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O MOVIMENTO ARMORIAL É, ANTES DE TUDO, ERUDITO

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Academic year: 2021

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O MOVIMENTO ARMORIAL É, ANTES DE TUDO, ERUDITO

Avessa a influência de uma cultura estrangeira, essa arte popular se afasta de

um estereótipo vulgar e não se envergonha das raízes nordestina e brasileira

Exaltar uma identidade nordestina e mostrar ao país uma arte genuinamente brasileira e erudita, com raízes populares, teria movido o diretor do Departamento de Extensão Cultural da Universidade Federal de Pernambuco, dramaturgo, poeta, artista e professor, Ariano Suassuna, no dia 18 de outubro de 1970, juntamente com artistas, poetas e músicos, a fundar uma corrente artística que ficou conhecida como Movimento Armorial.

Ariano Suassuna. Foto: Gustavo Moura. O pontapé derradeiro foi dado neste mesmo dia no pátio da Igreja de São Pedro dos Clérigos em Recife. Uma mostra de artes plásticas acompanhada de uma apresentação do concerto “Três séculos de música nordestina: do barroco ao armorial”, apresentado pela Orquestra de Câmara batizada ali de Armorial e regida pelo maestro Cussy de Almeida. Começa assim a história do Movimento, entrelaçando, de forma indissociável, à vida do professor paraibano de nascença e pernambucano de coração, com essa recém desvendada arte.

Pois, foi com inspiração no barroco medieval ibérico que o Movimento Armorial se manifestou. Constantemente defendida como erudita, debatida com o povo por uma identidade nacional, contra a industrialização da cultura norte americana nos anos 1970. É forjada ao conceito de arte popular mais tropical com o plano de fundo baseado no folclore nordestino, dos romances de cordéis, de artes medievais, passada pelos cantadores de repente exaltado nos motes a memória popular sertaneja. Uma arte conceitual na vanguarda artística moderna e contemporânea sem esquecer de sua origem fundamentada na tradição e nas histórias populares de um povo quase marginalizado e sofrido pela herança do clima e da terra.

Aliás, desde sempre Ariano foi defensor voraz de uma “cultura mestiça de ibéricos-pobres, negros e índios”. Como ele mesmo definiu, a cultura popular feita pelos analfabetos ou semianalfabetos que deveria usar uma linguagem também popular em suas obras e em seu conceito. Foi com esse ideal e uma certa astúcia que ele atraiu ilustres artistas da época que se identificavam com essas músicas, com a pintura, a escultura, a cerâmica, tapeçaria, xilogravura, teatro, cinema, dança, arquitetura e literatura. O lançamento do romance “A pedra do Reino”, estreou Ariano como artista plástico. Inicialmente havia pedido ao amigo Brennand e este indicado o gravurista Gilvan Samico para ilustrar a obra, mas ele viu aí a oportunidade de atribuir ao personagem do livro o crédito da obra. Para os artistas armoriais, a arte das xilogravuras do cordel recria a realidade, mas a liberdade criadora do artista a transfigura, tornando-a em fantástica e mítica sonhando até com bichos enigmáticos. O Movimento Armorial, entretanto, não se conteve apenas nesse momento. Nos 44 anos que se seguiram, se dividiu em fases.

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Fase Experimental:

O próprio criador do movimento não gostava de dissecar sua obra em uma mesa como um médico legista, mas, segundo ele, pesquisadores insistem em estudá-la de forma científica e acadêmica. Então, naquela época, entre 1970 a 1975, havia nascido uma inspiração mágica e romanceada de xilogravuras nordestinas de desenhos fortes e contornados, experimentados prelos primeiros artistas armoriais. Após o lançamento d’A Pedra do Reino (1971), estandartes e brasões já inspirados na obra foram confeccionados em tapeçaria e cerâmica. Grupos musicais como o Quinteto Armorial, a Orquestra Romançal e o Balé Armorial do Nordeste já tinham o DNA do movimento. Enormes talhos de madeira prensavam capas de folhetins em espaços brancos e pretos nas xilogravuras de Gilvan Samico que retratava a origem nordestina. Fernando Lopes da Paz usava a literatura do cordel de forma apocalíptica para esculpir na pedra e na madeira as esculturas Armoriais. O próprio Ariano chegou a esculpir personagens armoriais em argila.

No teatro, a obra “A Compadecida” dos Cordéis foi levada ao cinema. Inspirada nos romances espanhóis de peças de teatro, cujo herói é um pobre e esperto vadio, conta histórias trágicas, festivas e espetaculares. Ainda nessa fase, a arquitetura e a dança não prosperaram, embora seu idealizador sonhasse com uma arquitetura civil e religiosa de casas meio mouras com pisos revestidos de azulejos formando um mosaico com colunas de arenito retorcidas e tortuosas, beirando a loucura. Mas na literatura Armorial o espírito do romanceiro popular nordestino trouxe poetas como Angelo Monteiro, Janice Japiassu, Marcus Accioly, Maximiano Campos e Raimundo Carreiro.

