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O benefício de auxílio-reclusão garantido pela Previdência Social e a inconstitucionalidade na restrição de dependentes

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X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis

X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação SEPesq – 20 a 24 de outubro de 2014

O benefício de auxílio-reclusão garantido pela Previdência

Social e a inconstitucionalidade na restrição de dependentes

Angela Von Mühlen

Mestranda em Direitos Humanos Centro Universitário Ritter dos Reis angela@rvmadvogados.com.br

Resumo: O presente artigo trata do benefício de auxílio-reclusão garantido pela

Previdência Social aos dependentes dos segurados presos. A Emenda Constitucional nº 20/98 limitou a abrangência da prestação somente a pessoas consideradas de baixa renda, desprezando os dependentes de contribuintes que possuam renda superior àquela estipulada anualmente como limite para recebimento do benefício. O corte realizado na prestação previdenciária desrespeita princípios constitucionais, desde a individualização da pena, segundo o qual nenhuma sanção penal pode passar da pessoa do apenado, até a universalidade de cobertura e atendimento, que norteia a Previdência Social e, ainda, o princípio da dignidade da pessoa humana em relação aos beneficiários da prestação, pois justamente no momento de maior necessidade de proteção previdenciária, são rechaçados do sistema para o qual seu pai, esposo, filho ou irmão contribuiu. O tema é cercado de polêmicas e controvérsias, assim como vários outros que envolvem o preso. Contudo, nesta matéria em especial, o ator principal é o seu dependente, o cônjuge, companheiro, companheira, filho, que além da trágica separação física, fica sem a sua fonte de sustento, podendo vir a ser ele, então, o maior penalizado.

1 Introdução

O auxílio-reclusão é um benefício concedido pela Previdência Social, que possui amparo constitucional. Não obstante boa parte da sociedade acredite que seja uma espécie de bolsa aos familiares ou, até mesmo, ao próprio detento, este benefício somente é pago aos dependentes habilitados nos termos da legislação aplicável, mediante prévia contribuição do segurado detido ao sistema previdenciário. Qualquer que tenha sido o crime cometido pelo segurado e, independentemente da pena, se ele estiver vinculado à Previdência Social, seus dependentes poderão receber a prestação, desde que atendidos os requisitos legais, conforme apresentado no segundo capítulo. O bem protegido no caso é o dependente, que presumida ou comprovadamente depende economicamente do apenado. O terceiro capítulo faz a análise da constitucionalidade da alteração realizada pela Emenda Constitucional nº 20/98, que restringiu o benefício a segurados especificados pela norma como de baixa renda, vindo a excluir da proteção os dependentes dos demais participantes do sistema.

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2 O benefício de auxílio-reclusão: finalidade, requisitos e beneficiários O legislador brasileiro, em relação à Previdência Social, adotou o sistema bismarkiano, segundo o qual, para a obtenção de um seguro social, há necessidade de contribuição por parte do empregado, do empregador e do Estado. O objetivo é a proteção do trabalhador diante de eventos de risco social ou contingências sociais que lhe impeçam de permanecer em atividade laboral. Podem os eventos ser previsíveis (idade avançada, cumprimento de elevado tempo de contribuição e, a princípio, maternidade) e imprevisíveis (morte, acidente, reclusão).

Para obtenção dos benefícios referentes aos riscos mencionados, é necessária a vinculação e, por consequência, a contribuição à Previdência Social, requisito indispensável para participação do sistema. É a Previdência, portanto, contributivo, diferentemente da Assistência Social e da Saúde (cujas prestações prescindem de prévio custeio dos cidadãos), que juntamente com a primeira compõem a Seguridade Social. Nesse sentido, bem explica Tsutiya:

A Seguridade Social é composta da Saúde, Previdência Social e Assistência Social. No tocante à proteção social clássica, a Previdência Social objetiva suprir as necessidades daqueles que foram atingidos por eventos que inviabilizam a continuidade da vida com dignidade. No caso das pessoas excluídas da Previdência por absoluta carência de recursos, instituiu-se a Assistência Social, que independe de contribuição, diferentemente da Previdência, que é de caráter contributivo. As políticas socais, com o intuito de diminuir as desigualdades, combater a miséria e a fome, seriam implementadas pela Assistência Social. A Previdência é reservada àqueles que vertem contribuições para o sistema, e que dele deverão receber as prestações pecuniárias em caso de necessidade (TSUTIYA, 2007. p. 203)

