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Stephen J. Harrison

por Tiago Bentivoglio e Sofia Nestrovski

entrevista

no universo das letras, a área dos área dos estudos clássicos cos-tuma ser aquela na qual imaginamos com maior frequência que tudo já foi dito. E com razão: são mais de dois mil anos de crítica sobre os mesmos textos, o que soma milhares de livros sobre Homero, Sófocles, Virgílio e os outros grandes nomes do passado. Paradoxalmente, nunca se produziu tanto quanto nas últimas décadas a respeito de literatura clássica. Em conversa com Stephen J. Harrison, professor de Latim da Universidade de Oxford (Corpus Christi College), comentamos as diferentes leituras dos clássicos - realizadas tanto dentro das uni-versidades quanto pelo público não acadêmico — e a maneira pela qual as séries de televisão e adaptações teatrais da literatura antiga podem enriquecer a nossa experiência de lê-los. Abordamos também as mudanças na crítica proporcionadas pelos estudos feitos fora das universidades europeias, pensando um lugar para o Brasil nesse pano-rama. Por fim, exploramos a retomada dos autores clássicos na poesia contemporânea de língua inglesa, especialmente na obra de Anne Carson, poeta e ensaísta canadense que tem feito traduções e adapta-ções de poesias gregas e latinas.

Cisma: Em um artigo recente de Mary Beard1, publicado no

New York Review of Books, a autora diz que a nostalgia por uma “idade de ouro” dos estudos clássicos tem sido presente desde quan-do a Renascença começou a recuperar textos gregos e romanos. Ela afirma que não estamos vivendo um período de decadência, como a maioria das pessoas imagina, e que o número absoluto de acadêmicos que estudam a literatura clássica aumentou, embora o número relativo tenha diminuído. Você concorda com ela?

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Stephen J. Harrison: Sim, eu acredito que ela está certa. Ela é uma pessoa bastante sensata, sempre diz coisas interessantes. Eu acho que o conhecimento e o consumo do material clássico estão, de certa maneira, sendo mais difundidos agora do que nunca – parcialmente por meio de traduções e de programas populares de televisão –; os clássicos estão sempre presentes nos canais de televisão do meu país e no teatro, com produções e versões de peças gregas. Então eu acredito que sim: nós estamos em uma época na qual menos pessoas sabem gre-go e latim, porém mais pessoas estão interessadas no mundo clássico. E eu acredito que isso tem, em parte, mais a ver com o modo através do qual os clássicos descolaram-se do que o que as pessoas naturalmente tinham em sua educação (coisas chatas que você tinha que fazer), para algo que você escolhe fazer, e do qual você pode ser entusiasta. Vejo que isso é verdade através da minha própria vida: eu estava na escola na década de 1970, quando ainda se estudavam os clássicos. Eu acho incrível que agora as pessoas venham para os clássicos não por necessidade, mas por entusiasmo. É muito interessante ver como os clássicos estão crescendo nas universidades do Brasil.

C: Como você disse, os estudos dos clássicos parecem ter encontrado uma nova vida fora da Europa. O número de acadêmicos nessa área cresceu significativamente aqui no Brasil, por exemplo. De que forma isso pode ter algum efeito na área acadêmica?

SJH: Eu acredito que isso tratá um efeito positivo para a área, pois o estudo dos clássicos tem sido principalmente comandado pelos velhos países europeus, pelos Estados Unidos e pelos países do velho Império Britânico: se você vai para a Austrália, Nova Zelândia ou Canadá, eles estudam os clássicos, porque isso foi exportado pelos britânicos. Eu acho excelente que países como o Brasil estejam expandindo os estudos clássicos, pois eles podem dar uma nova perspectiva. Particularmente no Brasil, vocês têm interesses em his-tória política e hishis-tória colonial, e eu acredito que possam trazer uma nova visão para as ideias sobre império e colonização. E, além disso, acho que as pessoas que estudaram literatura no Brasil têm necessariamente um ponto de vista diferente daquelas na França, Alemanha, Itália ou Inglaterra. Eu fiquei espantado nas minhas palestras, em Campinas, como os estudantes, com suas perguntas, veem por diferentes pontos de vista. Nós tivemos um intercâmbio

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muito interessante sobre como lemos literatura. Então, acredito que as diferenças culturais de um país como o Brasil podem contribuir para os estudos clássicos internacionalmente e podem enriquecer nossa área dando novas e interessantes interpretações.

