Identificação FL12 Duração da entrevista 44:42 Data da entrevista 21-11-2012 Ano de Nascimento (Idade) 1975 (37) Local de
nascimento/residência Lisboa/ Lisboa Grau de escolaridade mais
elevada Mestrado
Estado civil União de facto
Filh@s 3 filhas (2+3+3 anos)
Local da entrevista Casa da entrevistada
Comentários A entrevista está dividida em duas partes
As filhas de FL12 estão temporariamente presentes e interrompem várias vezes
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P1 (2:15) 2
E: pronto. então podemos avançar com a primeira pergunta. ã: pode-- acho que existe 3
consenso em relação ao facto de-- da nossa vida ter mudado bastante se olharmos 4
(xxx) a vida, no mundo em geral tem mudado bastante se olharmos para os últimos 5
quarenta trinta anos. não é? e se calhar mudou até mais aqui em portugal, não é? 6
(xxx) se temos em conta a mudança do[:] vinte cinco de abril, acha que a vida das 7
mulheres mudou também? 8
FL12: (.) ã: portanto se: voltarmos atrás trinta ou quarenta anos sem dúvida. apesar de 9
eu ainda não ter nascido há quarenta anos, ã: e ainda não ter assim uma grande 10
memória de há trinta anos atrás, ã: mas acho que a vida dos portugueses todos, seja 11
homem seja mulher-- porque há trinta quarenta anos-- há[:] quarenta anos vivíamos 12
num regime diferente, (hum) que: do[:] que vivemos atualmente. que mudou com o 13
vinte cinco de abril. (hum) ã: e desde essa fase até agora tem sido uma série de 14
conquistas, também se tem perdido alguma coisa, (hum) a nível de ã: (.) ã: ganhou-se 15
em liberdade, mas também o excesso de liberdade também estraga um bocado as-- ã: 16
a sociedade. (hum) portanto, mas também não somos todos perfeitos, mas sim, 17
considero que a gente mudou muito e as mulheres principalmente que são-- quando 18
comparado com os homens, portanto se tem que trabalhar muito mais para fazer 19
conquistas, ã: têm um papel na sociedade também de mãe, de dona de casa, que é 20
muito mais trabalhoso que o homem, (hum) e que se tem que fazer um esforço ã: 21
superior ao do homem, para conseguir as mesmas conquistas, (hum) e também[:] faço 22
parte daquele grupo que acha que o-- a mulher é muito polivalente, consegue 23
desenvolver várias funções em simultâneo e não[:] (hum) vejo isso no homem, nunca. 24
(hum) tenho essa experiência cá em casa, se eu pedir ao meu marido para fazer duas 25
ou três coisas de seguida ele fica todo baralhado, (E: [riso]) e acaba por não me fazer 26
nenhuma, (E: sim) porque tem que fazer uma de cada vez. (E: hum, pois, hum) ã: mas 27
sim, mudou muito. 28
E: hum. e se olhar por exemplo ma-- em-- de forma mais concreta para a vida da sua 29
mãe comparada com a sua, onde é que vê as maio-- as maiores diferenças ou 30
semelhanças, 31
FL12: (.) ã: (…2.0) portanto. a minha mãe abdicou de muita coisa, e de muita coisa 32
importante, para me criar a mim e ao meu irmão. nomeadamente dos estudos. (hum) 33
ela desde que[2:] ganhou idade de es-- de escolaridade nunca teve ã: um direito ao 34
estudo como deveria ser normal (hum) ter-se, ã: possivelmente se não fosse 35
obrigatória a quarta classe, nem a quarta classe teria tirado (hum) quando teve idade 36
para o fazer, (hum) e assim que acabou a quarta classe ã: portanto ã: a família não 37
tinha hipóteses de ela continuar a estudar. (hum) e ela trabalhou desde[:] muito cedo, 38
(hum) não um trabalho remunerado, mas aquela ajuda familiar, (hum) ã: ela vivia 39
numa aldeia, ã: e portanto mal acabou a quarta classe e mesmo enquanto tirou a 40
quarta classe-- eu por acaso nunca falei muito com ela sobre isso. (hum) mas eu julgo 41
