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Processo 6612/18.9T8GMR.S1 Data do documento 12 de janeiro de 2021 Relator Jorge Dias

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | CÍVEL

Acórdão

DESCRITORES

Sociedade comercial > Quota social > Cessão de quota > Usucapião > Direito de propriedade > Posse > Aquisição originária > Valores mobiliários

SUMÁRIO

I - “O Direito, para além do conjunto de normas reguladoras da vida em sociedade, plasmado nos vários diplomas legais - existência estática: “law in book” - abrange, também, as decisões proferidas pelos competentes órgãos responsáveis pela sua aplicação (Jurisprudência) e, ainda, a análise crítica que sobre estas duas vertentes se produz (Doutrina) — existência dinâmica: “law in action”.

II - Já em 1988 Menezes Cordeiro escrevia: “O Direito é um modo de resolver casos concretos. Assim sendo, ele sempre teve uma particular aptidão para aderir à realidade: mesmo quando desamparado pela reflexão dos juristas, o Direito foi, ao longo da História, procurando as soluções possíveis”.

III - A participação social, que corresponde a uma quota, é uma coisa, já que pode ser objeto de relações jurídicas (nomeadamente transmissão), logo pode ser apropriada ou objeto de direito de propriedade.

IV - As Unidades de Participação são suscetíveis de posse. E sendo suscetíveis de posse, podem ser adquiridas por usucapião, desde que verificados sejam os demais requisitos.

V - A pretensa aquisição da posse não pode ser justificada através de celebração de uma escritura, a aquisição da posse, antes deveria justificar-se através de atos correspondentes ao exercício da sua posse.

VI - Sendo as faculdades compreendidas na titularidade das UP as contempladas no artigo 7º, dos Estatutos do CITEVE: propor, discutir e votar em conselho geral os assuntos que interessem à vida do Centro; eleger e serem eleitos para os órgãos sociais do CITEVE; ter prioridade na realização de trabalhos solicitados ao Centro; beneficiar de preços preferenciais nos trabalhos realizados; ter prioridade nas ações de demonstração e a possibilidade de explorar industrialmente os resultados dos trabalhos realizados no Centro ou por iniciativa deste; beneficiar das regalias obtidas elo CITEVE e das facilidades nele criadas”, o

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exercício destas faculdades é que consubstanciavam atos de posse e constituiriam o “corpus” dessa mesma posse.

VII - Não tendo havido um exercício, atual ou potencial, de um poder de facto sobre a coisa, Unidades de Participação, não houve corpus, pelo que não se verificou o requisito fundamental para que pudesse vir a ocorrer aquisição originária por usucapião.

TEXTO INTEGRAL

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível

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ATP - ASSOCIAÇÃO TÊXTIL E VESTUÁRIO DE PORTUGAL, associação patronal, com sede na rua …, no edifício do …, nº …, NIPC 501…5, intentou contra o CENTRO TECNOLÓGICO DAS INDÚSTRIAS TÊXTIL E DO VESTUÁRIO DE PORTUGAL (CITEVE), pessoa coletiva de utilidade pública sem fins lucrativos, com sede na rua …, …, NIPC 502…6, a presente ação declarativa, sob a forma comum, tendo pedido seja declarada como legítima possuidora das 817 Unidades de Participação (UP), identificadas no artigo 38º, da petição inicial, e seja o Réu condenado a averbar no respetivo livro de registos das UP a posse da Autora sobre esses títulos e a abster-se de praticar todo e qualquer ato que dificulte ou obstaculize o exercício dos direitos inerentes a essas UP, designadamente os previstos nos artigos 7º e 8º dos seus estatutos.

Para tanto, alegou, em síntese, que:

a) A Autora é uma associação de empregadores, sem fins lucrativos, tendo por objeto a representação de todas as empresas singulares ou coletivas que no País exerçam a atividade de têxteis e vestuário ou outras atividades afins ou complementares e foi constituída para assegurar a defesa e a promoção dos legítimos interesses da atividade têxtil e de vestuário, resultando da fusão com a Associação Nacional das Empresas Têxteis – ANET e da anterior fusão entre a Associação Portuguesa das Indústrias de Malha e Confeção e a Associação Portuguesa de Têxteis e Vestuário, que, por sua vez, se havia fundido com a Associação Portuguesa dos Exportadores de Têxteis;

b) O Réu é uma pessoa coletiva de utilidade pública sem fins lucrativos, criada no âmbito do Decreto-Lei n.º 249/86, de 25.08, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 312/95, de 24.11;

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c) O Réu foi fundado por acordo constitutivo, celebrado em 08.05.1989, tendo os seus estatutos sido publicados no Diário da República, nº142, 3ª série, de 23.06.1989;

d) A Autora foi sócia fundadora do Réu e é dona e legítima possuidora de 72 UP;

e) As vicissitudes pelas quais o setor têxtil e vestuário atravessou desde 1989, designadamente as de natureza económica, ditaram a extinção de muitas das empresas têxteis que aderiram ao projeto de criação do CITEVE e foram suas sócias fundadoras;

f) Constatando-se, em 2017, que, pelo menos, 231 empresas, detentoras de um total de 817 UP, tinham sido declaradas insolventes ou tinham sido dissolvidas e liquidadas, sem que tivesse sido dado qualquer destino às UP que estas detinham, ficando assim essas empresas impossibilitadas de exercerem os direitos e obrigações inerentes às UP de que erem titulares, designadamente de participarem e deliberarem nos órgãos sociais e na vida do CITEVE, não obstante continuarem a constar como titulares dessas UP no respetivo livro de registo do CITEVE;

g) Tal teve como consequência que o Estado, enquanto detentor de 1.206 UP, se tornou, contra a sua vontade, no sócio maioritário, dele passando a depender, direta ou indiretamente, todas as decisões dos órgãos sociais do CITEVE;

h) A Autora desenvolveu infindáveis diligências para contactar os administradores da massa insolvente das associadas do CITEVE, que tinham sido declaradas insolventes, assim como os liquidatários e/ou sócios das associadas que foram dissolvidas e liquidadas, com o intuito de adquirir as UP que estas detinham, tendo tais diligências sido votadas a um completo insucesso;

i) Face à inércia prolongada quanto a uma solução para este problema concreto e à inviabilidade de contacto dos titulares dessas UP e à sua livre transmissibilidade, a solução para esse impasse que foi considerada como sendo a mais adequada e exequível foi que a Autora, enquanto associação com maior representatividade no setor têxtil e do vestuário, tomasse para si essas UP, mediante o exercício de poderes possessórios, com vista à sua futura aquisição por via da usucapião, com isso se restabelecendo o normal funcionamento do CITEVE;

j) Assim, em 22.12.2016, a Direção da Autora reuniu-se e deliberou, por unanimidade, assumir a posse das 817 UP, pertencentes aos mencionados 231 associados fundadores do CITEVE;

k) A deliberação foi do seguinte teor:

(i) - Fazer suas as identificadas UP e assumir, desde logo, a sua posse, passando a usá-las, fruí-las e a delas dispor em termos de proprietária;

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(ii) - Que a inversão do título de posse das UP se fizesse com total transparência e de forma pública e pacífica, através da celebração de escritura pública onde ficasse expressa essa vontade de apropriação e a assunção da posse sobre as UP em termos de proprietária, e que, seguidamente, se procedesse à publicitação desse ato através da publicação desse instrumento num órgão de comunicação social;

l) A Direção da Autora deliberou ainda por unanimidade conferir poderes bastantes ao Presidente e Vice-Presidente da Direção para outorgarem a competente escritura notarial e para praticarem todos os atos e assinarem todos documentos adequados à consecução dos fins que decorrem da deliberação de apossamento das UP;

m) No dia 23.12.2016, no cartório notarial …, do Dr. AA, foi lavrada a escritura notarial de assunção da posse pela Autora das referidas UP;

n) Dessa escritura, a Autora fez constar que «[…] pela via da inversão do título de posse, se apossava das UPs, passando a usá-las e frui-las, pública e pacificamente, como se fosse proprietária das mesmas»;

o) Tendo ainda expressado a sua vontade de que pretendia fazer suas essas identificadas UP e que assumia, desde logo, a sua posse, passando a usá-las, frui-las e a delas dispor como proprietária;

p) E que por aquela escritura, a partir daquela data, reconhecia os referidos direitos sobre as UP que estavam identificadas no documento a ela anexo;

q) Seguidamente, a 29.12.2016, a Autora procedeu à publicação de um anúncio no jornal da localidade Opinião Pública, onde publicitou que se tinha apossado das UP, tendo ainda procedido à sua identificação e dos primitivos titulares;

r) Por carta datada de 04.01.2017 e recebida a 9 desse mês, a Direção da Autora comunicou ao Réu que se tinha apossado das UP e requereu o averbamento, em seu nome, das referidas 817 UP, pertencentes aos identificados 231 associados;

s) A resposta do CITEVE a esse pedido chegou a 21.07.2017, por carta datada de 30.06.2017;

t) E na qual, em síntese, comunicou que se recusa a reconhecer a Autora como possuidora das UP e a aceder ao seu pedido de averbamento das mesmas em seu nome;

u) Em resposta a essa missiva, a 01.08.2017, a Direção da Autora fez chegar ao Réu uma carta a referir-lhe que:

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«[…] não concordamos com a posição de V. Exas., por considerarmos que a operação efetuada, de inversão do título de posse das Unidades de Participação, está em conformidade com a lei e os Estatutos do CITEVE, e só assim pôde ser realizada.

