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EVIDÊNCIAS 24 CIÊNCIAHOJE VOL

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Academic year: 2021

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À CAÇA DE

À CAÇA DE

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C I Ê N C I A F O R E N S E

corpo de um homem é encon-trado dentro de uma banhei-ra com um tiro na cabeça.

Em sua mão, uma arma e, sobre seu peito, uma carta com suas últimas palavras, de despedida. Não há si-nais de arrombamento na casa nem pegadas no chão do banheiro. Uma cena que à primeira vista parecia um suicídio pode muito bem se revelar um assassinato sob o olhar atento de um perito criminal.

Com a ajuda do luminol, substância que reage com o ferro do sangue produzindo luz, o perito descobre que, na verdade, a cena foi limpa e que a vítima não foi morta quan-do estava deitada na banheira. Ao procurar por vestígios de pólvora na mão do morto, não encontra nada, o que prova que não foi ele quem disparou a arma. A carta de suicídio é enviada para o laboratório onde especialistas em análise de documentos descobrem que a tinta usada não é compa-tível com nenhuma caneta da vítima. Debaixo das unhas do morto, é encontrado um pouco de pele, um indício de que a vítima tentou se defender. Pronto, um exame de DNA desse material pode desvendar a identidade do assassino. Essa situação de fi cção, digna de séries policiais de te-levisão, não está longe da realidade. Com o auxílio de di-ferentes áreas do conhecimento, como química, física, biologia, computação e psiquiatria, a ciência forense é capaz de dar voz às evidências e solucionar os mais

com-plicados crimes e processos judiciais.

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Quando as células falam_

A genética é a área da ciência forense que mais tem avançado. Basta uma pe-quena amostra de sangue, saliva, pele ou sêmen para identifi car uma vítima ou um suspeito. “Os exames de DNA estão tão sofi sticados que hoje podemos fazer testes com amostras cada vez menores e também mais antigas”, conta o biólogo e perito judicial Eduardo Paradela, consul-tor científi co do Laboratório Vingene, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Uni-Rio). Um exem-plo disso foi a recente reviravolta que envolveu um crime ocorrido em Londres em 1910, quando o médico norte--americano Hawley Crippen foi condenado à forca por ter matado sua mulher. Na época, a esposa do médico desapareceu e a polícia julgou que ele a assassinara. A prova era um pedaço de pele, supostamente da jovem, en-contrado no porão da casa do casal. Agora, passados 100 anos, pesquisadores da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, fi zeram um teste de DNA comparando a pele com o material genético de parentes vivos da vítima e descobriram que o tecido era, na verdade, de um homem. Os pesquisadores norte-americanos analisaram o DNA mitoncondrial, que resiste mais tempo do que o do núcleo da célula. Esse tipo de material genético é passado de mãe para fi lhos e pode ser usado para determinar o parentes-co entre duas pessoas. Existem diversos outros tipos de exames de DNA, mas o mais comum nas investigações forenses é o que analisa o material do núcleo da célula. Ao contrário do que muita gente pensa, o exame não é feito com todos os genes de uma pessoa. Como os seres hu-manos compartilham muitas sequências genéticas iguais, os testes examinam apenas determinadas regiões dos

cro-Desvendar crimes e solucionar processos judiciais cada vez mais é uma tarefa da ciência. Com tecnologia

avan-çada e conhecimentos interdisciplinares, os peritos forenses de todo o mundo examinam vestígios em busca de

evidências. No Brasil, a ciência forense enfrenta problemas de infraestrutura e de falta de vontade política para

incorporar as técnicas produzidas no país ao dia a dia das investigações. Mas, ainda assim, pesquisadores

bra-sileiros desenvolvem métodos e instrumentos reconhecidos internacionalmente.

SOFIA MOUTINHO

Ciência Hoje/RJ

SPL DC/LA

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tição das bases nitrogenadas que compõem o DNA. Essas sequências são únicas em cada indivíduo.

