APLICAÇÃO DE CFD NA SIMULAÇÃO DO PROCESSO DE
PULTRUSÃO DE COMPÓSITOS POLIMÉRICOS.
Rogério L. Pagano1, Verônica Calado2, Evaristo C. Biscaia1*
1 Programa de Engenharia Química da COPPE/UFRJ – rpagano@peq.coppe.ufrj.br; 2Escola de Química da UFRJ -
calado@eq.ufrj.br; 1* Programa de Engenharia Química da COPPE/UFRJ, Centro de Tecnologia - Bloco G - Sala
G-115, Caixa postal 68502, 21941-914, Ilha do Fundão - Rio de Janeiro/RJ - evaristo@peq.coppe.ufrj.br
Simulation of pultrusion process of polymer composites using CFD.
A three-dimensional model for pultrusion process was simulated using a finite volume procedure implemented on CFX®, where the equations of continuity and energy transport were solved. An autocatalytic model was used to describe
the curing behavior of an epoxy resin. Temperature and degree of cure profiles in both axial and radial directions in a cylindrical composite were determined and the influence of the pulling speed on temperature and degree of cure profiles was examined.
Introdução
Os compósitos poliméricos são formados por uma matriz termorrígida ou termoplástica e um reforço. As matrizes termorrígidas mais utilizadas são as resinas epóxi, poliésteres e fenólicas. Com relação aos reforços, podemos citar as fibras de vidro e de carbono. Esses compósitos podem ser manufaturados por diferentes processos industriais, dentre os quais situa-se a pultrusão, que é um processo de produção de compósitos poliméricos de seção transversal constante. Nesse processo, a fibra, após ser impregnada com a resina, passa através de um molde pré-aquecido no qual ocorre o processo de cura. A Figura 1 ilustra esquematicamente o processo. Entre as principais vantagens desse método estão a alta produtividade e o baixo custo de operação.
Figura 1 – Esquema do processo de pultrusão.
Durante o processamento, o fluxo de calor fornecido pelo molde deve ser suficiente para promover a reação de polimerização da matriz termorrígida (cura). Além disso, a cura de um compósito deve ser uniforme e suficiente para proporcionar uma boa qualidade do produto final. Outros parâmetros importantes para o processo são: fração volumétrica de fibras, perfil de
fibras Banho de resina molde corte tracionador
temperatura do molde e velocidade de tração. Devido à característica exotérmica da reação de cura, a temperatura no interior do compósito pode atingir temperaturas superiores àquelas impostas pelo ciclo de cura. Essa elevação de temperatura pode causar degradação do produto final. Desse modo, a simulação do processo apresenta grande importância na predição da temperatura e do grau de cura.
Um dos primeiros trabalhos nessa área foi apresentado por Han et al. (1986). Os autores desenvolveram um modelo matemático para o processo de pultrusão, empregando o método de diferenças finitas, e estudaram diversas distribuições de temperaturas ao longo do molde. Gorthala
et al. (1994) apresentaram um estudo sobre as principais variáveis do processo. Os autores
realizaram uma discussão detalhada sobre a influência da velocidade de tração, do tipo de fibra e da fração volumétrica da fibra sobre a conversão e a temperatura final do produto. Moschiar et al. (1996) realizaram um estudo sobre as principais variáveis do processo de pultrusão: temperatura, grau de cura e viscosidade da resina. Utilizaram o método de diferenças finitas para resolver o sistema e obtiveram uma boa concordância com os dados experimentais para baixas velocidades de tração do conjunto resina-fibra através do molde.
Liu e Hillier (1999) utilizaram um pacote baseado em elementos finitos para simular o processo. Utilizaram uma geometria do tipo viga em I pultrudada. Um outro trabalho utilizando o método de elementos finitos foi apresentado por Coelho e Calado (2002). Nesse trabalho, os autores realizaram uma otimização do processo com o simulated annealing com o intuito de descobrir a velocidade de tração e o ciclo de cura ótimos. Sarrionadia et al. (2002) obtiveram dados experimentais para a pultrusão de uma resina acrílica. Resolveram a equação da continuidade e o balanço de energia por diferenças finitas. Pagano et al. (2006) também utilizaram esse método e obtiveram boa concordância com os resultados experimentais obtidos da literatura.