que ela tenha sido sempre uma criança igual aos primos, (hum) ã: que toda a vida 42
trabalhou, (hum) na ou a-- na agricultura, ou[:] no gado, não sei se eles tinham gado 43
na altura, (hum) ã: e só quando sai de casa dos-- da família para vir para lisboa, e não 44
sei se não foi já depois de casar com o meu pai, que ela retoma os estudos. (hum) e 45
tanto o meu pai como a minha mãe sempre gostaram muito de estudar, e sempre se ã: 46
incentivaram e apoiaram um ao outro, (hum) e é já depois de casados que eles dão 47
continuação aos estudos, (hum) a minha mãe termina o décimo segundo, (hum) e o 48
meu pai-- e[:] ainda chegou a ir para a faculdade. 49
[interrupção – mudança de gravação] 50
0:14 – nova gravação 51
FL12: faça-me lá a pergunta outra vês que eu já me perdi. [riso] 52
E: sim! ã: o que é que-- olhando para a vida da sua mãe comparada com a sua, o que 53
é que mudou, o que é que-- ou eventualmente não mudou, 54
FL12: pronto. então a minha mãe enquanto-- a minha mãe mal casou teve logo o meu 55
irmão, e três anos mais tarde teve-me a mim. portanto, toda a vida dela f-- de casada 56
(.) quan-- depois dela sair-- portanto é uma vida de trabalho, de criar os filhos e de 57
estudar à noite. (hum) ela teve a minha avó que lhe deu uma ajuda também que vivia 58
connosco, ã: mas é uma vida muito focada nos filhos e na família. (hum) ã: e os meus 59
pais a mim já conseguiram dar escola, (hum) portanto, eu na altura não s-- não quis 60
seguir para a faculdade, (hum) comecei-- quis acabar-- começar a trabalhar depois de 61
ter terminado o décimo segundo, ã: quis ir ver o que é que gostava de trabalhar, (hum) 62
ã: e só depois de perceber o que é que eu queria é que me foquei na faculdade. (hum) 63
e fui tirar o que eu queria, também a estudar à noite, a pagar os meus estudos, (hum) 64
e depois ainda segui para mestrado, ã: (…2.0) e só depois de tirar a minha licenciatura 65
é que eu decido casar-me e ter filhos. (hum) portanto eu de uma forma muito mais 66
clara e muito mais objetiva vi-- vivi o que quis viver da vida até quando eu quis gozar a 67
vida, (hum) ã: e depois então conscientemente decidi então que queria criar uma 68
família, (hum) ã: e em-- felizmente coincidiu também com arranjar um namorado fixo, 69
(hum) que[:] elegi para meu marido, e ele também a mim, pronto, (hum) ã: e portanto é 70
uma vida muito mais estruturada sem o sacrifício que a minha mãe-- (hum) eu acho 71
que a minha mãe também viveu a vida, e gozou a vida mas de uma forma diferente. 72
(hum) ã: eu hoje em dia-- portanto, quando eu já começo a viver a minha vida é de 73
uma forma completamente diferente da minha mãe porque ã: a gente trabalha, goza a 74
vida, ainda não tem filhos, deixa os filhos para mais tarde, deixa as responsabilidades 75
para mais tarde, ã: e é já tudo feito de uma forma muito mais racional, (hum) ã: com 76
objetivos traçados, ã: e de uma forma mais saudável, eu acho. 77
E: hum, mais consciente também //se calhar\ 78
FL12: /mais consciente\\ (hum) de mim própria, do que 79
gosto, do que quero, (hum) aonde é que eu quero ir, (hum) o que é que eu quero 80
fazer, o que é que eu quero atingir, (hum) ã: 81
E: acha que assim a vida das mulheres hoje em dia é mais fácil ou mais difícil que 82
antigamente? ou pode-se pôr as coisas //nesses termos hum\ 83
FL12: /depende [riso]\\ ã: (.) eu acho que cada
84
vez mais ã: os homens e as mulheres ã: conseguem competir de forma igual, (...3.0) 85
de forma igual ã: cada vez mais. ou seja, as mulheres deixam para mais tarde o ter 86
