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LIBERDADE SOB CONTROLE: LEI DE EMANCIPAÇÃO E FAMÍLIAS ESCRAVAS. 1. A Lei do Ventre Livre: de Portugal e Algarves ao Império do Brasil

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LIBERDADE SOB CONTROLE: LEI DE EMANCIPAÇÃO E FAMÍLIAS ESCRAVAS

Cátia da Costa Louzada de Assis∗

1. A Lei do Ventre Livre: de Portugal e Algarves ao Império do Brasil

Aos dois dias do mês de junho de mil oitocentos e setenta e dois, o vigário Belisario Cardoso dos Santos batizou, na Matriz de Nossa Senhora do Desterro do Campo Grande, uma criança de cor preta que recebeu o nome de Benedicta. Nascida em quinze de maio do mesmo ano, a menina era filha legítima de Gonçalo e Margarida, escravos dos herdeiros do capitão Manoel Fernandes Barata. Filha de mãe escrava, Benedicta nascera, entretanto, de condição livre, conforme determinava o artigo 1º, da Lei nº 2.040, aprovada a 28 de setembro de 1871.

Resultado de discussões iniciadas em fins do ano de 1865 quando, segundo Sidney Chalhoub, o imperador “d. Pedro II solicitou (...) ao futuro marquês de São Vicente, que realizasse estudos preliminares e elaborasse propostas de ação legislativa visando à emancipação dos escravos”, a Lei nº 2.040 tornou-se mais conhecida como Lei do Ventre Livre, em alusão àquela que teria sido sua determinação mais polêmica (CHALHOUB, 2003: 139). Dizia o artigo 1º que os filhos de escravas, nascidos a partir da data da Lei, seriam considerados de condição livre. Por meio desta medida o Estado imperial extinguia o princípio de que “o parto segue o ventre” – ou seja, de que os filhos e filhas de escravas seriam também escravos e, como tal, pertenceriam aos proprietários de suas mães – herdado do Direito Romano e imiscuía-se na exclusividade que os senhores detinham até então de outorgar a liberdade aos seus cativos (PENA, 2001: 91; CAMPOS, 2003: 50-3).

A proposta teria não apenas cultivado insatisfações senhoriais quanto aos rumos políticos da escravidão mas também cisões entre os próprios responsáveis pela matéria, muitos dos quais proprietários de terras e escravos. Quando de sua discussão no legislativo, Robert Conrad verificou, por meio da análise dos votos contrários e favoráveis à aprovação da Lei do Ventre Livre, uma disputa entre as províncias opondo, grosso modo, as regiões produtoras de café e o Município Neutro, de um lado, e, de outro, aquelas regiões onde a

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perda da força de trabalho escravo talvez resultasse em um impacto econômico menos significativo. Ainda segundo Conrad, as discussões sobre a liberdade dos filhos das escravas não se restringiram aos limites do parlamento e “os oponentes e defensores da reforma usaram de todos os meios razoáveis para fazerem prevalecer suas opiniões” por meio de publicações, reuniões, discursos públicos e envio de petições à Câmara e ao Senado (CONRAD, 1978: 114-7).

A geração de descendentes livres em ventres de mulheres cativas não foi uma invenção do conjunto de leis antiescravistas do Brasil do século XIX. Um alvará régio publicado em Portugal em 16 de janeiro de 1773 concedia liberdade aos escravos de terceira geração – aqueles cujas avós e mães houvessem sido cativas – nascidos a partir de então. Mandava ainda que fossem libertados aqueles cujas bisavós houvessem sido escravas e que todos os beneficiários da lei fossem considerados “hábeis para todos os ofícios, honras e dignidades sem a nota distintiva de libertos”. (SILVA, 2001: 108;146)

O Alvará, que dispunha sobre a liberdade de cativos no Reino de Portugal e Algarves, teve repercussões na América portuguesa. Segundo o historiador Luiz Geraldo Silva notícias sobre a “nova lei” chegaram ao conhecimento de “negros e mulatos, escravos e libertos na Capitania da Paraíba no mesmo ano de 1773”, poucos meses depois de sua publicação. Ao analisar os efeitos da propagação do texto da Lei nesta região, Silva verificou que suas determinações constituíram-se em fontes de controvérsias já que sua aplicabilidade não se estendia às possessões ultramarinas na América frustrando, portanto, as “esperanças de liberdade” dos cativos que eventualmente acreditassem que seriam beneficiados e “fazendo crescer entre senhores e autoridades coloniais o temor em relação a ‘conventículos’ e ‘conciliábulos’ que pudessem resultar numa revolta” (SILVA, 2001: 125-6).

