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Processo 223/19.9T8VFC.L1-2 Data do documento 11 de março de 2021 Relator Pedro Martins

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA | CÍVEL

Acórdão

DESCRITORES

Conflito de direitos > Responsabilidade civil

SUMÁRIO

I – Não se impõe a tolerância para com, pelo menos, dois cães, que, desde a data em que foram instalados no canil do réu, a menos de 20 m do prédio dos autores, ladram diariamente, durante o dia e a noite, de forma persistente e ruidosa, privando os autores de descanso, sossego e tranquilidade, nomeadamente entre as 23h e as 4h privando-os de sono.

II – E os autores têm direito à indemnização dos danos respectivos: de 2000€ para cada um, por uma situação que durou perto de 2 anos.

TEXTO INTEGRAL

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

A e mulher, B, intentaram uma acção comum contra C, pedindo que este seja condenado:

a) a remover o canil e respectivos animais do local onde actualmente se encontram de modo a que os animais não se aproximem a uma distância de

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pelo menos 100 metros do prédio dos autores.

b) [em relação a este foi declarada verificada a excepção dilatória do caso julgado e absolvido o réu do pedido, pelo que não importa referi-lo, nem, subsequentemente, aos factos que se lhe referem]

c) a pagar aos autores 15.000€ a título de danos provocados à integridade física dos autores;

d) na sanção pecuniária compulsória de 500€ por cada dia de atraso na remoção do canil e dos animais;

e) no pagamento de 250€ equivalente àquela que foi paga pelos autores pela rehospedagem dos hóspedes no seu alojamento local;

f) no pagamento da quantia que se vier a liquidar em execução de sentença pelos danos comerciais futuros que venham a ser causados aos autores pela recusa ou afastamento do alojamento local em causa.

Alegaram para tanto, em síntese, que: são proprietários de e residentes num prédio contíguo a um prédio de que o réu é dono e onde este tem a sua residência e um canil com vários cães junto ao muro que delimita ambos os prédios. Os cães ladram diariamente, dia e noite, de forma persistente ruidosa, privando os autores de descanso e sossego sobretudo entre as 23h e as 4horas, o que só começou a suceder depois de os cães serem para ali trazidos. A autora passou a usar tampões nos ouvidos e a saúde de ambos os autores tem vindo a gravar-se. Os autores exploram um edifício onde prestam serviço de alojamento local e têm recebido várias reclamações levando hospedes a abandonar o alojamento e a hospedar-se em hotel a expensas dos autores. O autor sofreu ataque cardíaco em 1999 e foi operado ao coração encontrando-se medicado para combater a pressão alta e a autora sofre de hiperacusia, situação essa agravada pelo ruído diário.

O réu contestou, impugnando alguns dos factos; diz que [tem] no canil - situado a cerca de 50 metros do apartamento dos autores - dois cães. Todos os vizinhos possuem cães, os quais de facto ladram, pois os gatos dos autores

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habitualmente saem do prédio destes e invadem os prédios vizinhos; conclui pela absolvição do pedido [o réu deduziu reconvenção, que não foi admitida, pelo que não interessa estar a referi-la].

Depois de realizada a audiência final, foi proferida sentença condenando o réu: 1. A remover os animais de raça canina que se encontrem na sua propriedade, de modo a que não se aproximem a uma distância de pelo menos 100 metros do prédio dos autores; 2. A pagar aos autores 8000€ a título de indemnização por danos não patrimoniais provocados aos autores; 3. Na sanção pecuniária compulsória de 250€ por cada dia de atraso na remoção dos animais referidas em 1, a entregar aos autores; 4. No pagamento, aos autores, de 250€ a título de indemnização por danos patrimoniais. E absolvendo-o do demais.

O réu recorre desta sentença, impugnando a decisão de uma série de pontos de facto, arguindo pelo meio algumas nulidades e recorrendo da decisão sobre matéria de direito.

Os autores contra-alegaram, levantam a questão prévia de falta de cumprimento pelo réu de um ónus de alegação e defendem a improcedência do recurso.

*

Questões que importa decidir: a questão prévia; as nulidades invocadas; a alteração da decisão da matéria de facto; a improcedência dos pedidos.

*

A questão prévia:

Dizem os autores que o réu não indicou que decisão deve, no seu entender, ser proferida relativamente a cada um dos factos que impugna, desrespeitando por isso o ónus consagrado no art. 640/1-c do CPC.

E acrescentam: “A jurisprudência é profícua no sentido de que não existe, quanto ao recurso da decisão da matéria de facto, despacho de aperfeiçoamento.

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preceito: rejeitar o recurso, na parte relativa à impugnação da matéria de facto.”

Decidindo:

Como se verá abaixo, o réu indica claramente que, relativamente aos pontos de facto que impugna, a decisão devia ter sido de não provado. Pelo que não se verifica o vício apontado pelos autores.

*

Foram dados como provados os seguintes factos que interessam à decisão das restantes questões a decidir [os pontos 12 e 14 foram alterados com rasuras e sublinhados de modo a reflectir o que foi decidido na impugnação da decisão da matéria de facto]:

1\ Os autores são donos e legítimos proprietários do prédio misto sito em X, n.º 0, freguesia da Z, concelho de Z, descrito na Conservatória do Registo Predial de V sob o número 0000/19970312 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 0000 (parte urbana) e sob o artigo 00 da secção AT (parte rústica), conforme teor das certidões juntas aos autos e que se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.

2\ Os autores residem naquele prédio, pois ali fazem a sua vida, nele dormindo, recebendo os amigos, comendo e tudo o mais que diz respeito à vida de um casal.

3\ O réu é dono e proprietário do prédio misto sito em X, n.º 0, mesma freguesia e concelho e descrito na mesma Conservatória sob o número 0000/19841108 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 0000 (parte urbana) e sob o artigo 00 da secção AT (parte rústica), conforme teor das certidões juntas aos autos e que se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.

4\ O prédio dos autores e o prédio do réu são contíguos.

5\ No seu prédio, o réu tem o edifício da sua residência, outro edifício de destinação que não foi possível concretamente apurar (garagem ou armazém) e um canil, com vários cães, desde altura não concretamente apurada, mas

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situada no ano de 2018.

6\ Desde Março de 2020 que o canil está sem qualquer animal.

7\ O canil está construído a não mais de 20 m da delimitação dos dois prédios, sendo que essa é feita através de “abrigos” que impedem a visualização dos referidos cães, e noutra parte por muro de alvenaria.

8\ Os cães (em numero que não foi possível concretamente apurar, mas nunca inferior a dois), desde a data em que foram ali instalados, ladram diariamente, durante o dia e a noite, de forma persistente e ruidosa, privando os autores de descanso, sossego e tranquilidade, nomeadamente entre as 23h e as 4h, privando-os de sono.

9\ Antes da altura em que os cães foram trazidos para o canil, os autores sempre dormiram sossegadamente.

10\ A autora, por vezes, usava tampões nos ouvidos em virtude do latir dos cães que é audível não só no exterior da habitação dos autores, mas também no interior da mesma.

11\ A saúde dos autores, em consequência do ladrar dos cães tem vindo a deteriorar-se, quer pela falta de sono quer pelos sentimentos depressivos, tristeza e angustia que sentem perante a situação em causa.

12\ No prédio dos autores existe um espaço de utilização independente destinado a alojamento local, onde os autores A, Unipessoal, Lda, presta serviços de alojamento temporário, a turistas, mediante remuneração.

13\ O canil situa-se a distância não concretamente apurada, mas não superior a 20m do referido apartamento.

14\ Por força dos latidos dos cães durante o dia e noite, os autores têm recebido várias reclamações pelo barulho e desassossego provocado pelos cães, o que levou a que, por duas vezes, turistas decidissem abandonar o alojamento e hospedar-se num hotel, a expensas dos autores de A, Unipessoal, Lda, que pagou para o efeito a quantia de 98 e 152€ respectivamente.

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intervenção cirúrgica ao coração e desde essa altura é medicado para combater a pressão alta.

16\ A autora sofre de hiperacusia, doença que ocorre em indivíduos que têm uma maior sensibilidade ao ruído, razão pela qual o ladrar dos cães lhe provoca dores e desconforto de cada vez que ocorre.

17\ Os autores firmaram residência no local dos autos, por terem sido aconselhados a residirem em local calmo e sossegado em virtude da doença que a autora padece, ocasionado por trombose e que lhe determinou internamento hospitalar e a reforma.

18\ Devido ao latir dos animais, em data não concretamente apurada mas posterior a 2017, a autora regressou à Alemanha para descansar e recompor-se da exaustão em que se encontrava, ali permanecendo algumas semanas.