A genética está tão avançada que já é possível iden- tificar características físicas de uma pessoa pelo seu ma-terial genético. Essa técnica inovadora foi desenvolvida por pesquisadores da Universidade Erasmus de Roterdã (Holanda) e utiliza marcadores genéticos específicos para revelar a cor natural dos olhos e do cabelo de uma pessoa. “Esses estudos são bastante relevantes para futuras aplicações forenses, pois podem dar pistas na busca das autoridades por um criminoso de identidade desconhe-cida”, explica um dos responsáveis pela nova técnica, o geneticista Manfred Kayser.

No Brasil, o teste de DNA é muito popular em proces - sos judiciais de reconhecimento de paternidade. Nas in-vestigações criminais, esse recurso é mais utilizado para a identificação de vítimas do que para caçar criminosos. Isso porque o nosso Código Penal garante que ninguém seja obrigado a produzir provas contra si mesmo. Assim, os suspeitos só fornecem material genético para compa-ração se quiserem. Em países da América do Norte e da Europa, as polícias mantêm bancos de dados com o códi - go genético de toda pessoa acusada de algum delito.

Apesar de ser amplamente usado como prova, o teste de DNA não é 100% infalível. “O DNA costuma ser apre-sentado como algo isento de erros e inclusive muitos juízes pensam que isso é verdade”, afirma o biólogo e perito ju-dicial do Rio de Janeiro André Smarra, professor da Uni-versidade Estácio de Sá. “Mas existem muitos casos de contestações judiciais e invalidação de exames.” Os prin-cipais fatores que podem influenciar no resultado do teste são a contaminação das amostras e erros de estatística.

Certeza na ponta dos dedos_

A mais antiga e conhecida ciência forense é a papiloscopia, que estuda as saliências da pele do pé, mãos e dedos: as famosas impres-sões digitais. Os pequenos desenhos que temos nos dedos são considerados o meio mais preciso de identificação, pois cada indivíduo, até gêmeos idênticos, tem um padrão úni-co de linhas, formadas ainda na barriga da mãe.

As impressões digitais são a forma de identificação ofi-cial da maioria dos países, entre eles o Brasil. Ao se encon-trar um corpo abandonado, a comparação das suas digitais com as do banco de dados do país é a primeira ferramenta usada para descobrir quem é a vítima. Já em uma cena de crime, as digitais deixadas para trás pelo delinquente são uma prova incontestável da sua presença. “Na grande maioria dos crimes, principalmente nos furtos, o criminoso não toma cuidado e deixa para trás suas impressões digi-tais”, afirma o papiloscopista José Eduardo Márcico.

Não existe lugar ou objeto sem impressões digitais, por isso coletar essas marcas em uma cena de crime não é tarefa fácil. A ferramenta mais usada é o pó de chumbo ou grafite, aplicado com um pincel sobre a superfície a ser analisada. O pó adere à gordura e ao suor da pele de quem

fotografada e uma fita adesiva é aplicada sobre o pó para transferir o desenho para outro suporte. Esse material é então analisado pelo papiloscopista pelo modo tradicional, com uma lupa, ou por um programa de computador que utiliza um banco de dados digital.

Os bancos de dados automatizados, conhecidos como Afis (do inglês, Automated Fingerprint Identification System), foram criados nos Estados Unidos na década de 1970 e desde então são uma poderosa ferramenta forense. Para usar esse sistema, o papiloscopista não precisa ter um suspeito. A impressão coletada é escaneada e inserida no programa, que procura pontos em comum entre ela e todas as outras que compõem o banco. “Ao contrário do que é mostrado na TV, na maioria dos casos, o programa não aponta logo de cara o dono da digital, mas apresenta uma lista de possíveis nomes”, conta Márcico, que trabalha no Setor de Investigações Gerais de Taquaritinga, São Paulo. “Cabe ao papiloscopista refinar essa pesquisa e chegar à pessoa certa.”