Santiago et al. (2003) realizaram a simulação desse processo utilizando o método de elementos finitos para duas resinas: uma epóxi e outra poliéster. Realizaram também um estudo da influência da velocidade de tração na temperatura do processo, além de realizar a comparação com dados experimentais. Carlone et al. (2006) estudaram a pultrusão realizando a comparação entre dois métodos: diferenças finitas e elementos finitos. Os dois métodos descreveram satisfatoriamente os dados experimentais; entretanto, o método de elementos finitos requer uma quantidade menor de pontos de discretização.
Nenhum trabalho é encontrado na literatura utilizando o CFX® para a simulação dos perfis
de temperatura e cura no processo de pultrusão. O CFX® é um pacote numérico utilizado na área de
trabalho é apresentar a modelagem e simulação do processo de pultrusão através do CFX. Foram determinados os perfis de temperatura e do grau de cura no interior do compósito e verificada a influência da velocidade de tração nas características do produto final.
Modelagem Matemática
O modelo para o processo de pultrusão é formado pelas equações da continuidade e da energia. As hipóteses utilizadas na modelagem são: a resina e fibra apresentam a mesma temperatura em qualquer ponto na malha - ou seja, o material é considerado homogêneo; a velocidade de tração da fibra é constante; a influência da pressão na reação do processo é desprezada; e um modelo tridimensional transiente é utilizado.
Cinética de reação
Considerando as hipóteses acima e adicionando o termo de reação, a equação da continuidade para a resina será expressa por:
(
ρ)
ρ α ρ R U . tR +∇ R = R ∂ ∂ (1)em que ρ é massa específica, U é o vetor velocidade, Rα é a taxa de reação e o subscrito R refere-se
à resina.
A taxa de reação utilizada neste trabalho é do tipo autocatalítica, proposta por Kamal e Sourour (1973). Esse modelo de taxa descreve a cinética de reações de polimerização de compósitos que apresentam uma taxa máxima quando a conversão do processo se aproxima de 0,3. Esse modelo está apresentado na Equação 2.
(
)
n m RT E RT E e A e A Rα α −α + = − − 1 2 1 2 1 (2)sendo A1 e A2 os parâmetros pré-exponenciais, E1 e E2 as energias de ativação e m e n constantes
que fornecem a ordem da reação.
Balanço de energia
O balanço de energia é dado por:
( )
(
)
(
)
(
)
α ρ ρ ρ R H T k . Uh . t h R R R R =∇ ∇ + −∆ ∇ + ∂ ∂ (3) em que h é a entalpia específica do sistema, k é a condutividade térmica do material e ∆H é o calor de reação para a resina utilizada.O cálculo das propriedades físicas foi expresso conforme descrito por Sarrionandia et al. (2002); ou seja, as características do produto final consistem da mistura da resina e da fibra. As relações utilizadas para obter as propriedades físicas do compósito são:
f f r rρ +φ ρ φ = ρ f f r r k k k φ + φ = 1
em que
φ
é a fração volumétrica e os subscritos r e f se referem à resina e à fibra, respectivamente.Condições de Contorno e Iniciais
Uma geometria cilíndrica é assumida para o processo de pultrusão. Devido à simetria do processo, a simulação foi realizada em uma fatia de 30º do cilindro; essa abordagem diminui a quantidade de volumes utilizados nos cálculos e, conseqüentemente, a memória e o tempo gastos nos cálculos. A Figura 2 apresenta a geometria utilizada nos cálculos.
Figura 2 – Geometria e contornos da malha utilizada para simulação.
As condições iniciais do processo transiente foram obtidas a partir da solução do sistema de equações para o estado estacionário, assumindo as seguintes condições iniciais para esse sistema: (i) ausência de conversão na resina e (ii) a temperatura do sistema está em equilíbrio com o ambiente. Matematicamente, temos:
Tw(x,y,z,0) = Tambiente e α(x,y,z,0) = 0
Os perfiis de temperatura e de grau de cura obtidos por esse procedimento para todos os pontos da malha foram inseridos como a condição inicial do processo transiente. Esse procedimento evita erros na iniciação do sistema, visto que o grau de cura não é nulo em toda a extensão do molde, mesmo em temperatura ambiente.
