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PATERNIDADE E REDE FAMILIAR NA CLÍNICA COM FAMÍLIAS

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Academic year: 2021

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PATERNIDADE E REDE FAMILIAR NA CLÍNICA COM FAMÍLIAS

Alunas: Anielle Cristine Farias Queiroz dos Santos (AT Edital

Universal/CNPq), Cristina Gonçalves de Araújo (IC FAPERJ), Isabel Noleto França Ribeiro (IC Edital Universal/CNPq), Júlia Meirelles Freire de Mello

Saraiva (IC/PIBIC/CNPq), Juliana Mendes de Lima (IC FAPERJ), Thais Carvalho dos Santos (IC PIBIC/CNPq).

Orientadora: Andrea Seixas Magalhães

Introdução

Na clínica social com famílias, deparamo-nos com inúmeras questões que envolvem os modos de funcionamento da família contemporânea e suas repercussões na psicoterapia de família e casal [1]. Dentre essas questões, ressalta-se a frágil presença da figura paterna na psicoterapia familiar. Tal questão emerge na psicoterapia, independentemente da configuração familiar (família casada, recasada, separada e monoparental), embora seja mais evidente nas famílias separadas e monoparentais. Frequentemente são as mães que trazem os filhos para psicoterapia individual ou familiar e a figura parental masculina, seja o pai biológico ou socioafetivo, é pouco presente em termos de participação no tratamento. Contudo, mesmo nas famílias em que não há figura paterna presente nos cuidados familiares, a paternidade está presente por meio da rede familiar e de referências geracionais, de fantasias e de projeções compartilhadas. Portanto, é importante investigar os efeitos do preenchimento dessa ausência e os modos de significação a ela relacionados. Consideramos que a clínica social com famílias é um importante campo de pesquisa para o estudo da paternidade, sobretudo, porque é por meio do sofrimento psíquico expresso pela família que podemos atingir seus efeitos na subjetividade.

Objetivo

O objetivo geral deste projeto é desenvolver uma pesquisa sobre a paternidade e sobre o suporte parental fornecido pelas redes familiares, nas diferentes configurações familiares, na clínica com famílias. Pretende-se focalizar o período da avaliação familiar, elucidando o lugar do pai na demanda terapêutica e no estabelecimento do processo de psicoterapia familiar, visando ao aprimoramento da intervenção clínica nesse campo. Como objetivos específicos, pretende-se investigar: a) como a paternidade é constituída e delimitada; b) quais são as influências geracionais na constituição da paternidade e no preenchimento de suas falhas; c) como a rede familiar atua no suporte parental; d) como a presença/ausência paterna repercute na demanda de psicoterapia familiar. A partir da investigação da paternidade, busca-se contribuir com o desenvolvimento de subsídios teórico-clínicos para a psicoterapia familiar e para o aprimoramento de profissionais de saúde que atuam nesse campo.

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Metodologia

Para atingir os objetivos propostos, desenvolvemos este projeto utilizando uma metodologia clínico-qualitativa [2], centrada em entrevistas clínicas com famílias e na aplicação da Entrevista Familiar Estruturada - EFE [3].

Participantes

Participaram desta pesquisa quatorze famílias encaminhadas para as equipes de Casal e Família do Curso de Graduação e do Curso de Especialização do Departamento de Psicologia da PUC-Rio. Os participantes da pesquisa assinaram um “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido”, concordando com a utilização dos dados clínicos para fins de ensino, pesquisa e publicação científica.