FONTE: NA A

TUE ENT VELIQUIS EAF

Magna cor sit in henibh exercing etum iril ilis acillan henim quisl irit lore dolobor eraessectet, sequismGait eugait iriustie diamcon sequis . O espectrograma compara as frequências sonoras de dois falantes (F1 e F2) e do disparo de duas armas de calibres diferentes (AR45 e AR 15) As impressões digitais são únicas. Cada indivíduo apresenta pontos característicos que o identificam

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C I Ê N C I A F O R E N S E

Necropsias e armas_

O assassinato é o crime de maior impacto social, tanto que um dos critérios para medir o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de um país é o número de homicídios solucionados. No Brasil, em todo caso de morte violenta ou suspeita, o corpo da vítima é enviado para o Instituto Médico Legal (IML), onde é feita a necropsia, exame do cadáver que pode revelar, en tre ou tras coisas, a causa e o tempo estimado da morte.

Durante o procedimento, o médico-legista examina os membros e os órgãos internos do cadáver em busca de alguma anormalidade que justifique a morte. O con-teúdo do estômago é recolhido e permite saber qual foi a última refeição da vítima. Essa informação, aliada à ob-servação da rigidez dos membros da vítima – que aumen - ta progressivamente após a morte –, ajuda a estimar o ho-rário do falecimento. “Se encontramos pão, queijo e café com leite, sabemos que aquela pessoa provavelmente morreu depois do café da manhã”, explica o médico-legis-ta Roger Anciloti, ex-diretor do IML do Rio de Janeiro. Esse material, junto com amostras do sangue do cadáver, também pode ser testado para envenenamento e drogas.

Tudo o que é verificado na necropsia é documentado. O médico-legista descreve, inclusive, os padrões de feri-mentos encontrados para que os investigadores saibam qual foi a arma usada. Quando a morte é provocada por arma de fogo, o corpo é submetido a um exame completo de raios X e o legista contabiliza os projéteis encontrados. “Pela aparência do ferimento de entrada e de saída, é pos-sível descobrir a arma usada e estimar se o tiro foi efetuado longe ou próximo da vítima”, conta Anciloti.

Os crimes com arma de fogo são tão comuns que na ciência forense há uma área especializada nisso, a balísti-ca. Os exames de balística podem determinar o tipo de arma usada, a origem da munição, a distância e a trajetória de um projétil. Segundo o perito criminal Domingos Toc-chetto, da Academia de Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul, um dos testes mais comuns é o confronto microbalístico, que compara, ao microscópio, duas muni-ções para saber se vieram da mesma arma. A superfície interna do cano da arma tem pequenas imperfeições visíveis a olho nu. Quando um disparo é feito, a bala in-corpora essas marcas únicas – como uma impressão digital. Um tiro deixa vestígios também em seu autor. Durante um disparo, a pólvora do cartucho da munição se espalha pelo ar e no atirador. “Usamos um esparadrapo ou papel filtro para coletar qualquer partícula na mão do suspeito e analisamos essa amostra em um microscópio eletrônico de varredura”, explica Tocchetto. “Se encontrarmos chumbo, bário e anti-mônio, fica provado que a pessoa tocou em uma arma.”

Já para saber com precisão a que distância um tiro foi dado, os peritos efetuam uma bateria de tiros contra um tecido de algodão. Pela comparação dos resíduos que fi - cam ao redor dos orifícios produzidos pelas balas no pano com os resíduos observados na vítima, eles podem afirmar a que distância se deu o disparo. Desvendar a trajetória pode ser mais complicado, principalmente nos casos em

que o tiro ricocheteou ou atravessou algum anteparo antes de atingir o alvo. Para descobrir o caminho do tiro, o perito tem que reconstituir mentalmente a cena do cri - me e efetuar diversos cálculos físicos e matemáticos.

Os insetos contam a história_

Não só de alta tecnologia vive a ciência forense. Os peritos criminais tam-bém contam com técnicas seculares como a entomologia, o estudo dos insetos. Esses animais invertebrados são ver-dadeiras testemunhas na resolução de crimes de morte.

