_^ ' . .
CARTA
i
APOLOGÉTICA»
EMQJJE
SEMOSTRA,
que
naõ
he
Author
do
Livro,
INTITULADO
ARTE
DE
FURTAR
O
INSIGNE
P.
ANTÓNIO
VIEIRA»
Da
Companhia
de
Jefus
iESCRITA
POR
HUM
ZELObO
DA
ILLUSTRE
memoria
defte grande Efcrítõr.LISBOA,
Na
Regia OfficinaSYLVfANA
, eda Academia RealM. DCC. XLIV.
Com
todas as licenças necejjarias.=--P
4
CO
C
A
R
T
A
APOLOGÉTICA
MEU^Amigo
muito da minha
venc
raçaô,
O
Gorreyo
paflado recebia
Gazeta
Literária,com
que
voííamercê
ha tantos annos fatisfaz ami-nha
curiofidade,dando-me
noticia de todos osLivros,
que fahem
à luz neíía Corte,paraaug-mentar
com
huns , eenriquecercom
outros aminha
Livraria.Como
voííamercê
íabemui-to
bem
a curiofidade,que ha
tantos annoste-nho
de ajuntarObras do
IníignePortuguez
o
P.
António
Vieira,fem
perdoar ao trabalho, emenos
à deípeza ,me
pedeem hum
Capitulodo
feu Folheto alviçaras, porme
dar nelleno-ticia de
huma
Obra
defteVenerável
Efcritor,que novamente
appareceo neíía Corte,intitu-lada <Arte de Furtar ,
©V.
impreflaem
Amf-terdaõ
em
quarto , e feme
oíferece paraman-darma
com
toda a brevidade; porque fe lhe
eftá reprefentando a anciã ,
que
terey de aver, por fer
compofiçaõ
dehum
Author, que
eu taõ altamente venero.
Agra-ázà*
Agrade< ? -,hemui
">>meu
Amigo,
o
cui-dado,
com
quepara obfequiar a
minha
curiofi-Votm^
3"
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ViCÍra 'mas
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foracro,
o
publicaraem
feu
nome.
Depois que
L
e"amia
y'-COm
°
a VGÍla«"**
di™, com
fevera reflexão, confírmeyo
meu
confeitoT
cando
fírmemenreperfuadido?^"
no'ef
verfo JUI20
do que
voíTa
mercê
faz,pois pelo
que
na íua noticiame
dá a entender ,
&2
pacitado
contrario. ' Ie camprn?
0mC
;, V0ÍramCrCe
emra "°
<*<>UtOnu-mero
daque es muitos,que nunca
pronundaõ
o
nome
do
PadreAntónio
Vieira
fem
eZZ
decorofo, entendo,que
lhe fer-ím
,»vP
V
vel íV-Pr a«
M
,- H amu,t0
«çrada-7e
d!"
'Cm
qUe
mC
fund°
Para fa'zer eíie
conceuo,
e
m
que
vo/íamercê
fem
áuv
idah
adeconvir
i
efep
ub
,icareft^
Carta ,
também
todos aquelles ,que
me
dizvivem
neííàCorte
períuadidosdo
contrario fcomprando o
ditoLivro
para incorporar àslegitimas
Obras
defte raro Efcritor.Nefta
empreza
tanto íe interefla aminha
apaixonada veneração ,
como
a Pátria jpor-que
igualmente deíâggravo dehum
evidenteteftemunho a immortal
memoria
defte feufi-lho taõ fabio,
que
baftará para feu elogio di«zerfe *
que
no
feutempo ninguém
foubeo
que
elle ignorava.Eu
eftou,meu
Amigo,
perfuadido,que
vofla
mercê
naô
leu efteLivro
, eque
fóme
efcreve porinformaçãoj
porque
feo
lera,naS
era pofíivel ,
que
me
défle noticia delle ,co-mo
deObra
do
Padre
António
Vieira 5 e arazaô,
que
tenho para affimme
perfuadir ,he*que tendo
voflamercê
tanta liçaÔ deftegran-de Meftre
, logo havia conhecer ,que
no
talLivro naô
hafombra do
feu eftylo ,nem
nel-le eftá retratado
o
feu efpirito ,como
em
to-das as fuás
Obras
verdadeiras.O
eftylo , e cara&erdo
PadreAntónio
Vieira era taô altamente
grave,
emodefto^
como
pediaô as fuás profundas letras , a luamÊÊmmmm
h
(4)
profeífava. Eíla verdade,
que
para feconhe-cer, baftará lerfe qualquer de Tuas
Obras,
fazparecer totalmente i-icrivel a
hum
juizopru-dente ,
que compozeíle
efte Livrocom
huma
tal difpofiçaõ
,
cheyo
dê expreííbens pueris,
de
continuados annexins , e adágiosj e
o
que
he
mais , efcritocom
huma
liberdade taõgra-vemente
picante,que
no
juizo dos prudentes,mais parece fe dirige a fatyrizar fogeitos ,
que
a
emmendar
defconcertos; mais parece,que
heefcrito
com
íettabanhada
em
fangue,do
que
com
penna
molhada
em
tinta.O
PadreAntónio
Vieira era capaciffimode
emprender
femelhante affumpto;
porque
fobrava nelle zelo para
o
bem
da Pátria,e
do
feu Príncipe,como
íeconhece
claramentenos feus Efcritosj
porém
fe emprendeííe talObra
, havia fer efcritacom hum
tal eftylo , difcorridacom
huma
tal difpofiçaõ , e revefti.da de
huma
tal modeftia ,que naõ
manchaílea fua
Roupeta,
que
taõ fatuamente venerava,infamando a
memoria
dos mortos, enaõ
me-nos o credito dos vivos.