Instrumentos e procedimento

A identificação dos diferentes tipos de configuração familiar atendidos no SPA da PUC-Rio foi feita por meio da Ficha de Configuração da Família-FCF. Nessa ficha, são registrados dados relativos à idade, ao sexo, à escolaridade, à profissão, ao estado civil, à orientação sexual, à configuração da família de origem, à configuração da família atual, à classe social, à religião, à renda familiar e à contribuição individual de cada familiar para a renda total alcançada. Para a obtenção dos dados clínicos específicos, foram realizadas entrevistas clínicas preliminares, a Entrevista Familiar Estruturada (EFE) e o Desenho da Família. As entrevistas e a aplicação dos instrumentos diagnósticos foram realizadas por estagiários das equipes do Curso de Graduação do Departamento de Psicologia e do Curso de Especialização em Psicoterapia de Família e Casal – CCE. As entrevistas foram registradas segundo o modelo de relato clínico e a EFE foi gravada e, posteriormente, transcrita. A análise dos dados foi realizada em dois momentos. Primeiramente, foram feitas análises intrafamiliares, ou seja, referentes ao material coletado no processo de avaliação psicodiagnóstica de cada família participante. Posteriormente, os dados foram analisados nas diferentes configurações familiares. Dentre as 14 famílias participantes da pesquisa, cinco famílias eram casadas, três recasadas, quatro separadas e duas monoparentais.

Resultados Parciais

Nesta etapa da pesquisa, está sendo finalizada a análise de dados. No presente relatório, discutiremos os resultados referentes à categoria Influências

geracionais na paternidade.

No campo de estudo sobre a família, deparamo-nos frequentemente com as diversas faces da transmissão psíquica geracional. Transmitir pode significar a passagem entre pessoas, grupos e gerações, de objetos psíquicos, de ideias e de afetos. Kaës [4], um dos autores mais destacados nos estudos sobre a transmissão psíquica geracional, destaca os diversos significados do conceito na obra freudiana: o sentido de transferência; de hereditariedade ou herança; comunicação por contágio, dentre outros. É possível perceber que o tema é

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fundamental. Para S. Freud, a transmissão poderia se dar inconscientemente, constituindo, assim, a vida psíquica dos sujeitos.

Para compreender a transmissão do psiquismo entre sujeitos, e entre gerações, é importante compreender o papel do outro na formação do psiquismo do sujeito. Freud [5] chama atenção para o papel da criança, de realizar os sonhos e os desejos dos pais. O autor discorre sobre a atribuição de lugares e significantes presentes no processo de transmissão. Assinala, também, que o indivíduo é, em si mesmo, o seu próprio fim, mas se encontra vinculado a uma corrente geracional como elo da transmissão, sendo herdeiro da mesma.

Kaës [4] afirma que há uma urgência para transmitir, sob o efeito de um imperativo psíquico incontrolável. Essa necessidade decorre de exigências narcísicas e de continuidade da vida psíquica. Há uma necessidade de “transferir-transmitir” para outro sujeito o que não pode ser mantido no próprio sujeito. O autor diferencia dois tipos principais de transmissão: a intersubjetiva e a transubjetiva. O grupo familiar é o espaço originário da intersubjetividade, sendo um espaço privilegiado para trocas, identificações e relações objetais. O espaço intersubjetivo precede o sujeito singular e é por meio das relações afetivas que as leis que nos constituem vão sendo construídas. Já a noção de transmissão transubjetiva leva em consideração processos psíquicos criados em ambientes coletivos, de massa e multidão. Com isso, podemos entender a transmissão intersubjetiva numa esfera micro e a transubjetiva numa esfera macro.

Nesse sentido, de acordo com Magalhães e Féres-Carneiro [6], a família se constitui como contexto vincular bastante complexo. Nela, o sujeito se constitui a partir dos múltiplos investimentos narcísicos e libidinais, que são permeados pela transmissão psíquica geracional. De acordo com as autoras, podemos considerar a família como a matriz intersubjetiva fundadora e meio de transmissão da vida psíquica entre gerações. Dessa forma, podemos concluir que a transmissão psíquica compreende um processo organizador da herança genealógica de uma família e ocorre em nível inconsciente, na maior parte das vezes, transitando no espaço intrapsíquico e intersubjetivo.

A identificação é considerada o principal mecanismo envolvido no processo da transmissão psíquica entre gerações. A transmissão intersubjetiva se dá pela identificação do sujeito com o desejo ou com o sintoma do outro. Ou seja, o que se transmite de um a outro é um traço inconsciente comum. Sendo assim, identificação e transmissão psíquica são processos que estão interligados, pois para um traço ser transmitido é necessário que o sujeito se identifique com o outro [7] [4].