filhos, ou uma parte das mulheres portanto ist-- há todo um leque de pessoas 87
diferentes. (hum) portanto, ainda deve haver atualmente mulheres como a minha mãe 88
(hum) ou piores, ã: mas pronto. o meu contexto social os m-- os amigos que fazem 89
parte: da minha vida, ã: mais ou menos somos todos muito-- com uma vida muito 90
idêntica, e[:] quase todos nós deixámos os filhos para depois dos trinta anos. (hum) e 91
isso permite-nos ã: fazer as nossas conquistas profissionais, (hum) ã: (…2.5) ã: atingir 92
um determinado patamar profissionalmente que também nos dê uma autonomia 93
financeira para conseguir ter uma família sem ter que abdicar (hum) da vida como a 94
conhecemos, (hum) ã: e então goza-se tudo na mesma, como os meus pais também 95
acabaram por fazer mais tarde ou mais cedo, mas ã: (…2.0) ã: é cada coisa a seu 96
tempo, não[:]-- está-me agora a faltar a forma de conseguir explicar. ã: precisava de 97
ter a pergunta à frente que eu perco-me da pergunta (E: [riso]) com as minhas 98
explicações. [riso] 99
E: se a vida é mais fácil ou mais difícil hoje. (.) dizia que depende, //não é?\ 100
FL12: /depende.\\ eu 101
acho[2:] que por um lado é mais fácil porque os meus pais passaram fome. (hum) só 102
por aí-- ã: os meus pais vêm de um contexto social de viverem nas aldeias, (hum) de: 103
portanto nas aldeias eu julgo que ainda se mantém esse cenário, não há trabalho que 104
permita às pessoas ganhar um ordenado no fim do mês, (hum) no fundo as pessoas 105
cultivam para comer, (hum) ã: ou criam animais para comer, e pouco dinheiro 106
conseguiam fazer. (hum) ã: hoje em dia não. hoje em dia, portanto, nós vivemos muito 107
à volta das cidades, (hum) ã: com trabalhos onde se recebe um ordenado no[:] fim do 108
mês, e isso permite um nível de vida superior (hum) àquilo que os meus pais tiveram. 109
(hum) portanto, eu relativamente à minha mãe tive uma vida muito melhor do que a 110
dela. 111
E: hum, melhor mas não necessariamente mais fácil. talvez. 112
FL12: (...3.0) ã: eu acho que é mais fácil. eu[:] não considero que tenha tido uma vida 113
difícil. (hum) ã: acredito q-- a minha mãe abdicou sempre de muita coisa por causa dos 114
filhos. eu acho que a[:] vida é muito difícil atualmente. e então com esta conj-- estes 115
anos que estamos a viver agora de austeridade, não é fácil. mas mesmo assim eu 116
consegui atingir um patamar de vida, também pelos estudos que fiz e[:] o emprego que 117
me permitiu ã: ter esses estu-- cujos estudos me permitiram ter es-- este emprego que 118
eu tenho hoje em dia, e[:] o vencimento dos dois no fim do mês chega para a gente 119
viver perfeitamente, (hum) mesmo com a austeridade, ã: eu não me posso queixar da 120
vida. 121
E: hum, ok, isso é ótimo. [riso] (FL12: [riso]) 122
FL12: eu não tenho muito. (hum) não tenho muito, mas não me posso queixar. dá-- 123
E: e às vezes também não é preciso muito //é só preciso o suficiente\ hum 124
FL12: /dá po-- dá para o gasto[3:]\\
125 126
P2 (7:16) 127
E: outra pergunta. ã: na sua opinião existe igualdade entre homens e mulheres hoje 128
em dia? 129
FL12: (...2.0) igualdade não. eu acho que o mundo ainda continua a ser dos homens. 130
(hum) ã: e a gente vê isso diariamente em todo o lado. 131
E: //hum, onde é--\ 132
FL12: /(eu--)nas empresas\\ (hum) nas empresas os[:] conselhos de administração 133
das empresas, (hum) eles esforçam-se por pôr lá mulheres, mas aquilo é sem-- é 134
quase como o governo, é sempre tão pouquinho tão pouquinho, (E: [riso]) que é um 135
esforço muito muito racional para conseguirem ã: puxar mulheres para muitos lados, 136