Quem
fe ha de perfuadir ,que
o
Padre
António
Vieira eíquecido da pureza da fuacoafciencia , e
do
Santo Eftado,
que
1
ra , houvefle de referir
o
caíò,
que
fe lê napagina 43
com
tanta liberdade , epouco
ef-crupulo,
como
verá na penúltima regraquem
bem
advertir ?Quem
fe ha de capacitar,
que
a modeftia Religiofa defie virtuofoVaraÕ
havia fallar taÕ mal* dos Miniftros
,
que
aSé
Apoftolica
mandara
no
feutempo
a eíleRey-no,
tratando-oscom
nomes
indecentes, ecom
palavras,
que
fócoftumaô
lembrar àsfatyricas peites daRepublica
,como
fe poderá verna
pagina
420
?E
finalmentecomo
he crivei ,que
eftivefle fempre a referir hiftorias,que
tan«txrdefacreditavaÕ àspefloas,
aquém
íuccede-raÔ, pois muitas delias eraÕ vivasno
feutem-po,
cujosnomes
eu efcrevera, feme
naõ
dif.fefle a confciencia ,
que
infamava a fuame-moria.
Já
que
eflou pintandoo
caracter defleilluftre
VaraÕ
, attenda voííamercê
a outras
razões,
que
fobre eftemefmo
particularvou
a
dizer.Naô
fó a virtude, e vida Religio*fa,
que exemplarmente
profeííava, impediaao
Padre
Vieira acompor
efteLivro
do
modo
com
que
eftá difcorrido;mas
aindaas muitas,
e diverfas
occupaçSes
da fua vida, e
pouca
pratica
do
governo
daRepublica o
mÊÊmaam
<0
litavao para efta compofiçaô.
Lea
voíTamer«
ce
ò
tal Livro, e verá,que
para affim íecom-por
, íe neceffitava dehum
profundiffimoco-nhecimento
de todas as coufas defteReyno
,
contrahido por
huma
grande pratica dedilata-dos annos.
Era
preciíb faberdo
procedimen-to de todos os Miniftros , affim pelo
que
ref-peitava ao politico,
como
ao
militar,dogo*
verno, e regimentos de quaíi todos os
Tribu-naes , e dos diverfos génios das peííoas mais
publicas da
Republica
,no que
facilmente hade
convirquem
com
attençaõ lero
Livro. Eí*tas individuaes noticias
nem
tinha,nem
podiater
o
Padre Vieira , por teroccupado
a fua vidaem
dífferentes cuidados.No
anno de
1641
veyo do
Brafil a Lisboa, e logoo Senhor
Rey
D. Joaõ IV.
deu
exercícioao
feupro-fundiííimo talento nosnegócios políticos de
ma-yor ponderação,
que
encerravao
feuGabine-te. Neftas altas
occupações
gaitou algunsan-nos , até
que o
mefmo
Senhoro
mandou
àsCortes de França , Hollanda , e
Roma
atra-tar árduos negócios
do
íeuReal
ferviço, nosquaes paííaraõ
naõ poucos
annos.O
zelo dafalvaçaô daquellas almas,
que
nos Certôesdo
Brafil
bebem
o veneno do
Gentilifmo,o
fezMH
(7)
ao depois
embarcar
para aAmerica
,onde
íe-meou
a Doutrina Evangélica peloMaranhão,
Grão
Pará, e outras muitas terras daquelledi-latado Continente,
em
cujas Miílbensempre-gou
largos annos da fua vida.Por
caufa def-tas fe vio obrigado a tornar àCorte
, econ-feguindo
o que
intentava, voltou parao
Bra-íil ,
onde no
aproveitamento eípiritual, e
tem-poral dos índios
obrou
tanto,que
bailarádi-zeríe
,
que
por caufa dellesandou
a péquá-torze mil legoas , e
navegou
vinte duas vezesrios mais extenços ,
que
o
Mar
Mediterrâneo.Voltando
outravez
aoReyno
com
negócios,que
importavao à faude efpiritual deftasmef-mas
almas , lhe fuccederaõ fataescontratem-pos,
acompanhados
de graviffimasenfermida-des ,
que
tudodurou
largotempo
, atéque
convalecido das doenças
do
corpo, e daspai-xões
do
eípirito , foy aRoma
pormandado
do
SenhorRey
D.
