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Peer Reviewed
Title:
<Em>poetamenos: Campo(s) de expressão em cores
Journal Issue:
Mester, 14(1)
Author:
Williams, Bruce
, University of California, Los Angeles
Publication Date:
1986
Permalink:
http://pub-eschol-prd-lb-2076919909.us-west-2.elb.amazonaws.com/uc/item/00q958f1
Local Identifier:
ucla_spanport_mester_13713
Abstract:
[No abstract]
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poetamenos:
Campo(s) de
expressão
em
cores
A
publicação pelo grupo Noigandres de São Paulo das obras teo-réticas epoéticasdapoesiaconcretachamou
nosanoscinquenta a aten-ção domundo
para a vanguarda brasileira.Tomando
consciência dos alcancesestéticoseuropeuse norte-americanos, a literatura brasileirada épocaincorporouosprocessosliteráriosutilizadosmundialmente noseu próprio produto, o qual,em
tomo, constituiu a realização deuma
literatura de exportaçãotal
como
sonhadapelos antropofagistas. Tradi-cionalmente, o ímpeto da literatura de vanguarda no Brasil tem sido-intensamente absorvido e reestruturado, provocandoum
processo transformador contínuo, de sorte que muitos dos conceitos explicita-mente desenvolvidos e sistematizados na poesia concreta e nos novos alcancesda prosa dos anoscinquenta já tinhamsido prenunciadospela primeira geração do Modernismo.Na
minimização e fragmentação presentenapoesiadeOswald
deAndrade
bem como
naestrutura "rap-sódica"deMacunaíma
deMáriodeAndrade, oleitorencontraevidência de processos desenvolvidos mais tarde pelos cincretistas e por João Guimarães Rosa. Especificamente no domínio da poesia, as obras do grupoNoigandres,bem como
asdeváriasvanguardasnorte-americanas econtinentais, procuram transcenderos limitesde géneroeenriquecer a poesiacom
elementos de música e arte gráfica. Isto se evidencia na in-corporaçãoporAugustodeCampos
do
processode Klangfarbenmelodiede
Webern
em
poetamenos e na criação pelomesmo
autor juntamentecom
JúlioPlazaduma
série de poemas-objetos. Porém, ao vacilar cons-tantementeentreum
hermetismoàsvezes incompreensíveleum
impacto imediato, a poesiaconcretanãoconseguesemprerealizarnopapeloque se propõe nateoria. Presaàs vezes nas suasobras maisacessíveisauma
simplicidadefrequentementeprosaica, ela torna-seem
outroscasosnum
verdadeiro jogo de quebra-cabeça,
sem nenhuma
solução evidente.No
entanto, apesar destas duas extremidades, não se pode negar que este tipo depoesia constituauma
altapotencialidade criadoranasua reinter-pretação tanto daestruturadopoema
quanto da relaçãopoema
/leitor/mundo.
Entre asmanifestaçõespoéticasdosváriosproponentes dapoesia con-creta destacam-se
um
grandenúmero
de diferenças evidentes a partirduma
primeira aproximação aos textos. Haroldo deCampos
trabalha microscopicamente dentro dos confins da própria palavra, enquanto Décio Pignatari experimentacom
a semiologia ecom
a relação entre a poesia e a expressão gráfica. Augusto deCampos,
que encontraum
caminho
intermediário entre asduasextremidades, procuraalternativas ao livrocomo
veículo de expressão. Assim, enquanto as obras de Haroldo deCampos
e Décio Pignatari permitem a publicação de recolhos, asde Augusto deCampos,
pelasua própriaforma, resistem a qualquer tipo de antologia. Elas ficam, por estamesma
razão, muito mais negligenciadas pela críticaliterária.A
obra deAugustodeCampos
em
sinãoéuma
entidadehomogénea.Com
respeito aos seuspoemas
em
cores, destacam-se dois tipos fun-damentais:uma
série depoemas
"coloridos" baseados nos avanços de vanguarda damúsica, criados entre 1953e1973, euma
segunda sériede poemas-objetos tridimencionais confeccionadoscom
o artista gráfico Júlio Plaza, os quais funcionam tanto à base deum
processo tridimen-sional de justaposição silábica e morfológica ou à base deum
processo de impressãoem
côrnum
espaço plano. Porém, neste segundo caso, a mistura de vários processos faz estespoemas
diferirem-sedo
primeiro tiposimplesmente multicromático. Assim, o estudo deambos
osgénerosem
conjunto torna-se muito difícil. É o nosso propósito aqui deixar de lado os objetos tridimencionais e analizar temáticae estruturalmente a seleção depoemas
em
poetamenos,uma
obra multicromática impressanum
espaço estritamente plano.Publicada
numa
pasta brancacom
letras azuis e vermelhas, esta co-leção nos ofereceuma
alternativa agradável à forma tradicional do livro, contendo primeiramenteuma
apresentação da teoria utilizada,com
tradução inglesa por JonM.
