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DA MARGINALIDADE AO PROFISSIONALISMO: A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO SURF NA DÉCADA DE 1980

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DA MARGINALIDADE AO PROFISSIONALISMO: A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO SURF NA DÉCADA DE 1980

Artur Farkatt Tabosa de Melo (UFRN) arturfarkatt@gmail.com

RESUMO

O presente trabalho tem em vista investigar os fatores culturais e sociais que acarretaram na profissionalização do surf mundial. Pretende-se fazer uma breve análise do surgimento e expansão da prática na Califórnia, desde o início do século XX até a década de 1980, quando é perceptível a institucionalização do esporte no mundo. O surf, inicialmente visto como uma prática marginal, pela sociedade tradicional norte americana, no decorrer do século expandiu-se internacionalmente, graças a mídia e a sua inserção no mercado capitalista.

PALAVRAS CHAVE:

Surf; Califórnia; Profissionalização.

A história do surf, para além do Hawai – onde são percebidas as primeiras experiências práticas e espirituais entre os polinésios, nas quais cultos e atividades sociais eram baseadas nas forças marítimas da natureza –, normalmente é remetida ao hawaiano Duke Kahanamoku. Duke era um grande nadador que, em 1912, ao receber a medalha de ouro nos 100 metros livres nos Jogos Olimpicos de Estocolmo, na Suécia, ficou bastante famoso e foi convidado a viajar pela Europa, Austrália e Estados Unidos para fazer exibições, participando de provas de natação. No entanto, oficialmente, o responsável pela introdução do surfe na América foi um havaiano descendente de irlandeses chamado George Freeth. Ele foi convidado para uma demonstração na Califórnia, com o intuito de promover uma estrada de ferro da ​Los Angeles Railway e ficou conhecido como​The First Man to Surf in California (O Primeiro Homem a Surfar na Califórnia). Anterior a ele, há relatos de três jovens da realeza havaiana que, enviados para as universidades americanas

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em 1885, preenchiam as horas vagas dos estudos surfando na foz de um rio da Califórnia (KAMPION; BROWN; 1998).

Graças a essas exibições, a prática do surf foi logo aderida por alguns entusiastas da região, principalmente nas águas californianas. As pranchas, nesta época, já vinham sendo produzidas com materiais mais leves que as antigas pranchas “originais” havaianas – estas eram feitas de madeira dura, chegando a pesar 50 kg. O norte americano, ex aviador, Tom Blake, foi o "visionário" responsável por essa "evolução instrumental" do surf, construindo a sua "prancha oca de remar" baseada nos modelos das antigas pranchas dos nobres havaianos (KAMPION; BROWN; 1998).

A década de 1920 é marcada pela crescente prática do surf no Sul da Califórnia. Com a chegada da Depressão de 1930, a praia, um dos poucos locais gratuitos para ir, abraçava vários entusiastas em busca de diversão e da promessas de liberdade trazida pelo surf. Era também uma maneira de isolar-se da guerra e da estagnação econômica, desprender-se dos costumes da família tradicional norte americana. Nesse período, os jovens de classe média inspirados pelas exibições, pelas revistas de Tom Blake e de seu surf na Califórnia, começaram a produzir suas próprias pranchas.

“(Tom) Blake visitava anualmente o Havaí, continuando a viver no Sul da Califórnia, onde a cena de surf crescia. Inspirados por Freeth e Duke, e pelas revolucionárias pranchas ocas de Blake que facilitavam o surf, o número de "haoles da costa" (tal como eram chamados pelos havaianos) aumentou durante os loucos anos 20 e, quando chegou a Depressão nos anos 30, uma das poucas coisas que os miúdos sem dinheiro podiam fazer era ir para a praia (KAMPION; BROWN; 1998).” 1

As viagens, ​surftrips, também tornaram-se sonhos para os surfistas: surfar no Hawai, nas belas ondas de Duke, percorria seus imaginários. As histórias dos poucos que foram clandestinamente para a ilha, dos que viajaram de forma nômade em busca das melhores ondas, com pouco ou nada de dinheiro, tornaram-se espécies de lendas para os que surfam e marcaram fortemente seus estilos de vida. Vale salientar que o surf ainda se distanciava

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de outros esportes da primeira metade do século XX por sua falta de padronização, ainda não havia instituições que regulassem a prática.

Percebemos assim a formação de grupos de surf, situados principalmente no litoral californiano, que germinou em um processo de diferenciação social, que se firmariam de fato nos Estados Unidos na década 1960, na qual os surfistas formariam uma subcultura com regras, linguagens, heróis, lendas e simbologias específicas (KAMPION; BROWN; 1998). Por ​subcultura entendemos que há uma cultura dominante, correspondente à classe dominante nas sociedades capitalistas, e é com essa cultura que as demais – as culturas das classes subordinadas – entram em conflito. As subculturas são “estruturas menores, mais localizadas e diferenciadas” dentro da cultura de classe, e tem preocupações e características próprias, mas mantém, em maior ou menor grau, traços da cultura “paterna”(CLARKE; E; 1976).

Segundo Marcello Árias, o surgimento da indústria do surf só aconteceria anos mais tarde, na cena californiana dos anos 1950. Isso ocorreu em parte graças ao desenvolvimento econômico e tecnológico das duas grandes guerras do século XX (HOBSBAWM; 1995). Além do desenvolvimento das pranchas, na década de 1950 a indústria do surf explodiu na Califórnia. Nesse período, o mercado destinado ao surf começou a se formar e a ganhar identidade. Surgiram ​surf shops

​ , dá-se início a produção

filmes, também roupas e revistas especializadas ganharam força (KAMPION; BROWN; 1998).