Pedro
II.com
negócios,
que
ofizeraõ deternaõ
pouco tempo
naquel-la Cúria.
Naõ
faço aqui conta aotempo
,que
occupava
no
eftudo de todas as fciencias,o
qual certamente foymuito
,como
erapre-cifo a
hum homem,
que
foyo Oráculo
da fuaidade. Finalmente nos últimos annos da fua
B
vida,
(8)
vida 5 querendo purificar
o
íeu efpirito, e as fuásobras
, paffbu à Bahia ,
onde
affiftio dezafeisannos , totalmente ignorante dos
procedimen-tos
do
Mundo.
Ora diga-me,meu
Amigo,
fe
com
eftas continuas, e diverfas occupações,affiftindo huns annos
no
Reyno
, outros naAmerica
, outros nas Cortes Eftrangeiras , eoutros
no
leito à violência de graves doenças,fe podia ter a informação , e pratica da
Re-publica ,
que
fe requeria paracompor
efteLi-vro
do
modo
,com
que
eftá feito , taõcheyo
de hiílorias
, que faô outras tantas narrações
de todos os roubos da
Republica
em
todoo
eftado de peííoas ?
Mas
vamos
adiantandoo
diícuríb,
que
eu
quero fuppor (bem
contra o que entendo)que o
PadreAntónio
Vieiranaõ
fó era capazde efcrever efte Livro
com
a liberdade ,com
que
eftácompofto
,mas
que
também
tinha ainftrucçaõ de todos os defconcertos da
Repu-blica , para difcorrer por aquelle
modo
,com
que
a talArte
eftá compofia.Diz
ellano
frontifpicio , que foraim-prefta
em
Amfterdaõ
na Officina de Elziviriono
anno
de 1652 , e fendo iftoaffm
, entronovamente
a duvidar.Como
he poííivel ,quf
naS nos tlv^ffe já vindo à noticial Por*que
motivo
havia eftar para todos fepultadaefta fua
nova Obra
pelo dilatado efpaçodô
noventa e
hum
annos? Seo
intentodo
Pa-dre Vieira nefte Livro era offerecer nelle
hum
Memorial
àMageftade
re&iffimado
SenhorRey
D. Joaõ
IV.
paraque emmendaííe
os di«verfos
modos,
e eftratagemas,com
que
muitosroubavaô
aRepublica,
e a fuaReal
Fazenda,como
quiz fruftrar efte íeu zelo?Se
intenta-va
transformar a íuapenna
em
efpada , paracortar do,corpo da
Republica
osmembros
po«dres,
que o
compunhaõ
,como
empunhando
as armas
naõ
fez públicos os golpes ?He
cri-ve),
qu&
íè efte Livro fora impreílono
anno,que
diz ,naõ
nos haviaõ dar delle noticia osÀuthores' daquelle reynado?
He
crivei ,que
naõ
havia andarno Catalogo
das fuásObras,
ou
ellemeímo
fazer dellemençaõ
em
algunsdefeus Efcritos,
que
tinhaõ por aílumptoaU
guns
defconcertos da Republica?He
muito
para reparar ,que o
P.Viei-ra mandaíle imprimir
o
Livro a Hollandappor-que
ou
elle entendia,que
eftaempreza
haviafer
do
agrado,ou
defagrado deiRey
D*
Joaõ
IV.
íèdo
agrado, paraque
mandou
imprimir Biio
L
(10)
O
Livro fora-,havendo
tantas impreflbensem
Lisboa?
E
fedo
defagrado, para
que o
entre-gou
àeftampa,
eícrevendono
frontifpiciodei-le
o
feumeímo
nome
?Nem
hajaquem
fri-volamente
querendo
refponder a ifto , diga,
que
o
mandaria imprimircom
nome
fuppofto,e
que
confiandoem
Amílerdaõ
íer eileo
feuverdadeiro
Author
,o
imprimirãocom
o
feunome,
fem
ellefer fabedor; porque aferiftoaffim, já teríamos antes lido
em
alguma
parte
de feus Efcritos
alguma
juftificacaÕ, affimco-mo
lemos queixa lobre osSermões
,que
al-guns
ambiciofos defama
ignorantemente pu.blicaraõ
em
feunome.