A transmissão se dá num tempo, numa duração. Nesse sentido, a transmissão é entendida como um processo complexo no qual o tempo não é cronológico, linear, podendo ser circular e intermitente. Como a temporalidade da transmissão psíquica não é fluída, ela se conserva por meio de traços [4]. Segundo Freud [8], os afetos são transmitidos, uma vez que os traços são carregados de investimento das figuras primordiais.

Existem duas modalidades básicas de transmissão geracional: intergeracional e transgeracional. Na primeira, que ocorre entre as gerações, o sujeito não é apenas herdeiro, beneficiário, mas também adquirente singular do

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que lhe é transmitido. Nesse processo, há um constante trabalho psíquico inconsciente de elaboração e transformação, permitindo uma diferenciação a cada geração [4] [9].

A transmissão psíquica intergeracional é estruturante, havendo uma distância entre transmissor e receptor, preservando a subjetividade [9]. O sujeito não é auto engendrado e o processo de constituição da subjetividade demanda a metabolização da herança no confronto com o outro que transmite. O sujeito se constitui oscilando entre momentos de autoprodução, ilusão individual, e momentos de engendramento recíproco, ilusão grupal [10].

A transmissão transgeracional, ao contrário, é invasiva, ocorre através dos sujeitos e gerações, abolindo limites e espaços subjetivos. Nesse modelo de transmissão, o conteúdo é transmitido em seu estado bruto, sem espaço para transformações, correspondendo a repetições contínuas. Por ser composto de material não elaborado, impossibilita a integração psíquica [11] [12].

Dessa forma, são transmitidos os lutos mal elaborados, os segredos, histórias de violência, traumas, tudo o que não pode ser simbolizado e transformado. O que é transmitido de uma geração para outra nesse modelo pode aparecer sob a forma de não-ditos, silêncios, proibições, enigmas, conteúdos impensados. Quando não se consegue elaborar os elementos transmitidos, é possível observar o apagamento de fronteiras geracionais e falhas identitárias expressas nos sintomas de um ou mais membros da família [11] [12] [13].

O processo de transmissão psíquica geracional é ativo, acontece na dinâmica relacional do dia-a-dia. Tudo aquilo que se refere às vivências psíquicas, imagens ou representações e aos vínculos se ancora na transmissão psíquica. Alguns conteúdos da transmissão são aceitos e elaborados na forma de mitos familiares ou culturais, outros permanecem proibidos [13].

O processo de transmissão psíquica geracional é necessário para a constituição subjetiva; permite ao sujeito se situar em relação ao grupo e às outras gerações. Assim, favorece transformações, diferenciações, evolução entre o que é transmitido e, posteriormente, herdado. Além disso, possibilita o processo de subjetivação, a constituição da história e a conquista da herança [12]

A partir do material relativo às entrevistas preliminares das famílias participantes desta investigação, discutiremos a categoria em questão utilizando duas ilustrações clínicas. Os nomes dos participantes são fictícios. É importante ressaltar que as influências geracionais são mais evidentes ao longo do processo terapêutico. Nas entrevistas iniciais, frequentemente, elas permanecem mais encobertas.

Ilustrações clínicas

“Família das Sete Mulheres”

Este é o material clínico de um caso de psicoterapia familiar, no qual foram atendidas sete mulheres membros de quatro gerações coabitantes. A família foi encaminhada para o SPA pela psicoterapeuta de Bianca, uma adolescente de 14 anos, que era atendida no IPUB, e fazia poucos progressos, tendo em vista a

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grande interferência da família em seu tratamento. No decorrer das sessões, ficou claro que a família das “Sete Mulheres” sofre, na realidade, com o apagamento das fronteiras geracionais, evidenciado por meio da difícil convivência em uma casa marcada por memórias traumáticas não elaboradas.