A Previdência Social tem o importante papel de permitir ao contribuinte, um meio indispensável para a sua manutenção e de sua família nas ocasiões em que mais necessita de amparo, conforme assevera Rocha:

É justamente nos momentos nos quais os cidadãos, inseridos na sociedade por força de sua capacidade de trabalho (substancial maioria da população) têm a sua força laboral afetada, ou mesmo negado o acesso ao trabalho, como é cada vez mais comum por força do modelo econômico excludente, que a previdência social evidencia seu papel nuclear para a manutenção do ser humano dentro de um nível existencial minimamente adequado. (ROCHA, 2004, p. 111)

Os benefícios da Previdência Social são atualmente regidos pela Lei nº 8.213/91, que estabelece os critérios de concessão de aposentadorias, benefícios por incapacidade, salário-maternidade, salário-família, pensão por morte e auxílio-reclusão. A norma especifica, ainda, além da forma de apuração do valor, os beneficiários de cada prestação oferecida, dividindo-os entre segurados e dependentes, sendo os primeiros os efetivos contribuintes

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do sistema e, os segundos, os possíveis recebedores de benefícios pagos na falta do segurados.

O presente estudo objetiva tratar do benefício garantido em razão do evento prisão. O denominado auxílio-reclusão é, há muito tempo, razão de polêmica, pois se refere à pessoa supostamente criminosa, geralmente colocada à margem da sociedade. Muitos cidadãos, entre os quais, inclusive doutrinadores, veem no benefício uma espécie de prêmio ao criminoso, pois estaria toda a sociedade custeando, não apenas as despesas que o sistema prisional possui com o recluso, mas também o sustento de sua família, como se ele estivesse falecido. Deste entendimento compartilha Martins, que defende a extinção do benefício, mencionando ainda que deveria o preso pagar por se encontrar na condição de detento. (MARTINS, 1999, p. 285)

Contudo, deve ser esclarecido que o benefício não é concedido ao recluso, mas sim ao seu dependente. E, igualmente, não é ao dependente de todo e qualquer preso, mas apenas ao daquela pessoa que, ao ser encarcerada, possuía a condição de segurada da Previdência Social.

Impende ressaltar que a Constituição Federal de 1988 arrola entre os direitos fundamentais, a determinação de que nenhuma pena passará da pessoa do condenado, o que consiste no princípio da individualização da sanção penal. O familiar dependente do apenado não é responsável pelo ato criminoso e, não merece, por consequência, sofrer qualquer penalidade, devendo esta recair somente sobre o próprio detendo. Eventual extinção do auxílio-reclusão teria como único penalizado o seu dependente.

A finalidade do benefício é garantir à família do segurado recolhido à prisão condições de sustento diante da ausência do provedor no lar, possuindo o mesmo objetivo do benefício de pensão por morte. É esta prestação um substituto da remuneração antes percebida na condição de trabalhador, sejam como empregado, seja como contribuinte individual.

Nas palavras de Horvath, “A sociedade deve garantir a proteção à família não permitindo que esta venha a passar por maiores privações e sofrimentos dos que já tem em decorrência da privação do convívio com o ente familiar que está preso”. (HORVATH, 2005. p. 109)

É antiga, no Brasil, a ideia de proteção financeira à família do apenado. A primeira previsão legal se deu através do Decreto nº 22.872/33, que regulamentava o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Marítimos – IAPM, dispondo que a aposentadoria de associado eventualmente recolhido à prisão

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seria paga à família. O Decreto nº 54/34 estendeu a todo o associado, aposentado ou não, o pagamento de pensão, sendo que ao não aposentado, o valor seria equivalente à metade do que seria a aposentadoria por invalidez a que teria direito.