19\ O réu teve conhecimento por diversas vezes, das queixas que os autores apresentavam e tinham em consequência do latir dos seus animais.

*

Da impugnação da decisão da matéria de facto

O tribunal escreveu 9 páginas e um pouco de fundamentação da decisão da matéria de facto, descrevendo as declarações, depoimentos e documentos e fazendo algumas observações críticas ao que vai descrevendo, sem separar a fundamentação da decisão em relação a cada ponto de facto.

Pelo que se passa a transcrever toda essa fundamentação, de modo a tê-la em conta e depois poder resolver as questões que o réu levanta a propósito.

Assim, diz a sentença:

“Do depoimento [ou melhor: declarações - TRL] de parte dos autores, resultou o limite temporal do início da estadia dos cães na propriedade dos Autores (desde 2018).

Relataram as distâncias em causa da sua propriedade e do canil bem como da sua residência e da do alojamento local. A persistência dos latidos dos animais durante o dia e a noite com agravamento durante o ano de 2019, referiram as

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queixas dos seus hóspedes e os pagamentos de hotéis que providenciaram, descrevendo ainda o comportamento dos dois gatos, sua propriedade.

Descreveram ainda com acerto e minucia de forma credível e exaustiva, as doenças de que padecem ou padeceram que os torna mais frágeis de saúde, designadamente o ataque cardíaco e intervenção cirúrgica e a medicação dali decorrente bem como a trombose sofrida pela autora no ouvido direito e que lhe determinou a doença denominada hiperacusia que lhe acarretou a situação de reforma e a recomendação médica de se estabelecer num local calmo. Referiu ainda que a solução não passa por tapar os ouvidos, o que na sua perspectiva agrava a sua situação.

Quanto a esta questão e socorrendo-nos da investigação pela internet, nomeadamente Wikipédia, resultam certas as informações dadas pela autora. Na verdade, a hiperacusia é uma condição caracterizada por uma maior sensibilidade a certas frequências e volumes de som. É, pois, um aumento da acuidade auditiva. Uma pessoa com hiperacusia grave tem dificuldade em tolerar sons quotidianos que podem parecer desagradáveis ou mesmo serem experimentados por ela de maneira dolorosa, mas que são suportados pelas demais pessoas como normais. O tratamento da hiperacusia não é o silêncio, nem o uso de protector auricular, pois que com o silêncio ou um ruído mais baixo aumenta-se a intensidade de captação de sons externos, gerando incomodo ainda maior.

O tratamento envolve a dessensibilização com o uso de aparelhos ou instrumentos que emitem um som contínuo de pouca intensidade, abaixo do nível que provoca incómodo ao paciente o que ajudará o paciente a readaptar-se aos sons provenientes da natureza, de rádios, televisões, outros aparelhos domésticos, etc.

Assim para além do desconforto e dor que a autora relatou e exemplificou (por exemplo, o som de um talher a cair sobre a mesa) e que o tribunal não põe em causa, antes pelo contrário deu como provados aqueles efeitos dos ruídos na

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autora, não foi feita qualquer prova que em virtude da exposição a sons como os do latir dos cães, agrave a doença em si, daí que não se tivesse dado como provado esse facto, não resultando também provado que tivessem recorrido a serviços médicos, sendo certo que a prova dos mesmos não teria sido complicada ou difícil.

Quanto aos demais factos relatados pelos autores, os mesmos foram corroboradas pelas testemunhas trazidas a julgamento pelos autores, que na sua generalidade mereceram a credibilidade do tribunal, pela forma como demonstraram efectivo conhecimento do que afirmavam, dada a profusão de pormenores e descrições, todas elas coincidentes entre si.

Assim, HP, com dupla nacionalidade portuguesa e alemã, referiu que 3 a 4 vezes por ano frequenta a casa dos autores, desde os últimos 15/16 anos, em jantares e perante o barulho que os cães faziam ao latir constantemente e de forma muito ruidosa os questionou se não podiam fazer nada para obstar a isso. Perguntado se o ladrar era ininterrupto, referiu que não pode jurar que, se esteve lá cinco horas seguidas, os animais ladraram as cinco horas, mas que o barulho é sempre presente, sim. Também viu a autora de tampões os ouvidos e sabe que ela se reformou por questões de doença nos ouvidos.

Quanto à situação com os hóspedes, nada sabe directamente, embora os autores lhe tenham relatado a situação (da forma como o fizeram em audiência de julgamento).

Referiu que o autor se mostra muito preocupado com o estado de saúde físico e psíquico da sua esposa, sendo esse o aspecto com que o vê preocupado e não exactamente só com a sua própria saúde.

Não se recorda de ter ficado em casa dos autores depois das 23h e demonstrou saber que os autores têm dois gatos que vê pela casa.

PA, empregada domestica dos autores desde há 13 anos, ali trabalha de 15 em 15 dias, salvo quando têm hóspedes no alojamento local situação em vai também fazer limpeza ao apartamento antes e depois das estadias dos turistas,

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estimando que entre Abril e Setembro ali se desloque cerca de duas vezes por semana.

Descreveu a localização dos cães como sendo encostada à vedação da casa dos autores e referiu que viu a autora com auscultadores a trabalhar no jardim da sua habitação devido ao ladrar persistente e ruidoso, nas suas palavras, dos animais, que descreveu ainda como sendo um barulho incomodativo. Embora não saiba falar outro idioma que não o português, percebe que os hóspedes do alojamento local se sentem incomodados porque lhe fazem saber por sinais que deve manter fechadas todas as janelas do apartamento demonstrando-lhe gestualmente que a razão é o ruido dos animais a ladrar.

Apercebe-se de como a autora se sente deprimida, irritada, nervosa notando que esses sentimentos se foram acentuando quer nela, quer no autor, em virtude do comportamento dos cães do réu.

Quanto ao número de gatos referiu que eram dois e costumavam estar dentro de casa. O seu horário de trabalho situa-se entre as 8 e as 17h e quanto ao motivo pelo qual latem da forma descrita, julga que tem a ver com os veículos pesados que frequentemente entram na propriedade do réu ilustrando que cada vez que isso acontece ficam a ladrar, aí sim, ininterruptamente, durante meia hora.

A testemunha AV, engenheiro de electrotecnia, conhece os autores desde há 7 anos e estima que frequenta a casa deles 5 a 6 vezes por ano, para jantares, lanches, aniversários e o réu foi seu empreiteiro há 10 anos. Julga que o ladrar que ouve se deve a seis ou sete animais pela sua intensidade “alto e bom som” e frisou que durante as suas visitas a casa dos autores, surgiam sempre as conversas a propósito do ladrar dos animais e do incómodo que era para todos, exactamente por causa do barulho que se registava sempre.

Descreveu de que lado vem o barulho, pois que não consegue ver os cães por haver abrigos de permeio. Referiu que aconteceu refeições terem-se prolongado até à uma ou duas horas do dia seguinte e relatou que numa dessas

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festas (segundo julga recordar, comemorativa do aniversário da autora), os hospedes que ali se encontravam alojados no apartamento de alojamento local dos autores, se queixaram e não quiseram continuar ali hospedados devido aos barulhos dos cães a ladrar, razão pela qual o autor lhe pediu um lugar para eles na sua (da testemunha) quinta de alojamento local. Aconteceu que não tinha lugares disponíveis e por isso, o autor levou os turistas até Ponta Delgada para um hotel por eles se recusarem a continuar a pernoitar ali.

Recorda-se ainda que a autora foi para a Alemanha devido ao estado de extenuação em que se encontrava por causa da situação dos cães.

Costuma ver os gatos dos autores dentro de casa, referindo ainda que as casas dos autores e do réu são isoladas das restantes moradias da freguesia e relatou que a ultima vez que foi a casa dos autores (Agosto de 2020), não ouviu qualquer cão a ladrar.

Reiterou que os animais, durante as suas estadias ladravam permanentemente, eram mais do que um, mas não consegue precisar exactamente quantos.

LM, educadora, desde 2014 que conhece os autores e frequenta a casa destes cerca de 3 a 4 vezes por ano, com preponderância durante o Verão, para almoçar. Recorda-se de lá jantar uma vez, ouviu sempre os cães a ladrar de forma muito ruidosa, seriam vários, mas não conseguiu vê-los embora não tenha dúvidas face à direcção do barulho, que estão na propriedade do réu e classificou o ladrar como de “sofrimento”. Relatou ainda que os autores lhe telefonaram em data que não pode precisar, percebeu por ter ouvido que a autora estava a chorar pediram ajuda e, entretanto, através do telemóvel ouvia os cães a ladrarem continuamente.