A família das “Sete Mulheres” mora em uma única casa. Bianca conta que lá vive a bisavó (Belinda, 85 anos, viúva), a avó (Berenice, 65 anos, separada), a mãe (Bruna, 42 anos), uma tia (Belisa, 28 anos), e duas irmãs (Beatriz, 12 anos; Bela, 2 anos). Os quartos são dispostos da seguinte forma: ela dorme no quarto com a avó, sua mãe dorme com a irmãzinha Bela, sua tia Belisa dorme com sua irmã Beatriz, e a bisavó dorme sozinha. O pai de Bianca mora com a segunda esposa, perto das duas filhas. Bela, a irmã mais nova, é filha do atual namorado da mãe de Bianca, que eventualmente dorme na casa em questão, sendo sua presença indesejada por quase todas, exceto por Bruna.

Quando questionada sobre o relacionamento com o seu pai, Bianca fala da preocupação dele com ela, realçando que ele é mais responsável do que sua mãe. A adolescente de 14 anos diz não querer a presença do pai, no entanto, o responsabiliza por sua ausência. Além disso, conta que a relação com sua mãe é muito difícil e que piorou após o início do namoro de Bruna. Berenice, a avó, enfatiza isso ao dizer que: “Bruna é louca, irresponsável, escandalosa e tira as coisas da filha para dar para o namorado, além de ser agressiva, bagunceira e porca”. Relata, ainda, que as filhas chamam a mãe pelo próprio nome. Tais declarações demonstram uma ambivalência em relação às figuras parentais. Em uma entrevista, Bianca relata seu sentimento de indignação ao descobrir que sua mãe estava grávida de Bela, pois achava que o casal (sua mãe e o namorado) não tinha “condições de cuidar de uma criança”. “Isso é um absurdo”. Queixa-se de que o namorado da mãe é um “irresponsável, viciado em drogas”.

Berenice conta que sua filha, Bruna, teve uma modificação no comportamento aos 14 anos, se transformado em uma menina agressiva e rebelde quando o pai saiu de casa. Ele perdeu o emprego e se mudou para o nordeste no intuito de se reerguer financeiramente. No ano seguinte, Bruna foi visitar o pai e descobriu que ele já havia constituído uma nova família. Outro fato traumático ocorrido nessa mesma época foi um grave acidente de carro sofrido pela menina, que ficou em coma durante muitos dias. O pai esteve ausente nesse período. Após cinco anos distante da família, veio ao Rio de Janeiro conversar com a ex-mulher sobre o divórcio. No entanto, não procurou as filhas, que estavam sofrendo com o abandono familiar paterno. Além disso, a família passava por dificuldades financeiras graves. Esse foi motivo para que permanecessem morando na casa dos pais de Berenice.

A adolescência da mãe e a da filha (Bruna e Bianca) apresentam ressonâncias, tendo em vista que ambas foram muito ligadas emocionalmente à mãe e assumiram alguma postura de cobrança conjugal frente à figura paterna. De certa forma, a filha repete a atitude hostil da mãe em relação aos homens, considerados por ela incapazes e/ou abandonadores, como seu avô, seu pai e até mesmo o namorado da mãe. A avó teme, portanto, que Bianca se torne rebelde e revoltada como Bruna.

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A identificação é um mecanismo central na transmissão geracional. Na identificação narcísica, uma incorporação do objeto acontece e acomete o “eu” como se fosse um “outro”. A identificação entre mãe e filha, na família das “Sete Mulheres”, ocorria por meio da incorporação do objeto. Assim sendo, os ataques mútuos eram reproduzidos e transmitidos na cadeia geracional. Os conteúdos não elaborados das situações traumáticas vivenciadas pela avó e pela mãe de Bianca eram transmitidos como elementos brutos. Os vínculos familiares eram baseados em identificações projetivas expulsivas, sem capacidade de elaboração, com falhas na função continente [14].