He
taõ frívola efta
razaõ,
que
verdadeiramentenaõ
merecia re-porta.E
que
evidentes razões eraõ eftas,
meu
Amigo,
para provar ,naõ
fóque
o
P.Viei-ra
naõ
heAuthor
deíle Livro,mas
aindaque
he
modernamente
impreífo , parao que
me
ajudariaõ
muito
osAnnaes
Typograficos.As
marcas do
dapel,em
que
a talObra
heim-preíía,
também
dariaõhuma
evidentiffima
pro-va j
porque
as letras , e emprezas,
que
o
pa-pel
tem
, todas faÕ inieiaes dosnomes
, efa-bricas de
homens
vivos ,como
de Arado, Jo~feph
Marta
Tomati
, Pajchoal Tolera , Jgoftl-nho Tolera, c Eugénio Molinari.E
fe eunaõ
fó quizefle nioftrar,
que o
Livro fahiomoder-namente
à luz,mas
também,
que
fora impref.ío
em
Portugal,naõ
me
faltariao provas febrea certeza da Orthografia
, que feria quafi
im-poffivel obfervarfe nas Officinas Eftrangeiras
,
e igualmente moftrando palavras Caílelhanas
aportuguezadas nos Capítulos
,
que
trazo
talLivro
eferitosem
Caftelhano $o que
dene-nhum modo
fuecederia,naõ
fendocempoftos
por Officiaes Portuguezes.
Porém
pafíemosadiante,
que
o
meu
único intentohefó
pro-var ,
que
falfamente feimputa ao
PadreAn-tónio Vieira fêmelhante Obra.
Sefoy
impreflamodernamente,
eem
que
parte,naõ
falta aquem
pertença.Mas
eu quero agora , porbondade do
meu
génio, capacitarme,
que
efte Livro foyimpref
ío
no
anno que
diz, eque
poralgum
oceultomotivo
eftaria até agora fepultado à noticiade todos.
Com
tudo ifk> tenho razõesfortif-íimas para confiantemente affirmar ,
que
naS
he
feuAuthor
o
Xníigne PadreAntónio
Viei-ra.
Todos
fabem, evoffamercê
melhorque
todos, a propriedade de termos,
com
quee£
te
(II)
U
grande Efctftor organizava o$ fèus difcuNío$, de tal
modo,
que entre nós hehum
dosprimeiros Meftres „da noíTa Jingua.
Na5
fó apropriedade das palavras fe
conhece
em
qual*quer
Obra
do
Padre Vieira ,mas
igualmentea certeza, e verdade
em
qualquerfado, que
refira j porque tanta veneração
tem
a pureza da fdà fraíe entre os Rethoricos,como
acer-teza , e verdade das fuás noticias entre os
Hiftoriadores.
Para efte Livro fer
do
Padre Vieira , ha* via ter eftas três circunftancias , alem dasou-tras 4
que no
principio deftaObra
ponderey:eftas
na5
fe achaõno
tal Livro , antes nelleíe encontrão impropriedades de termos, erros
em
alguns fados , e mentiras manifettasem
muitas partes : logo
bem
fundado eftáo
meu
conceito.
Primeiramente íòbre a impropriedade de
palavras , lea voíla
mercê
a pagina 252,
quan-do
dá noticiado
bem
difputado pleito entrea Mitra de
Évora
, eo
Convento
deAviz
fobre os Benefícios- de
Coruche.
Fallando ,pois, nefta matéria diz: Correo
hum
pleito,&c*
Ha
miyor
impropriedade ! Fallar depretéri-to de
huma
demanda
,que anualmente
m
va , e na fua
mayor
força , pois findouem
parteno anno
de 1672!Eu
duvidomuito
»
que
hum
menino
da Efcola ufaíle de taltem-po.
A
pagina420
dá a ler outra improprie.dade , indigna da eruditiffima
Penna do
PadreAntónio
Vieira.Diz
ella , fallando dosCol-leitores,
que
a Sé Apoftolicamandava
a efteReyno
, eftas palavras :Como
podehum
Jp
Colkitor
com
três Motifenhcres , Varões de te*trás,
exutude
% <Zjc.A
palavra Motifenhoreshe
totalmente impropriiffima ;porque
eftes três fogeitos , deque
fe falia , faõ Colkitor ,Au-ditor, e Abbreviador , e fó
o
Colkitorpo-dia fer
Moníenhor
, e denenhum
modo
osdous
,porque nunca
foraô peflbas de habitoPrelaticio, a
quem
fó pertence efte titulo,mas
íimplices
Doutores
,como
ainda hoje feob-ferva.