Logo depois de morto, um corpo atrai todo tipo de inse-tos que se alimentam de matéria em decomposição. As primeiras a chegar são as moscas, que depositam ovos, dos quais saem larvas. Passadas 72 horas, a necropsia já não é eficaz para determinar a hora da morte e a análise do desenvolvimento desses insetos é a melhor opção.

“As larvas funcionam como um relógio biológico”, expli-ca o entomólogo Leonardo Gomes, professor da Universi-dade Federal do Pará (UFPA). “Levando em conta a fisio-logia do animal e alguns aspectos do ambiente, como a tem peratura, podemos saber quanto tempo foi preciso para que ele chegasse à fase de desenvolvimento de quando foi coletado. ”

Os insetos também podem revelar a causa e algumas circunstâncias da morte. Se a vítima foi envenenada ou usou drogas antes de morrer, essas substâncias são encontradas nas larvas que se alimentam do cadáver. Já o tipo de insetos encontrado pode mostrar se o corpo foi movido de local. “Caso uma pessoa seja assassinada na cidade e seu cadáver levado para uma região rural para despistar a polícia, sabe-remos, pois o corpo leva consigo ovos, larvas e insetos carac-terísticos do local de origem”, explica Janyra Oliveira da Costa, perita responsável pelo Laboratório de Entomologia Forense do Instituto de Criminalística do Rio de Janeiro.

Os insetos podem até apontar a identidade do criminoso. Para conseguir essa informação preciosa, os peritos têm recorrido à genética. O primeiro caso em que essa técnica foi usada se deu em 2005, quando cientistas italianos ex-traíram o sangue de uma vítima do estômago de um mos-quito encontrado na casa do seu assassino. O corpo da

SPL DC/LA

TINSTOCK

FONTE: COR

TESIA DE RICARDO MOLINA

Pela análise dos insetos e larvas encontrados na cena do crime, os peritos podem dizer quando e como se deu uma morte

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SPL DC/LA

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dores desconfi aram de um empresário que tinha sido visto de carro na região. O homem jurou não ter estado com a mulher, mas os peritos encontraram em sua casa o inseto que guardava o DNA da vítima. A espécie de mosquito não era capaz de viajar longas distâncias, como da casa do ho-mem até a praia, e fi cou provado que o empresário mentia.

Máquinas que deduram_

Além das provas bioló-gicas, há evidências que fi cam registradas em aparelhos de som e vídeo. Gravações de câmeras de segurança e escutas telefônicas são pistas comuns. Para analisar esse tipo de material, o perito precisa ter conhecimentos de fonética e manipulação de imagens.

No caso de um arquivo de som, há três exames básicos: transcrição, autenticação e identifi cação. Na transcrição, o perito ouve e escreve, da forma mais exata, o conteúdo da gravação. No exame de autenticidade, o som é anali-sado em busca de alguma manipulação, como cortes e inserções. No último procedimento, o perito busca iden-tifi car as vozes e sons envolvidos na gravação. Para isso conta com um sonógrafo, aparelho que transforma sons em espectrogramas, gráfi cos que mostram as diferentes frequências sonoras.

O perito particular especializado em fonética Ricardo Molina explica que pelo estudo dos espectrogramas é possível distinguir os mais diferentes sons. “Podemos determinar, por exemplo, se um falante estava alcooliza-do ou forjanalcooliza-do a voz, se um barulho é de um carro ace-lerando ou freando, de que tipo de arma é um disparo e até de que raça é o cachorro que late ao fundo.”

Já para analisar imagens, existem programas de com -putador próprios para os peritos, como o “dTective”, capaz de ampliar detalhes, aumentar a nitidez de uma imagem e reduzir ruídos específi cos. Por falar em computador, essa máquina também é alvo frequente de perícia em inves-tigações criminais. Ele tanto pode ser usado como ferramenta de apoio a um crime (por exemplo, quando guar -da a contabili-dade do tráfi co de drogas), quanto como meio para o crime (quando a internet é usada para dis -t ribuir pornografi a infan-til ou quando é fei-ta uma fraude bancária virtual).