Já na Música o mestre Capiba deu o tom com a obra “Missa Armorial” e a suíte “Sem Lei nem Rei” seguido por Guerra Peixe, Clóvis Pereira, Antonio Nóbrega, Antonio José Madureira. A Orquestra Armorial e o Quinteto Armorial se apresentavam nas ruas, nos conservatórios de música e nos teatros com uma formação mais popular possível, introduzindo a rabeca, o pífano, a zabumba, a viola caipira, junto aos instrumentos clássicos como o violino, a viola e flauta transversa. A ideia das Aulas-Espetáculos ministradas por Suassuna e

que se seguiam às apresentações das Orquestras Armoriais surgiu nessa fase.

Fase Romançal:

A estreia da Orquestra Romançal Brasileira em dezembro de 1975 no Teatro Santa Isabel no Recife foi o marco para o início desta fase. Mas foi também nessa época que um fato curioso inflamou o meio arqueológico acadêmico. Pinturas e esculturas encontradas nas itaquatiaras da Região Nordeste trouxeram uma associação ao Movimento levando a ideia de uma possível gênese indígena e pré-histórica. Antes mesmo de se tornar um gênero literário ou um projeto cultural artístico coletivo, o armorial teria surgido com os monólitos de artes rupestres, pintados nas rochas de gnaisse em cavernas, como na pedra do Ingá na Paraíba, ainda pelos antepassados do carirys no sertão nordestino. Esses anfiteatros usados até como lugares de cultos indígenas foram chamados pelo mestre Ariano de Ilumiaras. São locais, obras ou ruinas importantes onde estão enraizadas os princípios do movimento.

Foi nessa fase também a fundação do Balé Armorial e logo depois se tornando Balé Popular do Recife em 1980, existente até hoje sob o comando de André Madureira. Na tapeçaria os desenhos criados por Ariano são bordados por tapeceiras de Taperoá, terra da infância do artista. Já na música o Quinteto Armorial encerrou a carreira nesta fase, além da formação da Orquestra Romançal Brasileira tornando-se um trio Romançal.

Mas é o final desta fase que os pesquisadores divergem sobre o fim do próprio Armorial como movimento artístico, se tornando apenas uma referência histórica ou estética. Uma carta aberta com o título “Despedida” publicada no Diario de Pernambuco em 9 de agosto de 1981, contribui para esse pensamento, pois nela Ariano pedia solidão para se recompor. Mesmo depois desta carta ele ainda escreveria um artigo em 1989 para um catálogo da exposição artistas armoriais em Paris, sendo considerada uma súmula dessa arte. Como professor da Universidade Federal de Pernambuco e artista plástico ele teria ainda experimentado as iluminogravuras e as estilogravuras, gêneros que unem gravuras e poesia numa só obra.

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Vaqueiro em frente ao conjunto arquitetônico da fazenda Acauhan, no sertão parahybano | Final dos anos 90 | Aparecida/PB - Foto: Gustavo Moura.

Fase Arraial ou referência estética:

Uma discordância tem dividido os acadêmicos até hoje sobre o encerramento da fase Romançal. Não do início dessa nova fase a partir de 1995 chamada por alguns pesquisadores de Arraial, mas sobre o final das diretrizes do movimento em 1977. Após o artigo de “Despedida” em que Suassuna inicia a carta com a frase: “Hoje estou me despedindo”, estudiosos procuram conceituar tudo o que é produzido sob alusão de que essa arte seria apenas uma referência estética ou poética ao Movimento Armorial. É nesse conceito que essa terceira fase inicia com o lançamento do Projeto Cultural Pernambuco-Brasil quando era secretário estadual de cultura até o encerramento desta fase com seu falecimento.

É na Arraial que despontam o escultor Arnaldo Barbosa, os pintores Dantas Suassuna e Zélia Suassuna e Romero de Andrade Lima. Estes três últimos; filho, esposa e sobrinho de Ariano respectivamente. Quem também se destacou nesse início foi o multiartista

Antônio Nóbrega, ex-integrante do Quinteto Armorial, agora com sua rabeca e violino, canta, dança e interpreta. Na dança, Ariano fundou outros dois grupos; Grial de Dança e o Arraial Vias de Dança, além de dois espaços ligados ao Movimento; o teatro Arraial (em homenagem ao Arraial de Canudos) e o Espaço Iluminara Zumbi, para apresentações de grupos populares em Olinda.

Essa efervescência na música levou vários artistas no estado a buscar inspiração nos folguedos populares para seus trabalhos. Mas outras iniciativas com o intuito de valorizar as raízes musicais populares como o Movimento de Cultura Popular e o Teatro Amador de Pernambuco foram também geradores do Movimento Armorial para criar uma música erudita nacional inspirada no povo. Mas as ações artísticas que se sucederam foram as mais criativas possíveis deixando um tesouro material e imaterial para a cultura brasileira.

