela algo do seu psiquismo. O ato suicida, portanto, é uma forma de simbolização, de se fazer ouvir pelo próprio corpo. Stein (2008 apud RAMALHO, 2001, p.26) destaca que “Assim, a tentativa de suicídio, ao invés de um apagamento do sujeito, parece consistir, paradoxalmente, em uma tentativa última de inscrição10”.

Na sociedade capitalista a sustentação se dá pelo consumo de bens e serviços. Podemos observar, porém, que nesse contexto as relações humanas parecem se tornar cada vez mais superficiais, a ideia de bem estar comum, portanto é relegada a um segundo plano. O individualismo se sobressai ao comprometimento com o outro. A fragilidade do laço social tem contribuído significativamente para a desesperança na vida, pois para muitos seres humanos a vida cotidiana ainda está pautada nas trocas/ relações com seus semelhantes. A fragilidade dos vínculos relacionais não está somente na esfera social. A dinâmica familiar também tem sentido os reflexos de uma sociedade cada vez mais desenvolvida cientifica e

9 Segundo Lacan (1994, p. 97), é a relação do sujeito com o mundo da linguagem que permite a este

entrar no simbólico. O nascimento do sujeito é a mais pura relação do nada. Dito de outro modo, nada está ali a não ser um amontoado de células em um pedaço de carne. A palavra e o desejo mediados pelo outro é que fundam o sujeito.

10 Compõem-se, assim, as grandes teses que organizam a constituição e a inscrição do sujeito: a

noção de inconsciente; a sexualidade como organizadora da vida psíquica, ou seja, a constituição de um corpo pulsional; e uma estrutura de linguagem. A construção psíquica é um processo pelo qual o bebê humano precisa passar para que venha a se constituir enquanto sujeito. Freud ([1905], 2006) explica que o infans, ao nascer, por sua dependência, precisa do outro para lhe dar um lugar de existência e, para isso, é necessária a linguagem.

(27)

26

tecnologicamente, mas que padece de referências simbólicas e vínculos consistentes (BAUMAN, 2001).

Quando um sujeito chega ao ato de matar-se tende a desencadear inúmeras manifestações familiares, pois a morte voluntária revela que algo não estava apenas com o sujeito. Talvez na própria família houvessem problemas negligenciados, como: a ausência de dialogo, a posição de escolhas distintas do que foi idealizado pelos pais, e a própria desorganização da estrutura familiar podem vir a contribuir. É comum que os membros familiares culpabilizem-se a si mesmos ou aos outros familiares pelo sofrimento do suicida e até mesmo por não terem tido a capacidade de ajudar ou identificar a dimensão do sofrimento existente. As especulações das motivações acerca do ato em si, costumam acentuar ainda mais o sofrimento familiar e promovem a fragilização ou até mesmo a ruptura de vínculos. Com o passar do tempo ocorre à elaboração do luto e à possibilidade de reorganização da dinâmica familiar (OUTEIRAL, 1994).

De acordo com Shikida, Araujo e Gazzi (2007, p. 125-126) os fatores de risco para o suicídio são vários, mas dentre eles destacam-se como principais:

- Saúde mental (desordens de humor, como a depressão);

- Saúde mental associada ao abuso de substâncias como drogas e álcool; - História familiar de suicídio;

- Perda (relacionamentos, saúde, identidade);

- Eventos de muito estresse (Pressão, abuso sexual e/ou corporal, instabilidade familiar, mudanças sociais, etc.);

- Acessibilidade a métodos letais como armas de fogo; - Exposição ao suicídio (familiares ou amigos);

- Problemas legais (prisão); - Conflito de identidade sexual.

Nestas circunstâncias a depressão é conhecida como o principal fator de risco para o suicídio. A OMS (Organização Mundial de Saúde) afirma que a depressão afeta de 15 a 20% das mulheres e de 5 a 10% dos homens e que dois terços desses não têm acesso ou não procuram tratamentos adequados, e dos que procuram somente 50% são diagnosticados corretamente. Está constatado, também, que a maioria dos pacientes deprimidos irá tentar pelo menos uma vez o suicídio e

(28)

27

somente 17% destes irá realmente consumar a tentativa (OMS, apud SHIKIDA, ARAÚJO e GAZZI, 2007).

