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Comunicação, consumo, memórias nas subculturas juvenis: caminhos para entendimento de um grupo medievalista

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Academic year: 2021

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PPGCOM  ESPM  //  SÃO  PAULO  //  COMUNICON  2016  (13  a  15  de  outubro  de  2016)  

Comunicação, consumo, memórias nas subculturas juvenis: caminhos para entendimento de um grupo medievalista

Nome: Davi Naraya Basto de Sá1

Vinculação Institucional: ESPM Resumo

Com base nas teorias da cultura, da mídia e do consumo, o presente artigo pretende analisar e entender algumas práticas da cultura juvenil, por meio dos estudos de jogos e competições, da construção da memória, demonstrada por meio das relações entre o tempo vivido e o consumo de narrativas midiáticas. Serão analisadas as práticas de medievalistas do grupo Graal-Rj no evento aquecimento Anime Family 2015 na cidade do Rio de Janeiro.

Palavras-chave: consumo, jogos, medieval, memória

O presente artigo pretende entender algumas práticas da cultura juvenil, por meio dos estudos da era medieval, de construção da memória, demonstrada por meio das relações entre o tempo vivido e o consumo de narrativas midiáticas, simbólicas e o consumo material. Este trabalho buscará entender como são os processos de construção de personagens medievais dos jovens pertencentes do grupo de LARP2 da equipe Graal-RJ e como eles criam e reproduzem suas práticas de lutas e encontros. A pesquisa teve como campo de estudo o evento Aquecimento Anime Family 2015 na cidade do Rio de Janeiro3. Serão analisadas as práticas de reprodução medieval deste grupo via um estudo netnográfico e de campo por meio de fotos e, através destes

1 Possui graduação em Comunicação Social pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (2010). Mestre no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Comunicação e Práticas de Consumo pela 2 LARP ( live action role-playing, ou jogo de interpretação ao vivo em português ), usualmente chamado apenas de Live Action (ação ao vivo em português), é uma das formas de se jogar RPG (sigla para Role Playing Game, ou "jogo de interpretação de papéis"). Fonte: http://www.confrariadasideias.com.br/ acessado em maio de 2016

3 O Aquecimento Anime Family 2015 foi um evento de Anime, que ocorreu do dia 01 e 02 de agosto, organizado pela empresa Yamato.

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casos, será feito um estudo de como se dá a relação do consumo midiático, simbólico e material com estes praticantes.

Desta forma, os objetivos do artigo são: apresentar alguns dos personagens criados pelos jovens participantes do Graal-RJ no que diz respeito ao processo de criação, natureza e funcionamento de tal personagem no grupo; demonstrar a importância da memória na produção de uma figura dramática e no funcionamento do grupo; mapear a relação do jogo e a sua função no grupo Graal-RJ; entender as rupturas propostas pelos participantes com a criação e uso do personagens; mostrar os rituais de consumo das vestimentas; mapear a relação do consumo com a construção dos personagem e da produção dos vestiários; demonstrar a importância da memória na produção das vestimentas dos integrantes do grupo.

Em visita ao evento Anime Family 2015 logo no hall de entrada e indo mais ao fundo me deparei com uma área de combate que pertencia ao grupo Graal-RJ. Este é um grupo de teatro de aventuras improvisadas estavam usando um espaço para realizar combates fictícios com armas não letais feitas com materiais improvisados, tais como: silvertape, borracha, papelão e outros materiais que absorvem impacto. Segundo o próprio site do Graal-RJ, eles se definem como “um grupo dedicado à atividades no Rio de Janeiro, que organiza eventos de RPG ao Vivo.” 4. Na figura 1 é possível notar um exemplo destes combates.

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Figura 1: Área de combate do Graal-RJ no evento Anime Family RJ 2015. Fonte: captura digital realizada pelo autor

Para iniciar um processo de entendimento de trabalho e funcionamento deste grupo de medievalistas deve-se entender como estes jovens operam. Primeiramente é necessário entender a estrutura hierárquica do grupo. Dentro do Graal-RJ os novos ingressantes são intitulados de Aprendizes e conforme vão atuando cada vez mais no grupo, recebendo treinamentos dos seus superiores, participando continuamente dos eventos propostos e tendo bom desempenho nas lutas improvidas, estes Aprendizes vão evoluindo e, assim, vão progredindo dentro da escala determinada do grupo. O nível mais alto a ser atingido é o de Arauto. Além desta escala hierárquica, o time possui clãs. O jovem ingressante deve escolher um clã para fazer parte. Existem 24 clãs, sendo que 11 estão ativos e os outros 13 estão inativos. Cada clã pertence a uma área da cidade do Rio de Janeiro.