Também tem conhecimento que a autora foi para a Alemanha por causa da situação em causa, sente os autores muito tristes, recorrendo aos amigos para que os ajudem a debelar a situação. Já viu a autora com tampões nos ouvidos, desesperada, a tremer e com as mãos na cabeça pelo ruído provocado pelos cães e quando esta foi uma temporada para a Alemanha o autor esteve em sua

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casa triste a chorar, pela partida da sua esposa e das razões pelas quais o teve de fazer (o barulho dos cães a ladrar).

Relatou ainda que mesmo dentro de casa com as janelas e portas fechadas se ouvia o latir dos animais e recorda que uns hóspedes dos autores abandonaram o apartamento em que estavam alojados na propriedade dos autores e sabe disso por ter sido chamada ao local pelos autores nessa altura e ter constatado esse facto.

Ouvido o réu empresário de construção civil, começou por referir que seguiu todos os códigos de conduta, mas que, no entanto, em Março de 2020, retirou os dois cães de caça que mantinha soltos, cada um no seu canil, que se situa, segundo ele, a cerca de 30 metros da propriedade dos autores delimitada com abrigos de altura superior a 3m, sem que no entanto, explicitasse as razões pelas quais o fez.

Mais referiu que em Setembro de 2019 pediu uma vistoria a todas as suas obras incluindo o canil e tudo se encontrava em ordem. É certo que reside no local e por vezes ouvia os cães a ladrar ininterruptamente, mas quando ali se deslocava para entender a razão dos latidos, percebia que os mesmos se deviam à passagem pelo local de vários gatos e cães. Começou o réu por atribuir aos autores a propriedade e responsabilidade pelo facto de recolherem gatos vadios (mas instado acabou por afirmar desconhecer a quem pertenceriam esses animais que via vaguear perto do canil) e por essa razão, disse, abordou o autor mas este referiu-lhe que os gatos eram selvagens. Embora sem o dizer expressamente insinuou que o latir dos animais provinha de outros que não os seus, referindo que “toda a gente tem cães” e negou que alguma vez tivesse sido chamado à atenção pelos autores, contornando assim o facto de ter tido conhecimento do desagrado deles pela situação em causa agora nesta acção, através das queixas que aqueles apresentavam e de que teve conhecimento, pelo menos através da GNR que se deslocava à sua residência por mor delas, por inúmeras vezes como ficou patente do

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depoimento do guarda da GNR. Por seu turno, embora não o tivesse referido, não custa perceber como a decisão de ter retirado os animais daquele local a partir de Março de 2020, teve o seu fundamento no conhecimento que tinha das queixas dos Autores e do facto de estes terem interposto a presente acção e do receio das consequências da mesma.

Quanto à matéria em decisão, para além da animosidade evidente de há anos (desde 2008 segundo afirmou, “nunca mais teve descanso”) para com os autores, nada mais revelou.

JT, mecânico, amigo do réu, costumava frequentar a casa deste 2 a 3 vezes por semana, referindo que os cães só ladravam quando chegava e se calavam logo de seguida, adiantando ainda que viu por ali alguns gatos o que tornava os cães agitados e que das vezes [que] esteve no local entre as 4 e as 5h, estava tudo calmo. Questionado sobre os motivos que terão levado o réu a retirar os cães do local se estes não incomodavam, respondeu que o réu lhe disse que o fazia porque os vizinhos se queixavam.

JS, camponês e vizinho do réu, começando por calcular a distância dessa vizinhança em cerca de 50m e acabando por admitir que a sua casa se situa a mais de 100 metros da residência daquele, referiu que os cães são dois, de caça e que nem sequer ladram…, só ouvindo latidos durante a noite mas provenientes de outros cães que não os do réu… Revelou-se esta testemunha, completamente falha de credibilidade, alias à distância que depois se veio a considerar encontrar-se, com paredes altas de premeio entre o canil e o local onde a sua casa se situa, seria quase impensável que ouvisse fosse o que fosse da casa do réu…

RA, disse ser vizinho do réu levantar-se pelas 5h todos os dias, conhece a delimitação entre as propriedades do réu e dos autores constituída por muro e abrigos, não sabe quantos cães o réu possui e acabou por referir quando se tentou concretizar a distância da vizinhança a que aludiu, que “não é bom em distâncias” …

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DM, reformado, trabalha uma terra que se situará ao lado da propriedade do réu, onde se desloca entre as 8 e as 10 da manha de 4.ª a 6.ª feira e deu a saber que no seu entender é normal que os cães ladrem…

JR, pedreiro, trabalha fora da freguesia entre as 8 e as 17h e refere que “não ouve nada…” referindo-se ao ladrar dos cães, mas não se conseguiu precisar a distância a que a vizinhança que diz ter com o réu se contém.

JM, elemento da GNR, referiu que foi à propriedade do réu uma a duas vezes por semana e durante o Verão de 2019 com mais intensidade, a pedido dos autores e o réu dizia-lhe que estes se queixavam dos latidos.

JE, motorista, embora referisse que era vizinho do réu e nada ouvia do que aqui se discute, conseguiu apurar-se que para além de uma ribeira se situar a meio das duas propriedades, a casa da testemunha se situa a cerca de, pelo menos, 200m de distância da do réu…

ME, ajudante de cozinha, vive a mais de 150m de distância da do réu, e de nada sabe, tão-pouco se este tem ou não cães e se por ali cirandam gatos. Assim a generalidade das testemunhas arroladas pelo réu, quiseram nitidamente favorecer a versão oposta à dos autores e pretenderam ter conhecimento de factos que ou distorceram ou de todo não sabem. Ficou-me a acentuada sensação, pela forma como os depoimentos foram prestados, que o facto de os autores serem estrangeiros, alemães e pouco conviviais com as pessoas da freguesia, que é pequena, rural, afastada da parte urbana da ilha e circular nas relações sociais, os tornou pouco queridos, estranhos, optando os ali residentes por defenderem os interesses do réu, pessoa bem conceituada, natural do lugar, conhecida pela sua profissão de empreiteiro de construção civil, empregador da zona e que a final, se comporta como a maioria das pessoas das freguesias, que têm cães, de caça, que os mantêm confinados em canis sem a atenção normalmente concedida a animais domésticos, meios de obter caça, durante o período dela ou seja, não concebendo sequer que a forma de expressão dos animais possa importunar alguém a ponto de fazerem intervir

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as autoridades e de tal comportamento dos animais lesar de forma não despicienda os direitos fundamentais de cada cidadão.

Para além disso, como se disse, em termos práticos dadas as distâncias, o isolamento das duas propriedades da restante freguesia a contiguidade dos prédios entre si, não poderiam aquelas pessoas saber com acerto dos factos sobre os quais eram inquiridas.

Assim, se por um lado se assistiu a esse desacerto, por outro e tendo em conta o que supra se referiu, aos seus depoimentos acresceu uma falta de imparcialidade que foi não só evidente, como notória.

Considerou ainda o tribunal, o teor dos documentos de fls. 8v a 13v, 14v e 15. Uma ressalva especial se impõe da nossa parte, quanto ao documento de fl. 14, no que concerne à sua inserção nos autos e ao valor do mesmo até porque o réu o invocou em alegações como sendo demonstrativo da situação de má-fé em que se encontrariam os autores a litigar nestes autos, pedindo (ainda que só em alegações) a sua condenação nesses termos.

Ora, a lei não impõe que os documentos a integrar nos autos estejam escritos na nossa língua, pois que o artigo 134/1 do Código de Processo Civil, refere que quando se ofereçam documentos escritos em língua estrangeira «que careçam de tradução, o juiz, oficiosamente ou a requerimento de alguma das partes, ordena que o apresentante a junte»

Da literalidade do preceito, resulta que a lei não enuncia qualquer critério pelo qual seja possível aferir dessa necessidade, pelo que se conclui que é ao julgador que compete o poder discricionário de decidir se demanda ou não tradução.

Já Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, II, Coimbra Editora, 1945, p. 41, escrevia a esse propósito: «[ficava], pois, ao prudente arbítrio do juiz mandar ou não fazer a tradução», ainda que a parte a requeresse, o juiz podia indeferi-la se a entendesse dispensável –.

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nomeadamente por ele se encontrar redigido numa das línguas que não só eu compreendo, como é uma das que são normalmente compreendidas, no caso a língua inglesa, sendo ele para além disso, escrito sem tecnicidade, numa linguagem simples, como tudo é o caso, não vejo qualquer razão atendível para que tivesse solicitado aos autores a junção da sua tradução.