A morte por suicídio aumentou em 60% nos últimos 45 anos, especialmente entre adultos jovens. Ocupando a terceira causa de morte entre pessoas de 15 a 44 anos. A taxa oficial de mortalidade por suicídio, no Brasil, é estimada em 4,1 por 100 mil habitantes para a população como um todo, e está, para o sexo masculino, em torno de 6,6 por 100 mil e, para o sexo feminino, em 1,8 por 100 mil (PRIETO & TA-VARES, 2005). De acordo com Holmes (2001), as mulheres11 são três vezes mais

propensas a tentarem o suicídio do que os homens, embora os homens sejam três vezes mais propensos a serem bem sucedidos em suas tentativas de matar-se. A razão para essa diferença ainda não está bem definida, mas acredita-se que isso se deva ao fato de as mulheres serem mais predisposta a sofrerem de depressão do que os homens, reconhecendo-se, assim, o importante papel desempenhado por essa patologia frente aos atos suicidas (VIEIRA e COUTINHO, 2008). Porém, outra hipótese também é destacada para explicar essa diferença entre homens e mulhe-res: os homens usam técnicas mais violentas (por exemplo, armas de fogo ou bran-ca e jogar-se de altura) do que as mulheres (por exemplo, overdose, corte dos pul-sos, ingestão de medicamentos), o que aumenta, assim, as chances de as tentativas serem bem-sucedidas por parte dos homens (VIEIRA e COUTINHO, 2008).

Holmes (2001) afirma que as estatísticas sobre os atos suicidas são falhas e subestimadas, uma vez que o número de suicídios oficiais é extraído das causas de morte assinaladas nos atestados de óbito que nem sempre são precisos.

De acordo com Cassorla, certamente a subestimação estatística será mais intensa quando se trata de crianças e adolescentes, em que os atos autodestrutivos serão negados ou até escondidos pela família, diante de maiores sentimentos de culpa e/ou vergonha pelo ato. Além disso, uma grande proporção de suicídios é confundida com acidentes, principalmente quando se trata de crianças e adolescentes. Ainda outro fator complicador nas estatísticas é que não temos meios

11

Depressão, ansiedade e estresse são mais prevalentes em mulheres segundo estatísticas da ONU

(Organização das Nações Unidas) Para cada homem com depressão no mundo há duas mulheres,

Segundo a psicóloga Fernanda Queiroz (apud GAZETA DE SÃO PAULO, 2017), as razões para maior prevalência de alguns transtornos psiquiátricos em mulheres são complexas. “As circunstâncias da vida, como a sobrecarga de trabalho, a dependência econômica ou emocional, a violência doméstica e o cansaço, por exemplo, são fatores de risco para desenvolver quadros de depressão, ansiedade e estresse”.

(29)

28

de verificar os suicídios inconscientes, dentre eles os acidentes e as doenças (CASSORLA, 1991).

Um retrato do suicídio foi apresentado no documentário "A ponte”, comanda-da pelo cineasta americano Eric Steel. Não é um documentário comum sobre um dos mais famosos pontos turísticos do mundo, a Golden Gate. É um retrato do de-sespero humano feita por uma equipe durante o ano de 2004, no qual câmeras em vários ângulos registraram o cotidiano de pessoas que passaram pelo cartão-postal de São Francisco, Estados Unidos. Algumas delas se jogam de uma altura de 130 metros até o mar fazendo do ato, a última saída.