Em 1960, a Lei nº 3.807, conhecida como LOPS – Lei Orgânica da Previdência Social –, passou a exigir carência de doze meses de contribuição e ampliou os possíveis dependentes do benefício de auxílio-reclusão.

Com a Constituição Federal de 1988, foi o direito à previdência social elevado ao patamar de direitos fundamentais sociais. Sarlet bem ensina que está o direito à previdência social, assim como também o direito à saúde e à assistência social, intimamente ligado aos princípios do direito à vida e da dignidade da pessoa humana, por isso, não deixa margem à dúvida de que é aquele, efetivamente, um direito fundamental:

Preliminarmente, em que pese o fato de que os direitos à saúde, assistência social e previdência social – para além de sua previsão no art. 6º da CF – se encontram positivados nos arts. 196 e ss. da nossa Lei Fundamental, integrando, de tal sorte, também o título da ordem social, e não apenas o catálogo dos direitos fundamentais, entendemos não ser sustentável a tese de que os dispositivos não-integrantes do catálogo carecem necessariamente de fundamentalidade. Com efeito, já se viu, oportunamente, que, por força do disposto no art. 5º, § 2º, da CF, diversas posições jurídicas previstas em outras partes da Constituição, por equiparadas em conteúdo e importância aos direitos fundamentais (inclusive sociais), adquirem também a condição de direitos fundamentais no sentido formal e material, ressaltando, todavia, que nem todas as normas da ordem social compartilham a fundamentalidade material (e, nesse caso, também a formal), inerente aos direitos fundamentais. (...) Além disso, poderia referir-se mais uma vez a íntima vinculação entre os direitos a saúde, previdência e assistência social e os direitos à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana, renunciando, neste particular, a outras considerações a respeito deste aspecto. (SARLET, 2005, p. 314-315)

A Constituição, ao tratar sobre os direitos previdenciários, inseriu no rol dos eventos sociais protegidos, a reclusão do segurado. Trata-se o benefício de auxílio-reclusão, desta forma, de um direito fundamental.

A Lei nº 8.213/91 estabelece os critérios para a concessão do benefício e, dispõe que seja pago nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado que não receba remuneração da empresa, nem esteja em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço.

A lista de dependentes pode se estender a vários membros da família, mas aponta como principais o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho

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não emancipado, de qualquer condição, menor de vinte e um anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente, que têm presumida a condição de dependência econômica. Os pais e o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de vinte e um anos ou inválido (nas mesmas situações que o filho), para fazerem jus à pensão por morte ou ao auxílio-reclusão, devem comprovar a dependência econômica em relação ao segurado falecido ou preso. O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e poderão receber o benefício desde que comprovada a dependência econômica.

Arrola a Lei os dependentes em classes diferenciadas, sendo a primeira composta de cônjuge, companheiro, companheira e filho; à segunda correspondem os pais e, por último, na terceira classe consta o irmão. Dispõe a Lei de Benefícios expressamente que a existência de dependente de qualquer das classes exclui do direito às prestações os das classes seguintes.

Para que os dependentes recebam a prestação, não se faz necessária sentença transitada em julgado, sendo suficiente qualquer decisão judicial determinando a prisão do segurado em regime fechado ou semi-aberto.

A norma de 1991 retirou dos requisitos para o benefício a necessidade de cumprimento de carência, passando a exigir apenas a condição de segurado, isto é, a demonstração de que está o apenado vinculado ao sistema, seja por ter realizado pelo menos uma contribuição anteriormente à data da prisão ou, ainda, por estar dentro do denominado ‘período de graça’, que consiste no prazo estipulado pela mesma Lei durante o qual o segurado, mesmo que não mais esteja contribuindo, segue fazendo jus às prestações previdenciárias até determinado período após a última contribuição. A condição para o recebimento e manutenção do benefício é à apresentação trimestral de certidão do efetivo recolhimento à prisão, sendo que a soltura faz cessar o benefício e eventual fuga faz suspender o pagamento até o retorno à prisão.