C: Até que ponto é suficiente ler os clássicos em traduções? Será somente para especialistas a leitura desses textos na língua original?

SJH: Bem, eu acredito que você pode tirar o maior proveito destes textos lendo-os na língua original. Contudo, você ainda pode ter um acesso bastante satisfatório a uma história clássica traduzi-da. Isso depende do texto, em parte. Em textos narrativos como, por exemplo, a Eneida ou os poemas homéricos, é possível obter a maior parte do efeito em uma tradução, pois são obras bastante extensas. A ênfase está na trama e na história. Já em um curto poema lírico, será mais difícil reproduzir todo o efeito na tradução. Mas eu acredito que vale a pena. As traduções são um modo maravilhoso de disponibilizar esse conjunto de obras para várias pessoas. E, no Brasil, eu acredito que estamos numa época muito promissora, pois muitos dos clássicos ainda esperam para ser traduzidos, e eu sei que, nos mestrados aqui, vocês fazem traduções para o português de textos que nunca tinham sido traduzidos antes. Do meu ponto de vista, isso é muito empolgante, pois tudo, tudo mesmo, já foi traduzido para o inglês. É bastante incomum encontrar isso.

E, claro, as traduções são parte da literatura vernácula. As traduções têm seu espaço próprio dentro da literatura inglesa, brasileira, portuguesa etc. Elas são autônomas como textos literários, o que é, de uma certa forma, separado de sua função como tradução. Por exemplo, o famoso poeta Alexander Pope fez uma tradução de Homero que é tanto um poema do próprio Pope, de sua própria natureza, quanto uma tradução de Homero para o inglês. Eu acredito que as traduções têm uma função dupla: elas dão uma versão do texto para o leitor que não conhece a língua original e se tornam obras literárias por si sós. Nesse sentido, elas fazem mais que o texto original, pois elas têm essa dupla função. Mas eu diria que, para mim, a verdadeira experiência de ler um texto clássico é lê-lo na língua original, porém, reconheço que, de certa forma, estará acessível somente a especialistas e que nós precisamos ampliar a apreciação dos clássicos produzindo traduções, e boas traduções, feitas por acadêmicos que conheçam as línguas e que

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saibam escrever. É uma parte muito importante do nosso trabalho. Eu faço pouca tradução, mas reconheço que é muito importante e gostaria de fazer mais.

C: Quando lemos a introdução do livro Living Classics, você parece apontar para o fato de que os clássicos encontraram nova vitalidade nas últimas décadas devido ao trabalho feito fora das universidades. Seria adequado afirmar que a crítica acadêmica dos clássicos está perdendo seu vigor?

SJH: Sim e não. Na presente situação, os clássicos não estão crescendo somente fora das universidades, mas os trabalhos feitos nas universidades influenciam os trabalhos feitos fora. Por exemplo, os clássicos no teatro: nós temos várias produções de peças gregas, em traduções ou versões. Isso acontece fora da universidade, mas, frequentemente, você descobre que essas versões têm auxílios ou conselhos de professores de grego. Meu colega em Oxford, Oliver Taplin, é bastante conhecido por esse tipo de trabalho. Da mesma forma na poesia – eu já trabalhei com pessoas que fazem tradução de poesia latina. Eu diria que o aumento do interesse pelos clássicos fora da universidade frequentemente acompanha uma interação com a universidade. É verdade que, nos últimos cinquenta anos, o número de pessoas estudando clássicos caiu no meu país, mas eu acho que a preocupação geral com os clássicos nos meios artísticos – em filmes, teatro, televisão, ficção moderna e poesia – cresceu. E acredito que isso tenha a ver parcialmente com a interação entre literatura criativa e universidades. E, claro, há muitas pessoas na Inglaterra e nos Estados Unidos que trabalham nos dois lados.

C: Que posição a análise intertextual ocupa nos estudos clássicos? Considerando intertextualidade como, primeiramente, a relação entre textos gregos e latinos com textos modernos ou filmes, como você tem feito (Harisson é editor do livro Living Classic: Greece and Rome in Contemporary Poetry in English) e também pensando sobre o estudo dos textos clássicos em relação à grande quantidade de crítica e interpretações que foram feitas ao longo da história.