Como nos tinham informado da decisão de V. Exas. de solicitar um parecer jurídico, a ATP decidiu também proceder de igual modo, pelo que estamos a aguardar a sua elaboração.

Não obstante isso, continuaremos a atuar de forma correspondente ao exercício do direito de propriedade sobre essas Participações, pelo que, em face da posição assumida por V. Exas., iremos promover as diligências necessárias para obter a confirmação do direito que invocamos e para obstar a que se pratiquem atos que perturbem a posse da ATP sobre essas Participações.

Manteremos, como sempre, total abertura no diálogo e cooperação com V. Exas., e informá-los-emos regularmente sobre a evolução da situação»;

v) Em face do silêncio do CITEVE, a Autora, em 15.03.2018, remeteu nova comunicação ao seu Presidente com o seguinte teor:

«Exmos Snrs:

Em resposta à carta de V. Excias, datada de 30 de junho de 2017, onde nos foi transmitida a recusa do averbamento das 817 unidades de participação (UP’s) do CITEVE que relacionámos na nossa carta datada de 4 de janeiro de 2017, cumpre-nos referir o seguinte:

1. A posse das Unidades de Participação pela ATP

O firme propósito da ATP, no que se prende com as UP’s em questão, é, e sempre foi, o de, num primeiro momento, exercer sobre elas a posse em termos de proprietária durante certo lapso de tempo para depois, num segundo momento, vir a adquirir o direito de propriedade sobre as mesmas pela via da usucapião.

Foi com esse objetivo que, oportunamente, desencadeámos uma série de procedimentos - que foram suficientemente relatados na carta que dirigimos a V. Excias – e que configuram já verdadeiros atos possessórios das referidas UP’s praticados pela ATP: a Deliberação da ATP, de 22 de dezembro de 2016; e a escritura de justificação notarial de 23 de dezembro de 2016, apresentada ao CITEVE em 4 de janeiro de 2017.

Desta forma, a ATP praticou já atos possessórios sobre as UPs do CITEVE, mais concretamente: de modo reiterado e com publicidade, atos materiais que correspondem ao exercício do direito de propriedade (segundo o artigo 1251.º do Código Civil). E, assim, adquiriu originariamente a posse sobre as UPs no

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CITEVE (por apossamento, nos termos do artigo 1263.º, n.º 1, do Código Civil).

2. A necessidade de definição do destino das UP’s objeto de posse pela ATP

A insolvência ou liquidação de muitos associados deixou as respetivas UPs numa situação de abandono que subverte os princípios e pressupostos da criação e do funcionamento do CITEVE – nomeadamente o de ser obrigatoriamente o setor privado o motor do CITEVE.

Isto porque, a exclusão automática dos sócios em virtude da sua insolvência ou liquidação não foi acompanhada de nenhum procedimento de transmissão das respetivas unidades de participação, não obstante as tentativas frustradas de contacto com os ex-sócios.

E os ESTATUTOS do CITEVE não contêm qualquer preceito que defina, para este caso concreto, o destino a dar a estas UPs.

Definição que se impõe, pois não pode haver unidades de participação sem titular e a falta de exercício dos direitos sociais respeitantes a essas unidades de participação desvirtua o equilíbrio de interesses que esteve presente no momento da constituição do CITEVE e que condiciona todo o seu funcionamento.

Este vazio legal carece de uma solução urgente, sob pena de frustração dos interesses e necessidades que presidiram à criação dos Centros Tecnológicos, em geral, e do CITEVE, em especial.

3. A solução legal

A solução mais expedita, razoável e sem impedimentos legais, passa pela admissibilidade do exercício da posse sobre as UPs do CITEVE, num primeiro momento, e da posterior aquisição do direito de propriedade sobre as mesmas pela via do instituto da usucapião, num segundo momento.

Nessa medida, é nossa firme convicção que o CITEVE está obrigado a averbar no respetivo livro de registos das UP’s a posse da ATP sobre esses títulos e a abster-se de praticar todo e qualquer ato que possa dificultar ou obstaculizar a que possamos exercer os direitos e obrigações inerentes a essas UP’s, designadamente os previstos nos artigos 7º e 8º dos ESTATUTOS.

E assim sendo, não podemos deixar de reiterar a V. Excias o nosso pedido de averbamento da posse das UP’s no competente livro de registo do CITEVE.

Com os melhores cumprimentos. O Presidente da Direção»;

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x) Em abril de 2018, a Autora recebeu um aviso convocatório para uma reunião do Conselho Geral do CITEVE, a ter lugar no dia 23.04.2018, pelas 14 horas;

y) Na impossibilidade de se fazer representar por qualquer membro da Direção, a 16.04.2018, a Autora enviou uma carta ao Presidente do Conselho Geral do CITEVE a delegar a sua representação na sócia Associação dos Industriais de Cordoaria e Redes;

z) Aí mencionando que:

«Na impossibilidade de podermos comparecer na reunião do conselho geral que se vai realizar no próximo dia 23 de abril de 2018, pelas 14:00 horas, nos termos do artigo 16º, nº 3 dos estatutos e enquanto donos de 72 (setenta e duas) e possuidores de 817 (oito centos e dezassete) Unidades de Participação, comunica-se a V. Exa. que mandatamos a Associação dos Industriais de Cordoaria e Redes, com comunica-sede na rua … nº…., …, …. - … e NIPC 500…5, para nos representar nessa reunião, podendo discutir, propor e votar qualquer deliberação nos termos que entender.»

aa) Sucede que o Réu impediu que o associado, a quem a Autora delegou a sua representação, pudesse participar na reunião do Conselho Geral com os votos correspondentes às 817 UP de que esta era possuidora, aceitando apenas que esse seu representante participasse com os 72 votos que correspondiam às 61 UP que tinha subscrito e às 11 que tinha adquirido posteriormente;

bb) Conforme melhor consta da ata da reunião, logo no seu início, antes da leitura da convocatória e de se entrar na ordem do dia, o Presidente da Mesa do Conselho Geral do Réu, saudou os associados presentes e informou-os que: «[…] de acordo com o registo da lista de associados e respetivas unidades de participação, a ATP – Associação Têxtil e Vestuário de Portugal teria registadas 72 unidades de participação (U.P.)»;

cc) Na sequência desse anúncio, o associado a quem a Autora tinha delegado a sua representação, pediu a palavra para comunicar que: «[…] a ATP lhe delegara a representação na presente reunião, mas nos termos do mandato conferido seria suposto representar 72 U.P. de que são “donos” e 817 de que reclamam a posse. Uma vez que apenas foram reconhecidas as 72 U.P. (…) entendeu que a situação “colide abertamente” com o mandato que lhe foi conferido pela ATP e que não tinha condições para a representar nesta reunião. Acrescentou que a sua participação se circunscrevia à representação da AICR – Associação dos Industriais de Cordoaria e Redes»;

dd) A Autora foi impedida pelo Réu de participar na reunião e de exercer os direitos inerentes às 817 UP de que é possuidora, o que se traduz em mais um ato material do CITEVE de turbação da posse da Autora relativamente àquelas UP.