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Seguindo essa estrutura criada pela aliança em questão, vale notar os estudos de Huizinga referente ao combate, visto que a principal maneira de crescer no Graal-RJ é por meio do combate improvisado. Segundo Huizinga:

“Os homens entram em competição para serem os primeiros “em” força ou destreza, em conhecimento ou riqueza, em esplendor, generosidade, ascendência nobre, ou no número de sua progenitura.” (HUIZINGA, 2010, p. 59).

Nota-se que o combate dentro do Grall-RJ não é apenas a batalha por sí só. Ela possui um objetivo de crescimento e desenvolvimento. Portanto, os jogadores estão sempre tentado aprimorar suas técnicas e, inclusive, seu arsenal e vestimentas. O grupo disponibiliza armamento para os seus integrantes, mas em entrevista com o guerreiro iniciante Guilherme, figura 2, ele afirma que criou sua própria espada e a está aprimorando para combate, a fim de obter mais prestigio dentro do time. Para Huizinga:

“Jogamos ou competimos “por” alguma coisa. O objetivo pelo qual jogamos e competimos é antes de mais nada e principalmente a vitória, mas a vitória é acompanhada de diversas maneiras de aproveitá-la – como por exemplo a celebração do triunfo por um grupo, com grande pompa, aplausos e ovações. Os frutos da vitória podem ser a honra, a estima, o prestígio.” (HUIZINGA, 2010, p. 58)

Durante a conversa com Guilherme, ele disse que não existe honra maior do que ser reconhecido como um bom lutador nas batalhas por um dos Arautos do grupo. Vale entender que as batalhas não ocorrem de forma violenta. Quando um jogador encosta, sem grande contato físico, numa parte do corpo do oponente, este adversário não pode mais usar esse membro do corpo. Por exemplo, quando Guilherme bate com sua espada no braço direito do inimigo, este braço fica imóvel durante o resto do combate, assim limitando as habilidades do seu rival. Por tais motivos, o entrevistado relatou que o que menos importa durante as batalhas é força e, sim, a agilidade, destreza e complexidade dos golpes. O Arauto, ou outra pessoa de nível elevado que supervisiona e dá início aos combates, avalia cada movimentos dos integrantes, para

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que, num futuro, tais diretores possam decidir quem merece evoluir dentro do esquema hierárquico proposto.

Figura 2: Foto do participante do grupo Grall-RJ Guilherme vestido a sua roupa de Cavaleiro da morte no Anime Family 2015.

Fonte: Captura realizada pelo autor.

Os medievalistas possuíam uma área exclusiva no Anime Family e neste espaço eles praticavam suas atividades de lutas improvisadas. Vale notar que os praticantes possuem roupas que remetem a idade medieval fazem parte do Graal-RJ e as outras pessoas que estavam lá lutando sem roupas específicas da época não eram integrantes do grupo. Um fato curioso é que o Graal-RJ permite que outras pessoas

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lutem mesmo sem as vestimentas medievais. Portanto não há restrição dos medievalistas para a participação de pessoas externas nos combates. Contudo, os líderes do grupos apenas avaliam o desempenho das lutas quando o combate ocorre entre indivíduos participantes do Graal-RJ. Quando há uma luta de um integrante do grupo com pessoas externas, essa luta serve apenas para diversão. Na figura 3 podemos ver um exemplo desta luta mista.

Figura 3: Área de combate do Graal-RJ no evento Anime Family RJ 2015 com jogadores usando roupas medievais e outros usando roupas do cotidiano. Fonte: captura digital realizada pelo autor

Guilherme descreveu que o Grall-RJ é um grupo que, além das lutas, realiza diversas atividades, tais como: conversas sobre diversos assuntos, trabalhos sociais e passeios pela natureza do Rio de Janeiro. O que mais chamou a atenção foram as conversas, pois Guilherme disse que essas conversas foram muito importante para ele,

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principalmente, pelo fato dele possuir algumas questões particulares em que o Graal-RJ o ajudou a resolver tais inquietações.