O perito criminal em computação da Polícia Federal Pedro Eleutério conta que, no seu dia a dia, o que mais faz é examinar computadores e discos rígidos e celulares, apreendidos à procura de arquivos que possam ajudar na investigação dos delegados. “Hoje, o computador au -xilia muitos crimes convencionais”, aponta. “Em época de eleição, por exemplo, a compra de votos é muito comum e a computação forense pode encontrar esse tipo de evi-dência, como planilhas contendo listagem de títulos de elei tores, pagamentos e ‘festinhas’ para compra de votos.”

A perícia desses materiais eletrônicos se parece com uma necropsia. Primeiro, todos os arquivos da máquina são extraídos. Em seguida, o perito usa diferentes programas para fi ltrar e analisar todas as possíveis evidências entre o

computador tenha arquivos criptografados ou que exijam senha para o acesso. “Nesse caso, usamos técnicas especí-fi cas para decodiespecí-fi car ou quebrar as senhas”, diz Marcio Machado, também perito criminal da Polícia Federal. “Nos casos mais complicados, podemos demorar semanas para ter acesso aos arquivos.”

Detetives da mente_

Nas investigações, os peritos recorrem a diversas ciências para conseguir provas. Uma das últimas áreas a que a justiça recorre é a psiquiatria fo-rense. Geralmente, o perito com formação nesse campo é chamado para dar a última palavra sobre a sanidade mental de um criminoso. Caso o autor do crime seja considerado doente mental, o seu delito não é tratado como crime e ele é encaminhado para uma casa de custódia e tratamento.

O psiquiatra forense Guido Palomba, que já atuou como perito em mais de 10 mil casos no estado de São Paulo, conta que o teste de sanidade mental é extremamente téc-nico e leva em consideração aspectos psíquicos, físicos e hereditários. “É um exame minucioso em que analisamos a relação do indivíduo com outras pessoas, seus hábitos, a presença de doença mental e tendências suicidas na famí-lia e até fatores de saúde que afetem o psiquismo, como, por exemplo, um tumor cerebral.”

O psiquiatra forense também pode ser chamado pelo delegado para ajudar na investigação traçando o perfi l de um criminoso e verifi cando a possibilidade de um suspeito ser o autor do crime. “Todo crime é uma fotografi a fi el e em cores do comportamento do indivíduo que o praticou”, diz Palomba.

Defi ciências brasileiras_

Apesar do enorme leque de técnicas forenses disponíveis, menos de 25% dos crimes no país são elucidados, segundo dados do Ministério da Justiça. A ausência de prova material é a causa mais comum para o arquivamento das denúncias e dos processos. Mui-to dessa situação se deve à falta de infraestrutura das pe-rícias científi cas do país. Resultados preliminares de uma pesquisa encomendada pela Secretaria Nacional de Seguran ça Pública (Senasp) ao Programa das Nações Unidas pa ra o Desenvolvimento (PNUD) apontam que 84% dos 173 laboratórios ofi ciais de perícia do país apresentam defi ciên-cias de estrutura, como a falta de equipamentos básicos.

Muitos estados não têm sequer estrutura para realizar análise de DNA. Atualmente, existem 18 laboratórios ofi ciais de genética forense no país, um da Polícia Fede -ral e 17 vinculados às secretarias estaduais de segurança pública de 16 estados. Os 10 estados restantes têm que recorrer a universidades ou a laboratórios privados.

De acordo com Smarra, outro problema da genética forense no Brasil é a falta de padronização dos proce-dimentos e métodos de coleta e análise do DNA entre as unidades laboratoriais públicas e privadas. “O laboratório da Polícia Federal e alguns da Polícia Civil seguem pa-drões de qualidade estabelecidos internacionalmente, mas

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há muitos outros que não, principalmente entre os priva-dos”, pontua o perito.