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*

Regularmente citado, o Réu CITEVE apresentou contestação, a fls. 104 a 117, onde, em síntese, alegou, como fundamentos de defesa, pela ordem seguinte, que:

1) O pedido formulado é legalmente inviável;

2) O pedido de averbamento é extemporâneo, por a pretensão agora formulada judicialmente (pedido de averbamento da posse) não coincidir com o que lhe foi feito antes da propositura da ação (pedido de averbamento da aquisição por usucapião);

3) A Autora não praticou atos de posse desde a data da celebração da escritura até à reunião do Conselho Geral do CITEVE de 23.04.2018;

4) A petição inicial é inepta ou por a causa de pedir ser ininteligível ou por ser insuficiente (para a aquisição por usucapião ou para a posse) ou omitir a alegação de factos essenciais ou por existir contradição entre o pedido e a causa de pedir;

5) Houve, na propositura da ação, preterição de litisconsórcio natural passivo, porque os demais associados têm direito a contradizer a pretensão da Autora, na medida em que podem vir a ser afetados na sua esfera jurídica, já que, por um lado, parte deles são os titulares das UP pretensamente apossadas e, por outro lado, quanto aos restantes, a eventual procedência da ação provocará uma modificação quanto aos termos da representação dos associados no CITEVE, assim como no Conselho Geral.

A título de impugnação, sustentou que a celebração da escritura e a propositura da presente ação constitui um expediente pelo qual a Autora se pretende apropriar de modo gratuito das UP, no valor nominal total de € 407.519,70, sem contribuição alguma da sua parte para o fundo social do CITEVE. Para além disso, invocou que a titularidade das UP (em caso de insolvência) nunca fica desconhecida, não podendo ser atribuídas a qualquer credor, mas apenas transacionadas pelo respetivo administrador da insolvência a outro associado nos termos e nas condições previstas nos Estatutos e, uma vez encerrada a liquidação sem que tenham sido objeto de qualquer transação, extinguem-se, acrescendo o valor representado pelas UP extintas proporcionalmente ao valor das restantes.

Terminou pedindo a procedência das exceções, com a consequente negação do provimento das pretensões da Autora.

(9)

*

Através do requerimento com a Ref.ª 31…1, a ANICEP/APIV – ASSOCIÇÃO NACIONAL DE INÚSTRIAS TÊXTIL E DE VESTUÁRIO DE PORTUGAL (ANICEP/APIV), CIPC 500…7, com sede na avenida …, …, …, deduziu o incidente de intervenção principal espontânea, tendo pedido seja admitida a intervir na presente ação por ter interesse paralelo ao da Ré, sustentando que a causa deve ser julgada totalmente improcedente (cfr. fls. 245 a 257).

Invocou, para tanto, que a Autora se arroga possuidora de 2 UP, anteriormente tituladas pela sociedade N.. & CA, L.da, sucedendo, no entanto, que essas participações foram por si adquiridas no âmbito do processo de insolvência relativo àquela, que pendeu no Juízo do Comércio de … – J…, sob o n.º 454/11.0… .

*

Notificados para se pronunciarem sobre a admissibilidade do incidente (cfr. fls. 261):

- A Autora opôs-se à intervenção requerida, com o fundamento de que, para além de ter sido deduzida de forma extemporânea, a Requerente não dispõe de um interesse igual ao do autor ou do réu que lhe permita figurar na ação em litisconsórcio (cfr. fls. 261 a 266);

- O Réu opôs-se, de igual modo, à intervenção, alegando a intempestividade do requerimento e, bem assim, o facto de a transação eventualmente celebrada com a N… & Cª., L.da, ser-lhe ineficaz, para além de inválida, tendo, por isso, sido recusado o averbamento da aquisição, como a Requerente teve oportuno conhecimento. Sem prejuízo, admitiu que a Requerente possa ter intervenção neste processo, não pelo incidente que deduziu, mas por consequência da exceção de preterição de litisconsórcio necessário passivo que arguiu em sede de contestação (cfr. fls. 267 a 270).

*

Através do requerimento com a Ref.ª 318…9, a ANICEP/APIV respondeu às oposições deduzidas pelas partes primitivas, pugnando pela tempestividade da dedução do incidente (cfr. fls. 289 a 293).

*

Por despacho de fls. 295 a 296, foi concedido à Autora a oportunidade para exercer o contraditório quanto à matéria de exceção articulada na contestação, faculdade de que se prevaleceu através do requerimento de fls. 300 a 315, com a Ref.ª 32…8.

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- Quanto à inviabilidade legal do pedido de averbamento, alegou que:

a) Por um lado, no caso, está em causa uma situação de cumulação real de pedidos, em que o averbamento constitui a consequência do pedido de reconhecimento da Autora como legítima possuidora das UP;

b) Por outro lado, no que se refere aos Estatutos, eles não contemplam qualquer disposição que impeça a aplicação do instituto da posse às participações sociais, o qual tem natureza imperativa e, desse modo, prevalece sobre as normas convencionais;

- Quanto à extemporaneidade do pedido de averbamento, alegou que:

c) Face à recusa do pedido de averbamento pela Ré, era desnecessário e inútil a renovação de um procedimento cuja resposta negativa se sabia de antemão;

d) O Réu não invocou qualquer norma, legal ou estatutária, de que resulte a obrigatoriedade do recurso a qualquer procedimento interno antes de se seguir via judicial;

- Quanto à ininteligibilidade da causa de pedir, sustentou que:

e) Em primeiro, a Ré interpretou convenientemente a causa de pedir articulada;

f) Em segundo, essa causa de pedir não constituiu na usucapião, mas apenas na posse, em cuja qualidade se pretende ver reconhecida, tendo reservado a invocação da inversão do título da posse apenas para o caso de se entender que não se verificam os requisitos de apossamento;

- Quanto à falta de causa de pedir, invocou que:

g) A posse pode existir independentemente de um poder físico sobre a coisa, sendo que a

posse de uma participação social concretiza-se pelo exercício de direitos sociais, não pressupondo o corpus da posse uma relação física;

h) A Autora exerceu atos possessórios quando deliberou a assunção da posse das UP em 22.12.2016, quando apresentou ao Réu a escritura em que corporizou a declaração de assunção da posse, quando reiterou a invocação da titularidade das UP na reunião do Conselho Geral de 23.04.2018 e quando propôs a presente ação;

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- Quanto à omissão de alegação de factos essenciais, reiterou as considerações antecedentes, tendo ainda acrescentado que:

i) As UP apossadas encontravam-se ao abandono, tendo as sociedades que as titulavam deixado de as possuir há mais de um ano, não exercendo os direitos sociais correspondentes;

- Quanto à ilegitimidade passiva, referiu que:

j) Tal como a ação está configurada, só o Réu tem interesse direto em contradizer, pois que o exercício dos direitos sociais relativos às UP tem aquele como único destinatário.

Com esse requerimento, juntou o douto parecer, da autoria da Professora Maria Rosa Epifânio, que consta de fls. 316/verso a fls. 335.

*

Por sua vez, o Réu CITEVE requereu a junção aos autos do douto parecer da autoria do Professor Doutor BB, que consta de fls. 340 a 363.

*

Por despacho de 08.07.2019 (cfr. fls. 365), foi determinada a notificação da Autora para indicar o valor atual das UP, ao que respondeu nos termos do requerimento com a Ref.ª 33…7 (cfr. fls. 366 a 369), matéria sobre a qual a Ré exerceu o contraditório respetivo, através do requerimento com a Ref.ª 33…6 (cfr. fls. 373).

*

Foi proferido despacho saneador no qual se decidiu:

“a) Julgo a ação totalmente improcedente, absolvendo o Réu CITEVE do pedido;

b) Julgo inverificados os pressupostos de condenação da Autora como litigante de má fé”.

Desse despacho/sentença recorreu a autora, recurso per saltum (art. 678 do CPC), recurso que foi admitido pelo relator, não havendo reclamação para a conferência, cumprido que foi o disposto no nº 5 do referido art. 678.