Steel registrou vinte e quatro quedas. Com um rádio na mão, avisava às auto-ridades o que tinha acabado de acontecer. Algumas vezes, acompanhou a busca do corpo e procurou familiares para conhecer e procurar entender o que se passava com aquele sujeito. O filme reúne imagens dos últimos minutos de vida dessas pes-soas e depoimentos de parentes e amigos. Muitos deles relatam como possibilida-des a esse possibilida-desfecho, doenças mentais, momentos de depressão e o comportamento diferente dos "padrões da sociedade".

O documentário recebeu muitas críticas, trazendo a ideia de um trabalho sen-sacionalista do documentarista, ao estilo reality-show. Para outros, é entendido co-mo um serviço público, que deveria levar autoridades locais a procurarem meios de evitar as centenas de suicídios ocorridos todos os anos na Golden Gate. São cerca de dois por mês - o número já chegou a 500 por ano - e muitos deles de não mora-dores de São Francisco, que escolhem a ponte como cenário de sua morte.

O documentário “A ponte”, nos dá possibilidades de pensar que o sujeito en-contra-se no vazio, ou no lugar da insignificância para o Outro, que vai ao ato na ten-tativa de sair dessa condição, pela via do impulso, não como uma escolha. A passa-gem ao ato é sem reversão uma vez executado. Segundo Ramalho (2001), o ato suicida pode ser interpretado como a tentativa de um lugar no desejo do Outro12, lhe entregando a própria vida.

12O desejo necessita do Outro para se constituir enquanto tal, o que exprime a clássica tese

lacaniana segundo a qual "o desejo do homem é o desejo do Outro" (LACAN,1962-1963/2004, p. 32). Essa noção pode ser entendida basicamente de três maneiras diferentes, conforme seja lida de acordo com cada um dos três registros isolados por Lacan: imaginário, simbólico, real.

Imaginário: O outro servirá como um ponto de apoio, de que o sujeito vai necessitar para saber como deve agir, pensar e sentir. Destituído de identidade, desprovido de uma forma, o sujeito vai se escorar em algo que ele supõe ser mais consistente do que ele, na imagem de um outro que o fascina justamente por aparentar a unidade que lhe falta: "A fascinação é absolutamente essencial para o

(30)

29

Em “O seminário, livro 19: o saber do psicanalista” Lacan (1971 apud CAR-VALHO, 2014) aponta a ideia de suicídio como um ato falho, definido por uma recu-sa ao recu-saber. Todo ato tem uma dimensão de suicídio, posteriormente o sujeito não será o mesmo, por ter ocorrido um encontro com a sua verdade. O suicida tem como suporte a pulsão de morte13, que se constitui na expressão máxima do gozo14. Nes-se caso, o sujeito não escolhe a morte como um deNes-sejo, mas porque espera por meio dela obter alguma satisfação.

É válido lembrar nesse caso do fenômeno do suicídio, que não é raro de acontecer, e se dá quando, após o ato, algumas pessoas se sentem “liberadas” para imitar o comportamento. Aqueles que já têm ideação suicida se sentem encorajadas a tentar, estimuladas pelo evento anteriormente ocorrido. É essa a razão pela qual os jornais não publicam frequentemente ou não dão destaque para estas notícias.

Existe um protocolo cuidadoso quando o assunto se trata de suicídio. A Asso-ciação Brasileira de Psiquiatria – ABP, em 2009, desenvolveu um manual de orienta-ção para os profissionais da imprensa sobre esta temática. De acordo com a associ-ação (2009, p.9-10), o suicídio vira notícia nos seguintes casos:

• Quem morreu é uma figura pública ou celebridade.

• O suicídio foi precedido de assassinato, este último perpetrado por quem se matou.

• Atos terroristas, como nos casos de homens-bomba.

fenômeno da constituição do eu. É na qualidade de fascinada que a diversidade descoordenada, incoerente, da despedaçagem primitiva adquire sua unidade" (LACAN, 1954-1955/1985, p. 70). Simbólico: Dizer que o desejo é o desejo do Outro significa que o sujeito se oferece, não como aquele que completa totalmente o Outro, pondo fim à sua falta, mas sim como aquele que constantemente suscita a falta no Outro, condição básica para que a própria falta do sujeito se reproduza.