É possível observar, portanto, que os homens nessa família estavam sempre do lado de fora, sendo excluídos, considerados fracassados e abandonadores. Eles eram personagens periféricos. O avô abandonou a família no passado e o pai jamais compareceu às sessões. Bianca, assim como sua mãe, também fracassara na tentativa de inclusão do pai no tratamento, revivendo o abandono paterno novamente. Bruna compareceu a uma sessão, sozinha, representando o elemento danificado e rejeitado do corpo familiar. Na ocasião, pouco mencionou as filhas e ressaltou que sempre teve conflitos com sua mãe, que manipula as netas, afastando-a de suas filhas.

Nessa família, existiam conluios e alianças patológicas que acarretavam no apagamento de fronteiras geracionais, além de fragilizar, especialmente, os vínculos mãe-filha. Tais alianças eram expressas no espaço da casa, por exemplo. A repartição das mulheres nos quartos era uma evidência dos conluios familiares. Eiguer [15] ressalta que a casa representa o envelope familiar que, por meio de um laço invisível, une os membros do grupo, fomentando a intimidade entre eles. O espaço da casa representa o inconsciente familiar e seus conflitos, refletidos na organização dos objetos e na ocupação dos cômodos. Nessa casa, os membros permaneciam ligados pela indiferenciação e não pela intimidade. “Família “Razão e Emoção”

Família composta pelo casal Maria (45 anos, psicóloga) e Paulo (47 anos, funcionário público) com dois filhos, Pedro (27 anos) e Luíza (21 anos). O casal buscou psicoterapia em razão da saída dos filhos de casa. A família está passando por um momento de mudanças em seu ciclo vital, a filha mais nova está se preparando para casar e sair de casa. O filho mais velho é casado e vai se mudar para um lugar mais distante dos pais.

As sessões preliminares revelaram um sofrimento maior vivido por Maria com a saída da filha. Ela afirma não saber lidar com essa nova fase, relata que ela e marido se casaram muito cedo e logo depois ela engravidou. Ressalta que a vida de ambos sempre girou em torno dos filhos e aponta que tem “um trauma de infância” que contribui para o distanciamento do casal.

Em relação à transmissão geracional, surgem algumas questões relacionadas à passividade de Paulo e do pai de Maria. Em uma das falas de Maria, podemos perceber que ela se refere ao marido e ao seu próprio pai de modo semelhante, apontando a passividade de ambos. Na Entrevista Familiar

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Estruturada, na primeira tarefa, propõe-se que a família planeje, em conjunto, uma mudança de residência no prazo de um mês. Relatando uma situação vivenciada no passado, Maria demonstra que ela e sua mãe eram mais proativas do que seu pai. Ambas buscaram um lugar seguro para se mudarem diante de uma situação de risco vivenciada pela sua família de origem.

Maria: “... e aí meu pai queria continuar nesse lugar, mesmo alagado, por conta dessa coisa de ser dele e tal. Mas aí eu falei: ‘Então, pai, você fica aí’. E aí eu fui e minha mãe disse: ‘Eu também vou! Não vou ficar nesse lugar, não.’”

Nessa mesma tarefa, Paulo apresenta resistências quanto ao plano de mudar-se de casa, demonstra dificuldade em encontrar alternativas e, por fim, sugere ir para uma das casas do sogro.

Paulo: “O meu sogro tem duas ou três casas que a gente mandaria a conversa explicaria: a situação é essa e a gente vai ter que ficar aqui. Ele tem uma ou duas vazias... Creio que não seria assim tão complicado”.

Podemos relacionar a percepção de Maria sobre a posição passiva de Paulo e de seu pai como elementos que identificam ambos na sua escolha amorosa. A transmissão do modelo parental é reatualizada na conjugalidade de Maria. Kaës [4] propõe, a partir da leitura dos textos freudianos, que o traço é o que se mantém vivo e é transmitido. Nesse caso, podemos perceber a transmissão na escolha amorosa: homem mais acomodado e mulher mais ativa.

Outro elemento importante relacionado à influência geracional é o trauma ocorrido na infância da mãe. Maria associa problemas conjugais, “um trauma da infância” e as dificuldades com a saída dos filhos de casa. Diante da saída dos filhos de casa, o casal se reaproxima e os elementos traumáticos não elaborados tendem a aflorar.