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“1. A sentença recorrida revela uma leitura formalista e redutora do corpus possessório, desconsiderando a especificidade do domínio de facto quando exercido sobre um bem incorpóreo, como é o caso das UP (Unidades de Participação) e não tomando em devida conta que entre o animus possidendi e o corpus intercede uma relação biunívoca: não há corpus sem animus, nem animus sem corpus;

2. A tutela possessória visa assegurar a defesa da paz pública, o valor da continuidade do exercício de posições jurídicas, a protecção da confiança do possuidor e a aparência da titularidade de um direito;

3. Para que se verifique uma situação possessória é irrelevante que o sujeito possuidor tenha, ou não, na sua esfera jurídica, uma causa legítima de domínio da coisa. Na primeira hipótese, a posse é causal; na segunda, é formal;

4. Ao contrário do que sucede na posse causal, na posse formal o sujeito apresenta-se desprovido do direito sobre a coisa, mas em ambos os casos, o conteúdo e os efeitos da posse são os mesmos. Assim, tanto pode invocar a posse aquele que tem o direito – p. ex., o proprietário – como aquele que não o tem – p. ex., o sujeito que se apossou do bem;

5. Nessa conformidade, a posse, mesmo quando causal, reveste-se de clara autonomia perante o direito de fundo, tanto no que se refere à sua constituição como às suas vicissitudes; por isso que, na sua constituição, é possível a aquisição da posse sem que haja a aquisição do direito, como sucede no apossamento;

6. De igual modo, pode transmitir-se o direito de fundo sem que a posse exista na esfera jurídica do transmitente, como é o de o sujeito que vende a coisa já ter perdido a posse pela permanência da posse de outrem por mais de um ano (art. 1267.º, n.º 1, al. a), do CC);

7. Pela mesma ordem de razões, a transmissão da posse não é pressuposto da transmissão do direito; em regra, a transmissão da posse é posterior à do direito, exigindo cedência da coisa pelo transmitente (art. 1267.º, n.º 1, al. c), com tradição material ou simbólica (art. 1263.º, al. b), ambos do CC);

8. Inversamente, pode haver transmissão da posse sem existência do direito de fundo na esfera jurídica do transmitente, como ocorre quando aquele que adquiriu posse por apossamento vende a coisa a terceiro;

9. No plano dos fenómenos extintivos a posse goza de autonomia relativamente ao direito de fundo, como é o caso da extinção deste por superveniência de aquisição tabular a favor de terceiro, mantendo-se, ainda assim, a posse;

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do direito;

11. Para que exista posse é necessária a verificação simultânea do corpus, enquanto subordinação da coisa à vontade de um sujeito, com início no momento da constituição da posse por apossamento, e do animus possidendi, consubstanciado na intenção do sujeito de exercer sobre a coisa, como seu titular, o direito real correspondente àquele domínio;

12. O art. 1251.º do CC consagra a concepção subjectiva da posse, co-envolvendo um elemento empírico – exercício de poderes de facto – e um elemento psicológico-jurídico – o animus de se comportar como titular de um direito real;

13. A posse, enquanto poder de facto sobre a coisa, não depende da sua detenção física; existe logo que a coisa entra na órbita de disponibilidade táctica do possuidor, no sentido em que que sobre ela pode exercer, querendo, poderes empíricos;

14. O que nesta sede releva é, tão-só, a circunstância de a coisa ingressar na esfera jurídica de disponibilidade do possuidor; a posse mantém-se não apenas enquanto durar a actuação correspondente ao exercício do direito, como também enquanto existir a possibilidade de a continuar, como resulta claramente dos arts. 1257.º, n.º 1, do CC e 1252 n.º 1, do CC (exercício da posse por intermédio de outrem);

15. Quando o objecto da posse não é uma coisa corpórea, como sucede com as UP dos autos, o corpus assume especial relevância como subordinação da coisa à vontade do sujeito, na medida em que ingresse na órbita de senhorio ou de interesse do possuidor;

16. Nos termos do disposto no art. 1263.º do CC, a posse adquire-se originariamente por apossamento ou inversão do título, na medida em que surge ex novo na esfera de disponibilidade do adquirente, não sendo geneticamente dependente de uma posse anterior;

17. Mesmo que tenha existido uma posse anterior (como acontece em todos os casos de usurpação), a posse do adquirente não provém dela, não tem causa nela, mas adquire-se contra ela ou apesar dela;

18. São requisitos do apossamento a materialidade, a reiteração e a publicidade;

19. A materialidade é entendida como um poder de facto, não necessariamente material ou físico, num sentido relacional de contacto corpóreo ou semelhante, mas de disponibilidade fáctica tomada em sentido sócio-cultural;

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é entendida como acto de intensidade mínima originadora de uma sujeição prolongada da coisa ao possuidor;

21. A publicidade consubstancia-se na prática dos poderes empíricos sobre a coisa de forma pública, à vista de todos quantos participam no círculo social onde o domínio é exercido, não sendo exigível, porém, nenhum consensus populi sobre a titularidade do direito; nesta asserção, a publicidade não legitima a posse, antes exclui a clandestinidade da prática reiterada em que assenta;

22. Por isso que, nos termos do disposto no art. 1262.º do CC, a posse é pública se exercida de modo a ser conhecida pelos interessados; é oculta quando os interessados a não possam conhecer;

23. Nos termos do disposto no art. 1252.º do CC, a posse presume-se quando alguém exerce um poder de facto sobre a coisa, segundo um critério de aparência que resolve a dúvida a favor de quem publicamente aparente ser possuidor;

24. Nos termos do art. 125.7º, n.º 2, do CC, adquirida a posse, presume-se a sua manutenção enquanto o possuidor conservar a possibilidade de actuar sobre a coisa; o “corpus” permanece como espiritualizado, enquanto o possuidor tiver a possibilidade de o exercer;

25. Verificado o apossamento, a posse anterior cessa após um ano e um dia de duração da nova posse, nos termos do art. 1267.º, n.º 1, al. d) do CC, podendo novo possuidor usar a coisa possuída, sem que lhe seja exigível a prática de todos os actos materiais qualificativos do direito;

26. A insolvência ou liquidação de muitos associados do CITEVE deixou as respectivas UP numa situação de abandono que subverte os princípios e pressupostos da criação e do funcionamento do Réu – nomeadamente, a obrigatoriedade do domínio do sector privado no conjunto da participação associativa;

27. Apesar das múltiplas diligências encetadas pela Autora, o Réu não observou nenhum procedimento de transmissão das UP desses associados, que assim foram deixadas sem titular, com a correspondente falta de exercício dos direitos sociais e consequente desvirtuamento dos princípios da criação e pressupostos de funcionamento do CITEVE;

28. Nesse circunstancialismo, e para obviar às descritas consequências gravosas daí advenientes, a Autora, em face da inércia e desinteresse do Réu e à míngua de melhor solução, decidiu adquirir a posse das UP;

29. As UP são participações associativas com uma natureza próxima ou semelhante à das quotas das sociedades por quotas ou às acções das sociedades anónimas, sendo, por isso, coisas móveis incorpóreas;

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existência no mundo material, ainda que não sejam apreensíveis pelo pelos sentidos;

31. As UP, enquanto objecto de direitos, são res jurídica: são susceptíveis de ser objecto de uma relação jurídica (art. 202.º, n.º 1, CC), gozam de autonomia económica, e podem ser apropriadas exclusivamente por um sujeito prosseguindo interesses humanos;

32. Os direitos reais podem incidir sobre coisas incorpóreas – cfr., v.g., Orlando de Carvalho, Direito das Coisas, 2012, pg. 190; Santos Justo, Direitos Reais, 4.ª ed.,

33. A maioria da doutrina sustenta que as participações sociais podem ser objecto de posse – cfr., Adelino da Palma Carlos, Parecer, in Colectânea de Jurisprudência, ano 8, t. 1, pg. 8 e ss; João Gralheiro, “Da Usucapibilidade das Quotas Sociais” in ROA, ano 59 (1999), vol. III, pg. 1141 e ss; Soveral Martins, Cláusulas do Contrato de Sociedade que Limitam a Transmissibilidade das Acções. Sobre os arts. 328.º e 329.º do CSC, 2006, pg. 294; Margarida Costa Andrade, in Código das Sociedades Comerciais em Comentário (coord. de Coutinho de Abreu), vol. I, 2010, pgs. 376 e 377; J. Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, vol. II, 5.ª ed., 2015, pg. 316; Vasco da Gama Lobo Xavier, Parecer de Outubro de 1998 apud João Gralheiro, ob. cit.; Maria do Rosário Epifânio, fls. 25 e ss do parecer junto aos autos e BB, em parecer igualmente junto aos autos (fls. 20);

34. Também a jurisprudência admite o exercício da posse sobre participações sociais. Vejam-se, entre outros, o Ac. STJ de 25.9.90 (Bol. 399.º - 499); Acs. RL de 16.4.75 (Bol. 247.º-207) e de 04.06.99 (CJ, ano 24, t. 3, pg. 129); Ac. RP de 19.2.87 (CJ, ano 12, t. 1, pg. 239);