A circulação de informações sobre a libertação de escravos no Reino e suas possíveis consequências deletérias no ultramar preocuparam as elites dirigentes que se empenharam para desfazer qualquer mal-entendido quanto à abrangência geográfica da lei de 1773. Mas, em demandas específicas, a mesma legislação poderia ser utilizada por autoridades coloniais em favor dos homens de cor. De acordo com a historiadora Priscila Lima, um novo bispo chegado à cidade de São Paulo em 1774 proibiu a atuação do músico Antonio Manso nas igrejas por ser este “mulato e operário”. A proibição mereceu a atenção do governador da

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capitania de São Paulo, D. Luiz Antonio de Souza, que interveio a favor do músico e escreveu ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Mello e Castro, dando conta dos transtornos causados pelo impedimento alegando que “o dito Manso nem consta que seja mulato, nem o parece nas cores, nem ainda que o fosse, se lhe devia imputar este defeito em virtude das novíssimas leis de sua majestade”(LIMA, s/d, p. 3).

A extinção de restrições políticas e sociais vivenciadas pelos homens livres de cor teria sido o fator que mais contribuiu, segundo Luiz Geraldo Silva e Priscila de Lima, para a disseminação da Lei de 1773 na colônia portuguesa na América, não apenas pela recorrência das autoridades ao dispositivo, de acordo com suas conveniências, mas principalmente pela agência daqueles que seriam seus principais candidatos a beneficiários, interessados nas possibilidades de ascensão social abertas pelo mecanismo legal. (LIMA, s/d, p. 3; SILVA, 2001: 130). ‘’

O Alvará de 1773 dava continuidade ao processo de banimento da escravidão no Reino, iniciado pelo Alvará de 19 de setembro de 1761 que determinava o fim do tráfico de escravos, coadunando-se com os ditames da modernidade e civilização das “Cortes polidas” com as quais os governantes portugueses almejavam equiparar-se. Afinal, na França cujo “o próprio nome [...] significava liberdade”, já estava consumada, por meio do direito costumeiro, a noção “de que todo escravo que entrasse naquele reino deveria ser libertado” e entre os ingleses na Europa e nas colônias Americanas já eram conhecidas desde a primeira metade do século XVIII ideias abolicionistas que viriam a embasar posteriormente os movimentos pelo fim da escravidão. (PEABODY; GRINBERG, 2007: vii; 3; LIMA, 2011: 61-2)

A despeito das possíveis insurreições e demais querelas que as interpretações dos Alvarás e Avisos em favor da liberdade e do fim das interdições à população de cor ao acesso a posições de maior prestígio social e participação política formal pudessem suscitar, não apenas na Paraíba mas também em outras regiões da América portuguesa, e também entre escravos, leis antitráfico e emancipacionistas, incluindo a liberdade dos ventres das escravas e regulamentando o nascimento de crianças como Benedicta, somente teriam lugar no século XIX, na então ex-colônia portuguesa na América já transmutada em Império.

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2. Antiescravismo sob controle: uma ideia que virou lei

Antonio Penalves Rocha aponta a inexistência, ou pelo menos desconhecimento, “de um antiescravismo genuinamente brasileiro durante a segunda metade do século XVIII, período este das primeiras manifestações de condenação da escravidão principalmente na França, na Inglaterra e nos Estados Unidos.” Segundo este autor o alinhamento de Estado, Igreja e senhores na defesa de interesses escravistas e da manutenção de hierarquias sociais, associado à proibição de tipografias no Brasil e “limitações impostas pela censura”, teria funcionado como impeditivo à propagação de ideias que advogavam contra a escravidão. Somente no início do século XIX é que escritos considerados antiescravistas e nos quais se identificam traços da Ilustração começariam a tomar corpo no Brasil.1

Emília Viotti da Costa também já havia destacado que foi em textos produzidos na primeira metade do século XIX – e que versavam primordialmente sobre a cessão do tráfico e a utilização do trabalho de imigrantes –, que a intensificação de “argumentos antiescravistas” sob a influência dos ideais da Ilustração europeia teria encontrado um campo mais profícuo. Conquanto tenha considerado o trabalho de Manoel Ribeiro da Rocha pelo viés de crítica Ilustrada à escravidão, ainda no século XVIII, Viotti da Costa pondera que não houve, naquele contexto, receptividade às ideias do padre letrado, ao contrário do século seguinte, quando “a geração da Independência, cujos líderes se formaram na maioria, em contato com a cultura europeia, impregnava-se de um verniz de teorias correntes na Ilustração” (COSTA, 1998: 391-2).