Tolman, seguida de seispoemas
em
cores, cadaum
ocupando
uma
folha de cartolina solta.A
partir do próprio título, que constitui, de fato, o Leitmotiv deum
dos poemas. Augusto deCampos
já inicia o seu processo de palavras compostas, poetamenos, junção das palavras "poeta"e "menos", sugere talvez a natureza mínima,sem
retórica da linguagem poética da obra.Também,
presente nesta palavra está o conceito de "ameno", conceito queantecipaoaspecto suavedealgumasdasobras.No
índice, vé-seque todos ospoemas
levam títulos: "poetamenos", "paraíso pudendo", "lygia fingers", "nossos diascom
cimento", "eis os amantes", e "dias, dias, dias".O
uso exclusivo de letras minúsculas nos títulos já indicauma
mudança
de tradição.Da
mesma
forma,em
contrastecom
muitoslivrosdepoesiaque contém
uma
unidadetemática, nestaobraaparecem as seguintes três constantes, não necessariamente relacionadas: "poe-tamenos"indica apresença deuma
atitude metapoética; "lygiafingers", "eisos amantes", e "paraíso pudendo" levamuma
conotação altamente erótica; e os doispoemas
"nossosdiascom
cimento"e "dias, dias, dias" tratamobviamentedo problemado
tempo
que passaou da monotania.Na
presenteanálise, ospoemas
serãoabordados naordem
assinaladanoíndice. Porém, é preciso lembrar que o uso de folhas soltas,
sem
numeraçãonenhuma, implica a existência de ordensalternadas.
Na
folhaem
que Augusto deCampos
explica a sua teoria, encon-tramosum
resumo breve do conceito da Klangfarbenmelodie (melodiadetimbres):
uma
melodia contínua deslocada deum
instrumento para o outro, mu-dando constantemente suacor:^Em
seguida, ele mencionaos instrumentos quesepropõe autilizar:instrumentos: frase/palavra/sílaba/letra(s), cujos timbres se definam
p/um
temagráfico-fonético ou"ideogrâmico"Mais adiante, demonstraremos que,
embora
a grande maioria dospoemas
sejam construídos à base do morfema, muitas vezes adeslocação da melodia ocorre precisamente ao nível da frase
ou
até da sílaba ou letra. Assim, Augusto deCampos
atingeum
contraponto altamente relacionado aos novos alcances da música que ele emula. É precisomencionartambém
queaaproximaçãodeAugustodeCampos
à teoria deWebern
não se limita à Klangfarbenmelodie.As
experiências deWebern
nocampo
doritmoedatonalidadeserefletemigualmentena fragmentação ena sonoridadedospoemas.Ao
continuar a sua explicação, o poeta apresenta a representação gráficaem
corescomo
sendouma
aproximação muito mais exata à realidadedo
que opoema
monocromático:a necessidade da representação gráfica
em
cores (q ainda assim apenasaproximadamente representam, podendo diminuir
em
funcionalidadeem
certos casos complexos de superposição e interpenetração temática), ex-cluída a representação monocolor q está para o poema como
uma
foto-grafiaparaa realidade cromática.
masluminosos, ou filmletras, quemostivera!