Lea
mais voffamercê
a pagina 243 , everá outra impropriedade igual ,
cu
mayor
,que
a antecedente.Diz
ella sbíolutamente,
que
nosReynos
eftranhcsnaõ
ha Frades,nem
Freiras, e que por iilo fempre lhes fobeja
gen-te paja a guerra. Confidere voíla
mercê
fe eíla propcíiçaS abfoluta a havia eferevero
Pa-dre(«4)
dre
António
Vieira , fabendo os muitosCon-ventos de Religiofos , e Religioías
,
que
na-quelle
tempo povoavaõ
Hefpanha
, França,
Alemanha
, e Itália ,naõ
fó pela informaçãodos Livros,
mas
também
pela dos olhos5
por-que
muita parte de quafi todos eftesReynos
vio nos annos de 1646, 47, e 50, antes
que
íeimprimifle
o
tal Livro: quanto mais,quepa-ra
naõ
efcrever femelhante propofiçaõ ,naõ
lhe era neceílario lembrarfe de outras Famílias
Religiofas , mais
que
da Jeíuitica, dequem
era filho , a qual fó
no anno
de 1652 lecom-punha
naEuropa
de treze mil feifcentosno-venta e
nove
Religiofos ,como
efcreveAu*
berto
Mireo
no
feu Livro de CongregationibusClericorum Regulari
um
incommuie
ziuentium.Bufque
voíTamercê
as paginas,48,649,
e lerá nellas duas grandes impropriedades.
A
primeira he dizer abfolutamente ,
que naqueK
Ie
tempo
fenao
profeftr/a,nem
enfinava aArte
Náutica ,havendo
fempre nefteReyno
profeíTores delia , emedres
,
que
a enfínavaõ;porque
já aArte
dePedro
Nunes
cftava im«preffa defde
o anno
de 1573.A
fegunda hedizer,
que
os lacayos dos grandes Senhores fe offereçiaõ a feusamas
, paraque
os íizeííemprover
no
officio de Pilotoem
fatisfaça5 dosfeus íèrviços y
porque
fabem, que
tem
melho-res lucros
em
o
ferem,que
em
penfar asmu-las , e frizões dos coches.
Já
voíTamercê
fa-be, que
a impropriedade eftá na palavraFri-zdes
} pois he certo ,
que
naquelletempo
ain-da os
na5
haviaem
Portugal , e voííamercê
fe lembrará
muito
bem
da novidade,que
cau-farao neffa Corte,
quando
nella feviraõ,no
reynado
do
SenhorRey
D.
Pedro.Se voíía
mercê
naô
eftá já enfaftiado deimpropriedades , bufque a pagina 294 , e lerá darfe ao
Conde
de S.Lourenço,
General dasArmas
daProvinda do
Alentejo ,o
tratamen-to de Kxcelkncia , a qual certamente
Conde
nenhum
tinhano
rèynado deiRey
Dom
João
IV.
naõ
digo fó de juro, porque ido hemo-derniííimo,
mas
ainda por lifonja; e fó aosMar-quezes condecorava
com
efte tratamento ,ou
a introducçaô ,
ou
a politica.Vá
outra prova por adjunto , e feja aultima.
Na
pagina 209 contao
cafo dehum
Fidalgo
Portuguez
, que.tomou
htima pipa ahum
lavrador , e lhe entornou o vinho 5que
tinha nella para recolher
o
feu,que fuppunha
mais privilegiado 5
do que
vindoo
lavradorquei-r
(iO
queijxarfe a EIR.ey , foy caftigado
o
Fidalgo.Naô
diz a pagina, queRey
de Portugal foraefte ; e entrando eu a revolver as Chronicas dos noííos
Reys,
para ver fe encontrava eftecafo, fó na de
D.
Pedro
I. efcrita porFernão
Lopez,
a pag. 125, encontreyhum em
tudofubftancialmente femelhante ao
que
o
Livrorefere , ainda
que
alteradoem
algumas coufasde
muy
pouca
entidade. Se he defteRey
,como
entendo, eftá efte cafo efcritocom
duas grandes impropriedades : a primeirahe
dizer,
que
EIRey
mandara
dar ao lavradorhum
tofitaõ,
em
quanto eftiveíTe na Corte5 e afegun-da he
,
que
também
para a fua família lhede-ra
hum
cruzado por dia ;o que
certamentenaõ
podia fer , porque naquelle reynadonem
havia a
moeda chamada
To/taõ ,nem
outra ,que
tivedeo
nome
de Cruzado-,porque
os to£toes faõ
do
tempo delRey D. Manoel,
e oscruzados
do
deD.
