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Paul Ricoeur e a subjetividade do texto histórico 1

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Academic year: 2021

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Paul Ricoeur e a subjetividade do texto histórico

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Paulo Ricardo HEITICH Graduando Universidade Estadual Centro-Oeste/Paraná

RESUMO

Trata-se da apresentação, de modo parcial e sintético, da discussão e problematização em Paul Ricoeur da relação entre objetividade e subjetividade do historiador na escrita da história, bem como do ato de ler e da multiplicidade de interpretações do texto histórico, para assim, estabelecer a relação entre o ato da leitura e a subjetividade dos fatos narrados pela história. Confirma a hipótese de que o leitor não consegue chegar ao que o autor do texto pretende expressar, pois ele vivencia o texto e percebe os vários sentidos que o texto possibilita devido aos fatores que influenciam a sua interpretação.

PALAVRAS-CHAVE: História; Narrativa; Ação.

Introdução

Em Paul Ricoeur o pensamento da história constitui o tema de uma meditação que está presente em seu pensar filosófico. Na obra História e Verdade publicado em 1955, o autor se propõe a articular e discutir filosoficamente a questão da verdade no conhecimento histórico. O livro é dividido em duas partes centrais: num primeiro momento o autor discute questões metodológicas da significação da atividade histórica, para então abordar questões éticas a partir da reflexão de ações civilizadoras da contemporaneidade. Este trabalho se limita a análise do caráter metodológico da história no que diz respeito ao paradoxo da atividade do historiador entre objetividade e subjetividade na escrita do passado.

Objetividade e subjetividade da história

Ricoeur desenvolve uma teoria da história a partir do vocábulo referindo-se à história no singular, [...] “porque esperamos que um sentido humano unifique e torne razoável essa história única da Humanidade”2 e define a história como a [...]“ciência dos

homens do passado”3, homens no plural, [...]“porque esperamos que as pessoas surjam

como centros radicalmente múltiplos de Humanidade”4. Entende ele que a história é

1Trabalho apresentado no GT Historiografia da Mídia, componente do I Encontro Paraná/Santa Catarina

de História da Mídia.

2 História e verdade p. 42 3 História e verdade p. 42 4 História e verdade p. 42

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uma história dos homens e que ela ajuda o leitor, instruído pela história dos historiadores, a edificar uma subjetividade de alta categoria, a subjetividade não só de si, mas do homem em sentido universal. Ricoeur compreende a história no singular e atesta que existe uma única história na qual vive uma única humanidade. Essa unidade é ante-predicativa do próprio campo histórico, ela não pode ser explicada, é um pré-conceito do historiador que se manifesta por duas concepções primordiais: a idéia de mundo e a idéia de homem. O mundo é o horizonte mais concreto da existência humana. Essa camada primordial não é exprimida, pois é a realidade prévia em todas as circunstâncias, ela é o horizonte de todas as atitudes. A segunda unidade refere-se ao homem, no sentido de que é o mesmo homem que traz consigo e produz a ciência, a arte, a ética, a religião. Num mesmo limiar de existência, um mesmo humano vive todas as possibilidades, para Ricoeur essa unidade do homem também é por demais primordial para ser compreendida.

Na tarefa do filósofo isso se justifica pela esperança de recuperar, em um único discurso, todos os discursos parciais de todos os filósofos. A possibilidade limite do sistema é essa, que ao fim a história é potencialmente una. No entanto, tal possibilidade da existência de uma história que englobe tudo, resultará na descaracterização da própria história, tornando-a uma lógica filosófica. Desse modo, pensar em história universal só é possível enquanto objetivo que se almeja, mas que nunca se realiza.

Desse desejo de unidade dos fatos históricos surge a ambigüidade pertinente à tarefa do historiador. Espera-se dele a objetividade que convém a tarefa de escrita da história. O historiador busca a certeza e o rigor ao trabalhar o passado, determinando características metódicas para a atividade de pesquisa e escrita. Ricoeur afirma que a tarefa do historiador de explicar é de análise e não de síntese. O historiador também não restabelece as coisas tais como eram, mas possibilita, por meio do encadeamento retrospectivo, uma ordem coerente dos fatos. Para tanto, é necessário a abstração e a constituição dos fenômenos que se relacionam em continuidade. O passado integral é então visto apenas como uma idéia, um limite jamais atingido de um esforço de integração sempre mais vasto e complexo, que exprime o desejo de tentar compreender racionalmente e assim estabelecer uma ordem no todo da história.