(hum) só para dizerem que lá estão mulheres também. (hum) porque o mundo 137
continua a ser muito dos homens. 138
E: hum, e na vida familiar, na vida doméstica, há igualdade? 139
FL12: aí é das mulheres! (E: ah ok [riso]) [riso] mas isso nem é s-- nem é bom, (hum) 140
porque, a vida doméstica e a vida familiar ã: é sempre assente na mulher. (hum) ã: 141
há[:] exceções, e há excelentes homens que participam na vida doméstica ã: mas são-142
- eu acho que se virmos no todo é tão insignificante que[:] (hum) eu acho que a vida 143
familiar e doméstica é mesmo das mulheres, pronto. (hum) ainda. 144
E: então cada um tem //assim a sua\ 145
FL12: /e também assim\\ em pequenas coisas. ã: eu não conheço 146
nenhum empregado doméstico que vá à casa das famílias fazer limpezas que seja 147
homem. (hum) deve haver! portanto também acho que há de tudo. (hum) mas[:] eu 148
não conheço. 149
E: hum, pois também acho que nunca ouvi falar, hum. 150
FL12: ã: ou por exemplo as senhoras que são as amas que ajudam a-- (hum) ficam 151
com as crianças, quando os pais não querem pôr nos infantários também não conheço 152
nenhum homem que faça esse trabalho. (hum) deve haver! mas eu também não 153
conheço. 154
E: mas poucos provavelmente-- hum. 155
FL12: ou seja toda aquela coisa-- toda aquela tarefa que é desde sempre uma tarefa 156
da mulher, ã: eu também acho que os homens não desejam essas tarefas. (hum) o 157
que está a acontecer é que as mulheres passaram a des-- a desejar as tarefas dos 158
homens. (hum) que é o estar nas empresas, (hum) é o trabalhar de manhã à noite e 159
receber o ordenado no fim do mês, (hum) mas as mulheres não puderam deixar aquilo 160
que já era delas. (hum) que é o: chegar a casa e fazer comida, é o toma-- o tomar 161
conta dos filhos, vestir os filhos, (hum) e eu tenho muita ajuda aqui em casa. (hum) 162
mas eu sou[2:] o alicerce principal de: dessa área. 163 164 P3 (9:54) 165 […] 166 167 P4 (13:08) 168
E: hum, engraçado. ã: (FL12: [riso]) ok, está bem. ã: outra pergunta ainda, acha que a 169
vida de uma mulher muda com a maternidade? 170
FL12: ah sim. sim. 171
E: o que é que muda? 172
FL12: mas não é só da mulher! é da mulher e-- é da mãe e do pai que muda. (hum) ã: 173
quando a gente tem um filho, ã: muda[:] por ã: por dois motivos. é f-- um[:] dos motivos 174
é a forma como a gente vê o mundo. (hum) portanto, deixamos de estar focados em 175
nós, portanto eu antes de ser mãe era-- gostava de ir fazer uma viajem aqui ou 176
apetece-me ir ao cinema ali, eu gostava de ir ver isto, ou (hum) ver aquilo, ou hoje 177
apetece-me ficar em casa, portanto era eu eu eu eu. (hum) quando elas nascem a 178
gente ã: passa ã: passa a focar a atenção é[:] nelas. (hum) portanto. é o que é que 179
elas precisam, o que é que é melhor para elas, se calhar é melhor não sairmos porque 180
elas é só comer e dormir e também é aqui em casa, ou se calhar é melhor sairmos 181
para não estarem tão fechados em casa, ou (hum) ã: eu até me apetecia frango no 182
churrasco, mas se calhar vou fazer um peixinho que é melhor para elas, (hum) ã: é a 183
vida muito-- ou seja abstraí-me completamente de mim e passei a pensar ã: neles. 184
(hum) nelas neste caso. (hum) ã: e a outra coisa que ia dizer já me esqueci. [riso] (E: 185
[riso]) 186
E: as mudanças. portanto essa[:] mudança de foco[:] por um lado, e a outra mudança 187
que queria dizer, 188
FL12: (...4.0) ã: e-- eu já não me lembro que eu ia dizer uma coisa interessante. mas 189
agora esqueci-me. ã: no meu caso portanto eu tenho as três quase em simultâneo. 190