Atualmente, não existem normas brasileiras que estabeleçam procedimentos compulsórios para os laborató -rios forenses em nível nacional. Cada estado tem suas pró-prias normas e o MJ recomenda que todos sigam as reso-luções publicadas pela Senasp. A iniciativa mais próxima de uma padronização está sendo elaborada pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade In-dustrial (Inmetro), que criou o Programa Nacional de Nor-malização e Metrologia Forense para acreditação volun-tária dos laboratórios de perícia com base em normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

Os problemas são muitos, mas a genética forense está prestes a ganhar um grande impulso com a implementação da Rede Integrada de Bancos de Perfi s Genéticos (RIBPG), criada em maio de 2010 pela Senasp, em parceria com a PF e algumas secretarias estaduais de segurança. O projeto, que integra 16 laboratórios de genética ofi ciais do país, vai pôr em funcionamento, ainda este ano, um banco brasilei-ro de perfi s genéticos alimentado com o DNA encontrado em cenas de crimes ou doado por condenados e sus-peitos. O sistema usa o Codis (Combined DNA Index Sys-tem), programa de computador desenvolvido pela Agência Federal de Investigações norte-americana (FBI, na sigla em inglês) – equivalente à nossa Polícia Federal –, que armazena informações genéticas.

A RIBPG vai permitir interligar crimes praticados por um mesmo indivíduo, pois as instituições de perícia ofi -cial poderão pesquisar no banco de dados se um mate-rial genético encontrado na cena do crime já tem registro anterior. A ferramenta também vai contar com um banco de dados civil com o DNA de familiares de desapareci-dos. Assim será possível identifi car corpos e restos mor-tais a partir do confronto do seu material genético com o dos cadastrados no sistema.

No entanto, de acordo com o perito criminal da PF Guilherme Jacques, o uso da RIBPG terá um baixo im -pacto na resolução de crimes se fi car restrito aos vestígios encontrados em local do crime ou ao material cedido voluntariamente. “Caso fossem inseridos os perfi s dos condenados por todo tipo de crime, estima-se que 40% dos vestígios biológicos seriam prontamente identifi cados”, afi rma. “Essa taxa é ainda mais expressiva se a amostra biológica do suspeito puder ser obtida durante a fase de investigação, como ocorre no Reino Unido. Nesse caso, a identifi cação de vestígios chega a ultrapassar 50%.”

Jacques conta que um grupo de trabalho foi criado pelo Ministério da Justiça para estudar uma proposta de lei determinando a coleta do DNA de condenados. “Na situação em que a sociedade brasileira se encontra, refém da criminalidade, é preciso avançar e os bancos de perfi s genéticos são a ferramenta mais moderna, precisa e efi -ciente para identifi car criminosos.”

1 2 3 4 5 6 9 14 13 10 12 15 11 8 7 1 TESOURA

Para cortar vestes de corpos encontrados

2 LUPA

Para observar detalhes

3 ALICATE

Usado para desobstruir o caminho, quando necessário

4 INSTRUMENTOS DE MEDIDA Trenas, réguas e paquímetros são usados para verifi car distâncias entre as evidências

5 SACOS PLÁSTICOS Para armazenar o material coletado

6 LUMINOL

Para identifi car a presença de vestígios de sangue

7 PLACAS NUMERADAS Sinalizam vítimas e vestígios

8 FITA AMARELA

Para isolar o local do crime

9 APARELHO DE GPS Diz a localização exata da cena do crime

10 LUZ FORENSE

Equipamento que emite luz em diferentes comprimentos de onda e facilita a visualização de impressões digitais, fl uidos, pêlos e fi bras