Herança Armorial:

Além de dramaturgo, artista plástico, poeta e professor, Ariano tinha que encantava o povo em suas Aulas-Espetáculos com um humor provinciano, com suas histórias, intrigas e mentiras bem brasileiras formando uma identidade icônica de uma arte digna da obra épica Euclidiana. Antes de morrer de morte morrida em julho de 2014, ele ainda deixou uma extensa obra “atual e atuante”, chegando a publicar pós-morte com a ajuda do genro, o livro “Romance de Dom Pantero no Palco dos Pecadores”, um testamento que une toda a sua obra de sua vida artística e literária. Quem sabe iniciando com sua morte até mesmo uma quarta fase onde os princípios do Movimento Armorial continuam presentes, mas com um interesse acadêmico e presente na história da arte aos olhos da crítica.

Romero de Andrade Lima: O Romance é da Bela Infânta (princesa em Portugal e espanha) Iluminogravuras 2013/2014

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CAIXA CULTURAL RECIFE EXIBE PEÇAS ARMORIAIS ATÉ 05 DE AGOSTO

A exposição pretende recuperar e mostrar uma parte histórica do Movimento Armorial 45 anos depois, bem como as produções individuais de artistas influenciados por essa manifestação

artística.

Gilvan Samico. Primeira homenagem ao cometa.

A arte do mestre Gilvan Samico percorre esse ambiente medieval e transcende o lugar-comum dialogando com a literatura de cordel para uma nova interpretação de fábulas e fenômenos. Tudo isso impresso nas xilogravuras com uma criatividade única de um dos fundadores do movimento.

É de Romero de Andrade Lima a responsabilidade de criar esse elo entre a produção armorial atual com a conceitual fica com. Uma parte moderna e histórica do multiartista pernambucano selecionada para a mostra remete completamente ao legado e as obras de Ariano. Ele mesmo retrata o mestre em uma das obras onde um caderno de anotações adorna o pescoço de um busto pintado como um bobo da corte (como Ariano costumava se retratar frente ao movimento) com chapéu enfeitado de bandeirolas, ladeado por João Grilo, Chicó, Nossa Senhora e Cristo, inspiração retirada da peça teatral do próprio Suassuna “O Auto da Compadecida”, sucesso de público e crítica nos cinemas, lançado no ano 2000.

Já o artista convidado para a mostra, o pintor Sérgio Lucena, utiliza arquétipos místicos europeus, baseados em histórias antigas e entidades da florestas para retratar a criação, a origem do mundo e das coisas. Animais alados e alguns deles monocromáticos e utilizando armaduras medievais fazem parte desse mundo destinado quem sabe a trazer o Apocalipse.

A exposição traz também fotos de Ariano Suassuna feitas pelo fotógrafo Gustavo

Moura quando acompanhou o mestre pelo sertão da Paraíba e na cidade do Recife (PE).

Romero de Andrade Lima. Meu tataravô Armorial.

Referências:

ARMORIAL, da pedra do reino ao ponteio acutilado. Catálogo da Exposição na Caixa Cultural Recife. Curadoria Claudinei Roberto da Silva. Recife, 07 de junho a 05 de agosto de 2018.

CASCUDO, Luis da Câmara. Civilização e Cultura. Volume II. Rio de Janeiro/1973.

________. Dicionário do Folclore Brasileiro. 5ed. Belo Horizonte: Itatiaia Limitada, 1984.

ESPETÁULO de dança montado no Teatro Arraial faz homenagem a Capiba. Diario de Pernambuco, Recife, 21 maio 1998.

MELO, Veríssimo. A Literatura de Cordel. In: LOPES, José de Ribamar (Org.). Literatura de Cordel, antologia. 3 ed. Fortaleza, Banco do Nordeste do Brasil, 1994.

NOBREGA, Antônio. Brincadeira muito séria. Caros Amigos. Ano VII, n. 82, janeiro de 2004. Ed. Casa Amarela Ltda.

OILIVEIRA, Maria Goretti. Danças populares como espetáculo público no Recife de 1970 à 1988. Recife: 1993.

O REPOUSO do guerreiro armorial. Jornal do Commercio, Recife, 13 abr 1977.

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PERNAMBUCO, Secretaria de Cultura.

Espetáculços populares de Pernambuco. Recife: CEPE, 1996.

PERNAMBUCO, Secretaria de Cultura. Projeto Cultural Pernambuco- Brasil. Recife: CEPE, 1995.

ROMANÇAL faz transição do armorial. Jornal do Commercio, Recife, 24 maio.1998.

SUASSUNA, Ariano. Almanaque Armorial. Seleção, organização e prefácio de Carlos Newton Júnior. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008.

________. Despedida. Diário de Pernambuco, 9 ago. 1981.

________. O Movimento Armorial, Recife: Universitária da Universidade Federal de Pernambuco- UFPE,1974.

________. O Movimento Armorial, Separata de: Revista Pernambucana de Desenvolvimento, Recife: V. 4, n.1, jan./jun. 1977.

________. Manifesto do Movimento armorial, Recife: UFPE, 1976.

________. Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai e volta. Rio de Janeiro: J. Olympio Editora, 1971.

________. "Auto da Compadecida". Rio de Janeiro: Agir, 1995.

________. Uma teoria da Arte Rupestre. ANAIS do I Simpósio de Pré-História do Nordeste Brasileiro, Recife, CNPq, UFPE, 1991.

70 anos do guerreiro armorial. Jornal do Commercio, Recife, 15 jun.1997.

Referências

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