Não estou sozinha neste entendimento das coisas, bastando para isso a consulta dos acórdãos do TRL de 10/05/2007, proc. 1612/2007-6; do TRP de

26/06/2010, proc. 73/1988.P1; e do TRC de 29/01/2013, proc.

2116/10.6TJCBR.C1 (e até no Código do Registo Comercial e do Código do Registo Predial, a esse propósito se dispõe que não carecem de tradução documentos redigidos em língua inglesa, francesa ou espanhola, se o funcionário competente dominar essa língua (artigos 32/2 do CRCom e 43/3 do CRPred).

Por todo o exposto, considerei o teor do documento de fl. 14, redigido em língua inglesa que devido aos meus conhecimentos daquela língua, traduzi e interpretei sem qualquer dificuldade, na íntegra e me serviu de arrimo à prova positiva por parte dos autores, sobre as queixas dos turistas hospedados na sua propriedade, às razões delas e ao posterior alojamento no hotel e pagamento pelo autor das estadias (a que se referem as facturas de fl. 14v - a da subscritora de fl. 14 - e fl. 15), conjuntamente com o depoimento das testemunhas arroladas pelos autores sobre essa matéria.

Posto isto,

O réu diz o seguinte contra a decisão de dar como provado o que consta de 7: O facto em causa por importar elementos objectivos – edificação dum concreto espaço, dimensionamento e distância – exige um conjunto de elementos técnicos que não se compaginam com a simples prova testemunhal. E, a fundamentação da matéria provada - e não provada - deve ser feita com clareza, objectividade e discriminadamente de modo a que as partes, destinatárias imediatas da decisão, saibam o que o tribunal considerou provado

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e não provado e qual a fundamentação dessa decisão reportada à prova fornecida pelas partes e adquirida pelo tribunal.

Ora, a este propósito temos que junto ao processo não existe qualquer documento legal que comprove que o canil está construído a não mais de 20 metros da delimitação dos dois prédios nem mesmo foi requerida qualquer perícia a fim de fazer prova dos fundamentos da acção (artigos 362 do Código Civil e 423 e 436 do CPC) baseando-se, apenas, a decisão recorrida nas declarações do autor.

Pelo que, por este concreto facto se encontrar afastado do poder cognitivo das testemunhas exigindo especial fundamentação deverá ser arredado dos factos dados por assentes.

Os autores respondem que:

A única questão contra a qual o réu se insurge é a distância a que está construído o muro.

Resulta das declarações de parte do autor, a que corresponde o ficheiro 2020/09/25 – 10h40m13s, o seguinte:

[00:05:13] Intérprete: The dog cage is how far from your house? [00:05:18] Autor: About 20 m.

[00:05:19] Intérprete: 20 m.

Por outro lado, resulta das declarações do réu, a que corresponde o ficheiro 2020/09/18 – 15h06m07s, o seguinte:

[00:05:10] Ad. do réu: Dois. E diga-me uma coisa: esse canil fica mais ou menos a quantos metros da residência dos Autores?

[00:05:19] Réu: A legislação…

[00:05:20] Juiz: Não. Agora deixe lá a legislação.

[00:05:21] Ad. do réu: Fica a quantos metros? Deixe a legislação. [00:05:23] Réu: 30 [imperceptível].

[00:05:26] Ad. do réu: OK. E na sua propriedade existem barreiras divisórias, o que é que existe lá?

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[00:05:35] Réu: Tem abrigos que é eu próprio os criei. Tem abrigos [imperceptível] nos limites da propriedade. E tem um outro à frente um bocadinho que eu próprio é que o criei desde que comprei a propriedade. Já tem para aí uns 3m de altura. Funciona como barreira natural, segundo aquilo que os técnicos me disseram quando foram lá a propósito da vistoria.

Donde que a matéria de facto constante do ponto 7 foi correctamente dada como provado, devendo ser mantida.

Decidindo:

Tendo em consideração aquilo que a doutrina diz, com base no art. 607/4 do CPC, sobre a forma como a fundamentação da decisão da matéria de facto se deve fazer, a dos autos não é correcta.

Veja-se:

Miguel Teixeira de Sousa, embora para a redacção do CPC anterior à reforma de 2013, dizia: “A fundamentação da apreciação da prova deve ser realizada separadamente para cada facto […] Se o facto for considerado provado, o tribunal deve começar por referir os meios de prova que formaram a sua convicção, indicar seguidamente aqueles que se mostraram inconclusivos e terminar com a referência àqueles que, apesar de conduzirem a uma distinta decisão, não foram suficientes para infirmar a sua convicção (Estudos sobre o novo processo civil, Lex, 2ª edição, 1997, pág. 348; mais ou menos no mesmo sentido, veja-se Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, 1985, págs. 653/655; e Remédio Marques, Acção declarativa à luz do código revisto, Coimbra Editora, 2007, págs. 409 a 411).

E Lebre de Freitas diz (já depois da reforma de 2013): “Na decisão de facto, o tribunal declara quais os factos, dos alegados pelas partes (…) e dos instrumentais que considere relevantes, que julga provados (total ou parcialmente) e quais os que julga não provados, de acordo com a sua convicção, formada no confronto dos meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador; esta convicção tem de ser fundamentada, procedendo o tribunal à

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análise crítica das provas e à especificação das razões que o levaram à decisão tomada sobre a verificação de cada facto (art. 607, n.ºs 4, 1ª parte, e 5) (…). O juiz deve, pois, por exemplo, explicitar porque acreditou em determinada testemunha e não em outra, porque se afastou das conclusões dum relatório pericial para se aproximar das de outro, por que razão o depoimento de uma testemunha com qualificações técnicas o convenceu mais do que um relatório pericial divergente ou porque é que, não obstante vários depoimentos produ‐ zidos sobre certo facto, não se convenceu de que ele se tivesse realmente veri‐ ficado. A sua análise crítica constitui um complemento fundamental da gra‐ vação; indo, nomeadamente, além do mero significado das palavras do depoente (registadas em audiência e depois transcritas), evidencia a importân‐ cia do modo como ele depôs, as suas reacções, as suas hesitações e, de um modo geral, todo o comportamento que rodeou o depoimento (…). Por outro lado, a necessidade de fundamentação séria leva, indirectamente, o juiz a melhor confrontar os vários elementos de prova, não se limitando à sua intuição ou às impressões mais fortes recebidas na audiência decorrida e considerando, um a um, todos os factores probatórios submetidos à sua livre apreciação, incluindo, nos casos indicados na lei (supra, n.º 19.2), os relativos à conduta processual da parte” (A acção declarativa,… 3ª edição, 2013, Coimbra Editora, págs. 315/316).

A verdade, entretanto, é que a forma de dar cumprimento a estas exigências pode ser variada dependendo de: como os factos foram alegados na petição inicial ou na contestação; como foram impugnados; como foi produzida a prova; bem como da importância relativa dos elementos de prova; da multiplicidade dos factos relevantes; da existência de unidade de sentido quanto a grupos de factos, etc.

Daí que, por exemplo, Lebre de Freitas e outros, CPC anotado, vol. 2º, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, especialmente págs. 659 a 662, não obstante o que acima foi transcrito, lembrem que: “A imposição da fundamentação não

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impede necessariamente que o tribunal motive em conjunto as respostas a mais do que um facto da base instrutória, quando os factos objecto da motivação se apresentem entre si ligados e sobre eles tenham incidido fundamentalmente os mesmos meios de prova. Essa motivação conjunta pode até ser concretamente aconselhável.”

Mas, por mais formas que possa adoptar, a fundamentação deve dar a conhecer, de forma suficientemente clara, o que é que serviu para a decisão da matéria de cada ponto de facto, ou, pelo menos, em relação a conjuntos de pontos que se possam reconduzir a uma unidade de sentido, de tema ou de assunto, sob pena de poder não se vir a saber porque é que o tribunal decidiu dar como provado certo ponto impugnado pelas partes. E essa decisão deve fazer uma apreciação crítica dos elementos de prova utilizados para esse ponto, sendo que esta referência crítica não é o mesmo que um resumo completo da prova pessoal prestada indiscriminadamente para todos os factos objecto de prova.

No caso dos autos, já se disse, estas regras não foram observadas, sendo que só com diversas leituras da fundamentação de facto é possível perceber quais foram os elementos de prova que serviram para a convicção do tribunal sobre cada ponto.