35. Consequentemente, as UP enquanto participações sociais que são, podem ser objecto de posse e os seus titulares gozam da respectiva tutela, como, aliás, é admitido na sentença recorrida e reconhecido no parecer de BB junto pelo Réu;

36. De entre os modos de aquisição da posse, o caso em apreço é subsumível na al. a) do art. 1263.º CC - o apossamento, outrora designado de “investidura”;

37. Com efeito, resulta da matéria de facto dada como provada a prática pela Autora de actos materiais sobre as UP, de modo reiterado e com publicidade;

38. Desde logo, quando a sua Direcção deliberou, em 22 de Dezembro de 2016, a assunção da posse das UP; depois, quando outorgou a escritura de “reconhecimento de direito” de fls… e a apresentou ao Réu; ainda quando requereu, por mais de uma vez, o averbamento em seu nome, e, finalmente quando, na reunião do Conselho Geral do CITEVE, invocando expressamente a qualidade de possuidora, pretendem exercer o direito de voto correspondente a essas UP;

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39. Trata-se, manifestamente, de actos pelos quais se materializa e concretiza a posse da Autora sobre as UP, posse essa que é de boa-fé, pacífica e pública (art. 1260.º, n.º 1, 1261.º, n.º 1 e 1262.º, todos do CC);

40. Sendo certo que a concepção subjectiva consagrada no nosso ordenamento jurídico espiritualiza a posse, com a acentuação da importância do animus possidendi e a desvalorização do corpus – cfr., Santos Justo, Direitos Reais, 2.ª ed., pgs. 149-150 e Orlando de Carvalho, Introdução à Posse, RLJ, ano 124.º, pg. 261;

41. Vale isto por dizer que o corpus não é uma situação material strictu sensu; o que se exige é que a coisa esteja subordinada à vontade do sujeito, i.e., que ingresse na órbita do senhorio ou de interesse do possuidor, o que, sendo válido em tese geral, se justifica, por maioria de razão, no caso dos autos em que o objecto da posse é um bem imaterial;

42. Como assinala J. Oliveira Ascensão, se a intenção que o art. 1251.º do CC refere “tiver o sentido de declaração do agente sobre a própria posse, então é também exteriorização e vale como elemento objectivo” (in Direito Civil – Reais, 5.ª ed., pg. 88);

43. Temos assim que os factos assentes nos autos (todos eles provados documentalmente) integram, juridicamente qualificados, os elementos constitutivos da posse: o corpus e o animus possessório das UP, pelo que é de concluir estar demonstrada a aquisição originária por apossamento;

44. A manutenção ininterrupta por mais de um ano da posse sobre as UP tornada publicamente pela Autora, implica a perda da posse pelos anteriores possuidores, mesmo contra a vontade destes (art. 1267.º, al. d), CC);

45. Tendo os anteriores possuidores perdido a posse das UP para a Autora, não releva para a solução jurídica do pleito a questão de apurar se essa perda decorreu de uma situação de abandono (como propugna a Autora) ou de outra causa; o que está em causa é a posse actual das UP pela Autora, e não a situação jurídica das sociedades associadas do Réu que perderam essa mesma posse, pela posse de mais de um ano da Autora;

46. Como tal são irrelevantes as considerações tecidas na sentença recorrida, em termos de obiter dictum, sobre as eventuais vias ao dispor do Réu para obstar à situação de abandono;

47. Sem embargo, desde logo, o recurso ao instituto da posse não encontra nenhum impedimento e, depois, mesmo que assim não fosse, a lei, como fonte normativa hierarquicamente superior, sempre prevaleceria sobre qualquer disposição estatutária;

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interesses fundamentais: um de organização (ligado à continuidade da coisa possuída na esfera do domínio em que se encontra; o outro, de conhecimento (ligado à presunção de dominialidade que se prende ao facto da posse” (Santos Justo, Direitos Reais, 4.ª ed., 2012, pg. 205) – carece de tutela, e essa protecção conferida pela ordem jurídica não pode ser contrariada por nenhuma disposição convencional;

49. Tendo adquirido originariamente a posse (por apossamento) das UP, a Autora tem direito a ser mantida na sua posse contra os actos de turbação praticados pelo Réu (arts. 1277.º e 1278.º do CC);

50. Ao decidir em sentido contrário, a sentença recorrida violou as disposições legais supra citadas;

51. Nos termos do n.º 1 do art. 678,º do CPC, requer-se que o presente recurso suba directamente ao Supremo Tribunal de Justiça;

52. Mostram-se verificados os requisitos cumulativos do recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça: i) o valor da causa é superior à alçada da Relação; ii) o valor da sucumbência é superior a metade da alçada da Relação; iii) não impugna qualquer decisão interlocutória (cfr. als. a), b), c) e d) do n.º 2 co art. 678.º do CPC).

TERMOS EM QUE, no provimento do recurso como confiadamente se espera venha a resultar do subido critério de Vossas Excelências, requer-se a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que julgue a acção procedente”.

Contra-alegou o réu, concluindo:

“I - Ao basear, como o fez, toda a narrativa das suas Alegações e as Conclusões nas mesmas insertas em factos que afirma terem sido dados como provados, mas que como tal não foram considerados, consequentemente não constando da matéria dada como assente, bem como ao alterar e mesmo deturpar, ostensiva, mas capciosamente, outros factos dados como provados, de modo a ir ao encontro dos seus propósitos, está, de facto, a Recorrente a pretender recorrer também de facto e não só de direito.

II - Das próprias Conclusões da Recorrente decorrendo, inequivocamente, não se encontrarem verificados os quatro requisitos cumulativos do recurso "per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça, não invocando, precisamente, aquela que só houvesse alegado questões de direito.

III - As questões suscitadas nas alegações da Recorrente ultrapassam, assim, o âmbito da Revista, pelo que deve ser determinado, nos termos do previsto no n° 4 do artigo 678° do Código de Processo Civil, que o processo baixe à Relação, a fim de o processo ser aí processado como Recurso de Apelação, nos lermos do disposto nos artigos 644° e seguintes do mesmo Código.

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IV - Impugnando implicitamente, como resulta evidente do anteriormente expendido e das Conclusões anteriores, a Recorrente a decisão relativa à matéria de facto deveria ter a mesma especificado, nos termos do disposto no n° 1 do artigo 640° do Código de Processo Civil:

d) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

e) Os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

f) A decisão que, no seu entender- deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

V - Não tendo a Recorrente inserido tais especificações nas suas Alegações, deverá ser desde logo rejeitado o Recurso nos termos do previsto na mesma disposição legal, seja qual for a instância que o aprecie.

VI - Caso, o que não concede nem concebe o Recorrido, viesse a ser considerado cingir-se o Recurso à apreciação de matéria de direito e fosse, por absurdo, dado provimento ao mesmo, a verdade é que, ao contrário do requerido pelo Recorrido, nunca poderia a decisão recorrida ser substituída por outra que julgasse a acção procedente.

VII - Devendo, nessa eventualidade e caso seja considerado como legalmente admissível, o que se não concede nem concebe também, o averbamento e o exercício de direitos inerentes às UP de que a Recorrente peticiona ser declarada possuidora nos autos com base apenas na posse das mesmas, isso sim, ser ordenada a baixa ao Tribunal recorrido, quer o mesmo seja tramitado como Revista, quer o seja como Apelação, como, designadamente, resulta inequívoco do disposto quanto ao primeiro caso da conjugação do previsto nos n°s. 2 e 3 do artigo 682° do Código de Processo Civil e quanto ao segundo, "a contrario" do disposto no n" 2 do artigo 665° do mesmo Código.

VIII - Admissibilidade legal essa de averbamento e de exercício de direitos que, porém, não existe, pois tal é apenas inerente ao direito de propriedade sobre as UP.

IX - Sendo, como são, inadmissíveis esses averbamentos o exercício de direitos peticionados pela Recorrente com base numa pretensa posse, deverá, porém e consequentemente, desde já ser o presente Recurso rejeitado por esse motivo.

X - Caso assim não seja entendido, o que, de igual modo, se não concede nem concebe, deverá ser o mesmo de igual modo rejeitado e confirmada a sentença absolutória da Recorrida tendo em atenção a fundamentação nela inserta, à qual adere e para a qual remete, quanto a não reconduzirem os actos da Recorrente nela dados como assentes à existência de posse sobre as UP em causa.

