COLETA E ARMAZENAMENTO DE TRAJETÓRIAS: UM ESTUDO DE CASO APLICADO AO PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO DE CÃES-GUIA
Autores: Miguel Airton FRANTZ, Angelo Augusto FROZZA, Daniel de Andrade VARELA.
Identificação autores: Bolsista FAPESC Edital 02/2015;; Orientador IFC-Camboriú;; Co-orientador IFC-Camboriú.
Resumo
Este trabalho é parte de um projeto maior que propõe o acompanhamento da socialização de cães-guia através da coleta das trajetórias percorridas por um cão durante a socialização. O foco desse artigo é apresentar os artefatos de software desenvolvidos para a coleta e armazenamento de trajetórias brutas, que corresponde ao requisito básico para fazer a análise de trajetórias de cães guia. Para tanto, foram desenvolvidos um aplicativo para uso em dispositivos móveis (tablets e smartphones), um web service, além do banco de dados para persistência dos dados.
Palavras-chave: trajetória;; cão-guia;; socialização;; banco de dados.
1. Introdução
O processo de formação de cães-guias para cegos é realizado por meio de treinamentos que são divididos em várias etapas: seleção de animais compatíveis para a finalidade, socialização, treinamento específico para a função, adaptação do cão junto com o deficiente visual e a entrega do cão. A etapa de socialização consiste em um período de 15 meses, no qual o cão permanece junto a uma família socializadora voluntária, que deve utilizar esse tempo para iniciar o treinamento do cão, o expondo a situações do cotidiano e o levando para todos os lugares possíveis para que se acostume a diferentes ambientes (FERREIRA et al., 2015).
O IFC - Campus Camboriú possui um Centro de Formação de Treinadores e Instrutores de Cães-guia em nível de especialização, para o qual foram adquiridos inicialmente 40 cães, usados na primeira turma do Curso de Treinamento de Instrutor de Cão-guia (FERREIRA et al., 2015). Dada a grande quantidade de cães em processo de socialização, não é possível ter um acompanhamento mais preciso. Essa dificuldade deve ser multiplicada assim que outros seis centros de formação que estão em construção entrarem em operação.
Koda (2001) analisou o processo de socialização de cães-guia junto a famílias socializadoras, utilizando gravações de vídeos na casa da família. Buscou obter dados qualitativos sobre a socialização e examinou como o comportamento do cão se altera ao longo do período. Chur-Hansen et al. (2014), por meio de entrevistas, analisaram a experiência da família socializadora, que é voluntária. Conforme o estudo, o processo de socialização tem um impacto substancial na vida das famílias, sendo reportadas mais experiências negativas do que positivas.
Este trabalho é parte de um projeto maior que propõe o acompanhamento da socialização, mas com uma abordagem diferente: através da coleta das trajetórias percorridas por um cão durante a socialização. A coleta e o armazenamento das trajetórias percorridas pelo cão permitem que, após um processo de enriquecimento semântico (ALVARES et al., 2007), sejam produzidos indicadores que possam avaliar a qualidade da socialização que um cão específico teve. Somente a informação da
trajetória bruta já permite, através de algoritmos específicos, produzir informações úteis para dois tipos de indicadores: meios de transporte e distâncias percorridas. O enriquecimento semântico da trajetória permite pelo menos mais um terceiro indicador: os locais visitados. O foco desse artigo é apresentar os artefatos de
software desenvolvidos para a coleta e armazenamento de trajetórias brutas, que
corresponde ao requisito básico para fazer a análise de trajetórias de cães guia. Para tanto, foram desenvolvidos um aplicativo para uso em dispositivos móveis (tablets e
smartphones), um web service, além do banco de dados para persistência dos dados.
2. Material e métodos
Este projeto visa a coleta de trajetórias de cães-guia em processo de socialização e o armazenamento dessas trajetórias em uma base de dados, sobre a qual podem ser aplicadas técnicas de mineração de dados (datamining) com a finalidade de gerar informações para tomada de decisão e avaliação da qualidade da experiência de socialização. Assim, propõe-se o desenvolvimento de um aplicativo para captura dos dados de trajetórias brutas e a alimentação de uma base de dados com as trajetórias capturadas com dispositivos móveis (telefones celulares ou tablets). Para a primeira etapa deste trabalho foi realizada uma pesquisa bibliográfica, buscando identificar em livros, artigos e na Internet, trabalhos relacionados com o tema. Após o levantamento bibliográfico, esse conhecimento foi aplicado para desenvolver o sistema de coleta e armazenamento de trajetórias de objetos móveis. Foram implementados três módulos de software distintos, sendo eles:
1. Aplicativo móvel: utilizado para a coleta dos dados brutos. Desenvolvido utilizando o PhoneGap, um framework de código aberto que permite a criação de aplicativos híbridos usando padrões web (HTML5, CSS3 e JavaScript). Uma das vantagens consiste em permitir a compilação do projeto para uso nas principais plataformas do mercado, como: Android, iOS e Windows Phone;;
2. Web service: recebe as trajetórias coletadas pelo aplicativo móvel, realiza um pequeno tratamento nos dados e salva no banco de dados. Desenvolvido utilizando node.js, um interpretador JavaScript que funciona do lado do servidor;;
3. Banco de dados: local em que são armazenadas as trajetórias brutas coletadas. Utiliza o Sistema Gerenciador de Banco de Dados (SGBD) PostgreSQL para gerenciamento e manutenção das trajetórias capturadas.