É notável compreender como surge o desejo por fazer determinado personagem. O que está por trás da escolha do personagem e como é a relação do papel escolhido com o jovem disposto a incorporar tal papel. Um aspecto importante a ser considerado é como o consumo midiático é presente na construção do personagem. Em diversos momentos da conversa o jovem relatava produtos da mídia contemporânea. Ao perguntar qual é sua ligação com a idade média, Guilherme respondeu que ele gosta de livros que remetem a está época, como por exemplo o Senhor dos Anéis5. O entrevistado, também, nos contou que gosta de jogos eletrônicos quem possuem a temática medieval. Um jogo citado por ele foi o game World of Warcraft6. Este é um jogo de fantasia que se passa em um período que remete a idade medieval. Um aspecto curioso é que o entrevistado contou que é um Cavaleiro da morte e no game World of Warcraft existe um personagem chamado Death Knight7.

Outro entrevistado foi um Pajem chamado Marcelo, conforme mostra a figura 4. Pajem é o segundo maior ranking do grupo, ficando atrás dos Arautos. Marcelo é um bardo e ele relata o seguinte:

“No caso o meu personagem toca instrumento, mas eu não toco instrumento nenhum.(..) O bardo sempre tem que ter recurso. Então ele sempre tem que esconder as cartas que ele tem para poder jogar. Seja num duelo, numa bravata, seja resolvendo qualquer pendenga ou qualquer problema que apareça no caminho dele. Então, ele é um personagem que usa uma capa. Ele nunca revela o que ele tem. Eu não uso uma arma grande, eu uso uma arma pequena.” (MARCELO, 2015).

5 O Senhor dos Anéis é uma trilogia de livros de fantasia escrita pelo escritor britânico J. R. R.

Tolkien escrito entre 1937 e 1949. Fonte: http://www.biography.com/people/jrr-tolkien-9508428

acessado em março de 2016.

6 World of Warcraft é um jogo on-line, da produtora Blizzard lançado em 2004. Fonte:

http://us.blizzard.com/en-us/ acessado em maio de 2016

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Esta passagem é importante para entender como é o processo de construção de um personagem. Os jogadores não apenas reproduzem um papel, eles os transcriam. No caso de Marcelo, é curioso notar como ele muda o personagem do bardo. Um bardo na Europa antiga, era uma pessoa encarregada de transmitir histórias, mitos, lendas e poemas de forma oral, cantando as histórias do seu povo em poemas recitados. Era simultaneamente músico e poeta e, mais tarde, seria designado de trovador8. Contudo, o bardo de Marcelo não toca nenhum instrumento e não faz nenhum tipo de música, usa uma arma e não reproduz nenhum tipo de história.

Tal relação nos leva a entender melhor a questão da transcriação. Alguns medievalistas usam elementos, signos de uma cultura arcaica medieval e mitológicas e os adaptam para a cultura contemporânea, este processo pode ser entendido como transcriação. Este conceito foi desenvolvido pelo poeta, ensaísta e tradutor Haroldo de Campos, como dito na introdução deste trabalho. O termo pode ser melhor entendido por meio de duas passagens do seu livro: “Como ato crítico a tradução poética não é uma atividade indiferente, neutra, mas – pelo menos segundo a concebo – supõe uma escolha, orientada por um projeto de leitura, a partir do presente da criação, do ‘passado de cultura’.” (CAMPOS, 1994, p. 64), portanto podemos dizer que quando Marcelo transcria o bardo para o arquétipo do jogo, ele sofre alteração visando uma tradução poética do arcaico para o contemporâneo e para a realidade do Graal-RJ.