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XI - Carecendo, por outro lado e em absoluto, o alegado pela Recorrente nas suas Alegações e nas Conclusões das mesmas de qualquer sustentação cie facto e de direito.

XII - Sendo de assinalar, em complemento, que resulta bem clara a impossibilidade da situação de abandono das UP do CITÈVE, incluindo as em causa nos autos, invocada pela Recorrente e a existência de mecanismos estatutariamente estabelecidos no teor do Parecer junto elaborado pelo Senhor Professor BB, Digníssimo Professor da faculdade de Direito da Universidade de Coimbra intitulado "Exoneração de associado do CITEVE- a perda da qualidade de associado nos casos de declaração de insolvência e de dissolução de sociedade (interpretação do art. 9º do Estatuto),

XIII - Bem como a absoluta falta de suporte legal e estatutário para as pretensões apresentadas pela Recorrente quer no teor desse Parecer, quer no daquele reputado jurisconsulto também oportunamente junto aos autos intitulado "Posse e aquisição por usucapião de unidades de participação do CITEVE, elaborado na sequência da recepção pelo Recorrido da carta datada de 4 de Janeiro de 2017referida no ponto 7 da " Fundamentação de de facto" da sentença recorrida,

XIV - Havendo a referir ainda que, de qualquer modo, não só a falta de alegação por parte da Recorrente junto dos 231 titulares das 817 UP's em causa nos presentes autos da sua intenção de actuar como titular do direito arrogado, como a falta de intervenção das mesmas na presente acção sempre inquinaria irremediavelmente a possibilidade da procedência das pretensões daquela, violando a eventual interpretação contrária do ordenamento jurídico pertinente quer os princípios gerais legais e constitucionais, como o artigo 62° da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos e nos demais melhores de direito aplicáveis e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser negado provimento ao presente Recurso, confirmando, consequentemente, a sentença recorrida”.

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O recurso foi admitido, nos art. 678, do CPC, com subida nos autos e efeito devolutivo (despacho notificado às partes).

Dispensados os vistos cumpre apreciar e decidir.

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“Fundamentação de facto

Fruto de prova documental (em especial, dos documentos n.ºs 1, 2, 3, 5, 6, 8, 9 e 10, 11 e 12, juntos com a petição inicial) e das posições das partes constantes dos respetivos articulados, encontra-se já assente que:

1. A Autora é uma associação de empregadores, sem fins lucrativos, tendo por objeto a representação de todas as empresas singulares ou coletivas que no País exerçam a atividade de têxteis e vestuário ou outras atividades afins ou complementares e foi constituída para assegurar a defesa e a promoção dos legítimos interesses da atividade têxtil e de vestuário.

2. O Réu CITEVE foi fundado por acordo constitutivo, celebrado em 08.05.1989.

3. A lista das entidades que subscreveram as unidades de participação no património associativo e que outorgaram o acordo constitutivo consta dos Estatutos que foram publicados no Diário da República e do livro de registo das UP do CITEVE.

4. A Autora foi sócia fundadora do CITEVE.

5. No dia 23.12.2016, no Cartório Notarial …, do Dr. AA, foi lavrada a escritura notarial, intitulada «Reconhecimento de Direito», coligida fls. 49/verso a fls. 52, cujo conteúdo se dá por reproduzido, do qual consta, entre o mais, o seguinte:

«(…) face ao elevado número de empresas que ficaram insolventes ou que foram liquidadas e dissolvidas, deixando as UP que detinham em total abandono e tendo em conta que essas sociedades não podem ser contactadas nem podem praticar qualquer ato ou manifestar qualquer vontade com relevância jurídica, só é viável fazer-se a passagem dessas UP para a ATP pelo recurso ao instituto da usucapião, adquirindo esta a propriedade das mesmas pela via da inversão do título de posse e passando a usá-las e frui-las, pública e pacificamente, como proprietária das mesmas.

As UP em causa são as que constam e estão discriminadas no documento em anexo.

Assim, a ATP faz suas essas identificadas UP e assume, desde já, a sua posse, passando a usá-las, fruí-las e delas dispor como proprietária plena.»

6. A 29.12.2016, a Autora procedeu à publicação de um anúncio no jornal Opinião Pública, onde publicitou que:

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pertenciam às sociedades abaixo listadas, as quais se encontram em situação de abandono. Mais se informa que a aquisição dessas Unidades de Participação foi consumada, titulada e publicitada através de instrumento notarial lavrado no passado dia 23 de dezembro, no Cartório Notarial … (…), passando a usá-las e fruí-usá-las, pública e pacificamente, como proprietária das mesmas.»

7. Por carta datada de 04.01.2017 e recebida a 09.01.2017, a Direção da Autora enviou ao Réu a carta que consta de fls. 74/verso a 79/verso, cujo conteúdo se dá por reproduzido, concluindo no sentido de: «notificar o CITEVE da aquisição das referidas UP e solicitar que as mesmas sejam averbadas em nome da ATP no competente livro de registo das UP.»

8. O Réu respondeu à Autora através da carta que consta de fls. 66, datada de 13.04.2018, cujo conteúdo se dá por reproduzido, concluindo que: «não pode este Conselho de Administração fazê-lo, em face da Lei, dos Estatutos do CITEVE e do modo como está obrigado a exercer os seus poderes.»

9. Por missiva de 01.08.2017, a Direção da Autora fez chegar ao Réu a carta que consta de fls. 63/verso a 64/verso, cujo conteúdo se dá por reproduzido.

10. Em abril de 2018, a Autora recebeu um aviso convocatório para uma reunião do Conselho Geral do CITEVE, a ter lugar no dia 23.04.2018, pelas 14 horas.

11. A 16.04.2018, a Autora enviou uma carta ao Presidente do Conselho Geral do CITEVE, constante de fls. 66, a delegar a sua representação na sócia Associação dos Industriais de Cordoaria e Redes, aí mencionando que:

«Na impossibilidade de podermos comparecer na reunião do conselho geral que se vai realizar no próximo dia 23 de abril de 2018, pelas 14:00 horas, nos termos do artigo 16º, nº 3 dos estatutos e enquanto donos de 72 (setenta e duas) e possuidores de 817 (oito centos e dezassete) Unidades de Participação, comunica-se a V. Exa. que mandatamos a Associação dos Industriais de Cordoaria e Redes, com comunica-sede na rua …, …, …- … e NIPC 500…5, para nos representar nessa reunião, podendo discutir, propor e votar qualquer deliberação nos termos que entender.»

12. Da ata n.º 70 da reunião realizada a 23.04.2018 do CITEVE, de fls. 67 a 70, cujo conteúdo se dá por reproduzido, consta o seguinte: «O Sr. Presidente da Mesa (…) esclareceu que, de acordo com o registo da lista de associados e respetivas unidades de participação, a ATP – Associação Têxtil e Vestuário de Portugal teria registadas 72 unidades de participação (U.P.).»

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São as questões suscitadas pelo recorrente e constantes das respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 608, 635, nº 3 a 5 e 639, nº 1, do C.P.C.

A recorrente questiona:

- O abandono da posse das UP (Unidades de Participação do CITEVE) pelos anteriores titulares associados do CITEVE, por insolvência ou liquidação e, consequente perda dessa mesma posse;

- Aquisição e exercício da posse, sobre essas UP, pela autora/recorrente, consistente na prática reiterada, com publicidade, de atos materiais consistentes em, (conclusão 38) “Desde logo, quando a sua Direção deliberou, em 22 de Dezembro de 2016, a assunção da posse das UP; depois, quando outorgou a escritura de “reconhecimento de direito” de fls… e a apresentou ao Réu; ainda quando requereu, por mais de uma vez, o averbamento em seu nome, e, finalmente quando, na reunião do Conselho Geral do CITEVE, invocando expressamente a qualidade de possuidora, pretendem exercer o direito de voto correspondente a essas UP”.

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- Antes de nos debruçarmos sobre as questões suscitadas pela recorrente, a latere, sobre a suscetibilidade de posse sobre as UP, diremos:

Face a uma conceção atualista e tendo em conta a evolução dos direitos imateriais, cada vez mais abrangentes face ao incremento do digital (tendo em conta toda a potencialidade da internet) a resposta tem de ser positiva. As coisas incorpóreas são suscetíveis de posse, de abandono e, de apossamento por terceiros.