A década de 1960, finalmente, é marcada pelo ​boom do surf nos Estados Unidos. É notável a investida na profissionalização e crescente absorção da subcultura surfista ao mercado capitalista. A indústria cinematográfica hollywoodiana inicia uma investida na fabricação de filmes que retratavam essa subcultura, essa nova camada social “marginalizada”, enquanto os surfistas também iniciam uma produção numa tentativa de mostrar a realidade da cultura do surf. As películas de Hollywood e seus enredos preocupam-se em construir/destruir a imagem do grupo surfista, como de “heróis” e ícones da juventude cujas atitudes não se enquadram nos tradicionais padrões de cultura norte americanos. Já as produções independentes, realizadas pelos próprios surfistas, se preocupam em registrar e assistir as manobras nas ondas (KAMPION, BROWN; 1998). Percebemos também auge do desenvolvimento expressivo da identidade do subgrupo dos surfistas. Como relata Árias:

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“A era pós-revolução ​minimodel (das pranchas pequenas) coincidiu com a era Vietnã e pós-Vietnã. Pela primeira vez o surf absorvia um movimento cultural mundial, o ​peace and love (paz e amor), e o reinterpretava conferindo-lhe um caráter híbrido, que misturava a pluralidade comportamental da juventude contemporânea com a singularidade característica dos movimentos que ocorreram no seio de nosso esporte. As grandes imagens psicodélicas apossaram-se do surf... Os cabelos foram ficando compridos à medida que as pranchas foram diminuindo de tamanho (ÁRIAS; 2002).”2

São elementos da contracultura, da década de 1960, incorporados pela subcultura do surf, e que lembram a década de 1930/40 na qual englobavam críticas genéricas à guerra, ao sistema aos valores da família tradicional, agora fazendo referências ao estilo​beatnik

​ , e

ao ideário ​hippie

​ . Também assimilou aos seus símbolos os cultos a religiões orientais,

fazendo o uso de drogas para “expandir o espírito”. Esses elementos eram responsáveis por criar estereótipos aos surfistas, já associados pelo senso comum a “vagabundos” ou “drogados”.

A década de 1970 é caracterizada pelo apogeu da economia norte americana, após uma longa temporada de estagnação. Pranchas são fabricadas em série e o acentuado consumismo dessa época acaba por incentivar a institucionalização do surf. A indústria cria, através da publicidade, os “surfistas profissionais”. O empresariado percebeu o poder de compra desse novo grupo social jovem. Nesse período a cultura do surf absorvida pela economia e instituições capitalistas norte americanas, graças a mídia, tornou-se expressiva no mundo dos negócios. A Califórnia, devido a crescente expansão no mercado do vestuário, tornou-se casa das mais diversas marcas e essa introdução de capital próspero teve consequências profundas em todos as esferas que envolvem o esporte. As empresas cada vez mais investem em equipes de atletas patrocinados, em patrocínios de eventos, na venda de produtos e acessórios destinados a prática do surf, vídeos, filmes, entre outros. O surf insere-se, aos poucos, na cultura ​pop.

​ Como aponta sociólogo Pierre Felix Bourdieu:

“[...] esse espaço dos esportes não é um universo fechado sobre si mesmo. Ele está inserido num universo de práticas e

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consumos, eles próprios estruturados e constituídos como sistema. Há boas razões para se tratar as práticas esportivas como um espaço relativamente autônomo, mas não se deve esquecer que esse espaço é o lugar de forças que não se aplicam só a ele. Quero simplesmente dizer que não se pode estudar o consumo esportivo, se quisermos chamá-lo assim, independentemente do consumo alimentar ou do consumo de lazer em geral (BOURDIEU, 1990).” 3

É, finalmente, na década de 1980 que a história da cultura do surf é marcada pela revitalização institucional do esporte. A transmissão e a espetacularização pelos veículos de comunicação de massas, como a revista e a televisão, mundializa a prática, efetivando sua institucionalização e profissionalização. Os campeonatos que se proliferam e são extremamente competitivos acabam edificando um forte sensacionalismo ao esporte. É também notável a descaracterização identitária da subcultura do surf dos anos anteriores. Revistas estrangeiras incrementavam o interesse pelo esporte, traziam novidades, difundiam gostos. As competições passaram, naquele momento, a congregar um conjunto de regras, numa tentativa de racionalização e padronização da prática. Nota-se, por fim, que na década de 1980, há uma tentativa de quebrar com a associação entre surfista e vagabundo, para autenticar ao surf uma prática “séria”, relevante, de profissionais sérios. Legitimado pela cultura ​pop

​ , ele está no cinema, na televisão, no mercado, a partir da venda dos mais

variados produtos e acessórios. O surf é profissionalizado, institucionalizado e é concretizado como esporte não apenas na Califórnia ou nos Estados Unidos, mas mundialmente.

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REFERÊNCIAS

ÀRIAS, M. ​Surf Gênese. A história da evolução do surf​. São Paulo : Alma Surf, 2002. BOURDIEU, P. ​Programa para uma sociologia do esporte​. In: Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 1990.

KAMPION, D.; BROWN, B. ​Stoked. Uma história da cultura do surf​. Lisboa : Difel, 1998. RIBEIRO, A. G. ​Uma História Social do Surfe​. Monografia – Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2003.

SOARES, R. F. ​O Surf nas Ondas da Mídia: Um estudo de Fluir nos anos 1980​. 2009. 281 f. Tese (Pós Graduação em Comunicação) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2009.

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