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Figura 4: Marcelo com sua arma no evento Anime Family RJ 2015. Fonte: captura digital realizada pelo autor

O consumo simbólico de uma narrativa arcaica ocorre aqui numa esfera única, pois o consumo não é direto, ele sofre alterações para se enquadrar aos parâmetros da contemporaneidade. Segundo Campos:

Então, para nós, tradução de textos criativos será sempre recriação, ou criação paralela, autônoma, porém recíproca. Quanto mais inçado de dificuldades esse texto, mais recriável, mais sedutor enquanto possibilidade aberta de recriação. Numa tradução dessa natureza, não se traduz apenas o significado, traduz-se o próprio signo, ou seja, sua fisicalidade, sua materialidade mesma (propriedades sonoras, de imagética visual, enfim tudo aquilo que forma, segundo Charles Morris, a iconicidade do signo estético, entendido por signo icônico aquele “ que é de certa forma similar àquilo que ele denota”). O significado, o parâmetro semântico, será apenas tão-somente a baliza demarcatória do lugar da empresa recriadora. Está-se pois no avesso da chamada tradução literal (CAMPOS, 1962, p. 35)

Esta observação nos ajuda a identificar como é o processo de transcriação de uma narrativa arcaica para o uso dos medievalistas que jogam o LARP. Analisando os elementos simbólicos do bardo e a transcriação deste como um processo é possível

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notar como o consumo simbólico e material possuem grande influência no processo de construção do personagem.

Em uma citação, Marcelo afirma: “Eu sou a cara do grupo e pelo o carisma eu tenho que chamar atenção (...) Eu prefiro ter um chapéu legalzinho com uma pena bem grande. Fica estiloso” (MARCELO, 2015). Portanto, ele usa uma pena vermelha no seu chapéu para aparecer mais para os outros e ficar mais aparente. É interessante entender como essa frase se relaciona com os estudos sobre consumo. Segundo Baudrillard:

“É preciso ver que o consumo não se ordena em redor do indivíduo com as necessidades pessoais indexadas depois, segundo a exigência de prestígio ou de conformidade, num contexto de grupo. Em primeiro lugar existe a lógica estrutural da diferenciação, que produz os indivíduos como personalizados, isto é, como diferentes uns dos outros mas em conformidade com modelos gerais e de acordo com um código aos quais se conformam.” (BAUDRILLARD, 2007, p.111,112)

Nesta passagem é possível entender a maneira como Marcelo consome o seu vestuário. O entrevistado usa a pena e o chapéu não apenas para tentar remeter ao personagem do bardo, mas sim para se individualizar dentro do grupo. Logo, ele precisa consumir itens que o auxiliam a se destacar dentro do grupo, mas dentro de um padrão já estabelecido do grupo. As roupas que Marcelo usa remetem a era medieval, algo que se encaixa nos padrões do grupo, se por acaso o jovem usasse roupas de uma outra era ele estaria fora do padrão. Vale ressaltar que não é apenas o vestiário que importa na construção do personagem. Quando entrevistei Guilherme, ele contou que ainda não acabou de montar a sua espada, ele pretende colocar mais itens na sua espada a fim de torna-la mais bonita e obter mais reconhecimento do grupo. Assim, o arsenal criado pelo jogador é tão importante quanto as vestimentas.

É relevante compreender que estes aspectos comunicacionais presentes nos trajes dos participantes do grupo tangem a questão do prazer no consumo. Quando Marcelo alega que o chapéu e a pena o tornam mais “estiloso”, podemos entender que este consumo lhe traz diversos tipos de prazeres. A memória transcriada presente no

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vestuário relaciona-se com a questão do consumo simbólico das imagens medievais presentes em seu imaginário. Segundo de Featherstone:

“há a questão dos prazeres emocionais do consumo, os sonhos e desejos celebrados no imaginário cultural consumista e em locais específicos de consumo que produzem diversos tipos de excitação física e prazeres estéticos.” (FEATHERSTONE, 2007, p. 31).

Nesta passagem deve-se entender como a produção e consumo das roupas dos personagens devem ser trabalhados. A criação da vestimenta leva vários aspectos em consideração. Partindo desta citação é necessário perceber que o consumo da narrativa proposta pelo Graal-RJ é um consumo simbólico muito importante. A fim que a história proposta pelo grupo seja construída e representada diversos fatores devem ser considerados. O enredo deve ser importante, porém deve ser contemplada por diversos outros itens que a deixe atrativa para os usuários, proporcionando um prazer estético, como sugere Featherstone (2007). As cores, a textura, a granulação das roupas e outros elementos são também importantes para garantir o envolvimento do consumidor. Continuando, Featherstone avalia: “esses fenômenos têm resultado ainda num interesse cada vez maior por conceituar questões de desejo e prazer, as satisfações emocionais e estéticas derivadas das experiências de consumo” (FEATHERSTONE, 2007, p.32).