Basta reparar que, por exemplo em relação ao que consta do ponto 7 dos factos provados, existem mais dois elementos de prova referidos na fundamentação da decisão da matéria de facto que podem ser utilizados para a questão da distância da casa dos autos para o canil – ou seja o que está aqui em discussão, no essencial -, para além daqueles que os autores, ao defenderem a decisão recorrida, referem (sendo que as contra-alegações, nesta matéria, partem do que foi dito pela fundamentação recorrida).

Mas, apesar dessa dificuldade, a verdade é que nesta impugnação e nas que se seguem se vê que o réu, tal como este tribunal de recurso, conseguiu perceber – e podia conseguir perceber - a fundamentação da decisão de facto

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relativamente a cada ponto impugnado e atacá-la com propriedade, pelo que não há consequências a tirar da incorrecta forma de fundamentação.

Posto isto,

Não tem qualquer fundamento legal a afirmação do réu de que “o facto em causa por importar elementos objectivos – edificação dum concreto espaço, dimensionamento e distância – exige um conjunto de elementos técnicos que não se compaginam com a simples prova testemunhal.” As normas legais que o réu invoca não dizem, nem de longe, nada de parecido, sendo evidente, pelo contrário, que uma testemunha pode convencer, com o seu depoimento, de que “um canil está construído a não mais de 20 m da delimitação dos dois prédios, sendo que essa é feita através de ‘abrigos’ que impedem a visualização dos referidos cães, e noutra parte por muro de alvenaria.”

Por outro lado, não é verdade que o que consta de 7 se baseie, apenas, nas declarações do autor, pois que o que a decisão recorrida refere das declarações do réu aponta no mesmo sentido (30m, dito pelo próprio réu, está significativamente próximo de 20m dados como provados), tal como aponta no mesmo sentido o que ela diz do depoimento da empregada doméstica dos autores, PA: “descreveu a localização dos cães como sendo encostada à vedação da casa dos autores”. Mais, a testemunha LM referiu que mesmo por telemóvel ouve os cães a ladrar continuamente, o que aponta claramente pela proximidade do canil à casa dos autores.

Improcede a impugnação do réu, baseada numa impossibilidade legal inexistente e num pressuposto errado (a decisão não se baseou só nas declarações do autor).

*

O réu diz o seguinte contra a decisão de dar como provado o que consta de 8: Mutatis mutandis, o que anteriormente ficou escrito, também aqui se aplica. Com efeito, este facto dado por assente em 8 carece de falta de prova documental bastante pois a noção do ruido, reconduz-se imperativamente à

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emissão do parecer técnico de harmonia com o quadro legal estabelecido no Decreto Legislativo Regional 23/2010/A, de 30/06 e declaração de rectificação 26/2010, de 27/08, que aprova o Regulamento Geral de Ruído e de Controlo da Poluição Sonora, a seguir designado por RGRA, em vigor desde 01/07/2010. Mas, para sustento do referido, a julgadora só atendeu a uma particular prova testemunhal ou seja, a apresentada pelos autores ignorando de forma ostensiva os depoimentos arrolados pelo réu. Mais grave, fez recair sobre estas testemunhas (do réu) suspeições de xenofobia vs. provincianismo referenciando que as declarações destas foram tendenciosas por envolverem... estrangeiros. Porém, as testemunhas indicadas na decisão – tidas por admissíveis – não frequentavam com regularidade a casa dos autores, nomeadamente a testemunha HP referiu que só frequentou a casa dos autores cerca de 4 a 5 vezes nos últimos 15 a 16 anos ficheiro áudio 2020/09/18 – 10h27m17s [00:01:49] a [00:12:08]:

[00:01:49] Ad. dos AA: O senhor conhece aqui o autor e a autora, sabe que eles moram… sabe onde é que eles moram, na Rua X, n.º 0?

[00:01:55] T: Já fui lá a casa.

[00:01:56] Ad. dos AA: Já foi lá à casa deles, pronto. O senhor sabe que eles ali, nesse sítio onde eles moram eles recebem os seus amigos, dormem, comem, fazem a sua vida normal ali naquela casa? Vivem ali, não é?

[00:02:10] T: Vivem ali.

[00:02:12] Ad. dos AA: Pronto. O senhor já foi alguma vez a casa deles conforme aqui referiu, e em que altura é que o senhor foi lá? Desde que altura é que os conhece mais ou menos? Desde que altura é que frequenta a casa deles?

[00:02:26] T: 3, 4 vezes por ano. [00:02:28] Ad. dos AA: 3, 4 vezes por?

[00:02:30] T: Por ano. Nos últimos 15 a 16 anos.

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[00:02:38] T: Por cada ano, 3, 4 vezes talvez (uma vez?) 5 vezes. (…)

[00:11:47] Ad. dos AA: O senhor há bocadinho, não percebi se o senhor não percebeu bem a pergunta ou eu é que não percebi bem a resposta, o senhor dessas vezes que esteve lá em casa deles alguma vez esteve para além das 23h, assim a passar um serão?

[00:12:01] T: Eu nunca estive…

[00:12:02] Ad. dos AA: Depois de jantar.

[00:12:04] T: Nunca estive a esta hora na casa deles. [00:12:05] Ad. dos AA: Na casa deles...

[00:12:06] T: Depois de jantar é para ir para casa. [00:12:08] Ad. dos AA: Pronto.

E, o mesmo se poderá dizer em relação à testemunha LM - ficheiro áudio 2020/09/18 – 11h18m07s - que começou por dizer que frequentava a casa dos autores cerca de 3 a 4 vezes por ano, ia almoçar e só por uma vez lá jantou: [00:07:51] Ad. dos AA: Do livro. Por acaso recorda-se se esse jantar se prolongou mais um bocadinho? Se podem ter ficado lá a fazer mais um serãozinho?

[00:07:59] T: Não, não.

[00:08:01] Ad. dos AA: Até à...

[00:08:01] T: Não, fomos muito cedo porque tanto eu como a pessoa que me acompanhou deitamo-nos muito cedo, eu também sofro de muitas enxaquecas e normalmente aceitamos almoços, jantares não, este foi realmente muito especial, foi cedo, por volta das 18h e viemos embora 21h30, 22h no máximo.” Mas, que da última vez que lá tinha ido – sensivelmente nos meses de Junho ou Julho de 2020 – ouviu os cães a ladrar freneticamente, como se estivessem em sofrimento. Ora, tal testemunho não é merecedor de credibilidade uma vez que, ficou assente no ponto 6 dos factos provados que desde Março de 2020 que o canil está sem qualquer animal – que também foi confirmado pelo próprio réu.

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Merecendo a testemunha PA - ficheiro áudio 2020/09/18 – 10h42m05s - minutos [00:00:20] a [00:13:50], iguais reservas já que, sendo empregada de limpeza dos autores com horário de trabalho das 8 às 17h, de 15 em 15 dias, nunca permanecia na casa dos autores para além desse horário. E que inicialmente começou por referir que os cães ladravam insistentemente, ruidosamente durante o dia inteiro e, posteriormente, nos minutos infra identificados acabou por confessar que:

[00:12:05] Juiz: Olhe, a senhora sabe por que motivo é que os cães ladram? Como a senhora diz não estão sempre a ladrar, mas quer dizer, o ladrar deles se a senhora está lá desde as 8h às 17h (da tarde)?

[00:12:17] T: Sim.

[00:12:18] Ad. do réu: A senhora diz que eles ladraram durante quantas horas enquanto a senhora lá esteve? Consegue dizer ou quantos minutos enquanto a senhora lá esteve, entre as 8h e as 17h (da tarde) quanto tempo é que aqueles cães estão a ladrar?

[00:12:29] T: Por exemplo, assim é mais da parte da manhã, talvez mais da parte da hora de almoço, é aquele ladrar assim insistente.

[00:12:41] Juiz: Sim?

[00:12:42] T: E é quando assim tem alguém a andar na propriedade camiões ou coisas assim também senti o cão a ladrar insistentemente.

(…)

[00:13:45] Juiz: Sim. A senhora acha… nunca esteve lá depois das 17h (da tarde)?

[00:13:49] T: Não, não.

[00:13:50] Juiz: Sim senhora. Pronto.”