Como condições de contorno na entrada e na saída do molde, as velocidades de tração do compósito foram inseridas no programa. A temperatura de alimentação foi fixada como a temperatura ambiente. Com relação à parede do molde, o perfil do ciclo de cura adotado foi inserido
com uma linguagem de programação intrínseca do CFX®. O sistema algébrico resultante da
Saída do molde Parede do molde Plano de simetria Entrada no molde
Resultados e Discussão
A geometria cilíndrica foi utilizada para as simulações com um comprimento de molde de 1,524 m e raio de 0,635 cm; a malha utilizada, após refinamento, possui um total de 92.095 tetraedros. Uma resina epóxi, juntamente com fibras de vidro, foi utilizada para produzir o compósito. As propriedades físicas utilizadas neste trabalho, bem como os parâmetros cinéticos, estão apresentados nas Tabelas 1 e 2.
Tabela 1 – Propriedades físicas da resina e fibras (HAN et al., 1986)
Material Massa específica kg m-3 Calor específico J kg-1 K-1 Condutividade térmica W m-1 K-1
resina epóxi 1200 1883 0,20
fibra de vidro 2560 670 1,04
fibra de carbono 1790 712 8,70
Tabela 2 – Parâmetros cinéticos do modelo autocatalítico (HAN et al., 1986)
∆H, J g-1 4370 A1, min-1 3,412×1014 A1, min-1 5,167×1010 E1, cal mol-1 2,557×104 E2, cal mol-1 1,793×104 m 0,58 N 1,42 A temperatura da parede do molde foi implementada por um ajuste polinomial de quinto
grau. A velocidade de tração usada nas simulações foi 3 mm s-1, o que implica em um tempo de
residência do compósito dentro do molde de aproximadamente 8,5 minutos. Os perfis de temperatura e de grau de cura em 3D obtidos a 0,5, 1, 3 e 5 min estão apresentados na Figura 3. Após 30 s do processo, o fluxo de calor elevada a temperatura do compósito e, consequentemente, inicia a reação de cura, Figura 3 (a) e (e). Um minuto após iniciado o processo, a parte central do compósito está totalmente curada, Figura 3 (b) e (f), e com a homogeneização da temperatura no compósito, a frente de cura total avança sobre o material até que no fim de cinco minutos, Figura 3 (d) e (h); a peça na saída do molde atinge a conversão total.
(a) (e)
(b) (f)
As Figuras 4 e 5 apresentam os resultados de temperatura e de grau de cura em quatro pontos radiais internos do compósito ao longo do eixo axial para os mesmos intervalos de tempo descritos anteriormente. O perfil da condição de contorno utilizado no presente trabalho pode ser visualizado na Figura 4. Inicialmente, o compósito está sendo aquecido pelo molde, Figura 4 (a) e (b); entretanto, na Figura 4 (c) pode ser notada a influência do calor liberado pela reação de cura do compósito. Após cinco minutos, o processo alcança o estado estacionário e o perfil de temperatura não sofre mais alterações com o tempo. Como o processo de cura finaliza na metade inicial do molde, não existe mais nenhum incremento de energia no processo e o compósito tende a entrar em equilíbrio com o ambiente. Assim, na saída do molde, o produto está em temperatura ambiente, o que é excelente. 0.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0 1.2 1.4 1.6 280 300 320 340 360 380 400 420 440 460 T (K ) z (m) r = 0.00 r = 0.25R r = 0.50R r = 0.75R Tw (a) 0.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0 1.2 1.4 1.6 280 300 320 340 360 380 400 420 440 460 T ( K ) z (m) r = 0.00 r = 0.25R r = 0.50R r = 0.75R Tw (b) 0.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0 1.2 1.4 1.6 280 300 320 340 360 380 400 420 440 460 r = 0.00 r = 0.25R r = 0.50R r = 0.75R Tw T (K ) z (m) (c) 0.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0 1.2 1.4 1.6 280 300 320 340 360 380 400 420 440 460 r = 0.00 r = 0.25R r = 0.50R r = 0.75R Tw T ( K ) z (m) (d)
0.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0 1.2 1.4 1.6 0.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0 α z (m) r = 0.00 r = 0.25R r = 0.50R r = 0.75R r = R (a) 0.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0 1.2 1.4 1.6 0.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0 r = 0.00 r = 0.25R r = 0.50R r = 0.75R r = R α z (m) (b) 0.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0 1.2 1.4 1.6 0.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0 r = 0.00 r = 0.25R r = 0.50R r = 0.75R r = R α z (m) (c) 0.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0 1.2 1.4 1.6 0.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0 r = 0.00 r = 0.25R r = 0.50R r = 0.75R r = R α z (m) (d)
Figura 5 – Perfis de grau de cura no compósito para 4 pontos radiais internos em: (a) 0,5 min, (b) 1 min, (c) 3 min e (d) 5 min.