Penalves Rocha inicia sua associação entre antiescravismo e Ilustração pelo trabalho de João Severiano Maciel da Costa, publicado em 1821, sob o extenso título de Memória

sobre a necessidade de abolir a introdução de escravos africanos no Brasil, sobre os modos e

condições com que esta abolição se deve fazer e sobre os meios de remediar a falta de braços que ela pode ocasionar. Mesmo reconhecendo a escravidão como uma prática desumana,

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Os trabalhos referidos pelo autor são: Memória sobre a necessidade de abolir a introdução de escravos africanos no Brasil, sobre os modos e condições com que esta abolição se deve fazer e sobre os meios de remediar a falta de braços que ela pode ocasionar (1821) – João Severiano Maciel da Costa; Memórias economo-políticas (1822) – Antonio José Gonçalves Chaves; Representação à Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil sobre a escravatura (1825) – José Bonifácio de Andrada e Silva e Da Liberdade do Trabalho (1851) – José da Silva Lisboa (ROCHA, 2000: 40).

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Maciel da Costa justificava o tráfico como uma forma de livrar o africano da barbárie em que vivia em sua terra natal e afirmava que, a violência praticada por alguns senhores contra seus escravos era punida por lei quando excessiva e insignificante, pois a maior parte dos proprietários “dispensam todos os cuidados necessários aos escravos” posto que representam “uma parte principal de suas fortunas”. Para o autor, entretanto, a necessidade de extinguir o tráfico derivava do fato de a escravidão representar um entrave ao desenvolvimento econômico e do perigo do aumento do número de cativos, necessariamente inimigos da “classe livre”. O trabalho de Maciel da Costa é um exemplo, pelo que se depreende da análise de Antonio Rocha, de um antiescravismo institucionalizado, posto em pauta por homens letrados que participavam do governo monárquico – cuja maioria manteve posições na política imperial – e caracterizado pela “especificidade que as ideias antiescravistas da Ilustração europeia adquiriram na sociedade brasileira”, ou seja, a produção de um “antiescravismo [...] assimilado por alguns letrados ligados ao governo, os quais se limitaram a pleitear reformas da escravidão a serem efetuadas pelo Estado em benefício da sua própria conservação e da prosperidade nacional, visando garantir a preservação do status quo da elite” (ROCHA, 2000: 39-40; 64).

Escritos como os de João Severiano Maciel da Costa discorriam, pelo que mostra Emília Viotti da Costa, sobre as vantagens do trabalho livre, ponderando, entretanto, que se males econômicos, sociais e morais havia na continuidade do tráfico e na consequente reprodução do sistema escravista, estes não poderiam ser extirpados de imediato a fim de evitar um colapso de mão-de-obra. A extinção do tráfico deveria ser gradual e concomitante com o incentivo ao trabalho livre de colonos europeus, indígenas e até mesmo africanos, além de cuidarem os senhores de melhorar o tratamento dispensado aos escravos, pois assim esperava-se contar com sua maior dedicação ao trabalho, além da elevação de sua expectativa de vida e o uso de sua força de trabalho por mais tempo (COSTA, 1998: 392-99). Se o trabalho escravo entravava a prosperidade econômica porque cativos não teriam interesse em aprimorar-se em suas tarefas, sua extinção deveria ser providenciada com a devida cautela, mantendo-se a inserção de novos africanos por um período de tempo suficiente para garantir a reprodução interna do cativeiro até que outras soluções para substituição da mão-de-obra estivessem encaminhadas.