AííonfoV.
que
mandou
lavrar por occaííaÔ da Bulia da
Cruzada
3com
que
, para fe fallarcom
propriedade , haviafucceder efte cafo
em hum
reynado pofteriorao
delRey
Dom
Manoel
,
que
duvido muito,que
fuccedeííe.Com
tudoeu
disfarçaria eftas(•7)
áâêes ,
km6
feencontrarem
erros na talArte
efcrítos totalmente
íem
confideraçaõ alguma,que
leriao
mayor
atrevimento fuppollosef-critos pelo primeiro Meftre da noíía lingua , e pelo
mayor
homem
daquella idade.Direy
por todos
hum,
(naõ pertendo ler prolixo)que
certamente he o
mayor
de todos.Lea
voffamercê
a pagina520,
e verá,que
fe lê neílapor extenfo moeda de três mil e quinhentos ;
o
que
hehum
erro craííiííimo,
porque nunca
em
Portugal
houve
moeda
de tal valor ,como
voíla
mercê muito
bem
fabe , pelo grandeco-nhecimento
,que
tem
dasmoedas
antigas def*te
Reyno.
Paílemos já a examinar os fados,
que
no
tal Livro íe efcrevem
com
muy
pouca
infor-mação
, e diligencia.Bufque
voííamercê
apagina 232 , e verá,
que
diz ella , falíandodo
celebre pleito de
Évora,
eAviz
, de quejáfizemos
mençáS
,que
vinte annos durara eftademanda
,quando
ainda hoje dura ; eno
an-uo
de 1652 ,em
que
o
tal Livro íe diz foyim-preílo, já contava de duração fucceffiva
cen-to e oicen-to annos, pois principiou
no
de 1544.Na
pagina 481 fe dá noticiado
Real
Collegio dosCathecumenos
deílaCorte
, e
ef-(i8)
efcreve-fe delle
com
pouca
informação , a qualíe deve fazer
exa&amente, quando
faõ para osfins,
que
o Livro pertende.Diz,
que he cer-tiffimo ,que o
Reytor
defte Collegiotem
fef-fenta mil reis de renda
em
cadahum
anno
,quando naõ tem
mais ,que
hum
toftaõ cadadia para feu fuftento,
doze
mil reis parahum
veftido , e três mil reis para todas as Feftas deNatal , Pafcoa , e S.
Joaô
,o que
tudoim-porta cincoenta e
hum
mil e quinhentos.Diz
mais ,
que o
Efcrivaõtem
de ordenadofeten-ta milrjeis,
quando tem o
mefmo,
que o
Rey-tor ; e que para cafas lhe dá
o
Collegio vintequatro mil reis,
quando naõ
recebe mais, quevinte 5 e que
o
Medico
tem
de partidodoze
mil reis,
naõ
tendo mais que oito.Nem
vo£
fa
mercê
me
diga ,que
eftes íeraõ osordena-!dos
,que
preíentementetem
o Collegio;por-que
lhe aíleguro ,que
ferripre fora5 os nief.mos
deíde a fua fundação , c<?mo eumefmo
vi nos livros das defpezas para outro intento
;
e voííã
mercê
como
-eftá na Corte, podeifchacertificar deita verdade.
O
cafo,que
fe efereve fi£ pagina 25,ef-tá referido
com
muy
pouca indagação; porquenaõ
fuecédeo ao Cardeal Pallota, mas-aoCar-deal
m
deal
Âquáviva,
tiodo que
hoje vivecom
o
mefmo
appellido , fendoNúncio
em
Hefpa-nha
; e por final ,que
o
Ferrador fechamava
o
MeftreDomingos
,que o
havia fido da fuacafa
em
Nápoles
,o que
me
certificou peííòafidedigna,
que
nefía Corte ferve a SéApofto-lica, a
quem
o
meímo
Cardeal o contou.Na
pagina214
dá-íe noticiado
furto ,que
fe fez na Igreja de S.Mamede
daCidade
de
Évora
, e efcreve-íetambém
efta noticiafem
averiguação alguma.Diz
,que
rouban-dofe
a prata defta Igreja , fe fora enterrar naeftrada de Villa-Viçofa , junto ao
poço
deen-tre as vinhas ,
onde
apparecera todaamaíía-daj
o que
he totalmente falfoj porque nos Li*vros da
Irmandade do
Senhor da dita Igreja,
fe acha
huma
Cartacom
a data de 22 deSe-tembro
de 1694, efcrita deMadrid
ahum
An-tónio Ribeiro da Fonfeca,
em
nome
dehum
Filippe de Barros Pereira
Portuguez
, na qual lhe diz,que chegando
à dita Corte de Madrid,fe encontrara
com
hum
Cavalbero de Sevilha,chamado
D.