O esforço por objetividade na escrita da história é diferente das outras ciências, pois engloba uma parcela maior de subjetividade na produção metodológica e isto ocorre por vários motivos dentre os quais a questão da opção e julgamento que o

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historiador faz dos eventos que considera importantes. Tal escolha é feita por exclusão seletiva dos fatos de modo a tornar possível um encadeamento contínuo da narrativa e dessa forma uma unidade de sentido da história produzida. Além da subjetividade a história é tributária também de uma concepção vulgar de causalidade, que é a tentativa de atribuir a todos os fenômenos de um determinado evento uma causalidade. Logo, esta causalidade é impossível de ser distinguida completamente do senso comum, assim, a história está fadada a se apropriar de esquemas de explicação sem a devida compreensão ou tê-lo distinguido por completo. Ricoeur considera que isto não arruína a objetividade da história, porém é necessário especificar que tipo de objetividade que se exige do historiador, e nisto está implícito a subjetividade própria de seu ofício. A escrita do passado.

Afirma ele que a história é a narrativa que se preocupa com ações importantes, “Toda narrativa participa de dois aspectos do sentido: como unidade de composição, ela aposta na ordem total em que se unificam os eventos; como narração dramatizada, ela corre de nó em nó, de rugosidade em rugosidade.” 5 Deste modo, toda narração é

narração de uma ação, pois é narrativa das ações dos protagonistas. Esta definição proposta pelo autor está relacionada ao conceito de ação, que por sua vez é vinculada ao conceito de intenção. Ambas estão ligadas à história devido ao processo de elaboração do texto histórico e a sua leitura. A intenção deve ser aqui entendida enquanto hipótese para a coerência do texto. Sem a intencionalidade da ação a relação entre duas passagens de um texto torna-se frágil e inconsistente. Vale salientar que a relação entre ação e intenção na narrativa só ocorre por meio do enredo, sendo este aqui entendido como a síntese de inteligibilidade que organiza o episódio. O enredo atua enquanto elemento concordante e discordante na narrativa, mediatizando os diversos elementos heterogêneos da ação. Ele dispõe, ordena, organiza, arranja, combinando fatores discordantes. Age na sucessão de ações narradas, relacionando e adequando a multiplicidade de eventos e incidentes, organizando a narrativa histórica numa totalidade inteligível. A epìsteme histórica está diretamente relacionada aos desdobramentos do enredo. Deste modo, o conjunto da história se faz inteligível, pois o enredo articula mimeticamente as dimensões temporais, cronológicas e configurantes da ação humana.

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História é, então a narrativa de fatos que estão presentes na memória do passado. Deste modo, a história narrativa difere em muito da linguagem comum que repousa sobre a fabulação direta e imediata, pois a narrativa histórica é uma narrativa extremamente construída. Este é o indício de que o tempo não pode dar-se diretamente, e de que ele exige inscrição. “O que nós escrevemos, o que nós inscrevemos, é o noêma do dizer. É o significado do acontecimento enquanto palavra e não do acontecimento enquanto acontecimento.” 6 O elo de ligação da história e a compreensão narrativa é

apenas indireta, devido à metodologia das ciências históricas que conduzem a reativação das fontes narrativas da historiografia. Estas retransmissões, na teoria ricoeuriana, são os conceitos de imputação causal singular que o enredo trabalha através das entidades de primeira classe que são os povos, as nações, as comunidades, as civilizações, que representam os quase-personagens, e finalmente do acontecimento histórico que nas multiplicidades dos tempos da história, são um quase-acontecimento resultante do ecletismo da narrativa.

Ricoeur apresenta então os dois campos opostos que se enfrentam na teoria da história de modo não dialético. Nesse ponto a história deve contentar-se, a maior parte das vezes, com um esboço explicativo, uma explicação incompleta que precisa ser terminada, recusando a determinação de leis gerais, universais da história. Primeiramente, existem os historiadores que defendem que o método histórico se refere às ações humanas regidas por intenções e motivos e que por isso, é necessário compreender as intenções. Assim, essa compreensão diferente do conhecimento objetivo das ciências da natureza não é possível sem uma auto-explicação do próprio historiador, da sua subjetividade. O lado oposto consiste dos historiadores que defendem a explicação na história segundo o modelo da explicação nas ciências da natureza. Desta forma, a história parece oscilar entre uma verdadeira ciência e uma explicação popular, isso por que suas leis, a maioria não formuladas, são elas própria regularidade de nível variado quanto à seriedade cientifica. Ricoeur procura ultrapassar essa problemática, observando que a fragilidade científica da história reside completamente na fragilidade epistemológica das leis gerais alegadas ou tacitamente admitidas.