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Em sua Representação à Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do

Brasil sobre a Escravatura, José Bonifácio de Andrade e Silva admitia que a extinção do tráfico deveria ser planejada. Para ele, entretanto, o tempo necessário para isso seria de quatro ou cinco anos, período muito mais curto do que os mais de vinte anos estimados por João Severiano Maciel da Costa (COSTA, 1821: 38-9; SILVA, 2000: 33). Também de inspiração Iluminista, as propostas de Bonifácio não ficaram, porém, restritas à questão do tráfico. A

Representação continha muitas das medidas expressas na Lei de 1871 – embora não seja possível afirmar terem aí sua origem – como o direito ao uso do pecúlio para a compra de alforria, a proibição de separação de famílias, a emancipação gradual daqueles tornados cativos até a efetiva abolição do comércio de escravos e a moderação dos castigos físicos. O projeto de Bonifácio possuía trinta e dois artigos que seriam apresentados à Assembleia Constituinte com vistas a discussões para transformá-lo em lei, caminho pelo qual acreditava seu autor ser possível promover mudanças sociais (COSTA, 1998: 398; SILVA, 2000: 32; ROCHA, 2000: 50-2; DAWE, 2004: 36).

A liberdade do ventre foi o maior ponto de discórdia nas discussões que antecederam a aprovação da Lei de 1871, posto que considerado um ataque frontal aos direitos de propriedade cujos efeitos deletérios não poderiam ser aplacados pelo pagamento de indenizações (CONRAD, 1978: 119). A gênese de sua inserção no contexto das propostas para o tratamento dos escravos no Brasil talvez possa ser creditada à Memória analítica

acerca do comércio de escravos e acerca da escravidão doméstica, publicada por Frederico Leopoldo Cezar Burlamaqui, em 1837. A obra, baseada e muitas vezes copiada, conforme informa seu autor, no Tratado de Legislação, de Charles Comte, foi produzida para ser apresentada em um concurso promovido pela Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional no Rio de Janeiro com o objetivo de estimular trabalhos sobre os efeitos nocivos da escravidão e os meios para suprimi-la (BURLAMAQUI, 1837: 7-8). Nela são reiterados os argumentos da menor rentabilidade do trabalho escravo em comparação ao livre e da emancipação gradual, iniciada pela libertação dos filhos das escravas. Contudo, diferentemente do que foi estabelecido na Lei de 1871, os filhos das escravas somente seriam considerados livres a partir dos 25 ou 30 anos de idade, caso fossem homens e aos 20 ou 25 em se tratando de mulheres (COSTA, 1998: 404-5).

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Decerto, outras memórias, projetos, panfletos, manifestos, acerca da escravidão no Brasil e propostas para extinguí-la foram produzidos no século XIX. Muitos, provavelmente, sob a inspiração do pensamento ilustrado identificado nos trabalhos de João Severiano Maciel da Costa, José Bonifácio e Frederico Burlamaque. Ilustração esta, entretanto, que adquiriu novos contornos no contexto de especificidades do Império brasileiro haja vista o destaque dado, segundo Antonio Penalves Rocha à exceção da Representação de Bonifácio, às consequências nefastas da escravidão sobre o desenvolvimento econômico mas que poderiam acarretar maiores transtornos no caso de uma abolição imediata. Os mesmos interesses econômicos que pareciam justificar o encaminhamento do fim do tráfico de escravos também eram acionados para justificar a necessidade de sua manutenção por mais algum tempo, adequando o pensamento ilustrado às razões de Estado (CARVALHO, 1999; ROCHA, 2000: 61).

Em 1850, sob pressão britânica, o tráfico atlântico finalmente seria abolido. Na década seguinte, a libertação de escravos em regiões do Império português, nas colônias francesas, a Guerra de Secessão e a insistência da diplomacia britânica pelo fim da escravidão teriam concorrido para uma maior atenção do governo imperial para a questão resultando, em 1865, na solicitação de um projeto para a emancipação por parte do próprio Imperador (CONRAD, 1978: 88-90). Tais acontecimentos em conjunto com o “quadro de crise institucional aberto com a Guerra do Paraguai”, criaram, de acordo com Ricardo Salles, “o ambiente necessário para aprovação da lei em 1871”, com o Estado Imperial na vanguarda em face da inevitabilidade do fim da escravidão (SALLES, 2008: 68).

3. Lei de Emancipação e famílias escravas

No ano de 1876, os escravos Amaro, 61 anos, Marianna, 52 anos, Ignacia e Desiderio, de 20 e 6 anos de idade, respectivamente, foram selecionados para receberem a alforria pelo Fundo de Emancipação. Pertenciam todos a D. Maria Telles Cosme dos Reis, domiciliada na Freguesia de Jacarepaguá, no município da Corte, e além de servirem à mesma senhora, tinham em comum laços de parentesco: Amaro e Marianna eram casados e pais de Ignacia, mãe solteira de Desiderio. Juntamente com outros 226 indivíduos, eles faziam parte do primeiro grupo de cativos residentes na Corte a serem libertados por meio do disposto no

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artigo 3º da Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871, que criava um fundo, cujos recursos provenientes de “impostos, doações, loterias e multas impostas pela infração da própria lei” seriam utilizados para pagamento de alforrias de cativos (ABREU, 2002: 468-72).