Terminado o desenvolvimento dos módulos apresentados, os mesmos agora estão em fase de testes para que, em breve famílias socializadoras sejam convidadas a, voluntariamente, auxiliar na coleta das trajetórias, a fim de validar o sistema.
3. Resultados e discussão
Um grande volume de dados relacionados a objetos em movimento está disponível hoje em dia e esse volume tende a ser bem maior no futuro próximo, particularmente devido à coleta automatizada de dados de dispositivos móveis pessoais, como smartphones, tablets e outros (como GPS). Tal riqueza de dados, referenciada no espaço e no tempo, pode permitir novas classes de aplicações de elevado impacto social e econômico, desde que a descoberta de conhecimento consumível e conciso a partir desses dados brutos torne-se possível (SEEK, 2015).
A hipótese fundamental é que é possível auxiliar os cidadãos por meio da análise dos vestígios das suas atividades passadas, usando técnicas de extração de dados. Por exemplo, os padrões comportamentais derivados de trajetórias móveis permitem a dedução de informações sobre o fluxo de tráfego. Essas informações podem ser usadas de diversas maneiras, como: ajudar de forma eficiente pessoas em viajem, ajudar a gestão pública na tomada de decisão sobre o tráfego visando a mobilidade sustentável, além de ajudar na gestão de segurança. Padrões de comportamento podem ser extraídos através de um processo de descoberta de conhecimento, pelo qual os dados de posicionamento coletados a partir de dispositivos móveis são primeiro transformados em dados de trajetórias semanticamente enriquecidos e armazenados em um banco de dados (SEEK, 2015). A partir do início das atividades do Centro de Formação de Treinadores e Instrutores de Cães-guia (FERREIRA et al., 2015), observou-se que uma das demandas está em verificar a qualidade do processo de socialização. O resultado dessa socialização pode produzir um bom cão-guia, como também, pode levar um filhote com potencial genético adequado a não se adequar à etapa final do treinamento, culminando no descarte do animal. Tem-se, assim, o desafio de propor formas de melhor acompanhar este processo. Para tanto, neste projeto, são definidos três indicadores básicos, que podem ser extraídos das trajetórias: diversidade de locais que o cão frequentou, distâncias percorridas e meios de transporte utilizados.
Figura 1 – Tela do aplicativo para coleta de trajetórias (à esquerda) e modelagem do banco de dados do web service (à direita). (Fonte: o autor).
Na Figura 1 (à esquerda) pode-se ver um exemplo de tela da aplicação desenvolvida rodando em um smartphone. Esta tela pode ser considerada a principal parte da aplicação e é através dela que é efetuada toda a coleta das trajetórias, realizando capturas de pontos de latitude e longitude a intervalos de tempo pré- determinados. A tela é muito simples e intuitiva: tem-se um botão para “Iniciar” o passeio e um botão para “Finalizar”. Após iniciar a coleta, o botão iniciar transforma-
se em “Pausar/Retomar”. O botão finalizar, por sua vez, é responsável por enviar as trajetórias coletadas para o web service que grava as mesmas no banco de dados do projeto. O envio de dados para o web service ocorre somente quando o dispositivo possui alguma conexão com a Internet, caso contrário, as trajetórias são mantidas localmente no dispositivo até que alguma conexão seja identificada.
A modelagem do banco de dados para o sistema de coleta de trajetórias (web
service) é apresentada na Figura 1 (à direita). Nela tem-se os dados referentes ao
cão, ao socializador, aos dispositivos que esse socializador está utilizando e às trajetórias realizadas com o cão. Uma trajetória é composta por uma ou mais sub trajetórias e estas são formadas por um conjunto de pontos. Uma sub trajetória é criada quando o socializador realiza um trajeto sem interrupções, ou quando inicia um trajeto e este é interrompido, realizando uma pausa (BOGORNY et al., 2013). Cada reinício do trajeto cria uma nova sub trajetória, todas referentes à trajetória inicial. Um ponto se refere à localização que o dispositivo utilizado pelo socializador se encontra em um determinado momento. Os pontos são coletados (em intervalos de cinco segundos) e são compostos pelas informações de latitude, longitude e tempo.