Neste sentido é notável entender como o ato de personalizar a roupa tangencia com um ritual de posse. Para McCracken:

“O ato de personalização é, com efeito, uma tentativa de transferir significado do próprio mundo do indivíduo para o bem recém-adquirido. O novo contexto, neste caso, é o complemento individual dos bens de consumo, que assumiu agora significados tanto pessoais quanto públicos.” (MCCRACKEN, 2003, p. 116)

Aqui o ato de personalizar é visto como “um efeito adicional de permitir ao consumidor de reivindicar a posse do que é seu” (MCCRACKEN, 2003, p. 116). Para que os jovens do Graal-RJ possam vestir as roupas e se sentir na pele do personagem proposto, a personalização entra como uma função necessária de pertencimento. As

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propriedades simbólicas do personagem escolhido se tornam inerente ao usuário. Com este cenário em mente vale entender o processo de ritual de arrumação destes jovens. Segundo McCracken: “Estes rituais equipam o indivíduo que está “saindo para um programa” com as propriedades significativas especialmente glamorosas e exaltadas que residem nos “melhores” bens de consumo”(MCCRACKEN, 2003, p. 117). Nesta passagem podemos perceber como os participantes do Graal-RJ se equipam com os melhores itens que possuem para deixar suas vestimentas mais bonitas e atrativas. Logo, o processo de ritual de arrumação é algo que faz parte do processo de construção de um bardo, de um cavaleiro da morte ou de alguma outra figura dramática. O consumo é ritualizado e possui diversas etapas a fim de agradar ao máximo o medievalista. Estes rituais ajudam a extrair o significado desses bens e investi-los no consumidor (MCCRACKEN, 2003).

É interessante analisar como o consumo simbólico desses personagens medievais está relacionado a cultura. Por tal motivo, os estudos sobre memória nos ajudam a entender como a cultura se torna memória e influencia nas decisões de consumo dos jovens medievalistas. Segundo Lotman, “visto que a cultura é memória (ou se preferem, gravação na memória de quanto tem sido vivido pela coletividade) ela relaciona-se necessariamente com a experiência histórica passada.” (LOTMAN, UPENSKI E IVANÓV, 1972, p. 41), assim entende-se que a experiência histórica passada seria a base de criação do Graal-RJ e ela se relaciona diretamente com a memória e, igualmente, afeta nas trancriações atuais dos personagens do grupo. Assim sendo, os principais traços que permaneceram na memória da era medieval serão remetidos às características principais dos elementos presentes neste grupo. As lógicas de produção dos vestuários e da criação do grupo contam como estes estereótipos remanescentes da memória e definem claramente os traços da era medieval aplicada no Graal-RJ.

Um aspecto que influencia na memória medieval deste grupo é a cultura. A cultura possui um papel de “dispositivo estereotipizador”, ela que vai ajudar a definir os traços principais do Graal-RJ. Segundo Lotman e Uspenskii, “O trabalho

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fundamental da cultura, como tentaremos demonstrar, consiste em organizar estruturalmente o mundo que rodeia o homem.” (LOTMAN e USPENKII, 1975, p. 39). Por tal razão, entende-se que a cultura medieval tratada na aliança influencia na criação de um estereótipo de como serão as características principais do jogo, ou seja, os personagens, a arquitetura, as armas, os sons e outros elementos que apontem e remetam as características medieval no jogo. Portanto, todo o esforço de estereotipização da cultura remete a um empenho de comunicação medieval presente no jogo do grupo.

Outro aspecto curioso é como a cultura bélica faz parte da construção da história da era medieval e como a guerra é o elemento predominante do grupo Graal-Rj, visto que a batalha é o artifício mais importante para o jogadores do grupo. Todo o trabalho dos jovens desde a produção da roupa até produção da sua arma, tem como objetivo as batalhas que o grupo organiza. Segundo Lotman e Uspenskii:

“Toda cultura cria um modelo inerente à duração da própria existência, à continuidade da própria memória. Modelo esse que corresponde à ideia do máximo de extensão temporal, de tal modo que constitui praticamente a eternidade duma determinada cultura.” (LOTMAN e USPENKII, 1975, p. 42).