Apesar da visualidade exagerada dos poemas. Augusto de
Campos
não esquece a sua sonoridade. Consciente do efeito dos vários ins-trumentos utilizados por
Webern
no deslocamento da linha melódica, ele prevêuma
leitura oral,com
vozeshumanas
representandocada cor da obra gráfica:reverberação:leituraoral
—
vozesreaisagindoem
(aproximadamente) tim-bre para o poema como os instrumentos na klanqfarbenmelodie deEm
1975, AugustodeCampos
chegouarealizaragravaçãodopoema
"dias, dias, dias"junto
com
CaetanoVeloso, utlizandoestemesmo
pro-cesso.O
disquinho que resultou se inclui na obraA
Caixa Preta (deCampos
e Júlio Plaza),uma
continuação de experimentoscom
base nos princípios de poema-objeto e de visualidade. Porém, nas discussõesdo
autor, não se torna muitoevidente o que significa "aproximadamente." Parece que Augusto de
Campos
tenta escapar a culpabilidade deuma
obra realizada apenas parcialmente, ao dizer que as vozes e cores só transmitem
uma
ideiageraldo que elequer exprimir.Ao
olharmos os seispoemas
incluídos nesta coleção, percebemos algumas características gerais.Nenhuma
obra é figurativaou
represen-tativa.Da mesma
forma, existe pouca correspondência imediatamente evidente entre as cores utilizadas e as ideias expressas nos poemas.A
escolha de coresparece ser,em
muitos casos, totalmente ao acaso.Em
"poetamenos" e "eis os amantes",vemos
cores complementarias (amarelo/roxo, azul/cor de laranja).Nos
demais poemas, por outro lado, existeuma
misturade quatroou
cinco cores, que não corresponde imediatamenteanenhum
aspecto temático.Ao
abordar o primeiropoema
"poetamenos" (a coleção não oferecenenhuma
indicaçãocom
respeito a possíveis relações entre a data de composição e a ordenação na obra), o leitor encontrauma
série, de catorze versos queformam
uma
linha vertical impressaem
roxo e amarelo.Os
versos são confeccionados de palavras emorfemas
juntos ou separadosque oferecemuma
série de sugestõesem
vez deuma
única interpretação.Ao
começarcom
as palavrasem
roxopor suposto: 'scanto eu
O
poeta "(e)scanta" asua obraao mar.A
presençadomorfema
"es" ('s)juntoao verbo "cantar" sugere aideiade
uma
obraquesai de dentrodo poeta para omundo.
É possível que "suposto" leve o significado metafísico, "aquilo que subsiste por si: substância",^ definição que dá ênfase aum
dos propósitos fundamentais da poesia concreta.A
fragmentação das palavras que descrevem a obra poética e o deslocamento de palavrascompostasentre asduasvozes (cores)dão ên-fase à característicarompida, tátiledura damesma.
As
imagens, igual-mente, sugerem a rupturae falta de conecção:rochaedo^
meu
rupestre cactus
ab rupt ao mar:us somos
um
unis sono poetamenosO
poetaea sua obra, o "us"lírico, são"um
unis(sono)."Porém, apesar das sugestões bastante claras oferecidas pelos versos anteriores, a palavra"poetamenos" que dátítulotantoaopoema
quantoàcoleção in-teira éaltamente hermética. E provável que tratesimplesmente da pro-blemática deminimização efragmentação presenteno
poema. Porém, a identificaçãodopoetacom
a sua própriaobra parece negar a procurada objetividade desejada pelos concretistas. Assim, estepoema
constituiuma
das obras maisinacessíveis destegénero de poesia.Por outro lado, a interpretação
do
segundopoema
"paraíso puden-do", apesardevárioselementosque parecemalheiosaopoema, émuito maisimediata.A
primeiravista, éinteressantenotarqueodeslocamento presente entre as várias cores da linha poética não corresponde denenhuma
maneira aos dois participantes na união sexual.As
primeiras trêspalavras:no
entrei ah
parecem representar tanto os protestos da mulher quanto a vitória
do
homem.
Segue-sedescrição sugestiva do ato sexual: inpubis figueira!jardimfigueiredo
braços
Logo a dureza do sexo suspenso do
homem
é exemplificada pelas palavrasque anunciam a "petrificação"do
"eu".suspenso
petr'eu
mim
exampl'eufêmorasaellla
Com
respeito ao lado feminino, o prolongamento da palavra "ellla" sugereum
longo grito de prazer.Da
mesma
forma, a justaposição (separada porsilêncio) dos elementos "sus" e "pênis" reforça a ideia do ato ardente (flagrante), continuado "ad nauseum".sus penis
flagrante
ad
nauseum
espal(s)mas jardim
caem
joelhosdebonança pensoparaíso
pudendo
Assim, o sexo masculino se acalma (de-bonança) após ter desfrutado
do
"paraísodo
sexo",do
"figueiral"feminino.A
criaçãodeum
gerúndio do substantivo "pudor" (pudendo) junta aopoema
eróticoum
elemento irónico que lembra ogritodeprotestono início.Embora
opoema
sugirauma
comunicação não discursiva—
a justaposição de palavras lembra muito o verso harmónico deMário
deAndrade
em
Paulicéia Des-vairada—
quase todos os elementos aípresentes são compreensíveis.No
entanto, a presençado
"(s)" dentro da palavra-cabide "espal(s)mas" parece levaroelemento altamente hermético tão necessárionas obrasdeCampos.