Figura 2 - Telas de cadastro de socializador e de cão. (Fonte: o autor).
O web service foi desenvolvido utilizando node.js e fornece as interfaces necessárias para que o aplicativo móvel transfira de forma semiautomática os dados para o banco de dados. Para tanto, foi aproveitado o trabalho de Frozza e Meireles (2014) como referência. Também foram implementadas interfaces web para permitir o cadastro de socializadores e o cadastro de cães, conforme pode ser visto na Figura 3. As informações solicitadas são referentes às necessidades identificadas na modelagem do banco de dados apresentado na figura anterior.
4. Conclusão
Este artigo focou o desenvolvimento da infraestrutura necessária para a coleta e o armazenamento de dados brutos sobre trajetórias de cães-guia em processo de socialização. Essa infraestrutura é composta de três camadas distintas: um aplicativo móvel para coleta de dados de trajetórias, um banco de dados para persistência das trajetórias brutas e um web service que recebe as trajetórias capturadas e armazena
no banco de dados. Toda a infraestrutura está hospedada em um servidor do GEATI - Grupo de Estudos Avançados em Tecnologia da Informação, do IFC - Campus Camboriú. Ao final, as aplicações serão disponibilizadas para os envolvidos com a socialização de cães no Centro de Formação de Treinadores e Instrutores de Cães- guia do IFC-Camboriú e dos demais Centros em construção no Brasil.
O aplicativo permitirá o acompanhamento do cão no período de socialização, tanto por parte do centro de treinamento quanto por parte do próprio socializador. Neste sentido, como trabalhos futuros, serão definidas métricas de avaliação e monitoramento, como a distância ideal que um cão deve percorrer, os locais que são interessantes de se visitar, as atividades que o cão deve realizar, entre outras coisas. Identificando essas necessidades, a aplicação pode notificar o usuário ou algum responsável caso algo não esteja dentro das expectativas definidas, realizando assim, a correção de problemas de forma muito mais dinâmica e rápida.
Com o início da coleta de trajetórias, será possível a utilização das mesmas em um trabalho relacionado, que tem como objetivo desenvolver algoritmos para análise de dados sobre as trajetórias capturadas. Para tanto, será preparado um data
warehouse, que realiza uma primeira etapa de pré-processamento de dados, gerando
uma base de dados multidimensional sobre os dados brutos coletados, reduzindo a quantidade de dados necessários para as etapas seguintes. Na etapa de pré- processamento também está previsto o enriquecimento semântico das trajetórias (SEEK, 2015).
Este projeto tem o apoio do IFC e da FAPESC, através do Edital FAPESC 02/2015.
Referências
ALVARES, L. O. et al. A model for enriching trajectories with semantic geographical information. In: ACM INTERNATIONAL SYMPOSIUM ON ADVANCES IN
GEOGRAPHIC INFORMATION SYSTEMS, 15., 2007. Proceedings… New York, USA: ACM, 2007.
BOGORNY, V. et al. CONSTAnT - A Conceptual Data Model for Semantic
Trajectories of Moving Objects. Transaction in GIS, v.18, n.1, p.66–88, 05 fev. 2013. CHUR-HANSEN, A. et al. The Experience of Being a Guide Dog Puppy Raiser
Volunteer: A Longitudinal Qualitative Collective Case Study. Animals, 2014. p. 1-12. FERREIRA, L. A. et al. Projeto Pedagógico de Curso: Pós-graduação lato sensu, em nível de especialização de Treinador e Instrutor de Cães-guia. Camboriú: IFC, 2015. 46 p.
FROZZA, A. A.;; MEIRELES, G. C. Armazenamento de trajetórias de objetos móveis para a Plataforma UrbanMob. In: ESCOLA REGIONAL DE BANCO DE DADOS, 10., 2014, São Francisco do Sul - SC. Anais.... São Francisco do Sul: IFC/SBC, 2014. KODA, N. Development of play behavior between potential guide dogs for the blind and human raisers. Behavioral Processes, 2001. p. 41-46. [S.I].
SEEK - SEmantic Enrichment of trajectory Knowledge Discovery. Disponível em: <http://www.seek-project.eu/>. Acesso em: 31 out. 2015.