Longe vai a época em que se limitavam os atos de posse às coisas corpóreas. Como se lhe referia o Ac. da Rel. do Porto, de 06-11-1990, no Proc. nº 0409664 “-O conceito de posse do artigo 1251 do Código Civil rejeita a sua extensão às coisas incorpóreas, designadamente ao direito à herança”.

Assim como temos por ultrapassada a doutrina dos Profs. P. de Lima e A. Varela, em anotação ao art. 1251 do CC anotado, vol. III, “Cremos, no entanto, que os direitos reais referidos neste art. 1251 são apenas os que incidem sobre coisas corpóreas, e que têm, por esse facto, direta regulamentação no Código”.

Porém, entende-se a linha de pensamento destes Profs. ao referirem que as coisas incorpóreas não são suscetíveis de posse, (Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed., pág. 2): “…todo o instituto da posse está estruturado no sentido da proteção daquelas situações em que as relações do titular com a coisa são exclusivas e afastam a possibilidade de existência de iguais situações por parte de outros indivíduos. Ora,

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isso só pode verificar-se em relação às coisas corpóreas. Os direitos de autor, bem como a propriedade industrial, porque incidem sobre coisas incorpóreas, podem ser exercidos sobre um número ilimitado de pessoas”.

Mas já o Prof. Orlando de Carvalho, (Direito das Coisas, Coimbra Ed., 2012, pág. 272) refere que, “…a sensibilidade dominial evoluiu e, hoje…o conceito de coisa estende-se às coisas incorpóreas e complexas”, que podem ser objeto de posse.

João Carlos Gralheiro in DA USUCAPIBILIDADE DAS QUOTAS SOCIAIS, verbojurídico.net, diz, “O Direito, para além do conjunto de normas reguladoras da vida em sociedade, plasmado nos vários diplomas legais -existência estática: “law in book” - abrange, também, as decisões proferidas pelos competentes órgãos responsáveis pela sua aplicação (Jurisprudência) e, ainda, a análise crítica que sobre estas duas vertentes se produz (Doutrina) — existência dinâmica: “law in action”.

E acrescenta, “Agora, já não é, somente, a questão da propriedade sobre as coisas móveis ou imóveis que é determinante, também é decisivo a questão da dominialidade sobre as sociedades, ao ponto de se poder hoje afirmar que, mais importante do que se ser proprietário de uma “Quinta no Douro”, é ter participações sociais nas sociedades que exploram e comercializam o “Vinho do Porto”. Ora, como essa dominialidade social se opera através da titularidade das participações sociais, é hodiernamente primordial a questão da propriedade sobre as participações sociais”.

E já em 1988 Menezes Cordeiro escrevia: “O Direito é um modo de resolver casos concretos. Assim sendo, ele sempre teve uma particular aptidão para aderir à realidade: mesmo quando desamparado pela reflexão dos juristas, o Direito foi, ao longo da História, procurando as soluções possíveis” - in “Ciência do Direito e Metodologia Jurídica nos Finais do Século XX” in ROA, Ano 48 (1988), pp. 697-768.

No caso concreto estamos perante denominadas UP (Unidades de Participação) e, concordamos com o exposto no Parecer do Prof. Cassiano Santos, junto aos autos, quando refere que estas UP, “apesar de se denominarem “unidades de participação”, não se reconduzem a unidades de participação do tipo dos fundos de investimento, correspondendo antes a participações numa estrutura associativa, que se aproxima das participações sociais das sociedades e dos ACE [Agrupamentos Complementares de Empresas]- não se limitam a ser, nem, em bom rigor, conferem, sequer, participação num património”.

E assim, a participação social, que corresponde a uma quota, é uma coisa, já que pode ser objeto de relações jurídicas (nomeadamente transmissão), logo pode ser apropriada ou objeto de direito de propriedade.

Mas, a participação social não deixará de ser coisa incorpórea, ou mediatamente corpórea, como lhe chama João Carlos Gralheiro in local cit. porque, “embora se não corporize na relação imediata entre o

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titular e a(s) coisa(s) que compõe(m) o património social, é através dela que o sócio exerce a dominialidade, por interposta pessoa (a sociedade) sobre tal(is) coisa(s)”.

E a titularidade da UP corresponde à propriedade e, o proprietário tem a posse e algo mais. A propriedade é o direito real de usar, fruir, dispor e reivindicar a coisa sobre a qual recai – art. 1305 do CC, enquanto a posse é o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade – art. 1251 do CC.

Assim que, as UP são suscetíveis de posse.

E sendo suscetíveis de posse, podem ser adquiridas por usucapião, desde que verificados sejam os demais requisitos.

O Cód. Civil, no art. 1303 refere-se a casos de direito de propriedade sobre bens incorpóreos, como sejam, os direitos de autor e propriedade industrial os quais estão sujeitos a regime especial e só, subsidiariamente, lhes são aplicáveis as normas do CC.

E outras situações há, como seja o caso do estabelecimento mercantil (este pode considerar-se, no seu todo, como um misto de coisa corpórea e incorpórea) que, enquanto tal, formado pelo todo, é suscetível de verdadeira propriedade ou, verdadeiro domínio. O Ac. da Rel. de Co., de 17-10-2017, no Proc. nº 235/11.0TBMIR.C1, considerou, e bem, que “I- Um estabelecimento comercial – enquanto unidade económica e jurídica que há muito vem sendo reconhecida – pode ser objeto de posse e, como tal, pode ser adquirido por usucapião”.

Temos que a relação entre o titular da UP e esta, é uma relação de propriedade.

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- O abandono da posse das UP pelos anteriores titulares associados do CITEVE, por insolvência ou liquidação e, consequente perda dessa mesma posse;

Entende a recorrente que os anteriores associados do CITEVE, por insolvência ou liquidação abandonaram a posse das UP que possuíam.

O art. 1267 do CC indica como casos de perda da posse, o abandono e a posse de outrem.

Mas para efeitos da perda da posse, o abandono pressupõe um ato material praticado intencionalmente de rejeição da coisa ou do direito – P. Lima e A. Varela em anotação ao art. 1267.

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mas com sentido idêntico ocorre relativamente à propriedade de coisas incorpóreas.

Mas não basta a inação ou inércia do titular para que se considere o abandono da posse.

Assim que, in casu, só após a constituição de nova posse de ano e dia em benefício de terceiro (alegadamente a autora), haverá perda da posse pelo anterior titular.

Conforme Ac. do STJ de 19-09-2017, no Proc. nº 120/14.4T8EPS.G1.S1, “- A posse adquire-se, nomeadamente, pela prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito, mantém-se enquanto durar essa atuação ou a possibilidade de a continuar, podendo aquele que houver sucedido na posse de outrem por título diverso da sucessão por morte juntar à sua a posse do antecessor (arts. 1251.º, 1252.º, 1256.º, 1257.º e 1263.º do CC). E, por via do constituto possessório, se o titular do direito real transmitir esse direito a outrem, a sua posse não deixa de considerar-se transferida para o adquirente, ainda que, por qualquer causa, aquele continue a deter a coisa ou esta, à data do negócio translativo do direito, for detida/ocupada por um terceiro (art. 1264.º do CC)”.

Assim é no domínio das coisas materiais (corpóreas), mas mesmo aqui a tendência começa a ir no sentido da prevalência do registo, donde resulta verdade, confiança e exatidão.

“Conhecer a situação jurídica dos bens - e em especial dos imóveis - é, como todos sabemos, a função elementar de qualquer registo que, no mínimo, deverá possibilitar a universal oponibilidade dos direitos reais” – Mouteira Guerreiro, “A usucapião e o registo: devemos repensar o tema?” in Revista Eletrónica de Direito, que acrescenta, “o Registo é um instrumento moderno, ajustável à realidade, à funcionalidade e à tecnologia do tempo presente, que generalizada e simultaneamente informa (também on-line) e garante e que, portanto, como parece evidente, todos ‘temos obrigação’ de defender, mas que, entre nós, deveria merecer uma bem maior atenção por parte da doutrina e, quiçá principalmente, da jurisprudência”.

Isto também para referir a cada vez mais imprescindível necessidade da forma.

No caso vertente, havendo inscrição de aquisição das UP a favor de pessoa diferente (a favor de sociedade insolvente ou liquidada), a pretensa adquirente lançou mão da escritura de justificação. Mas a escritura de justificação só supriria a intervenção dos titulares inscritos se não houvesse documentos comprovativos de aquisição da propriedade.