Mais, ainda, foi ignorado, melhor escrevendo, nem sequer ponderado pelo tribunal a quo, o documento junto aos autos pelo réu, que consiste num parecer/vistoria da Câmara Municipal de V, efectuado pela USIS (Unidade de Saúde da Ilha de S), datado de 04/11/2019, ou seja, data anterior à propositura

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da presente acção pelos autores, em que resulta uma certificação conjunta com a autoridade veterinária efectuada no dia 26/09/2019, que averiguou a situação do canil situado na Rua de X, freguesia de Z. E, a qual atestou que: “Foi vistoriado as condições de bem-estar animal do canil onde se encontravam dois cães de caça da raça galgo, sem encontrar anomalias. Por se encontrarem a uma distância considerável e a uma cota inferior da habitação do queixoso. Por existirem várias barreiras com sebes vivas. Pelas janelas da habitação não estarem voltadas para o lote em questão. É parecer desta delegação de saúde que o ruido existente do local será idêntico a outros canis da zona. Pelo que estão a ser cumpridas todos os requisitos legais para funcionamento do canil vistoriado.”

Resultando, igualmente, da prova documental apresentada pelo réu mas repudiada pelo tribunal recorrido, que em vistoria efectuada pelo Serviço de Fiscalização da Camara Municipal de V a 23/09/2019, foi possível: “evidenciar dois canídeos de raça podendo, em canil coberto (…). Nunca os ouviu ladrar. Não tendo confirmado qualquer ruído anormal e estando todos os animais devidamente identificados, vacinados e licenciados (…)”.

Mais à frente, no recurso sobre matéria de direito, o réu ainda diz:

Em suma não pode a julgadora dar como provado que os cães ladravam constantemente dia e noite e, em consequência do barulho provocado pelos cães do réu, os autores se encontrem privados constantemente do descanso e tranquilidade, conforme respostas negativas que passamos a transcrever pelas testemunhas:

DJ - ficheiro áudio número 2020/09/18 – 14h42m02s

[00:01:28] Ad. do réu: O senhor é vizinho do réu ou vizinho do autor?

[00:01:34] T: Eu sou vizinho de terreno. Eu faço uma terra mesmo ao lado da casa dele.

[00:01:38] Ad. do réu: O senhor cultiva um terreno ao lado da casa de quem? [00:01:41] T: Do réu.

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[00:01:42] Ad. do réu: Do réu. [00:01:44] T: Sim.

[00:01:45] Ad. do réu: E o senhor cultiva esse terreno com que frequência? O senhor vai para lá com que frequência?

[00:01:49] T: Todos os dias.

[00:01:52] Ad. do réu: Todos os dias o senhor vai para lá? [00:01:53] T: Sim.

[00:01:54] Ad. do réu: De que horas a que horas, mais ou menos, é que o senhor está nesse terreno?

[00:01:56] T: Eu vou de manhã. [00:01:57] Ad. do réu: De manhã.

[00:01:59] T: Até às 10h. Das 08h às 10h. [00:02:01] Ad. do réu: Das 08h (da manhã)? [00:02:02] T: Sim.

[00:02:04] Ad. do réu: Às 10h.

[00:02:05] T: Da manhã. E depois vou de tarde às 16h até às 18h, 17h/18h. [00:02:11] Ad. do réu: E, quando o senhor vai para esse terreno... esse terreno fica a quantos metros do canil? O senhor conhece o canil do réu?

[00:02:15] T: Sim, sim.

[00:02:17] Ad. do réu: Está a ver onde é que fica? [00:02:18] T: Sim, sim.

[00:02:19] Ad. do réu: O seu terreno é mesmo ao lado? [00:02:21] T: Só divide é a ribeira.

[00:02:22] Ad. do réu: Tem um ribeiro ao meio.

[00:02:24] T: Sim, entre a casa dele e o meu terreno.

[00:02:28] Ad. do réu: O senhor quando vai para cultivar o seu terreno, o senhor apercebe-se de algum barulho efectuado... algum ruído efectuado pelos cães aqui do réu?

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[00:02:44] Ad. do réu: E que tipo de barulho é que é? É um barulho muito ensurdecedor? Um latir constante, que dura... perpetuado por várias horas ou... [00:02:53] T: Não.

[00:02:55] Ad. do réu: Como é que o senhor sente? Tente explicar.

[00:02:58] T: Um barulho normal. Se eles vêem pessoas começam a ladrar, mas depois logo em instantes também calam-se. Agora se virem um gato, um animal diferente... assim como o outro vizinho também tem os gatos e os gatos passam para um lado e para o outro, têm passado frequentemente, é normal que o cão [imperceptível], não é?

[00:03:20] Ad. do réu: Por exemplo o senhor chega ao seu terreno, os cães do réu ladram?

[00:03:24] T: Não. [imperceptível]. JM

Ficheiro 2020/09/18 – 14h56m10s

[00:01:23] Ad. do réu: Com a devida vénia. Boa tarde, Sr. J. O Senhor é vizinho do réu, mora ali perto?

[00:01:30] T: Não sou vizinho. Somos colegas e fui muitas vezes cultivar o quintal dele.

[00:01:36] Ad. do réu: Ah OK. O senhor costumava frequentar aqui a casa do réu?

[00:01:41] T: Muitas vezes.

[00:01:43] Ad. do réu: O senhor fazia o terreno era?

[00:01:44] T: Cheguei a fazer muitas vezes o terreno dele.

[00:01:47] Ad. do réu: O terreno que está atrás da casa dele ou... [00:01:48] T: Atrás da casa dele.

[00:01:50] Ad. do réu: OK, sim senhor. Então o senhor conhece o canil do réu? [00:01:55] T: Conheço.

[00:01:57] Ad. do réu: Sabe se ele tem lá cães ou não?

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cães.

[00:02:04] Ad. do réu: Mas o senhor conhecia os cães, sabia que tinha ali cães, certo?

[00:02:07] T: Sabia. E sabia da história. Eu disse-lhe a ele... ele disse que ia tirar os cães até resolver as coisas “Eh pá, não tens que tirar de lá os cães. Por lei podes ter até quatro cães.” E ele: “Eh pá para não ter chatices tirei os cães de lá.”

[00:02:20] Ad. do réu: Tirou os cães de lá em...? Quando é que foi que ele tirou os cães de lá?

[00:02:23] T: Mais ou menos em março. Nunca mais vi esses cães.

[00:02:25] Ad. do réu: Em março. Pronto. Quando o senhor cultivava... ia

ajudar a cultivar lá o terreno e os cães ainda lá estavam, o senhor notava que esses cães ladravam incessantemente, constantemente...?

[00:02:40] T: Não.

[00:02:41] Ad. do réu: Há pouco tivemos aqui testemunhas que disseram Que os cães ladravam ininterruptamente, durante horas a fio.

[00:02:49] T: Cheguei a lá estar várias vezes no terreno e nunca vi isso. [00:02:53] Ad. do réu: Com que frequência é que o senhor frequentava o terreno? É que ia lá cultivar.

[00:02:57] T: Geralmente aquilo era nos meus dias de folga ia lá acima tratar do terreno. [00:03:02] Ad. do réu: Uma vez por semana, duas?

[00:03:03] T: Uma, duas. E às vezes à noite, depois do serviço, quando era verão, [imperceptível] lá acima.

RR

Ficheiro áudio: 2020/09/18 – 14h34m47s

[00:01:17] Ad. do réu: O senhor mora no X, certo? [00:01:20] T: Exactamente.

[00:01:22] Ad. do réu: O senhor é vizinho do réu? [00:01:23] T: Sim senhor.

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[00:01:24] Ad. do réu: A sua casa fica mais ou menos situada a que distância da casa do réu?

[00:01:33] T: Eu metros não lhe sei dizer, mas tem uma casa só do lado de cima de onde eu moro e ele mora ao lado.

[00:01:41] Ad. do réu: O senhor conhece a casa do réu? [00:01:43] T: Conheço sim senhor.

[00:01:45] Ad. do réu: E sabe se ele tem lá um canil implementado na casa? [00:01:47] T: Sim.

[00:01:49] Ad. do réu: Sabe quantos cães é que ele tem? [00:01:54] T: Não senhor.

[00:01:55] Ad. do réu: Diga-me uma coisa: já agora, o senhor tem cães na sua casa?

[00:01:59] T: Tenho sim senhor.

[00:02:01] Ad. do réu: Quantos é que o senhor tem? [00:02:03] T: Tenho dois.

[00:02:04] Ad. do réu: Em relação aos cães aqui do réu, o senhor ouve esses cães diariamente e insistentemente a ladrar? Está certo que o senhor trabalha. Qual é o seu horário de trabalho?

[00:02:17] T: Eu entro as... 05h30 (da manhã) saio de casa e chego por volta... quando faço o turno da manhã, saio às 05h30 e chego a casa por volta das 15h (da tarde).

[00:02:26] Ad. do réu: O senhor a que horas é que se levanta? [00:02:27] T: 05h.