SJH: Você está pensando em intertextualidade como recepção. Eu acho isso muito interessante e tenho trabalhado bastante nisso nos últimos anos. Um dos motivos pelos quais eu acho isso realmente

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interessante é que, como pessoas estudando os textos clássicos no século xxi, tudo que fazemos é recepção. O que estamos fazendo é receber os textos gregos e latinos no nosso próprio tempo, com nossos próprios preconceitos e nossa própria mentalidade. Por exemplo, a famosa piada sobre T. S. Eliot e Shakespeare: “Como T. S. Eliot pode influenciar Shakespeare? Ele pode influenciar Shakespeare pois nossa visão de Shakespeare é influenciada por Eliot”. A questão sobre intertextualidade é que necessariamente a nossa visão dos clássicos é influenciada por tudo que nós já lemos sobre os clássicos e por todo o resto que já lemos, logo, inevitavelmente, nós não lemos os clássicos no vácuo. Nós temos essa experiência com toda uma série de recepções. Nós conhecemos várias formas de ver a recepção – em Living Classics eu tento olhar para a recepção criativa, para como escritores têm tomado as poesias grega e latina e feito novas poesias a partir delas.

Igualmente na crítica. Como acadêmicos estamos fazendo a mesma coisa. Nós estamos lendo estes textos através de um grande número de outros textos, os quais são diferentes para cada um de nós; cada um de nós terá um repertório diferente, como os teóricos da recepção dizem, uma diferente coleção de textos. Mas o que estamos fazendo é a mesma coisa: nós estamos lendo textos antigos através de uma série de textos novos. Eu acredito que isso é muito empolgante e interessante e nos faz muito mais conscientes do lugar de onde nossas atitudes e visões estão. Nós não nos aproximamos de um texto com uma tábula rasa; nós chegamos com uma série de expectativas e preconceitos que são influenciados por um grande número de fatores. E, se pudermos analisar esses fatores e perceber que temos certas bases, isso fará de nós melhores críticos.

C: Para finalizar esta entrevista, gostaríamos de voltar ao Living Classics, mais especificamente no capítulo sobre Anne Carson. No livro Nox, Carson se apropria do poema 101 de Catulo. Como você vê o trabalho dela, considerando a ideia de que ela opera com o elegíaco latino e faz com que este transmita algo realmente pessoal e íntimo para ela, isto é, resultando num paralelo entre o sofrimento de Catulo pela perda do seu irmão e a perda do seu próprio irmão?

SHJ: Eu acho que é uma reinvenção brilhante do original. Eu conheci Anne Carson, ela foi a Oxford, é muito inteligente, interessante e inusitada. Eu acho que nesse livro ela faz algo brilhante: ela recorta o

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texto e cria análises do latim, como um aceno para a análise acadêmica. Mas eu acho que você deve estar certa, que a motivação real do poema é lidar com sua dor pelo irmão morto. É exatamente o que acontece no original: o poeta lidando com sua dor através de meios poéticos. Ela está fazendo basicamente o que Catulo fez. Interessantes são as questões de escala: o poema original de Catulo tem dez versos, mas ela o expande através dessa técnica de caderno de rascunho para algo que é consideravelmente maior. Esse caderno é bastante comovente, pois são pedaços reais de sua história particular. No geral, nos seus outros trabalhos, ela não é do tipo de pessoa que fala muito sobre si própria. O que me surpreendeu nesse trabalho é que ela realmente está expondo sua vida, mas de uma maneira sofisticada, intelectual e intertextual. É uma combinação muito interessante. Eu acho que é uma nova orientação para ela, comparada aos seus outros trabalhos sobre Catulo, como as versões em Men in the off Hours, e, certamente, bastante diferente do seu trabalho sobre Safo, ou Simonides. Eu acho que este trabalho é muito mais tocante que os outros, então eu fico satisfeito em ver que ela partiu nessa nova direção.

nota

1. Inglaterra, 1955. Professora de literatura clássica em Cambridge e editora de clássicos do Times Literary Supplement. É autora de The Invention of Jane Harrison (2000) e The Parthenon (2002).

Referências

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