Na Figura 5, pode ser observado que após 1 minuto de processo, a cura total do compósito aparece entre 0,7 e 0,9 m na direção axial do molde. Entretanto, após cinco minutos, observa-se que um molde de 0,6 m seria suficiente para que todo o compósito alcançasse uma completa cura no processo. Uma outra observação é o intervalo onde ocorre a reação de cura, aproximadamente entre 0,4 m e 0,6 m, que coincide com a alteração do perfil de temperatura na Figura 4. A temperatura do molde e a velocidade de tração são duas variáveis de grande importância no processo. Uma otimização do processo pode levar essas duas variáveis em consideração para obter um produto final com boas qualidades, além de evitar gastos desnecessários de energia, como observado na figura anterior (Figura 4). Para estudar a influência da velocidade de tração nos perfis de temperatura e de grau de cura, foi realizada uma simulação com uma velocidade de tração de 6 mm
no centro do compósito. Como pode ser observado, com o aumento de velocidade, o tamanho do molde necessário para uma conversão completa da resina agora é aproximadamente 0,8 m. Entretanto, o comprimento do molde utilizado para simulação é de 1,524 m; portanto, essa velocidade de tração poderia ser aumentada sem prejuízos na qualidade final do produto com relação à cura. 0.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0 1.2 1.4 1.6 280 300 320 340 360 380 400 420 440 460 T( K) z (m) 3 mm/s 6 mm/s (a) 0.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0 1.2 1.4 1.6 0.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0 α z (m) 3 mm/s 6 mm/s (b)
Figura 6 – Influência da velocidade de tração nas características do produto final: (a) temperatura e (b) grau de cura no centro do compósito.
Esse estudo mostra a utilidade do simulador para aumentar a eficiência do sistema, porém um estudo criterioso da otimização do processo de pultrusão será desenvolvido em uma próxima etapa deste trabalho. A utilização de algoritmos não determinísticos para descobrir quais as melhores condições de operação também será abordada, além da obtenção de dados experimentais para a validação das simulações.
Conclusões
A simulação do processo de pultrusão utilizando o método dos volumes finitos e uma geometria cilíndrica foi realizada com sucesso. Os resultados apresentados mostram a eficácia da
aplicação do CFX® na simulação do processo de pultrusão de compósitos poliméricos. Embora a
reação tenha se completado rapidamente, o calor gerado pela reação de cura durante o processamento do compósito influenciou o perfil de temperatura. No entanto, o acréscimo ocorrido de temperatura, utilizando os parâmetros cinéticos da literatura, não provocou efeitos indesejáveis no produto. A velocidade de tração poderia ser aumentada sem prejuízos na qualidade final do produto com relação à cura. A obtenção de dados experimentais para validação das simulações será a próxima etapa do trabalho, como também a realização de uma otimização do processo, através dos
principais parâmetros do processo, utilizando algoritmos não determinísticos para encontrar o extremo da função objetivo escolhida.
Agradecimentos
Os autores gostariam de agradecer ao CNPq e à CAPES, pela concessão de bolsas, e ao CTPETRO/FINEP e à ECO COMPÓSITOS, pelo custeamento do projeto.
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