Rosa [16] aponta especificamente para a transmissão dos não-ditos, situações que envolvem escolhas ambivalentes, falar ou não falar sobre o passado doloroso. Muitas vezes, a solução adotada por famílias que enfrentaram situações de sofrimento é não falar. No entanto, a autora demonstra que a transmissão acontece apesar do não-dito. Ou seja, aquilo que fica oculto, não dito ou “mal dito” sempre tem algo de sua existência transpirando para as gerações seguintes.

A herança transgeracional é baseada nos elementos brutos, não elaborados, na história lacunar, traumática e, por ser composta de material não elaborado, cria obstáculos ao processo de apropriação [12]. De acordo com Magalhães e Féres-Carneiro [6], a proibição de conhecer tem uma função de intermediação na família, dependendo dos mecanismos de ocultação utilizados e do investimento afetivo mobilizado.

A vivência traumática de Maria gerou falhas na comunicação com o marido, ocasionando um distanciamento entre os membros do casal. É possível perceber,

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ao longo das entrevistas preliminares, como isso se reflete na relação com os filhos. Nessa família, a parentalidade prevalece e o casal não tem muito espaço para a conjugalidade. Com isso, a filha tem a função de unir o casal, sugerindo inclusive atividades de lazer para os pais. Isso pode ser entendido como um sintoma familiar, os pais reclamavam e alimentavam, simultaneamente, a dependência da filha.

Nessa família, o lugar do pai é bem delimitado, consolidado e o exercício da paternidade é bem estabelecido. O pai se mostra preocupado com a transmissão de valores religiosos para os filhos e se sente orgulhoso por eles não estarem “perdidos na vida” graças aos seus ensinamentos. De acordo com Magalhães e Féres-Carneiro [10], a transmissão intergeracional possui uma função universalmente organizadora, de caráter estruturante. Os rituais, as crenças, os valores transmitidos pelas gerações repetem e, algumas vezes, renovam o novo laço conjugal a ser construído nas gerações posteriores.

A transmissão intergeracional permite continuar a identidade de uma família através de um legado estruturante de valores. O processo de transmissão é a base da construção de uma identidade grupal, permeando também a construção das subjetividades dos membros do grupo [4]

Podemos também perceber uma dificuldade do pai em expressar seus afetos através de gestos e palavras. Paulo comentou, na última tarefa da EFE, na qual os integrantes devem expressar seus afetos, que tem dificuldade de “externar amor”. Identifica-se com seu pai, que "parece pedra"; "mineiro caladão". Kaës [4] enfatiza a relação estreita entre transmissão psíquica geracional e o processo de identificação. Nesse sentido, as primeiras relações exercem uma função fundamental na construção da subjetividade. Os laços identificatórios sustentam e constroem as formas do sujeito se relacionar com o outro e com os objetos.

O pai de Paulo foi uma importante fonte de suporte identificatório para o filho. Na sua fala, “Tô tentando melhorar”, podemos perceber, contudo, que ele busca construir algo próprio, para além da repetição. Segundo Trachtenberg [9], o trabalho psíquico de elaboração conduz o sujeito a se transformar ao longo do processo terapêutico, diferenciando-se. É necessário tecer uma elaboração entre o que é transmitido e herdado.

Com base nessa ilustração clínica, fica evidente a relevância da compreensão dos processos de transmissão geracional e seus efeitos na constituição da subjetividade. A família é um agente de recriação das subjetividades e suporte desse processo. O trabalho com famílias tem mostrado a importância do investimento nos ideais familiares e coletivos no processo de transmissão. Quando não há investimento nesses ideais que são transmitidos e introjetados via identificação, via função paterna, não há como a família dar suporte ao trabalho de apropriação subjetiva.