Ricoeur afirma então que na história há um elo de continuidade lógica, absolutamente específico que deve ser contingente e aceitável, razoável, inteligível.

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Para ele, seguir uma história é uma atividade absolutamente específica pela qual se antecipa incessantemente, um curso posterior dos acontecimentos a um desfecho, e faz-se a correção adequadamente dessas antecipações até que elas coincidam com o desfecho real. Neste ponto é que há compreensão. Assim, uma teoria que apóie a compreensão no elemento narrativo da história permite fazer com mais facilidade a passagem da compreensão à explicação. Ao historiador cabe a tarefa de escrever, proceder a investigação dos documentos deixados pela humanidade, a partir destes narrar ao leitor os fatos acontecidos no passado. Neste trabalho interpretativo ele seleciona o grau de importância dos fatos a serem narrados de maneira subjetiva, elenca as ações importantes a serem narradas e ao escrever o texto há sempre a intenção que tenta convencer o leitor do sentido que pretende expressar e o leitor identifica-se com a subjetividade do autor presente no texto.

Paul Ricoeur afirma que a subjetividade é presumida, exigida e adequada à objetividade do texto histórico, acrescentando sentido ao texto. “Ainda esperamos da história que ela faça aparecer uma outra subjetividade que não a do historiador que produz a história, uma subjetividade que seria aquela mesma da história, que seria a própria história.” 7 Deste modo, o leitor vivencia o texto interpretando-o, e tal

interpretação de texto é sempre um processo dialético e conflituoso, relacionando o ato de ler e a multiplicidade de sentidos que o texto histórico possibilita. “Preciso da história para sair de minha subjetividade privada e experimentar em mim mesmo e para além de mim mesmo o ser-homem”. 8 Esta interpretação do texto é um ato particular e

circunscrito ao âmbito da compreensão e da subjetividade do leitor que se identifica no texto e se posiciona em relação ao fato histórico relatado. Apropria-se daquela realidade fictícia e transforma-a num mundo para si, e assim, o mundo físico e o mundo fictício se entrecruzam e o leitor vivência o mundo do texto.

Considerações finais

Em linhas gerais o que confirma a hipótese de que o leitor é incapaz de chegar ao que o autor do texto pretende expressar se evidencia pela influência da sua interpretação. Da diversidade das interpretações provenientes da multiplicidade e da diversidade dos homens, das comunidades, das civilizações, da estrutura sintática dos enunciados, da complexidade semântica da expressão, do conjunto de crenças e valores

7 História e verdade p.35 8 História e verdade p.37

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que pautam a conduta, da vivência temporal da realidade histórica, faz com da tradução lingüística da realidade daquele que escreve seja transfigurada no momento de entendimento daquele que lê. Esta situação paradoxal da escrita caracteriza sua complexidade, somente na ambigüidade que se percebe o pluralismo do drama histórico. A História nunca contínua se apresenta em rupturas, inovações, contradições que lhe são próprias. O passado percebido não somente enquanto idéia, num limiar hermenêutico apenas vislumbrado, mas jamais atingido de um esforço de coesão sempre mais vasto e complexo, exprime o desejo de compreensão racional para estabelecer uma racionalidade no todo da história. Esta relação entre o mundo do texto e a realidade do leitor amplia a sua subjetividade, condiciona a sua percepção da narrativa, a apropriação da linguagem simbólica da ação e do tempo. Paul Ricoeur é categórico ao afirmar que o comportamento e a vivência temporal do intérprete são alterados tanto mais quanto a obra ecoar em sua mente. A construção de um mundo imaginário do texto possibilita o distanciamento necessário à revelação e transformação da vivência quotidiana do leitor, fazendo-o vivenciar o texto e perceber os vários sentidos que o texto possibilita devido aos fatores que influenciam a sua interpretação, tornando assim improvável que este chegue a intenção que o autor deseja expressar.

REFERÊNCIAS

RICOEUR, P. História e Verdade. Rio de Janeiro: Forense Universitária,1968. RICOEUR, P. A Metáfora Viva. São Paulo: Loyola, 2000.

Referências

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