11 CÂMERA FOTOGRÁFICA Para registrar o local do crime e as provas coletadas

12 PÓ DE CHUMBO E PINCÉIS Para coletar impressões digitais latentes

13 LUVAS DESCARTÁVEIS E MÁSCARA Usadas para proteger o perito e não contaminar as evidências

14 REAGENTES QUÍMICOS Identifi cam drogas como a cocaína e o crack

15 ESPARADRAPO Para coletar vestígios de pólvora de um suspeito

A MALA DO PERITO

SAIBA O QUE O PERITO CRIMINAL LEVA PARA COLETAR EVIDÊNCIAS NA CENA DO CRIME

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MARCAÇÃO DE MUNIÇÕES

Outro banco de dados que vai ganhar força ainda este ano é o de impressões digitais, o Afi s. Com a recente regu-lamentação do Registro Único de Identidade Civil (RIC), os cadastros das impressões digitais de pessoas com fi cha criminal, que antes eram regionalizados, passarão a ser interligados nacionalmente. “O Brasil tem hoje um dos sistemas Afi s mais avançados do mundo e com o RIC pre-tendemos estender o seu uso a todos os estados do país”, afi rma o papiloscopista Marcos Elias Cláudio de Araújo, diretor do Instituto Nacional de Identifi cação (INI).

Ainda assim, a papiloscopia, bem como a grande maio-ria das ciências forenses, sofre com a falta de profi ssionais. “Infelizmente, existem muitos estados brasileiros que não têm papiloscopistas e em quase todos os casos em que um papiloscopista não vai ao local do crime, não são coletadas impressões digitais”, observa Márcico.

Made in Brazil_

Se por um lado falta infraestrutura, por outro sobra criatividade para pesquisas na área foren-se. Um exemplo disso é a criação do luminol brasileiro, produto semelhante ao usado pelo FBI, só que ainda me-lhor. Segundo o responsável pela criação da substância, o

químico Cláudio Cerqueira Lopes, do Laboratório de Síntese e Análise de Produtos Estratégicos (Lasape) da UFRJ, o novo luminol não é tóxico e produz uma rea -ção de quimiluminescência por até 10 minutos, 20 vezes mais do que os produtos similares estrangeiros.

O luminol brasileiro é também mais barato, porque usa matéria-prima nacional. Apesar disso, o produto não é com-prado pelo governo federal, que inclui nas maletas do pe-rito distribuídas pelo Ministério da Justiça um luminol importado. “Em 2009, o Brasil teve cerca de 40 mil casos de homicídio por morte violenta. Se metade deles fosse investigado com o luminol, seriam no mínimo 20 mil gar-rafas do produto vendidas, R$ 4 milhões em retorno para investir nas pesquisas de ciência forense.”

Também no Lasape foi criada uma técnica inédita de identifi cação da origem de balas perdidas, tão comuns nos confrontos entre policiais e bandidos. O grupo de pes-quisa coordenado por Cerqueira desenvolveu uma munição especial, marcada com corantes fl uorescentes visí -veis apenas sob luz ultravioleta. A bala libera os pigmentos no atirador, no alvo e em tudo o que atravessar, permitin -do rastrear a trajetória -do tiro.

Sob luz ultravioleta, a munição, o alvo e a arma fi cam brilhan-tes e coloridos. Assim é possível saber a ori -gem da munição

No espectrômetro, um campo magnético separa os íons emiti-dos em um padrão chamado de espec-trograma de massa

A análise do espectro-grama permite iden-tificar os elemen tos que compõem a tra e dizer se ela é ou não falsa

Na fabricação da mu -nição são adiciona-dos corantes fl uores-centes invisíveis a olho nu

Ao disparar a arma carregada com mu-nição especial, a substância se espa-lha ao seu redor e no alvo, marcando o rastro do tiro

ESPECTROMETRIA DE MASSA A LASER EASI-MS

O produto a ser ana-lisado é bombardea-do com elétrons bombardea-do aerossol ionizante e passa a emitir íons

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TECNOLOGIA NACIONAL

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FONTE: EDUARDO CÉSAR/PESQUISA F

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C I Ê N C I A F O R E N S E

A EASI-MS tem diversas aplicações, desde identifi car cédulas de dinheiro, perfumes e bebidas falsifi cadas até determinar a idade da assinatura de um documento por meio da análise da tinta da caneta usada. A nova técnica já vem sendo usada para ajudar em investigações. “Grande parte dos laboratórios e órgãos de investigação estão preca-riamente equipados e usam técnicas rudimentares, pois não há investimento”, analisa Eberlin. “A academia pode ajudar desenvolvendo métodos forenses seguros, rápidos, simples de serem implementados e de baixo custo, como este.”