PauloRubio
deSottomayor,
çque
eíte lhe diílera,em
como
havia trêsan-nos,
que
nos Galeõesdo Peru
remeterahum
Portuguez
hum
Cálixcom huma
Patena , er~"
dous Caftiçaes de prata, e
também
humas
Ga-Jhetas
do
mefmo
, para fe reflituir à Paroquia de S.Mamede
daCidade
deÉvora
, eque
tu-do
ifto eftavaem
Sevilhaem
poderdo
Capi-tão
D.
Pafcoal Martins de Velafco ,morador
à Porta daCarne
, junto a SantaMaria
laBlan-ca , a
quem
veyo
remetido. Eifaqui ,meu
Amigo,
o
como
, eem
que
parte feaehou o
roubo
feito a effa Freguefia, enaõ
na eftradade Viíla-Viçofa,
como com
muy
poucainfor-mação
nos dá a ler o Livro. Voílamercê
creaefia
minha
noticia, porque da Carta fbbredita
fou teftemunha de vifía ; e fe voíía
mercê
ti-ver a curiofidade de a ver, eu lhe
mandarey
huma
copia authentica.Porém
entremos já a dar as maiseviden-tes provas , de que naõ efcreveo efia
Arte
aVenerável Penna do Padre António
Vieira;
e faõ eftas as claras mentiras
,
que
nelJa fedek
cobrem
, indignasnaô
fó da Religiofa virtu.de de taõ raro
VaraÕ
,mas
ainda dapenna
do
mais ignorante Efcritor.Ha
mentira mais clara ,que
dizerno
Prologo ,
cu
ProteftaçaÕ,
que
perguntara aoSenhor
D.
Alexandre, irmãodelBey D. Joaõ
IV.
como
havendo
naTapada
deVillaViçoía
00
'ã
mais de dous mil
Veados
, feachavaô
nellataõ poucas pontas, fendo certo ,
que
todos os annos asmudaô
; eque
efte Príncipe lherefpondera ,
que
osmefmos Veados
ascoftu-maô
comer
?Ha
mentira mais clara? ( torno adizer. )
Como
podia eícrever talo
P. Vieira,fe
nunca
fallou ,nem
podia fallarcom
o
Se-nhor
D.
Alexandre ?Foy
o
PadreAntónio
Vieira para
o
Brafilem
companhia
de feu pay,contando
íète annos de idade , enaÔ
tornoua Lisboa, fenaô
no anno
de 1641,acompanhan-do
aD, Fernando
Mafcarenhas , filhodo
Mar-quez
deMontalvão
,Governador do
Brafil ,quando
em
nome
daquelle Eftadoveyo
darobediência ao Senhor
Rey
D.JoaÕ
IV.
nova-mente
elevado aoThrono
dePortugal.Mor-reo o Senhor
D.
Alexandreem
31 deMayo
de
16} 7, três annos antes dagloriofaAcclama-çaõ
delRey
feu irmaô } e por eflas contasco-mo
podiao
Padre Vieira ,naõ
digo fófallar-lhe,
mas
ainda ccnhecello? Diráalguém
fri-volamente
impugnando
,que
lho poderiaper-guntar
do
Brafil,onde
íè achava, tendoconef-pondencia epiflolar
com
elle: refpondo a ifio,dizendo primeiramente ,
que
naõ
confia tal das palavras, deque o
Livro ufa nefta parte5
» -antes
WÊBÊÊÊÊm
antes delias fe infere
o
contrario; eem
fegundo lugarnegando
a dita correfpondencia epiftolar;pois de
hum
papel,que
eu agora vi , confta,
que o
SenhorRey
D. João IV.
depois deco-nhecer
o
altiííímo talentodo
P.António
Viei-ra, íe admirara muito,
como
tendo aCompa-nhia
hum homem
taõ grande, elle oignorafleantes j e defte
modo
he incrivel,
que
ElRey
o
nao
conheceííe carteando-fecom
feu irmão.A
pagina 590 nos offerece outramenti-ra manifefta.
Di£
ella eftas palavras :Ca/o
he efie-j queme
patfou pelamad
haverá vinte an*nos:
navegámos
de Lisboa para a Ilha daMa*
deira ,
OV.