(hum) ainda estava a tentar recuperar das gémeas quando dou por mim grávida outra 191
vez, (E: [riso]) ã: e deixei de[2:] ter vida. a minha vida atualmente-- e está a melhorar 192
um bocadinho, é apenas de sobrevivência. (hum) porque eu acabo por não conseguir 193
dar vazão a todas as necessidades ã: mais primárias que elas possam ter. (hum) 194
porque é o vir do-- começando pela parte do vir do trabalho. é o vir do trabalho e ter 195
que lhes dar banho em contra relógio, ter que ir fazer o jantar em contra relógio, ter 196
que as ir pôr a dormir cedo em contra relógio, (E: [riso]) e[:] o tempo começa sempre a 197
derrapar, eu às vezes dou por mim às onze da noite ainda sem ter conseguido pô-las 198
a dormir, (hum) ã: e então eu deixo de existir completamente. (hum) portanto, não há o 199
mínimo espaço para mim, não há o mínimo espaço para o casal, (hum) ã:[:] e ser mãe 200
muda muito. e depois muda também a forma de a gente querer dar exemplos, ã: de a 201
gente passar a ter mais consciência dos comportamentos que devemos ter, (hum) ã: 202
para servirem de exemplo, ã: (.) é um crescimento mental ser mãe. eu acho que ser 203
mãe é quase quando nós somos ã: sozinhos o começar a conduzir. (hum) acho que 204
toda a gente que tira-- consegue tirar a carta de condução e[:] ganhar a experiência a 205
conduzir, passa por um crescimento mental. (hum) ã: que[:] esta autonomia de 206
conduzir ã: dá. (hum) ã: e acho que essa transformação de a gente conseguir conduzir 207
ã: é[:2] não é igual, mas pronto, também é uma grande transformação, nós num dia 208
não sermos pais e no outro dia já sermos pais, (hum) ã: porque abre todo um leque 209
de[:] forma como se vê o mundo, e a gente-- deixamos de olhar-- deixamos de estar 210
centrados no nosso ego. (hum) ã: (E: (xxx)) ã: e portanto é a família, crianças, é dar 211
exemplos é[:] conscientemente tentar fazer o mínimo de erros possíveis para que 212
aqueles seres humanos pequeninos vão crescer vão-se transformar também em 213
adultos, e todos os erros, todos os maus comportamentos que eles possam ter, (hum) 214
a gente os tentar evitar através da educação que lhes estamos a (hum) a[:] esforçar-215
nos por dar. 216
E: hum. e esta experiência de ser mãe ou estas mudanças que há na vida da[:] mãe ã: 217
será que esta experiência é parecida ou comparável com a experiência de ser pai? as 218
transformações são as mesmas? as-- 219
FL12: são diferentes. ã: (…2.0) portanto a experiência de ser mãe e a experiência de 220
ser pai. ã: (...2.0) o meu exemplo é que eu[:] por um lado ainda bem que tive três. 221
porque eu sou muito controladora dos pormenores todos. (hum) e o facto de ter três 222
obriga-me a não ser demasiado preciosista, (E: [riso]) [riso] eu provavelmente se só 223
tivesse uma filha ia ser uma mãe muito chata, muito controladora, (hum) e assim tenho 224
que me otimizar e ser muito prática. ã: e o facto de eu querer controlar tudo, e: não 225
querer que me escape nada, e não querer deixar de fazer nada, ã: às vezes também é 226
meu inimigo porque eu não deixo espaço para o pai. (hum) apesar de pronto, na 227
minha experiência pessoal, elas são três, isto tomara houvesse aqui um terceiro 228
adulto. (E: [riso]) ã: (.) mas-- é diferente, porque é assim, a gente ganha um amor às 229
crianças ainda durante o período da gravidez. (hum) estamos ali durante nove meses 230
que eles só estão a olhar para nós, sabem que se passa ali qualquer coisa, mas não 231
sentem o que a gente sente. (hum) ã: eu pessoalmente nem gostei da gravidez. mas 232