O valor do benefício é calculado de igual forma à pensão por morte, equivalendo ao valor que o segurado receberia se fizesse jus ao benefício de aposentadoria por invalidez. O cálculo do benefício de aposentadoria por invalidez resulta no mais vantajoso valor de renda mensal pago pela Previdência Social, pois leva em conta a média aritmética simples dos oitenta por cento maiores salários de contribuição desde julho de 1994 até a data da prisão (o divisor mínimo é de sessenta pro cento do número de contribuições compreendidas nesse período básico de cálculo), sem aplicação do fator previdenciário. A renda mensal do benefício não pode ser inferior ao salário

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mínimo e, tampouco, superior ao teto da Previdência. É muito possível que a renda do benefício de auxílio-reclusão, caso a idade do detento seja baixa, venha a ser muito superior àquela que seria concedida por conta de aposentadoria por tempo de contribuição.

A Lei de Benefícios e o seu regulamento tiveram os critérios para a concessão da prestação alterados pela Emenda Constitucional nº 20/98, que inseriu no texto constitucional restrições à sua concessão. Passou a Constituição Federal a limitar o benefício de auxilio-reclusão somente aos segurados de baixa-renda:

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

IV – salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa-renda.

O artigo 13 da mesma EC nº 20/98 esclareceu quem seria o segurado de baixa renda, dispondo que:

Art. 13 - Até que a lei discipline o acesso ao salário-família e auxílio-reclusão para os servidores, segurados e seus dependentes, esses benefícios serão concedidos apenas àqueles que tenham renda bruta mensal igual ou inferior a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais), que, até a publicação da lei, serão corrigidos pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do regime geral de previdência social.

Desde 1999, anualmente é publicada, através de portaria interministerial, o valor limite para consideração de baixa renda, para efeitos dos benefícios tratados no inciso IV do artigo 201. Neste ano de 2014 o limite definido pela Portaria Interministerial MPS/MF n° 19 é de R$ 1.025,81.

3 A inconstitucionalidade da restrição imposta pela Emenda Constitucional nº 20/98

O benefício de auxílio-reclusão, conforme já mencionado, assegura ao dependente do segurado a manutenção de meios de sustento, visto que o provedor – ou um deles –, encontra-se recluso, incapacitado, portanto, de trabalhar.

A par disso, não se pode concordar com a limitação imposta pela Emenda Constitucional, permitindo que somente os segurados de baixa renda recebam o benefício. Sendo o objetivo da prestação justamente o amparo num momento de necessidade, não há razão para prestá-la apenas à determinada parcela de beneficiários. Cada situação concreta difere de outra.

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Significa dizer que é possível que os dependentes de um segurado de baixa renda possuam renda própria, superior, inclusive à do detento, não sendo a deste fundamental à sustento da família, enquanto poderá haver situação em que a renda do detento, superior ao limite fixado, seja a única fonte de sustento de uma família com várias pessoas e/ou com enfermos, que é indispensável à manutenção das necessidade mais básicas, como alimentação e moradia.

A EC n 20, como se conclui, não agiu com isonomia, fazendo distinção entre os segurados, sem atentar que os protegidos pelo sistema não seriam estes, mas sim, os seus dependentes.

Uma alternativa encontrada para garantir que dependentes realmente necessitados passassem a receber o benefício foi a interpretação no sentido de que a baixa renda deveria ser em relação a estes e não ao segurado, como esclarece Horvath:

Tendo em vista que não se exige comprovação de dependência econômica a determinados dependentes e considerando os conceitos teóricos que sustentam o sistema jurídico, entendemos que a renda a ser verificada para entrega do auxílio-reclusão é a do segurado e não de seus dependentes. (HORVATH, 2005, p. 126)

A questão, contudo, não seria simples considerando que os dependentes de primeira classe possuíam a dependência econômica presumida e, diante da nova interpretação, necessariamente deveriam passar a comprová-la, conforme enfatiza Alves:

Quando se usa a renda dos dependentes como regra para analisar a Baixa Renda, os dependentes de primeira classe, como já dito, deixam de ter sua presunção de dependência econômica. Se os dependentes tiverem uma renda maior que o segurado ou maior que a baixa-renda, não serão considerados economicamente dependentes, perdendo o direito ao recebimento do auxílio-reclusão. Pode nascer, então, a relatividade da dependência, ou seja os dependentes teriam que provar não somente a renda, mas se são ou não dependentes economicamente, se necessitam ou não da renda do segurado, isto é, da renda aferida pelo auxílio-reclusão. (ALVES, 2007, p. 91)