[00:02:28] Ad. do réu: O senhor levanta-se às 05h. Nesse horário, quando o senhor se levanta, ou até antes disso, o senhor ouve cães a ladrar que perturbem o sono ali das pessoas que vivem ali naquela rua?

[00:02:46] T: Não senhor. Isso é assim: todos nós temos cães e os cães quando identificam algo estranho ladram. Ladram, calam-se. Cães a fazer barulho toda a noite ou... não.

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[00:03:01] Ad. do réu: O senhor a que horas chega a casa? Peço desculpa.

[00:03:04] T: Quando eu faço turno de manhã chego por volta das 15h (da tarde); quando faço turno da tarde, entro às 15h e saio às 23h (da noite), chego às 23h30, perto da meia- noite.

[00:03:12] Ad. do réu: Sim, por exemplo quando o senhor chega à meia-noite, o senhor ouve cães a ladrar sem parar?

[00:03:20] T: Não senhor. Não senhor. Os autores respondem que:

[o facto provado sob 8] resulta do depoimento de HP - ficheiro 2020/09/18 – 10h27m17s:

[00:02:44] Ad. dos AA: O senhor tem conhecimento de existir, de eles terem ali algum vizinho que tem num prédio mesmo encostado ao deles que possui um canil, e que os cães ladram, essa história? O senhor já… o que é que o senhor sabe disso?

[00:02:59] T: Quando vou lá ou quando chego lá tem o barulho dos cães e às vezes eu perguntei “(que barulho é este?), não podes fazer nada para parar isso?” e eles também sofrem bastante e eles comunicam esse sofrimento.

Resulta ainda do depoimento de AV – ficheiro 2020/09/18 – 11h00m52s:

[00:02:42] Ad. dos AA: Destas vezes que vai lá a casa dele alguma vez se apercebeu de existirem alguns cães que ladram e fazem barulho de forma diária e persistente, ruidosa?

[00:02:52] T: Isso era sempre, quase sempre, um tema de conversa, o drama dos cães. Inclusive o réu… o autor tinha, portanto, um alojamento, transformou, portanto, um espaço que ele arrenda em alojamento local, e o ruído provocado pelos cães chegou a perturbar alguns dos hóspedes que frequentavam esse espaço, e ele pedia-me se era possível transferi-los para a quinta, portanto, a quinta que eu tenho nas F, também ligado ao turismo. E como a maior parte das vezes era impossível porque eu tinha sempre a quinta cheia, e ele era obrigado a mandar para hotéis. E, portanto, ele contava-me esses dramas.

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[00:03:38] Ad. dos AA: Mas alguma vez… mas eu quero aqui saber é o que é que tenha assistido, se alguma vez assistiu, estava lá em casa do autor e assistiu os cães a ladrar?

[00:03:47] T: Sim, sim, sim, sim.

[00:03:48] Ad. dos AA: Como é que era esse barulho… se era um barulho… tem cães?

[00:03:50] T: Sim, perdão?

[00:03:52] Ad. dos AA: Tem cães? [00:03:53] T: Eu tenho.

[00:03:54] Ad. dos AA: E eles ladram daquela maneira?

[00:03:55] T: Evidente que não. Eu tenho uma vizinha… aliás, eu acho que é uma falta de consideração pela vizinhança ter animais a provocar ruídos daquela ordem e com as respectivas consequências, depois afecta [impercetível] as pessoas não dormem, não descansam, não têm, portanto, o direito ao repouso que têm que ter durante a noite. Porque normalmente é durante a noite que estes ruídos são verificados, porque durante o dia... durante a noite não há barulho das pessoas a movimentarem-se, na sua vida quotidiana, e esse barulho dos cães… eu estou a falar porque eu vivi uma experiência própria, uma experiência análoga a esta, nas Furnas, na quinta tinha um fulano, portanto, um vizinho que era caçador e que tinha, portanto, uma data de cães, os cães ladravam como o autor, acabei por também envolver as autoridades nisso, não chegou a Tribunal porque entretanto ficou resolvido pacificamente.

Também resulta das declarações de parte do autor – ficheiro 2020/09/25 – 10h40m13s:

[00:06:14] Juiz: Sim senhora. Os cães ladram? [00:06:24] Intérprete: The dogs bark, right?

[00:06:27] Autor: They bark. Very. I mean, we have the feeling… [00:06:30] Intérprete (autor): Sim. Muito.

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[00:06:31] Autor: …those dogs feel tortured. Because… [00:06:34] Intérprete (autor): Eles sentem-se torturados.

[00:06:36] Autor: It was not a normal barking, it was constant. Constant. [00:06:38] Intérprete (autor): Não é um ladrar normal. Porque era constante. [00:06:41] Autor: And I actually, I felt sorry for them.

[00:06:44] Intérprete (autor): Eu até tive pena deles. [00:06:47] Autor: But that’s not the main thing.

[00:06:49] Intérprete (autor): Mas não é esta a questão principal. [00:06:51] Autor: The main thing is that B, my wife…

[00:06:53] Intérprete (autor): O mais importante é que a minha esposa, B… [00:06:55] Autor: Suffered for the last 3 years…

[00:06:57] Intérprete (autor): Nos últimos 3 anos… [00:06:58] Autor: … immensely.

[00:07:00] Intérprete (autor): …tem sofrido imenso.

[00:07:03] Juiz: Pergunte se os cães durante a noite também ladram continuamente.

[00:07:06] Intérprete: Do [sobreposição de vozes] continuously?

[00:07:09] Autor: Well, it’s not a constant, sometimes [sobreposição de vozes] 10 minutes and then start again.

[00:07:11] Intérprete (Autor): Às vezes não é constante. Às vezes eles param 10 minutos, depois voltam de novo.

[00:07:18] Juiz: E continuam a ladrar?

[00:07:20] Intérprete: But do they bark during the night? [00:07:22] Autor: Absolutely.

[00:07:23] Intérprete (Autor): Sim, absolutamente. [00:07:24] Juiz: Os cães continuam lá?

[00:07:25] Intérprete: Are they still there? [00:07:27] Autor: Not in the moment.

(32)

[00:07:29] Juiz: Desde há quanto tempo é que os cães não estão lá? [00:07:31] Intérprete: Since when?

[00:07:33] Autor: I am not quite sure, but I think the last 3, 4 months.

[00:07:36] Intérprete (Autor): Não tem bem a certeza, 3, 4 meses. [sobreposição de vozes]

[00:07:38] Autor: Probably they were taken somewhere else.

[00:07:39] Intérprete (Autor): Talvez foram levados para outros lugares. [00:07:42] Autor: After he got the…

[00:07:44] Intérprete (Autor): Depois de ele ter recebido… [00:07:45] Autor: The letter from the lawyer.

[00:07:46] Intérprete (Autor): A carta do advogado.

[00:07:49] Juiz: Eles ladram durante a noite, durante o dia também? [00:07:55] Intérprete: Do they bark during the day?

[00:07:57] Autor: Oh yes.

[00:07:58] Intérprete (Autor): Sim. [00:08:01] Autor: Without any reason.

[00:08:02] Intérprete (Autor): Sem qualquer tipo de motivo. [00:08:05] Autor: I mean, they have a reason…

[00:08:06] Intérprete (Autor): Eles têm o seu motivo… [00:08:07] Autor: They feel lonely.

[00:08:08] Intérprete (Autor): Sentem-se sozinhos.

[00:08:08] Autor: Sometimes, maybe on purpose, without food. [00:08:11] Intérprete (Autor): Talvez de propósito sem comida. [00:08:13] Autor: They are suffering, you know?

[00:08:15] Intérprete (Autor): Eles estão a sofrer, sabe?

[00:08:16] Juiz: Ele consegue… o autor consegue ver os cães, portanto, da propriedade dele?

[00:08:19] Intérprete: Can you see the dogs from your house? [00:08:21] Autor: No.

(33)

[00:08:22] Intérprete (Autor): Não.

[00:08:22] Autor: Now the trees are all grown.

[00:08:24] Intérprete (Autor): Agora as árvores já cresceram. [00:08:26] Autor: The years before, when they came, yes.

[00:08:28] Intérprete (Autor): Nos anos anteriores, quando eles chegaram, sim. [00:08:32] Juiz: Há quanto tempo é que essa situação acontece dos cães ladrarem dessa maneira?

[00:08:36] Intérprete: How long has this been happening? [00:08:39] Autor: I would say more than 3 years now. [00:08:41] Intérprete (Autor): Eu diria há mais de 3 anos.

[00:08:44] Autor: And before we had the noise from the building, the construction.