Em
"paraísopudendo", os elementosprincipais são, pelamaiorparte, a palavra e o morfema.No
entanto, na obra "lygia fingers" existeuma
fragmentação ainda mais pronunciada.O
poema
começa
a funcionarà base de letras e fonemas. Nesta obra, muito mais ênfase é dada à sonoridade.O
poema
deve ser lido eouvido aomesmo
tempo.Aqui, encontra-se
uma
certa correspondência entre as constantesdo
poema
e a realização cromática.O
elemento "\y", parte de "lygia", "lynx", "felyna", "only", "lonely", é apresentado constantemente pela cor vermelha.Da mesma
forma, o elemento "só" (que representa solidão) aparece sempreem
azul. E possívelque o vermelho tenhauma
conotaçãode sensualidadeenquanto o azul retrateum
estadodepaz, de tranquilidade (ou talvez da expressão inglesa "to have the blues"). Estruturalmente, há palavras portuguesas, italianas, espanholas, e in-glesas, algumas identificadasnabase dagrafia, outrasna dasonoridade oumesmo
na base deuma
combinação dosdois recursos."lygia fingers"apresenta amulheràbasedavelhametáforafelina.Ela brinca: é misteriosa, enganadora (finge). Apesar das aparências falsas, Lygia é, de fato, muito maislynx
do
que secretária:o
resto dopoema
não é tão rapidamente acessível, apesar denotar-mos
várias manifestações que sugerem o feminino. Lygia émãe
felina,"figlia", e "sorella".^
O
uso de palavrasitalianasnãoparecefornecerum
significado especial alémdo
significado da palavra portuguesa. Porém, "só" dentro de "sorella" e a sonoridade da língua explicam o sucesso dessa escolha.mãe
felynacom
lyfiglia
me
feiix sim na nxseja:
quando
solange so lygia la sera sorella
so onlylonely tt
—
1
Da mesma
forma, o conceito feminino está ligado nopoema
auma
série de imagens de isolamento, de distância.A
repetição da palavra "ilha"dentro dos agrupamentos"dedat illa (grypho)"e "f(iglia)" ilustra este tema.Também,
o uso donome
próprio "Solange" que aparecequando
ouve-se as palavras "so longe" reforça a carga semântica de "soly" (solely), "only", e"lonely".No
fimdo
poema, oIisolado retratagraficamente este
mesmo
estado.Assim, para entender "lygia fingers", é preciso poder distinguir oralmente
uma
longa série de múltiplos sentidosem
quatro línguas e perceber a fragmentação gráfica que retoma osmesmos
temas. Porém, apesardasmovas
direçõespresentes nestespoemas, aleituraéaltamente tradicional.Em
contrastecom
outras obras ("eis os amantes"), "lygia fingers" lê-se únicamente verso por verso. Qualquer leitura cor-por-cor não é possível.Embora
trate deuma
problemática totalmente diferente, opoema
"nossos dias
com
cimento"mantém
várias características de "lygia fingers".Como
nopoema
anterior, tem pouquíssima correspondência entre a cor utilizada e a palavrarepresentada.Da
mesma
forma, alei-tura ainda épelamaior partede verso
em
verso.Em
alqumas ocasiões,no
entanto, há duas leituras possíveis, a leitura sucessiva e a deuma
dada linhacromática. Lendo da esquerda para adireita, temos: mendigossão osque sentamdoisnosbancosdapraçaao
ventotãoventresegurandotantoas mãos
Por outro lado, seguindo a linha vermelha. Augusto de
Campos
nos apresenta a ideia de "tant o s passos" que dá aopoema
um
aspecto decontinuação,oumelhor, do prolongamentode
uma
vidade sofrimentoe pobreza.As
imagens dopoema
são altamente urbanas.O
poema
tem referênciasa "cimento", "bancosdapraça", etc.De
novo, opoema
sugere maisdo
que diz,em
contrastecom
os planos originaisda poesiaconcreta descritosem
Teoría daPoesiaCon-creta,'* a biblia
do
grupo Noigandres. Cheia de erudições ("conchiglia", urna palavra italiana que significa "concha", e palavras latinas), opoema
não retrata a situaçãodo
homem
moderno
da maneira mais direta possível. Apesar destas falhas, muitas imagens são evocativas e levam grande impacto.A
vida é interpretadaem
termos frios,como
uma
sériede incidentes quecabem
dentro deum