Houve entendimentos jurisprudenciais que, por analogia ao benefício da Assistência Social, interpretaram a alteração constitucional em relação à realidade dos dependentes, permitindo a análise de cada fato isoladamente e, por consequência, a concessão do benefício conforme a necessidade do requerente. Quando já estava a matéria pacificada, inclusive sumulada na Turma Regional de Uniformização da Quarta Região, cuja Súmula nº 5 dispunha: “A limitação de renda, para concessão deste benefício, deverá ser aferida frente aos dependentes, e não ao segurado”, foi a tese surpreendentemente derrubada pelo Supremo Tribunal Federal.

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Através dos Recursos Extraordinários nº 587.365 e 486.413, o STF reconheceu a repercussão geral e decidiu definitivamente que baixa deveria ser a renda percebida pelo segurado, confirmando a restrição do benefício a uma parcela dos contribuintes da Previdência Social, ferindo, assim, vários princípios constitucionais inerentes à previdência social.

Merece destaque o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento, segundo o qual todas as pessoas são protegidas em todas as situações de risco. Evidente que tal universalidade se refere aos segurados em iguais situações e diante dos mesmos riscos, conforme ressalva feita por Rocha:

A universalidade do seguro social, quanto ao acesso, não significa, obrigatoriamente, a concessão de um direito igual, para todos os trabalhadores, de receber benefícios exatamente nas mesmas condições. Embora as prestações, via de regra, sejam estabelecidas para o atendimento do mesmo grupo de riscos sociais, o valor das prestações previdenciárias dependerá – em conformidade com o tipo de sistema de financiamento e do método de cálculo estabelecido – em maior ou menor grau, dos aportes vertidos pelos segurados, o que corresponde, no nosso caso, a uma proporcionalidade em relação ao salário-de-contribuição e às demais regras relativas ao cálculo da prestação substitutiva. (ROCHA, 2004, p.141)

O benefício de auxílio-reclusão, para os segurados da Previdência Social, se insere no campo da universalidade, no sentido de que deve ser concedido a todo cidadão que estiver nessa condição. Limitar a sua abrangência apenas para parcelas dos segurados, é fazer discriminação entre eles próprios, que igualmente contribuem aos cofres públicos – não em igual valor, mas contribuem. Aliás, é de citar, inclusive, que maior lógica eventual limitação se fosse o benefício garantido somente a quem contribuísse em valor superior, que poderia então ser melhor protegido. Porém, não se coadunaria tal previsão com o princípio da universalidade de cobertura e atendimento, justamente porque busca a Previdência incluir a todos. O inverso, obviamente, também não!

O § 5º do artigo 195 da Constituição Federal estabelece que “nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total”. Este dispositivo é também considerado um princípio da previdência social, pois se preocupa com a sustentação financeira do sistema. O regime previdenciário não poderá ampliar a proteção aos segurados e dependentes sem que haja a contrapartida financeira. Deve ser analisa tal princípio em sentido recíproco, valendo questionar se poderia o sistema retirar do rol de prestações um benefício, ou diminuir sua cobertura, mantendo intactas todas as contribuintes vertidas ao regime. Se a EC 20 retirou parte dos segurados da proteção, não haveria

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razão para que estes mantivessem a contribuição exatamente como era antes da nova disposição.