Cada município do Império devia instituir uma junta de classificação, composta pelo Presidente da Câmara, o Promotor Público e o Coletor da Fazenda Pública, que seria ainda o responsável pela administração do Fundo de Emancipação. Participaria também da classificação um escrivão do Juízo de Paz, cuja função seria registrar as atividades da junta em livros próprios para este fim, fornecidos pelo Ministério da Agricultura. Os recursos do Fundo seriam distribuídos, considerando-se a proporção de escravos existentes no Município Neutro e nas províncias, cabendo aos respectivos presidentes destas a divisão entre seus municípios e freguesias.

A prioridade de classificação para as alforrias pelo Fundo de Emancipação foi dada às famílias e, de acordo com os critérios definidos, seriam libertados primeiramente os cônjuges pertencentes a diferentes senhores, seguidos por aqueles com filhos ingênuos, com filhos livres menores de vinte e um anos, com filhos menores escravos, as mães com filhos menores escravos e, por fim, cônjuges sem filhos menores.

A família escrava seria caracterizada, de acordo com os critérios do Fundo, pelo núcleo formado a partir do marido e da esposa, mas também pelas estruturas matrifocais. A identificação destas famílias em documentos produzidos no século XIX parece-nos significativa se lembrarmos que a família escrava passa a figurar na historiografia brasileira apenas a partir dos anos de 1980, inexistentes ou anômicas que foram nas análises empreendidas sobretudos pelos autores da chamada Escola Sociológica Paulista a partir de interpretações, em grande medida, apoiadas em relatos de viajantes estrangeiros.

As famílias escravas que encontramos nos documentos produzidos pelas atividades relacionadas ao Fundo de Emancipação talvez não o fossem stricto sensu, pois tratavam-se em muitos casos de famílias mistas, formadas por indivíduos cativos, libertos e livres. Entretanto, entendemos que embora nem todos os seus membros fossem juridicamente escravos, foi a sua vinculação com a escravidão por meio de pelo menos um deles que as tornaram cognoscíveis por meio do Fundo de Emancipação. Ademais o vínculo de alguns

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com o cativeiro possivelmente restringia a liberdade dos outros, legalmente libertos ou nascidos livres, atingindo a todos com o indelével traço da escravidão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABREU, Martha. Lei do Ventre Livre. In: VAINFAS, Ronaldo (Dir.). Dicionário do Brasil

Imperial. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002, p. 468-72.

CHALHOUB, Sidney . Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

______. Machado de Assis, historiador. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil: 1850-1888. 2ª ed. Trad. Fernando de Castro Ferro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.

COSTA, Emília Viotti. Da senzala à colônia. 4ª ed. São Paulo: UNESP, 1998.

DAUWE, Fabiano. A libertação gradual e a saída viável: os múltiplos sentidos da liberdade pelo fundo de emancipação de escravos. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2004.

FLORENTINO, Manolo. Alforrias e etnicidade no Rio de Janeiro oitocentista: notas de pesquisa. Topoi: Revista de História. Rio de Janeiro, v. 3, n. 5, p. 9-40, jul./dez. 2002. LIMA, Priscila de. O alvará de 16 de janeiro de 1773 e o status dos homens livres de cor

na América portuguesa – segunda metade do século XVIII e início do XIX. [Curitiba]:

[s.n.: s.d.], p. 3. Disponível em: < http://people.ufpr.br/~cpghis/TextoseminarioPriscila.pdf>. Acesso em: 13 jan. 2013.

______. De libertos a habilitados: interpretações populares dos alvarás anti-escravistas na América portuguesa (1761-1810). Dissertação (Mestrado em História). Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná, Curitiba: 2011.

MATTOS, Hebe Maria. Das cores do silêncio: os significados da liberdade no Sudeste escravista – Brasil, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.

ROCHA, Antonio Penalves. “Idéias antiescravistas da Ilustração na sociedade escravista brasileira”. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 20, nº 39, 2000, p. 40.

SALLES, Ricardo. E o Vale era escravo. Vassouras, século XIX. Senhores e escravos no coração do Império. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

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