Mas conforme facto 3 provado existe uma lista de subscritores das UP, “3. A lista das entidades que subscreveram as unidades de participação no património associativo e que outorgaram o acordo constitutivo consta dos Estatutos que foram publicados no Diário da República e do livro de registo das UP do CITEVE”.

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Não se justifica notarialmente um pretenso abandono da coisa (e in caso já referimos ser impossível o abandono de coisas incorpóreas) e, a pretensa adquirente da posse não pode querer justificar, através de celebração de escritura, a aquisição da posse, antes deveria justificar os atos correspondentes ao exercício da sua posse.

Refere o art. 89 do Cód. Notariado que, “-Justificação para estabelecimento do trato sucessivo no registo predial:

1 - A justificação, para os efeitos do n.º 1 do artigo 116.º do Código do Registo Predial, consiste na declaração, feita pelo interessado, em que este se afirme, com exclusão de outrem, titular do direito que se arroga, especificando a causa da sua aquisição e referindo as razões que o impossibilitam de a comprovar pelos meios normais”.

No caso não foi celebrada nenhuma escritura de justificação, mas apenas uma escritura, conforme ponto 5 dos provados, “intitulada «Reconhecimento de Direito»”, em que a recorrente diz que faz suas as UP, “Assim, a ATP faz suas essas identificadas UP e assume, desde já, a sua posse, passando a usá-las, fruí-las e delas dispor como proprietária plena”.

A recorrente não justifica a posse, mas antes pretende justificar a aquisição.

Se a tendência hoje em dia vai no sentido da relevância do registo e fazer dele o culminar de processo aquisitivo, a recorrente pretende extrair esse valor de processo aquisitivo de uma simples escritura declarativa em que se intitula nova dona, passando a usar, fruir e dispor “como proprietária plena”.

- Aquisição e exercício da posse, sobre as UP em causa, pela autora/recorrente:

Entende a recorrente que fez aquisição e exerceu a posse, sobre as UP, porque, de forma reiterada, com publicidade, praticou atos materiais consistentes que se traduziram em: - (conclusão 38) “Desde logo, quando a sua Direção deliberou, em 22 de Dezembro de 2016, a assunção da posse das UP; depois, quando outorgou a escritura de “reconhecimento de direito” de fls… e a apresentou ao Réu; ainda quando requereu, por mais de uma vez, o averbamento em seu nome, e, finalmente quando, na reunião do Conselho Geral do CITEVE, invocando expressamente a qualidade de possuidora, pretendem exercer o direito de voto correspondente a essas UP”.

Concordamos com a fundamentação da sentença quando refere a inexistência de atos de posse. Os atos de posse, in casu, revelar-se-iam, nomeadamente, na prática de atos correspondentes ao exercício de participação que as UP concediam ao titular.

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Usucapibilidade das Quotas Sociais, in Revista da Ordem dos Advogados, 1999, p. 1147, pronunciando-se sobre a posse de quotas sociais, escreve que «(…) o comportamento dos titulares da quota, correspondente ao exercício do direito de propriedade sobre ela, pelas várias formas que pode revestir (participar nas assembleias, votar, eleger e ser eleito, cobrar dividendos, etc.), configura uma verdadeira posse sobre ela» (destacado nosso). Soveral Martins, in Cláusulas do Contrato de Sociedade que Limitam a Transmissibilidade das Acções. Sobre os arts. 328.º e 329.º do CSC, Almedina, Coimbra, 2006, p. 295, sustenta que a posse de uma participação social (em termos de direito de propriedade ou de outro direito real) concretiza-se, fundamentalmente, através do exercício dos direitos sociais pela forma correspondente ao direito de propriedade sobre a mesma (direito ao lucro, direito de voto, direito de informação, entre outros), não sendo necessária a apreensão do título, mas apenas o exercício dos direitos (e o cumprimento dos deveres) inerentes à qualidade de sócio como titular da participação social. Margarida Costa Andrade, in Código das Sociedades Comerciais em Comentário (coord. de Coutinho de Abreu), vol. I, Almedina, Coimbra, 2010, p. 375. escreve que o corpus possessório sobre uma participação social não exige que se pratiquem atos materiais ou físicos sobre a coisa, bastando que um terceiro vote, receba os lucros, use da preferência para adquirir novas ações, requeira informações, constitua um usufruto ou um penhor como se fosse sócio”.

E acrescenta: “Daqui retira-se que, no caso de participação social, a atuação possessória não terá que recair materialmente sobre a coisa (até porque, no caso das UP, não existe), mas haverá de traduzir-se em factos que deverão incidir sobre essa coisa, reveladores do exercício de direitos compreendidos na titularidade daquelas e, portanto, de uma disponibilidade de facto por parte do possuidor.

Ora, no caso concreto, as faculdades compreendidas na titularidade de UP são as contempladas no artigo 7º, dos Estatutos do CITEVE: propor, discutir e votar em conselho geral os assuntos que interessem à vida do Centro; eleger e serem eleitos para os órgãos sociais do CITEVE; ter prioridade na realização de trabalhos solicitados ao Centro; beneficiar de preços preferenciais nos trabalhos realizados; ter prioridade nas ações de demonstração e a possibilidade de explorar industrialmente os resultados dos trabalhos realizados no Centro ou por iniciativa deste; beneficiar das regalias obtidas elo CITEVE e das facilidades nele criadas”. O exercício destas faculdades é que consubstanciavam atos de posse e constituiriam o “corpus” dessa mesma posse.

“… na situação sub judice, é uma pretensão da parte da Autora em se apossar das UP; porém, não existe a prática de atos materiais suscetíveis de integrar o corpus possessório, a permitir inferir que aquela tenha a qualidade de possuidora”.

Concluímos com João Carlos Gralheiro, “… parece que não podem resultar dúvidas sobre a admissibilidade legal da aquisição por usucapião de quotas sociais, pelo que os actos praticados pelos sócios, designadamente, participando em assembleias, votando, sendo eleitos, subscrevendo aumentos de capital social, etc., feitos de uma forma permanente, durante um certo lapso de tempo, à vista de toda a gente e

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sem oposição de ninguém, como se de uma coisa (ou direito) própria(o) se tratasse e na convicção de que não ofendiam direitos de terceiros, permitir-lhes-á a invocação da aquisição originária dos seus direitos de propriedade sobre as quotas, por usucapião”.

Mas no caso em analise, os pretensos atos de posse (constantes dos factos provados e alegados no recurso) não consubstanciam um exercício da posse (com exceção da tentativa de votar na assembleia). Podia ser muita a intenção, “animus possidendi”, mas essa intenção não se materializou em atos objetivos suscetíveis de serem categorizados como corpus.

A posse decompõe-se em dois elementos, o «corpus» e o «animus» e a doutrina e jurisprudência definem o corpus como o exercício atual ou potencial de um poder de facto sobre a coisa, enquanto o animus possidendi se carateriza como a intenção de agir como titular do direito correspondente aos atos realizados.

O «corpus» traduz-se no poder de facto- arts. 1252, 1253 do Cód. Civil- sobre a coisa, a influência que se exerce sobre a coisa. Pode não ser uma influência direta, pois como refere o Prof. Oliveira Ascensão in "Direitos Reais" pág. 243 "a fruição não exige contacto material efetivo, mas quando muito, a possibilidade desse contacto"; refere ainda este Professor que há "corpus" enquanto a coisa estiver submetida à vontade do sujeito, de tal modo que este possa renovar a atuação material sobre ela, querendo.

No mesmo sentido, vasta jurisprudência, nomeadamente os Ac. do STJ de 21-10-2010, no proc. nº 120/2000.S1, de 06-04-2017, no proc. nº 1578/11.9TBVNG.P1.S1e AUJ de 14-05-1996, no Proc. nº 085204.

No caso não houve exercício atual ou potencial de um poder de facto sobre a coisa - UP-, não houve corpus, pelo que não se verificou o requisito fundamental para que pudesse vir a ocorrer aquisição originária por usucapião.

Assim que o recurso há-de ser julgado improcedente.

*

Sumário elaborado nos termos do art. 663 nº 7 do CPC:

I - “O Direito, para além do conjunto de normas reguladoras da vida em sociedade, plasmado nos vários diplomas legais - existência estática: “law in book” - abrange, também, as decisões proferidas pelos competentes órgãos responsáveis pela sua aplicação (Jurisprudência) e, ainda, a análise crítica que sobre estas duas vertentes se produz (Doutrina) — existência dinâmica: “law in action”.

Referências

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