Outro método está sendo pesquisado sob a coordenação da entomóloga Janyra da Costa que, com Carlos Chamoun, orientando de doutorado da UFRJ, estuda uma técnica para resgatar o sêmen de um estuprador no estômago de larvas encontradas no cadáver de sua vítima. Como as moscas preferem pôr ovos nos orifícios do corpo humano, todo material orgânico dessa região é ingerido pelas larvas. “Esse método é apropriado nos casos em que o corpo já estiver em decomposição e não for mais possível fazer a coleta do esperma diretamente”, explica Costa. “O sêmen é coleta-do e o material genético coleta-dos espermatozoides pode ser confrontado com o de um suspeito.”

Na área digital, o Brasil também se destaca. Um exem-plo é o programa de computador NuDetective, que iden-tifi ca arquivos de pornografi a infantil em computadores apreendidos. A ferramenta detecta automaticamente qualquer imagem de nudez em um disco rígido. O pro-grama é capaz de fi ltrar uma média de 100 mil arquivos em apenas dois minutos. “Há operações em que temos que cumprir mais de 100 mandatos de busca e apreensão simultâneos e precisamos de programas rápidos que pos-sam ser executados no local do crime, possibilitando a prisão do pedófi lo em fl agrante”, justifi ca Eleutério, um dos criadores do NuDetective.

O programa de computador é uma prova do sucesso da tecnologia forense brasileira e já é usado por polícias da Argentina, Suécia, Áustria e Polônia, além de estar em fase de avaliação pelo FBI. “Alguns países têm uma infraestru-tura superior à nossa, como mais laboratórios, equipamen-tos e profi ssionais. Mas ainda assim a tecnologia forense brasileira não perde em absolutamente nada em relação ao resto do mundo”, conclui Eleutério.

Sugestões para leitura

COUTO, S. P. Manual de investigação forense. Rio de Janeiro, Ideia e Ação, 2010. ELEUTÉRIO, P. M. S. E MACHADO, M. P. Desvendando a computação forense. São Paulo, Novatec Editora, 2011.

PALOMBA, G. A. Tratado de psiquiatria forense civil e penal. São Paulo, Editora Atheneu, 2003.

TOCHETTO, D. Balística forense. São Paulo. Sagra Luzzatto,1999. GOMES, L. Entomologia forense – novas tendências e tecnologias nas ciências criminais. Rio de Janeiro, Technical Books, 2010.

NUDETECTIVE

O programa é rodado no computador apre-endido e procura pelos arquivos de imagem

O programa detecta as maiores áreas da pele a partir do nú-mero de pixels da cor da pele. Então, é pos-sível dizer se há nu-dez ou não

A ferramenta usa uma fórmula mate-mática para detectar nas imagens os pixels formados por cores encontradas na pele humana

A ideia é que a tecnologia seja usada para diferenciar as munições de policiais e civis. “No Brasil, temos apenas uma indústria de munições. Se ela usasse essa tecnologia, seria possível que cada batalhão ou delegacia adotasse uma colo-ração diferente, o que facilitaria muito o trabalho da perícia e das corregedorias”, afi rma o pesquisador. “A tecnologia já está criada, só falta o interesse político para usá-la.”

Outra inovação é uma técnica brasileira de análise por espectrometria de massa, procedimento que revela a natureza e a concentração das diferentes moléculas e átomos de uma substância. Batizada de EASI-MS (do inglês Easy Ambient Sonicspray Ionization Mass Specto-metry) e desenvolvida no Laboratório ThoMSon da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a nova técnica se diferencia porque é mais simples e preserva a amostra analisada. “Com os métodos convencionais, para se obter essa identidade química de algum material é preciso extrair todos os seus componentes por meio de processos que o destroem”, explica um dos responsáveis pela pesquisa, o químico Marcos Eberlin. A nova meto-dologia requer apenas que um aerossol ionizante seja aplicado sobre o produto antes de inseri-lo no aparelho.

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Referências

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