Real: O desejo do Outro entendido como real. A angústia seria precisamente um afeto que sinaliza a emergência do desejo do Outro entendido como algo real.

13 Além de manter a característica inicial de um retorno ao inanimado, essa passa a apresentar mais

claramente uma tendência destrutiva. "A pulsão de morte parece expressar-se, mesmo que parcialmente, como uma pulsão de destruição dirigida ao mundo externo e a outros organismos" (FREUD, 1923, p. 58). Por outro lado, Eros, que abrange tanto as pulsões sexuais, como a pulsão de auto conservação, teria a finalidade de criar a unidade e o objetivo de complicar a vida, ao mesmo tempo que deve preservá-la. Parece-nos que as complicações causadas pela pulsão de vida, as quais Freud se refere, têm relação com o desejo do sujeito. Já as pulsões de morte são consideradas silenciosas.

14

Lacan enfatiza no Seminário 20 que o supereu ordena ao sujeito gozar. Dessa ordem impossível de ser seguida, diante dessa pressão, o eu é capaz de atos de extrema violência contra si mesmo. Ao observarmos essas brutais realizações de desejo entendemos porque Freud escreveu que no supe-reu reina uma pura cultura de pulsão de morte (FREUD, 1923, p. 66). O supesupe-reu é, antes de qualquer coisa, o representante de uma lei insensata e inconsciente que intimida o sujeito a segui-la antes de qualquer coisa, a levar o desejo até as últimas consequências. Dessa forma, podemos compreender que o conceito de gozo está diretamente ligado à pulsão de morte.

(31)

30

• O suicídio provocou problema que afetou a coletividade (por exemplo, en-garrafamento).

• Sensacionalismo criado por maus profissionais.

Considerando a presença diária da mídia na vida contemporânea é possível que esta possa influenciar e conduzir os sujeitos. É justamente no sentido de coibir o fenômeno do suicídio que se tem um cuidado maior em relação à exposição de sui-cidas.

Sabe-se que dentro do contexto histórico brasileiro os casos de suicídio em relação à figura pública não são incomuns. Aqui cabe relembrar a trajetória e anali-sar fatos que tenham contribuído no caso dos suicidas: Alberto Santos Dumont e Getúlio Vargas:

No caso de Alberto Santos Dumont, inventor aeronauta brasileiro nascido na fazenda Cabangu, próxima a estação de Palmira, hoje denominada Santos Dumont, Estado de Minas Gerais. Foi também considerado pioneiro no uso do relógio de pul-so, criador do aeromodelismo e do avião com motor dirigível, inventando ainda, a noção aérea com veículos mais pesados que o ar, ao realizar o primeiro voo público com um avião capaz de decolar, voar, retornar e pousar com seus próprios meios, sem o auxílio de equipamentos ou dispositivos externos foi denominado “pai da avi-ação”. Era filho de um engenheiro e magnata do café, Henrique Dumont. Teve conta-to com muitas e modernas máquinas utilizadas nos trabalhos com os cafezais, que lhe permitiram desenvolver habilidade para a mecânica. Formou-se na Universidade do Rio de Janeiro e foi mandado pelo pai estudar física, química, mecânica e eletri-cidade em Paris (1891), onde se especializou em aeronáutica. Realizou sua primeira experiência com balões (1897). A despedida dos voos e a retirada de cena dos grandes acontecimentos deixaram o inventor brasileiro Santos Dumont deprimido. A depressão parece ter tido relação com a doença que nele se desenvolveu com mais evidência a partir dos 40 anos de idade. Tudo indicava que sofria de esclerose múl-tipla.

Dumont veio ao Brasil, algumas vezes depois que se tornou uma celebridade. Na primeira delas em 1914, ficou por pouco tempo. O povo desejava ver o pai da aviação voando sobre solo brasileiro, mas não havia condições para isso, pois o pa-ís não tinha tradição nem material para voo.