Fatores positivos e negativos relativos à execução do projeto

Fatores positivos:

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diferentes níveis acadêmicos, favorecendo o intercâmbio e beneficiando a formação profissional. Participaram alunos de iniciação científica, especialização, mestrado e doutorado, além de bolsistas de pós-doutorado e professores colaboradores da Linha de Pesquisa “Família, Casal e Criança: Teoria e Clínica”, vinculada ao Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica do Departamento de Psicologia da PUC-Rio.

Fatores negativos:

Os dados foram obtidos através de avaliação psicodiagnóstica de famílias atendidas na clínica do SPA/PUC-Rio e, nesta investigação, dependeu-se da busca e da adesão das famílias ao tratamento psicoterápico para coleta dos dados. Portanto, foi necessário lidar com a oscilação da demanda por psicoterapia familiar. Além disso, algumas famílias compareceram para a aplicação de somente uma das etapas do processo de avaliação, o que, segundo o modelo metodológico proposto no projeto, gerou restrições à incorporação do material coletado ao corpo das análises. Ressaltam-se, ainda, os percalços inerentes ao processo de avaliação familiar. Os instrumentos de avaliação, muitas vezes, não foram aplicados na ordem prevista, acarretando atraso na coleta de dados clínicos.

Referências Bibliográficas

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casal: conjugalidade, parentalidade e psicoterapia. São Paulo: Casa do

Psicólogo, 2011, p. 161-172.

2- TURATO, Egberto Ribeiro. Tratado da metodologia da pesquisa

clínico-qualitativa. Petrópolis: Vozes, 2003.

3- FÉRES-CARNEIRO, Terezinha. Entrevista familiar estruturada: um método clínico de avaliação das relações familiares. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.

4- KAËS, René et al. Transmissão da vida psíquica entre gerações. São Paulo:

Casa do Psicólogo, 2001.

5- FREUD, Sigmund. (1914). Sobre o narcisismo: uma introdução. Trad. sob a direção de Jayme Salomão. Rio de Janeiro, Imago, 1996. (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v. 14).

6- MAGALHÃES, Andrea Seixas; FÉRES-CARNEIRO, Terezinha. Transmissão psíquico-geracional na contemporaneidade. Psicologia em Revista, v.10, n.16, p. 243-255, 2004.

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enfoque em terapia familiar psicanalítica. São Paulo: Unimarco Editora, 1998.

8- FREUD, Sigmund (1986). A hereditariedade e a etiologia das

neuroses. Trad. sob a direção de Jayme Salomão. Rio de Janeiro, Imago, 1996.

(Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v. 3).

9- TRACHTENBERG, Ana Rosa Chait. O que será? (À flor da pele): O não dito nas famílias e a transgeracionalidade. In: LEVISKY, R. B.; GOMES, I. C.; FERNANDES, M. I. A. (Org.). Diálogos Psicanalíticos sobre Família e Casal. 1ed. São Paulo: Zagodoni Editora, 2014, v. 1, p. 101-108.

10 - MAGALHÃES, Andrea. S.; FÉRES-CARNEIRO, Terezinha. Conquistando a herança: sobre o papel da transmissão psíquica familiar no processo de subjetivação. In: FÉRES-CARNEIRO, T. (Org.). Família e casal: efeitos da

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11 - ABRAHAM, Nicolas; TÖROK, Maria. A casca e o núcleo. São Paulo: Escuta, 1995.

12 - GRANJON, Evelin. A elaboração do tempo genealógico no espaço do tratamento da terapia familiar psicanalítica. In: CORREA, O. B. R. (Org.). Os

avatares da transmissão psíquica geracional. São Paulo: Escuta, v. 1, 2000,

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13 - CORREA, Olga B. Ruiz. Os avatares da transmissão psíquica geracional. São Paulo: Escuta, 2000.

14 - BION, Wilfred Rupert. Transformations: Change from Learning to Growth. London: Tavistock, 1965.

15 - EIGUER, Alberto. (2004). L’Inconscient de la Maison. Paris: Dunod.

16 - ROSA, Miriam Debieux. O não-dito familiar e a transmissão da história. Psyche, v. 5, n. 8, p. 123-137, 2001.

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