[00:08:47] Intérprete (Autor): E antes disso tínhamos o barulho da construção. [00:08:50] Juiz: Pronto, mas nós aqui estamos só com o barulho dos cães. [00:08:52] Intérprete: But here we are only…

[00:08:52] Autor: Yes, yes, I know.

E o mesmo das declarações da autora - ficheiro 2020/09/25 – 10h08m11s [00:04:32] Juiz: E durante a noite também ladram?

[00:04:33] Intérprete: How about during the night, do they bark? [00:04:36] Autora: What?

[00:04:36] Intérprete: During nighttime.

[00:04:38] Autora: Yes, yes of course. That’s what’s the worst. [00:04:39] Intérprete (Autora): Sim, claro, isso é o pior.

(...)

[00:18:08] Ad. dos AA: Espere! Mas o que está aqui em causa é que os cães ladram durante o dia e durante a noite, de tal forma que eles não conseguem dormir. O que eu quero saber é se ele não consegue dormir com isso…?

(34)

[sobreposição de vozes]

[00:18:22] Ad. dos AA: Não é de manhã, de manhã…

[00:18:22] Intérprete (Autora): Ele acorda. Ele acorda de manhã.

[00:18:25] Ad. dos AA: Eu quero dizer é durante a noite se ela o vê acordado, se ele vem ter com ela...

[00:18:27] Intérprete: Do you see him wake up during nighttime? [00:18:29] Autora: No.

[00:18:30] Intérprete (Autora): Não.

[00:18:30] Ad. dos AA: Então, como é que ela sabe se ele acorda? [00:18:31] Intérprete: Then how do you know?

[00:18:33] Autora: Because he tells me.

[00:18:34] Intérprete (Autora): Porque ele me diz.

[00:18:34] Autora: Or sometimes I see that the lights are on. [00:18:37] Intérprete (Autora): Porque eu vejo as luzes ligadas.

Não é necessário qualquer juízo técnico para dar como provado que os cães ladram de forma persistente e ruidosa quando resulta da prova testemunhal produzida que os cães ladram dessa forma.

E mais à frente, em apreciação geral do depoimento das testemunhas, os autores ainda escrevem:

Foi tão de favor o depoimento das testemunhas do réu que uma delas, JM, na sua inquirição gravada no ficheiro 2020/09/18 – 14h25m44s, chega mesmo a dizer que os cães do R. nem ladram!

Ora então:

[00:02:53] Ad. do réu: OK. Sim senhor. Diga-me uma coisa, Sr. JM: em relação aos cães do réu, o senhor ouve esses cães a ladrar intensivamente, fazem muito ruído, um ruído fora de normal que não…?

[00:03:06] T: Não senhor, esses cães nem ladram.

[00:03:09] Ad. do réu: Devem ladrar, como são cães ladram, não é? Todos os cães ladram, Sr. JM.

(35)

[00:03:10] T: Eles ladram quando vêem alguma coisa, algum gato, algum cão que passa por lá, eles ladram, mas durante o dia e durante a noite, eles estão sempre calados, que eu não os oiço.

[00:03:23] Ad. do réu: O senhor já disse que mora mais ou menos a 50/60m. [00:03:25] T: Sim senhor.

Decidindo

O réu tem cinco argumentos: O primeiro:

O ruído só se pode provar por prova documental, “pois a noção do ruido, reconduz-se imperativamente à emissão do parecer técnico de harmonia com o quadro legal estabelecido.”

Mas neste momento não se está a discutir o Direito, isto é, no caso, não se está a discutir se o nível de ruído é superior a um determinado nível de decibéis determinado por dada lei, mas sim a tentar saber se é ou não verdade que os cães do réu, desde a data em que foram ali instalados, ladram diariamente, durante o dia e a noite, de forma persistente e ruidosa, privando os autores de descanso, sossego e tranquilidade, nomeadamente entre as 23h e as 4h, privando-os de sono.

Ou seja, no ponto 8 não se diz que o ruído atingiu um determinado nível de decibéis, caso em que poderia dizer que só um aparelho poderia dar essa informação (mas mesmo isto não é correcto: por exemplo, nas acções de acidente de viação, sempre se considerou possível precisar a velocidade de carros com base no depoimento de testemunhas) – mas sim que esse ruído perturba os autores, tomados, para já, aqui, como qualquer outra pessoa, e não com eventuais características que, para já, não estão estabelecidas, e como isso não resulta de um nível específico de decibéis, pode ser provado por testemunhas. Se deste resultado, subjectivo, se podem ou não tirar consequências jurídicas, isso já é uma questão de direito.

(36)

O tribunal ignorou os depoimentos arrolados pelo réu, ou melhor, já que o réu o reformula logo a seguir, o tribunal não teria ignorado esses depoimentos, teria, isso sim, afastado o seu valor probatório “por fazer recair sobre estas testemunhas (do réu) suspeições de xenofobia vs. provincianismo referenciando que as declarações destas foram tendenciosas por envolverem... estrangeiros.” Não é assim, como se pode comprovar da longa transcrição da fundamentação da decisão recorrida: o tribunal afastou o valor probatório de cada uma das testemunhas do réu por razões concretas ligadas a cada uma delas, especificamente indicadas, algumas vezes de forma muito sintética mas que, dado o conjunto do que se diz, é perfeitamente suficiente, a que depois ajuntou outras considerações, que também não são vagas, embora genericamente aplicáveis a todas as testemunhas, fundamentando devidamente o afirmado. E o réu, fazendo de conta que o tribunal não tinha indicado razões concretas, evitou discutir, mas com isso não impugnou, essas razões concretas e nem indicou, na altura própria, esses testemunhos para serem apreciados, fazendo-o só na parte da discussão da matéria de direito e apenas em relação a três dessas testemunhas. E em relação a estas nada invoca do respectivo depoimento que, por exemplo, localize onde é que as testemunhas normalmente estavam em relação ao canil quando se referem ao barulho ou à falta dele, nem qual a largura ou comprimento do prédio do réu, para se poder imaginar onde é que as testemunhas poderiam estar. Note-se que, nas cópias das certidões predial e matricial juntas aos autos, o prédio do réu tem mais de 5000m2 (docs.4, 5 e 6 juntos com a PI). Ora, já resulta do que se escreve acima, que o barulho a uma distância de 100 ou 200 m é diferente do barulho encostado à casa dos autores ou a 20 m dela. Daí aliás que a condenação da remoção só implique o afastamento para 100 m do prédio dos autores.

O terceiro:

As testemunhas dos autores aproveitadas pelo tribunal não frequentavam com regularidade a casa dos autores e não o faziam às horas indicadas no ponto 8,

(37)

ou seja, entre as 23h e as 4h, e por isso não poderiam saber o que aí é dito. Mas não é verdade que isso seja assim para todos os elementos de prova aproveitados pelo tribunal, para além das declarações dos autores, segundo as transcrições feitas pelas partes, pois que a testemunha AV afirmou que algumas refeições em que participou se prolongaram depois da 1h ou 2h [espec. 5:37 a 5:58 deste depoimento, nesta parte não transcrito pelas partes, mas já era invocado pela sentença recorrida].

Por outro lado, como foi dito pela sentença recorrida, mas sem a precisão temporal relevante que se segue, o próprio réu – a perguntas da sua advogada -disse ter ouvido o ladrar dos cães - às vezes eles ladravam um bocado - entre as 23h e as 4h [7:46 a 8:15], o que tentou justificar, entre o mais, dizendo que esse ladrar era provocado pelos gatos dos autores, o que não está sequer indiciado face ao que foi transcrito do depoimento das testemunhas PA e AV (gatos em casa).

Por outro lado, todas as testemunhas dos autores referiram o ladrar insistente dos cães, todas elas dando exemplos concretos de situações. Ora, se as testemunhas puderam constatar esse ladrar durante as outras horas (que não entre as 23h e 4h), é natural que os cães também ladrassem à noite, àquelas horas (23h e 4h), como o disse a testemunha AV e o próprio réu, pelo que o conjunto disto tudo já apontava claramente para a prova do que consta do ponto 8.

E aqui já podem entrar as declarações de parte dos autores: a prova do ladrar também a essas horas, não foi só produzida pelos próprios autores; o que foi por estes dito, tem assim, pelo que se acabou de dizer, suficiente corroboração. E o que eles disseram não deixa margem para mais dúvidas.

O quarto:

A testemunha Luísa Gomes disse ter ouvido os cães ladrar numa altura (Junho ou Julho de 2020) quando o réu já tinha tirado de lá os cães (Março de 2020). A advogada do réu ouviu esta resposta dada pela testemunha à pergunta por

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