Primeiramenteo
Padre Vieiranunca navegou
de Lisboa ,nem
de parteal-guma
para a Ilha daMadeira
, porquenunca
lá efteve ; fó fim na de S.Miguel,
por caufade
hum
a furiofa tempeftade * e nellapregou
o
Sermão
de Santa Therefa ,que
anda impreífonas fuás
Obras
$ eem
fegundo lugar , fehou-vermos
de dar credito a que eííe Livro foyimpreíío
no anno
que diz, ainda ha neftano-ticia outra mentira,
que
he dizer,que
havin-te annos fora efta
viagem
; oque
denenhum
modo
podia fer, porque aindanaquelletempo
nao
fahirado
Brafil.(
2
3>
js
Na
pagina 73- diz, que eíliveraem
Por-talegre j na 227,
que
eftiveraem
Braga; nas412,
e478
,que
eftiveraem
ViHa-Viçofa jna
294
, que eftiveraem.Vianna
deCaminha,
e
em
Barcellos; e na 224,que
fora ao Algarve;e certamente
em
nenhuma
.deitas terras efteveem
tempo
algum
,como
me
certificounaõ
hamuito
tempo
hum
Religiofo da primeiraau-thoridade da
Companhia
de Jefus ,que
tem
medido
os pados ao PadreAntónio
Vieira , para perpetuarcm him
livro a fua illuftrememoria.'
Ora
diga-me,meu
Amigo,
(tornooutra vez a repetir,
o que
já diííe) fe hecri-vei,
que
eílrevefíe taes falfidades a verdade,e conhecida virtude
do
PadreAntónio
Viei-ra?
He
preciíonaõ
ter juizo, para fazer juizodo
contrario.Eu
eftoííí perfuadido, que voíía
mercê
com
eftas razões ficará capacitado , deque
naõ hedo
noflo IníígnePortuguez
efíe Livro , eque
com bem
pouca
arte íe lhe imputa efta Arte)mas
fe acafo algumas peffòas-,. aquem
voílamercê
moítr&r eíia Carta , fenaõ derem
aindapor perfuaáidasckfias provas ,
ouçap
agoracu-que
faõ demonftrações Mathematieas.iras
Ela pagina J9 fe
lem
eftas. palavras :A
moeda
de
,-ouro de três mil e duzentos. Eftà vardadeira«
mente
concíue; porqueem
todoo
tempo
davida
do
Padre Vieira naohouve
talmoeda
,
e muitos annos depois da fua
morte
, heque
fe deu
noreynado
delRey
noííb Senhor,quan-do
por Provifaôdo
Concelho
Ultramarinode
20 de
Março
de 1717,-que
femandou
àsMi-nas,
ordenou, que conforme
aLey
de4
deAbril de 1722, fe fabricaííem
moedas
dedoze
mil e oitocentos, /eis mil e quatrocentos , três
mil e duzentos ,
&c.
E
ultimamente ,que
dirá voíTamercê
quando
ler,que
na pagina 2jy íechama
aosMeftres de
Campo
Coronéis lCá
feme
eftáreprefentando ,
que
voííamercê
diá ler eftatambém
huma
prova evidente, poisno
tempo
do
Padre Vieira fechamavaô
Meftres deCam-po
, osque
hojetem
o
nome
de Coronéis ,o
qual fó principiarão a ter porrefoluçaõ de
Sua
Magèftade
,que
Deos
guarde, de 20 deFeve-reiro de 170?.
Eftas ,
meu Amigo
, fao as razões ,em
que
me
fundo, (haveráõ outras muitas ,
que
eu
nao
faiba) para confiantemente affirmar ,
que nao
heo
grande PadreAntónio
VieiraAuthor
de talArte
verdadeiramente de furtar,pois
(*s)
/é
pois até Hie rouba
o
feunome.
Voíla
mercê
me
façao
favor,ou
à Pátria ( paramelhor
me
explicar) de fazer publica eftaminha
Car-ra ,
em
quanto anaõ
mando
imprimir ,•por-que por-quero, por-que
íaiba a pofteridade ,que
fehouve
quem
fe atrevefle ,ou
para feguraro
feu lucro ,
ou
para fazer mais plaufivel a íuaempreza
, a imprimirem
tal Livroo
immor-tal
nome
de taõ Venerável Efcritor 5também
igualmente
houve,
quem
como
zeloíb nacionalíoube defaggravar a fua illuftre
memoria
detaõevidente teíiemimho.
VoíTa mercê
me
con-tinue a honra dos feus eftimaveis preceitos , e
a inftrucçaÕ das fuás noticias, para
o que
Deos
guarde a voíTa
mercê
muitos annos.Borba
,
cfi
}0f