há uma parte da gravidez que é mágica. portanto aquela parte da gravidez que a 233
gente engorda-- é mãe, a E? (E: não) pronto há uma parte da gravidez que a gente 234
engorda, deixa de se conseguir mexer muito bem, (hum) parecemos um saco de 235
batatas a arrastar-nos por todo o lado, (E: [riso]) e depois até o andar fica assim muito 236
estranho, (hum) muito feio, ã: essa parte da gravidez eu não gostei. aquela parte mais 237
eu, mais física, essa não gostei. mas há uma parte mágica da gravidez que é a gente 238
começar a sentir que está-- existe qualquer coisa dentro de nós, (hum) é uma criança, 239
é uma criança que se vai transformar no nosso filho ou na nossa filha, ã: é uma 240
criança a quem a gente vai poder dar tudo, de amor, dar to-- a educação que a gente 241
sonha de deve ser a d-- a ideal, (hum) ã: essa parte de a gente sentir o ser é[:] 242
mágica. (hum) pronto. e a gente começa a senti-la muito cedo. e depois pomos cá o 243
bebé fora e achamos que o bebé é nosso. (hum) pronto. tem um pai, mas o bebé é 244
nosso. (E: [riso]) [riso] e o pai: pronto, tem que começar do zero naquele momento em 245
que a gente já lhe ganhou nove meses. (hum) ã: 246
E: está em desvantagem 247
FL12: portanto ele vai estar sempre (E: [riso]) em desvantagem. a não ser que a mãe 248
seja uma má mãe, (hum) ele está sempre em desvantagem. (hum) porque ele vem 249
sempre muito mais tarde. ã: (…2.0) e por exemplo, eu (.) no caso-- na experiência que 250
tenho de ver o meu pai comigo. e na experiência que tenho de ver o pai das minhas 251
filhas com elas, ã: (...3.0) eles-- como é[2:] que eu hei de dizer. eles-- por acaso eles 252
são muito iguais. eles fazem aquilo que sobra para fazer. (hum) ou seja, enquanto que 253
eu e a minha mãe, estamos sempre no pelotão da frente, a tomar a iniciativa para 254
fazer tudo o que há para fazer, ã: ver as necessidades que elas têm estar sempre a 255
fazer, sempre a fazer, e só aquilo que a gente já não consegue fazer é que vai pedir 256
ajuda a eles, (hum) ã: eles não tomam essa iniciativa de fazer tudo. portanto é muito 257
raro o [nome do marido] tomar a iniciativa de pegar numa delas ao colo e estar-lhes só 258
a dar mimos só porque lhe apetece. se elas não pedirem colo. (hum) que é uma coisa 259
que eu sou capaz de fazer se tiver cinco minutos, (hum) ã: porque passo a vida aqui a 260
fazer coisas. às vezes pronto se tiver dez minutos não vou fazer qualquer coisa a 261
correr porque eu quase que deixei de ter um hobby. (hum) eu quase que deixei de 262
saber o que é que eu gosto de fazer quando tenho tempo. (E: [riso]) porque eu deixei 263
de ter tempo. (hum) e então às vezes se me apanho com um bocadinho livre, (hum) 264
sou capaz de ir para ao pé delas, mesmo, pronto, já fiz tudo, e elas já não precisam de 265
nada já estão vestidas, limpas, lavadas, já fizeram o chichi, estão prontas (hum) para 266
poderem ir brincar ou qualquer coisa, e eu também já fiz tudo o que tinha para fazer, e 267
agora tenho dez minutos se calhar até ir fazer o almoço, ou até ter que ir trabalhar, sou 268
capaz de ir para ao pé delas, pegar numa ao colo sentar-me com ela ou ler-lhe uma 269
história, ou qualquer coisa, (hum) porque não dá tempo no pouquito tempo que sobra 270
de eu ir fazer qualquer coisa só para mim. (hum) eu de eu ir ligar um-- uma televisão e 271
sentar-me a ver o telejornal porque o tempo é tão curto, (hum) entre aparecer outra 272
coisa qualquer que há de ser relacionada com elas, (hum) que eu simplesmente vou 273