sistema:nossosdias
com
cimentoconchiglia
eo menoscabo
em
cubos menoscuboscomo
diasOs
homens
aparecemcomo
mendigos, tristes eisolados:men
digosaocabofrioao fim dotriste
Altamente fragmentado, o fim
do
poema, que oferece palavras e mor-femas soltos,sem
conexão imediata, representa maisuma
vez a con-fusãoedesordem geral dasociedademaderna:E
em
boanoiteeatéperamanhãteatét eafã
bem
guntam fim?Assim,
embora
"nossosdiascom
cimento"não
ofereçaaoleitoruma
únicainterpretaçãoimediatamente percebidacomo
muitospoemas
deste grupo, ele constitui de fatouma
obra levencente,uma
das maiores finalidades dapoesia concreta.Em
"eisosamantes". AugustodeCampos
chegaadominar melhoros recursos e possibilidades oferecidos poreste tipo de poesia.Da
mesma
forma,o
poema
possuimaisrelaçãocom
a teoria originaldapoesia con-creta.O
impacto éimediato; opoema
leva oleitorauma
só conclusão.Como
em
"paraíso pudendo", nós temos denovo
uma
representação poético-gráficado
ato sexual. Porém, aqui as imagens são muitíssimo maisclaras, deixando o leitorcom
um
mínimo
de confusão.A
possibilidade de leituras múltiplas sugeridasem
"nossos diascom
cimento" reaparece aqui deuma
maneira mais desenvolvida. Lendo opoema
deuma
forma tradicional, o leitor encontra:eis osamantessemparentes, senão os corpos
Por outro lado, a justaposição das palavras
em
azul "amantes" e "parentes" assinala o resultado do encontro sexual, a função dual do casal.Da mesma
forma, a coluna laranja que funcionacomo
eixo do poema, eis os sem senão oscorpossugere o
abandono
sexual.O
uso dapalavracomposta "irmãum"reforça a idéiadaunião dosdois sexos.Ao
juntarmos a palavra"um"
a "irmã", criamos "irmão", o equivalente masculino.Embora
esta seção dopoema
fique pela maior parte ambigua devidoa várias leituraspossíveis.em
cimaeu, baixelairmãgeme
em
cimaa idéia do ato sexual não se perde nunca de vista.
Da
mesma
forma, a palavra inventada "ecoraçambos", reforça aimagem
dauniãoamorosaefísica dos dois amantes. Esta palavra se basea no vocábulo "escorçar", que sugereoutra vez o propósito procriadordo sexo.
Na
linha seguinte,vemos
maisexplicitamenteofrutodestaunião.Numa
sópalavraem
que estão presentes tanto as sugestões da união quanto as implicações da criação deuma
outravida,duplamplinfantuno(s)empre
o resultado do 'semen(t)emventre" (palavra que indica a bivalencia "semen/semente"), torna-se a gravidez:
inhumenoutro)
Porém, apesardesteimpactoimediato, háalgunselementos
em
"eisos amantes" que não são acessíveis.A
gráfica do "(s)" não parece ternenhum
significado.Da mesma
forma, a justaposição de elementosmachos
(estêsse eaquelêle) opõe-se a natureza obviamenteheterosexualdo
ato descrito.De
novo
éinteressante notarque não existeuma
correspondênciaen-tre as cores escolhidas e a carga semântica das palavras. Tanto o azul quantoo alaranjado representam
ambos
oselementosmacho
efêmeo.A
única reflexãodoprocessode atração éousodecorescomplementarias.Devido à complexidade dos processos de fragmentação e de justa-posição, junto
com
o uso deuma
combinação de letras maiúsculas e minúsculas, a leiturado
últimopoema
desta coleção, "dias, dias, dias", é a mais enigmática de todas.As
duas constantes que se destacam à primeira vistasão a repetição de elementose o uso demorfemas
soltos.Embora
comecedeuma
maneira maisou
menos
linear,dias dias dias sem
uma
esperança
nós chegamos inevitavelmente a
uma
fragmentação, o uso deuma
linguagem telegráfica que resiste a qualquerinterpretação:—
Urgetg bsdsvgfilhazeredo ptGraficamente, osgrandes espaçosentre ostrês "dias" retratamo pro-logamento temporal (e o afastamento geográfico) presente neste sofri-mento.
Da mesma
forma, a linha vermelhano
centroda obra dáênfase àsduas leituraspossíveisdesta seção, "semuma
esperança, linhadeum
só dia", ou "semuma
linhaminha
amor, amemória
estertor articula:NÀO".