O princípio simples e básico de proteção contra os riscos sociais, já seria bastante, por si só, para taxar como inconstitucional a limitação do beneficio. A proteção é a finalidade da Previdência, razão pela qual é obrigatória a vinculação (e contribuição) para o cidadão exercente de atividade remunerada. Como enfatiza Rocha,

O princípio de proteção contra os riscos sociais, destinado a amparar o beneficiário nos momentos de necessidade social mais prementes, está umbilicalmente relacionado com a própria razão de existência do Estado, em síntese, facilitar a concretização do bem comum em todas as facetas da vida humana. [. . .] A ideia norteadora da ação desse princípio é o resguardo dos trabalhadores e seus dependentes contra os efeitos da materialização dos riscos sociais – fatos dotados de probabilidade de ocorrerem na vida em sociedade, provocando um desajuste na situação de um individuo ou grupo familiar, principalmente pelos seus efeitos econômicos – buscando eliminar ou, pelo menos, reduzir as consequências que deles podem decorrer. (ROCHA, 2004, p. 144)

Princípio não voltado à previdência social, mas necessariamente aplicável à matéria em debate é a já mencionada determinação de individualização da pena, que não permite que a sanção ultrapasse a pessoa do condenando. Russomano bem esclarece que o dependente não merece ser penalizado, mencionado que:

O detento ou recluso, por árdua que seja sua posição pessoal, está ao abrigo das necessidades fundamentais e vive as expensas do Estado. Seus dependentes, não. Estes se vêem, de um momento para o outro, sem o arrimo que os mantinha e, não raro, sem perspectiva de subsistência. (RUSSOMANO, 1983, p. 294-295)

Vários são os fundamentos, portanto, que permitem o convencimento de que é inconstitucional a alteração feita pela Emenda Constitucional, que retirou a proteção previdenciária do dependente de boa parte dos segurados do regime geral de previdência.

Castro e Lazzari fazem forte crítica à limitação de cobertura do benefício: A redução do alcance de benefício, contemplando, após 16.12.1998, apenas as famílias dos segurados ‘de baixa renda’, constitui discrímen não razoável, padecendo a regra de vício de inconstitucionalidade, por afetar o tratamento isonômico. Cumpre lembrar o precedente do salário-maternidade, [. . .]. Aqui, a situação é idêntica, pois o escopo da proteção social é a proteção universal a quaisquer pessoas que se encontrem em condição de risco de subsistência, e não é razoável se admitir que a renda familiar no valor de R$ 360,00 (à época da EC 20/98) indique ter a família condições de manter-se sem o benefício do auxílio-reclusão, ainda mais quando não se leva em conta o número de pessoas a ser mantida. (CASTRO, LAZZARI. 2014, p. 824)

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a alteração constitucional foi de extrema infelicidade, pois exclui a proteção de diversos dependentes, cujos segurados estão fora do limite de baixa renda. Esta distinção, para o auxílio-reclusão, não tem razão de ser, pois tais dependentes poderão enfrentar situação difícil, com a perda da remuneração do segurado. Pessoalmente, considero a citada alteração inconstitucional, pois contraria regra geral da Lei Maior que prevê a impossibilidade da pena ultrapassar o condenado (art. 5.º, XLV, CRFB/88). (IBRAHIM, 2007, p. 570)

Não há razão para que tenha sido inserida na legislação a restrição de beneficiários, principalmente por haver previsão de fonte de custeio para tanto. Porém, como já mencionado inicialmente, o benefício é polêmico. E, talvez uma das justificativas seja, até mesmo, contentar a população crítica em relação às supostas ‘benesses’ aos presos. Correntes volumosas em redes sociais e na imprensa menos informada criam tempestades na sociedade ao fazerem afirmações que demonstram total desconhecimento da norma que prevê o benefício. A falta de conhecimento dos critérios para a concessão e, principalmente, dos verdadeiros beneficiários dos benefícios leva à conclusões equivocadas.

A par disso, tramita na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 304/13, de autoria da deputada Antônia Lúcia (PSC-AC), que prevê a extinção do benefício e a destinação dos recursos hoje usados para o pagamento do auxílio-reclusão à vítima do crime, quando sobreviver, ou para a família, no caso de morte. Faz parte da PEC a previsão de um enquete que busca saber se os internautas são favoráveis ou contrários ao fim do pagamento do auxílio-reclusão e à criação de um benefício para as vítimas dos crimes. O novo benefício, de acordo com o texto da Proposta, seria pago à pessoa vítima de crime pelo período em que ela ficar afastada da atividade que garanta seu sustento. A deputada defende a aprovação do projeto, ressaltando que não haveria previsão de auxílio para vítimas de criminosos e suas famílias, acreditando que o fato de o criminoso saber que sua família não ficará ao total desamparo se ele for recolhido à prisão pode facilitar na decisão de cometer um crime. A PEC foi analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara em dezembro de 2013 e teve parecer de admissibilidade do Relator, Deputado Andre Moura (PSC-SE). Aguarda, ainda, o prosseguimento.