para ao pé delas. (hum) e ele[:] e o meu pai já não eram assim. portanto, eles têm 274
muito mais tempo livre do que as mães, e: fazem só o que tiverem que fazer. isso não 275
quer dizer que gostem menos das crianças. (hum) mas existe alguém para fazer. (E: 276
hum, sim (xxx)) é um bocado-- eu acho que isto é um[2:] bocado nato do ser humano. 277
porque ã: eu quando cresci[2:] a minha mãe fazia tudo. (hum) portanto eu raramente ã: 278
cozinhava, eu raramente tratava da roupa da casa, porque ela estava lá para fazer. 279
(hum) portanto isto entre o homem e a mulher é um bocado assim, portanto. ela está a 280
fazer tudo tudo tudo. (hum) ele raramente faz a não ser que alguém peça para fazer 281
explicitamente. 282
E: pois, hum. sim também é mais cómodo, não é? 283
FL12: é (E: [riso]) [riso] mas n-- nós somos muito culpadas! mas pronto, (hum) eu 284
também cresci assim e está-me um bocado no sangue é[:] um bocado feito sem 285
pensar. (E: (xxx)) se a culpa é nossa, nós é que (hum) (E: [riso]) colhemos um bocado 286
a [riso] 287
E: hum. e como é que vê as mulheres que decidem não ser mães? portanto há-- hoje 288
em dia há cada vez mais pessoas-- mais mulheres que (FL12: ã:) decidem que não. 289
FL12: racionalmente não tenho problema nenhum, aceito perfeitamente, são ã: acho[:] 290
que uma parte é culpa da sociedade. porque: o facto de haver tanta desigualdade 291
entre homem e mulher está muito assente na maternidade. (hum) está muito assente 292
em-- essa desigualdade normalmente baseia-se sempre ã: na questão dos trabalhos. 293
(hum) principalmente. e[:] está muito diretamente relacionada com o facto de que as 294
mulheres a qualquer momento podem engravidar, ou já podem ser mães, e podem ter 295
que faltar ou por longos períodos por causa da gravidez, (hum) ou porque se já forem 296
mães porque os miúdos estão sempre a ficar doentes e é sempre a mãe é que (hum) 297
que fica com as crianças. ã: (...3.0) como é que era a pergunta? já? 298
E: como é que vê as mulheres que decidem não ser mães. 299
FL12: ah ã: 300
E: racionalmente sim. 301
FL12: e então é assim. as mulheres ã: se decidirem não ter filhos, elas de certa forma 302
estão em posição de igualdade com os homens. (hum) por um lado. por outro lado, é 303
cada vez mais difícil (…2.0) ã: dado (...2.0) todos nós homens e mulheres ã: 304
atualmente ganhamos um grau de independência que não estamos para aturar 305
qualquer coisa. (hum) ã: e[:] em vida às vezes até inconscientemente vai-se 306
colecionando muitos relacionamentos que não têm futuro, (hum) porque: n-- não 307
estamos nem temos que estar dispostas a aturar ã: (hum) tudo ã: e damos por nós 308
com muita idade, ã: não-- ainda não fomos mães, ã: e chegamos a: portanto já 309
estamos quase a perder o barco, porque isto de ser mãe tem[:] limites, (hum) ã: e 310
muitas vezes até às vezes apanhamos o barco tarde, e arranjamos alguém que 311
realmente é a nossa cara, e até poderia dar certo, mas já estamos todos tão 312
avançados na idade que já estamos um bocado viciados em viver sozinhos. e não é 313
fácil quando se deixa para muito tarde conseguir conviver com alguém. (hum) eu[:] 314
tenho uma ou outra amiga que tiveram algumas experiências muito simples mas muito 315
caricatas, por exemplo. uma teve um[:] rapaz com quem ainda chegou a viver, que ele 316
por norma não fechava a porta do roupeiro do quarto onde dormiam. (hum) e aquilo 317
não tem mal nenhum. mas aquilo a ela corroía-a por dentro. (E: [riso]) e ela não 318
conseguia viver com alguém que constantemente não fechava a porta do (E: [riso]) do 319