(32)

31

Voltou à França em tempo de guerra. Dumont tinha fascínio por observar o céu. Esse comportamento teria sido confundido pela polícia francesa, que achava ser ele, espião dos alemães. Tal situação o abalou e o levou à queima diversos pa-péis e anotações pessoais que atualmente poderiam ser fontes de pesquisas.

Em 03 de dezembro de 1928, Santos Dumont volta ao Brasil a bordo do Navio Cap. Vários intelectuais e amigos planejaram prestar uma homenagem. Alunos, amigos e professores da escola politécnica prepararam uma recepção com um hi-droavião batizado com o nome de Dumont e projetaram a ideia na qual jogariam flo-res sobre o navio e com um paraquedas seria colocado uma mensagem de boas-vindas, assim que a embarcação entrasse na baía de Guanabara.

Porém um imprevisto ocorreu na manobra do contorno, uma das asas do avi-ão tocou nas águas e o aparelho sumiu no fundo da baía, matando todos os seus tripulantes entre eles, vários amigos de Dumont. Esse fato levou ao aumento de seu quadro depressivo. Acompanhou por vários dias as buscas pelos corpos, após reco-lheu-se em sua casa em Petrópolis em profunda depressão.

Algum tempo depois voltou a Paris, internando-se em um sanatório nos Piri-neus, seguindo após para Biarritz. Em 1931 voltou a São Paulo, onde recebeu visi-tas diárias de seu médico, que recomendou ao inventor uma temporada no Guarujá para tratar de sua saúde.

Santos Dumont nunca aceitou o fato de que sua invenção fosse utilizada para fins bélicos, demonstrada durante a primeira guerra mundial de 1914-1918. Ele acreditava na ideia de que o avião deveria servir para unir as pessoas, como meio de transporte e lazer.

O som dos aviões em meio a bombardeios o enlouquecia, agravando seu es-tado de saúde. Este ambiente leva-o a cometer suicídio em 23 de julho de 1932, aos 59 anos. Enforcou-se com duas gravatas no banheiro do hotel. Por muitos anos sua certidão de óbito ficou sumida, pois não ficaria bem um herói suicida naquele perío-do histórico (DEITOS, 2004, p. 102).

O Brasil prestou-lhe inúmeras homenagens: Em 22 de setembro de 1959, a ele foi conferida a patente honorária de Marechal do Ar. Também foi declarado Pa-trono da Força Aérea Brasileira.

Nesse caso são relevantes alguns fatores para a análise que propomos acer-ca do suicidio em relação á depressão. Dumont encontrava-se debilitado por uma

Referências

Documentos relacionados

xii) número de alunos matriculados classificados de acordo com a renda per capita familiar. b) encaminhem à Setec/MEC, até o dia 31 de janeiro de cada exercício, para a alimentação de

Outro ponto importante referente à inserção dos jovens no mercado de trabalho é a possibilidade de conciliar estudo e trabalho. Os dados demonstram as

De seguida, vamos adaptar a nossa demonstrac¸ ˜ao da f ´ormula de M ¨untz, partindo de outras transformadas aritm ´eticas diferentes da transformada de M ¨obius, para dedu-

Disto pode-se observar que a autogestão se fragiliza ainda mais na dimensão do departamento e da oferta das atividades fins da universidade, uma vez que estas encontram-se

A prova do ENADE/2011, aplicada aos estudantes da Área de Tecnologia em Redes de Computadores, com duração total de 4 horas, apresentou questões discursivas e de múltipla

17 CORTE IDH. Caso Castañeda Gutman vs.. restrição ao lançamento de uma candidatura a cargo político pode demandar o enfrentamento de temas de ordem histórica, social e política

Nesse contexto, a análise numérica via MEF de vibrações sísmicas induzidas por detonações se mostra como uma metodologia que pode contribuir significativamente

Nessa situação temos claramente a relação de tecnovívio apresentado por Dubatti (2012) operando, visto que nessa experiência ambos os atores tra- çam um diálogo que não se dá