Não obstante a existência da PEC e outras normas ordinárias a tratarem do tema, certo é que o benefício está inserido na Carta Constitucional como um direito fundamental, não podendo ser abolido. Entretanto, não surpreenderá se, seguindo o exemplo da Emenda Constitucional nº 20/98 no que tange ao desrespeito aos princípios constitucionais decorrentes, nova alteração vier a,

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de fato, modificar totalmente ou extinguir o auxílio-reclusão, ignorando sempre o bem maior protegido pelo benefício, qual seja, o dependente.

4 Considerações finais

A alteração realizada em relação à concessão do benefício de auxílio-reclusão pela Emenda Constitucional nº 20/98 contraria vários princípios constitucionais, sendo o maior deles, o respeito à vida e à dignidade da pessoa humana, pois retira – deliberadamente – de dependentes de detentos as condições de sustento e sobrevivência.

Diz-se deliberadamente, pois há custeio para o benefício. A ordem da Constituição Federal que determina que nenhum benefício poderá ser criado ou majorado sem a competência fonte de custeio deve ser analisada inversamente. O benefício em análise, considerando que originalmente protegia a todos os segurados, sem qualquer restrição, possui fonte de custeio suficiente à manutenção, na lista de habilitados ao auxílio-reclusão, aos dependentes de todos os segurados da Previdência Social. O fato de ter sido limitado o seu atendimento, contraria a recíproca do mandamento constitucional, pois não pode, reduzir ou extinguir beneficio, sem que igualmente seja diminuída a contribuição.

O auxílio-reclusão, benefício previdenciário destinado aos dependentes do segurado, tem como principal objetivo garantir aos familiares uma vida minimamente digna. Diminuir a amplitude deste benefício ou extingui-lo do ordenamento jurídico brasileiro consiste em grave retrocesso da proteção social e das conquistas obtidas neste campo. Como bem assevera Zuba, “enquanto houver o risco social, não se pode restringir os direitos que lhe asseguram proteção, sob pena de violação do Princípio da Vedação ao Retroceso”. (ZUBA, 2013, p. 137)

Conforme Zuba, políticas econômicas e sociais possibilitariam a redução do risco protegido pela previdência social. (ZUBA, 2013, p. 138). Levando este pensamento ao caso específico do auxílio-reclusão, entra-se numa seara muito mais grave e problemática que qualquer outro benefício oferecido pela Previdência Social. Para diminuir o risco protegido por este benefício necessária se faz uma completa transformação cultural, econômica e social, desde a base da sociedade até o sistema carcerário brasileiro. No entanto, tão longe se está desta solução que, segue e seguirá sempre presente este risco social e, como tal, não pode ter retirada do ordenamento jurídico a sua proteção.

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Referências

ALVES, Helio Gustavo. Auxílio-reclusão: direitos dos presos e de seus familiares. São Paulo: LTr, 2007. 120 p.

CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. 1367 p.

HORVATH, Miriam Vasconcelos Fiaux. Auxílio-reclusão. São Paulo: Quartier Latin, 2005. 160 p.

IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 10ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2007. 932 p.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 1999.

ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2014. 647 p.

ROCHA, Daniel Machado da Rocha. O Direito Fundamental à Previdência Social na perspectiva dos princípios constitucionais diretivos do sistema previdenciário brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. 227 p. RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de Previdência Social. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983. 538 p.

SARLET. Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 5ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. 464 p.

TSUTUYA, Augusto Massayusi. Curso de Direito da Seguridade Social. São Paulo: Saraiva. 2007, 444 p.

ZUBA, Thais Maria Riedel de Resende. O direito previdenciário e o princípio da vedação do retrocesso. São Paulo: LTr, 2013. 149 p.

Referências

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