Ambas
estas possibilidades amíguas, no entanto, reforçam o temado
prolongamento anunciado pelo título.O
poema
claramente se refere aum
amor
do passado que não existe mais,mas
que ainda está presente namemória
do poeta.De
novo, de dentrodo
poeta (expoeta expira) saiuma
série de ima-gens isoladas, fragmentadas, que parecem indicar terraslongínquasem
línguas estrangeiras (Egypt, Jakarta) eseparação:spynxe
gypt y g ahcartas..
.
—
E avião voas?As
palavrasem
letras maiúsculas, "LEMBRAS
DE
MIM
LYGIA
OH
SEME
LEMBRA
EQUANTO",
e a palavra composta "separamante" (separaamante) reforça a saudade amorosa de que opoema
fala.Assim, nestacoleçãodepoemas,encontra-sea
mesma
dicotomiaentre o imediato e o hermético, característicada manisfestação geraldo
con-cretismo. Enquantopoemas
como
"eis os amantes"demostram
uma
só interpretação, obrascomo
"dias dias dias" sugeremuma
série de possibilidades tematicamente ligadas.Da
mesma
forma, enquantopoemas
como
"nossosdiascom
cimento" levamuma
mensagem
social ecabem
nitidamente dentro do sistema da "poesia incentivante", outroscomo
"poetamenos"e "paraíso pudendo" são altamenteintimistas.Como
jádemonstramos, ospoemas
em
poetamenos, apesar deserem impressosem
diversas cores, evidenciamuma
grande variedadecom
respeito à estruturaeaos recursospoéticosutilizados. "Nossosdias
com
cimento" tem elementos de ritmo regular e até possui versos quelem-bram
a tradição da redondilha maior (o que sugere a possibilidade deum
estudomaisamplo
do problema doritmoem
poetamenos).Na
outra extremidade,em
"lygia fingers" e "dias dias dias", destaca-seum
pro-cesso mais avançado de fragmentação gráfica e morfêmica. Outros recursos usados na coleção incluema interpenetração devárias vozes, a linguagem telegráfica, e o uso do espaçoem
brancocomo
estrutura gramatical.Da mesma
forma,com
respeito ao uso de cor, ospoemas
são mais variados.
Em
alguns dos poemas, o uso de cores funciona deuma
maneira decorativa, quebrando a monotania da tipografia tradi-cional, eem
outros,como
"lygia fingers", encontra-seuma
ligação entreuma
dada cor eum
som
ou sugestão morfêmica.Da mesma
forma,em
"eis os amantes", o uso de duas cores seopondo
reforça a ideia da atração sexual.O
processo de fragmentação dopoema
em
cores usadocom
um
pro-pósito simplesmente decorativo parece estar apenas substanciando o hermetismo tão desejado pela poesia concreta.No
entanto. Augusto deCampos
conseguiu mostrarem
poetamenos que a tipografiaem
cores podeoferecerum
campo
maisamplo
designificaçõesaopoema
esugerir a possibilidadedemúltiplasleituras, seguindouma
dadalinhacromática ouum
determinado espaçográfico.Com
a manifestaçãopoética global do concretismo, poetamenosabre o caminho parauma
verdadeira inovação de estrutura poética.A
co-leção abole as velhas barreirasentrea poesiae asartes plásticas, e con-tínuao rompimento dosistema de "palavrapuxa palavra" iniciado pela vanguarda do modernismo.Da mesma
forma, poetamenos sugereuma
riqueza de territórionovo
a ser explorado. Técnicascomo
linhas múltiplas de leitura sintaxe baseadaem
cores ou no espaço gráficoaumentam
as possiblidades da poesia concreta elevam implicações ób-viasparaoutras formasde poesia epara a prosa.Bruce Williams
University of California, Los Angeles
NOTAS
1. Campos, Augustode.poetamenos(SãoPaulo: EdiçõesInvenção,1973). Vistoquea coleçãonãolevapaginação, as referências serão incluídasdentrodopresente trabalho.
2. DicionárioMelhoramentosdalínguaportuguesa(São Paulo:Melhoramentos,1977).
3. Aspalavrasouosmorfemasressaltadossãodecores diferentesdosnãoressaltados.
4. Campos, Augustode, DécioPignatari, Haroldo deCampos. Teoriadapoesia con-creta(São Paulo: LivrariaDuasCidades, 1975).