armário. (E: [riso]) [riso] é uma coisa tão simples. (hum) mas ou seja, ela tem todo um 320
historial de vida (hum) sozinha, a maior parte do tempo, e tem o espaço dela, tem os 321
vícios dela. e-- 322
E: e a porta do armário sempre fechada sobretudo. 323
FL12: e esta coisa (E: [riso]) pequenina e simples ã: acabou por ter muito significado. 324
(E: hum, pois) e tenho um outro casal que: quase que foram desenhados um para o 325
outro. e estamos sempre a falar de pessoas que já chegaram a viver, portanto já um 326
bocado (hum) ã: avançado na vida, e se encontram, e que a coisa funciona muito bem, 327
mas que ele não fechava a tampa da sanita. (E: [riso]) [riso] isto parece piada. (hum) 328
mas-- e aquela coisa da tampa da sanita deu tanta discussão, tanta discussão, tanta 329
discussão, que eles acabaram por acabar para sempre, porque (E: oh) não estavam 330
para viver assim. pronto, no meio daquela discussão. e são coisas pequeninas que as 331
pessoas estão tão viciadas (hum) ã: em viverem sozinhas, e serem donas do espaço, 332
ã: que elas-- eu[:] não sei explicar muito bem mas, ã: diria que a porta do guarda-333
vestidos ou tampa da sanita é só o pretexto para voltarem à segurança da sua vida 334
sozinhas, (hum) e não estarem a abrir de certa forma o flanco a: (hum) ã: aquilo era 335
uma amostra mas podia haver muitas coisitas pequeninas iguais que chateassem 336
tanto, (hum) chateassem tanto como aquela e as[:] pessoas perdem um bocado o 337
sossego ao viver (hum) a dois. 338
E: isso também faz com que as pessoas não tenham depois filhos não é 339
//porque perdem--\ 340
FL12: /ah era essa a pergunta\\ sim. e[:] pronto e por tudo isto há muita gente que não 341
tem filhos. es-- esta é a minha opinião. ã: eu custa-me achar que a pessoa não tem 342
filhos apenas porque não quer. (hum) acho que o facto de a pessoa dizer porque não 343
quer é porque esse não quer tem origem numa série de evoluções da própria vida. 344
(hum) ou porque já dá tanta importância ao trabalho que não quer de repente ver-se 345
presa a uma criança, porque uma criança (E: hum, pois) é uma prisão, é uma prisão 346
com muito amor e et cetera, mas é uma prisão, a gente não pode fazer a vida (hum) 347
que quer, tendo uma criança, (...2.0) e tudo mais. pessoalmente[:] eu (...2.0) 348
racionalmente eu aceito bem. pessoalmente eu não aceito bem (hum) f-- ã: incomoda-349
me. ouvir uma mulher dizer que não quer ter filhos, (hum) ã: portanto a mim como 350
pessoa que tenho sentimentos, incomoda-me. porque é uma paragem da sociedade, 351
porque é uma coisa que não é natural, (hum) ã: não é normal porque pára a espécie 352
(hum) a evolução da espécie humana, (hum) porque: todos temos uma essência 353
natural em nós, pronto, não sei como explicar. (hum) vocês são da sociologia, (hum) 354
percebem melhor isto. (E: [riso]) [riso] (E: hum, ok) eu não sei explicar, mas dentro de 355
mim eu ã: acei-- aceito muito melhor uma mulher que diga que: “eu gostava muito de 356
ter sido mãe, infelizmente não consegui.” (hum) por tudo e mais alguma coisa, (hum) 357
tenho pena, (hum) ou “estou a tomar esta atitude, tenho pena pronto, vou deixar de 358
lado o sonho de ser mãe.” (E: sim) agora dizerem só que não querem ter filhos porque 359
não querem, porque-- (hum) não sei. 360
E: não soa muito bem. 361
FL12: não soa (E: não parece--) claro que há mulheres que não nasceram para ser 362
mães e tomara que muitas nunca o tivessem sido. (E: [riso]) ã: (hum) [riso] 363 364 P5 (31:22) 365 […] 366 [interrupção 33:08 – 33:44] 367 368 P6 (33:44) 369 […] 370