A partir desta análise entende-se que a guerra, para os medievalistas, é elemento constituinte da eternidade da cultura medieval. Isto ocorre pelo fato dos aspectos bélicos serem representados, em diversas histórias, crenças, deuses e elementos de comunicação desta cultura. Um exemplo interessante é que durante as entrevistas de Marcelo e Guilherme, ambos fizeram citações de jogos de videogames, filmes e livros de guerra do período medieval. Portanto é inquietante o fato que a memória que permanece nos produtos de consumo midiático contemporâneos, referente a era medieval, possuem relação direta com a guerra.

Para entender melhor o processo de adaptação da era medieval para o jogo do grupo Graal-RJ é conveniente entender a cultura como semiosfera, ou seja, os espaços preenchidos pelos signos na cultura fora do qual não existem semiose, isto é, a ação do signo que nos marca como seres viventes, seres culturais. Segundo Nunes: “os

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sistemas semióticos verbais, orais, impressos, manuscritos, sonoros, vocais, plásticos, cênicos, têxteis e muitos outros participam da semiosfera” (NUNES, 2011, p 18). Assim sendo, os signos de uma cultura analisada pela semiosfera “misturam-se, acoplam-se ou se justapõem criando novas sintaxes (relações entre signo), semânticas (relações entre signo com o que ele significa) e, pragmáticas (relações do signo com seu usuário).” (NUNES, 2011, p18). O jogo em questão realiza de maneira clara esse acoplamento. No jogo os elementos que mais chamam a atenção para os aspectos medievais são os personagens criados pelos jovens. Estes personagens possuem signos que remetem diretamente a cultura da era medieval.

Nota-se que no caso do Graal-RJ, a era medieval é diretamente ligada à guerra. Esta justaposição cria novas relações em que, no caso do grupo em questão, a guerra não pode ser guerra por si só, mas ela deve sempre ter uma temática por trás e, por consequência, a época medieval é um tema que dá uma base relevante para este tipo de jogo realizado por grupos medievalistas. Assim, a guerra e o período medieval são dois elementos arcaicos que se adaptam e se transformam em elementos de consumo contemporâneos. Porém, todo esse consumo ocorre na esfera do jogo. Segundo Alves: “ A criança, o adolescente e o adulto, quando se entregam ao jogo, estão certos de que se trata apenas de uma evasão da vida real, um intervalo na vida cotidiana, embora encarem essa atividade com seriedade” (ALVES, 2004, p. 18). Aqui é presumível dizer que o consumo ocorre durante essa evasão de tempo do jogador. Por fim, podemos compreender que toda a estética presentes no Graal-RJ são elementos importantes na comunicação e possuem a memória como elemento constituintes destas narrativas. O jogo do grupo foco do trabalho traz à tona a dimensão da cultura pela comunicação. Cada história que um jogador relata é uma cultura transcriada posta em prática, sendo comunicada, e, sobretudo, consumida.

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PPGCOM  ESPM  //  SÃO  PAULO  //  COMUNICON  2016  (13  a  15  de  outubro  de  2016)   Referências

ALVES, Lynn. Game over: jogos eletrônicos e violência. São Paulo: Editora Futura, 2005

BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. São Paulo, Editoria Arte e Comunicação, 2007

CAMPOS, Haroldo de. Transcriação. São Paulo: Editora Perspectiva, 1994

FEATHERSTONE, Mike. Cultura de Consumo e Pós-Modernismo. São Paulo, Studio Nobel. 2007.

HUIZUINGA, Johan. Homo Ludens. São Paulo: Editora Perspectiva, 2010.

LOTMAN, I. e USPENSKI, B. Sobre o mecanismo semiótico da cultura. In: LOTMAN, I.;USPENSKII B.; IVANÓV, V. Ensaios de Semiótica Soviética. Lisboa: Livros Horizonte,1981.

MCCRACKEN, Grant. Cultura e Consumo. Rio de Janeiro. Editora Mauad, 2010.

NUNES, F. Mônica. Passagens, paragens, veredas: semiótica da cultura e estudos culturais. In: SANCHES, Tatiana (Org). Estudos culturais: uma abordagem prática, São Paulo: Senac, 2011.

Referências

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