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Interciencia ISSN: Asociación Interciencia Venezuela

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Interciencia ISSN: 0378-1844 interciencia@ivic.ve Asociación Interciencia Venezuela

Alves da Nóbrega, Rômulo Romeu; Kioharu Nishida, Alberto

Aspectos socioeconômicos e percepção ambiental dos catadores de caranguejo-uçá ucides cordatus cordatus (L. 1763) (decapoda, brachyura) do estuário do rio mamanguape, nordeste do Brasil

Interciencia, vol. 28, núm. 1, enero, 2003, pp. 36-43 Asociación Interciencia

Caracas, Venezuela

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=33907606

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Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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PALAVRAS-CHAVE / Catador de Caranguejo / Caranguejo-uçá / Manguezal / Percepção Ambiental / Ucides cordatus /

Recebido:02/08/2002. Modificado: 03/10/2002. Aceito: 07/01/2003

Rômulo Romeu da Nóbrega Alves. Bacharel e Licenciado em Ciências Biológicas,

Universi-dade Federal da Paraíba (UFPB). Mestre em Ciências Biológicas, UniversiUniversi-dade Federal da Paraíba (UFPB). Endereço: De-partamento de Sistemática e Ecologia, Campus I, João Pessoa, Paraíba, Brasil. 58059-900. e-mail: romulo@dse.ufpb.br

Alberto Kioharu Nishida. Licenciado em Ciências Biológicas, Fundação Universidade

Fede-ral de São Carlos (UFScar). Especialização em Oceanografia pelo Instituto Oceanográfico (IOUSP) da Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Ciências Biológicas, Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Doutor em Ecologia e Recursos Na-turais pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Professor Adjunto, Ecologia e Ecoturismo, Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Endereço: Departamento de Sistemática e Ecologia, Campus I, João Pessoa, Paraíba, Brasil. 58059-900. e-mail: guy@dse.ufpb.br

ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS E PERCEPÇÃO

AMBIENTAL DOS CATADORES DE CARANGUEJO-UÇÁ

Ucides cordatus cordatus (L. 1763)

(DECAPODA, BRACHYURA) DO ESTUÁRIO DO RIO

MAMANGUAPE, NORDESTE DO BRASIL

RÔMULO ROMEU DA NÓBREGA ALVES e ALBERTO KIOHARU NISHIDA

manguezal é um dos mais importantes ecos-sistemas da costa brasi-leira, constituindo uma fonte essencial de vários recursos, tais como madeira, remé-dio, tinturas, peixes, crustáceos e molus-cos. Desde tempos remotos, a abundância de alimentos existente nas florestas de mangue já atraía grupamentos humanos que viviam próximos ao litoral, o que pode ser comprovado pela existência de sambaquis em áreas costeiras do Brasil, que, segundo Simões (1981), ilustram os recursos alimentares que os “primitivos” habitantes do litoral aí encontraram para a sua subsistência: ostras, mexilhões, si-ris, caranguejos, peixes, além de répteis, mamíferos e aves.

Para as comunidades ri-beirinhas que vivem próximas aos man-guezais, os caranguejos Brachyura repre-sentam um dos grupos de maior relevân-cia econômica. Dentre as espécies captu-radas e comercializadas, merecem desta-que: o goiamum (Cardisoma guanhumi), o aratu (Goniopsis cruentata), os siris (Callinectes spp) e o caranguejo-uçá (Ucides cordatus). Este último, entretan-to, representa a espécie mais extraída e de maior relevância para a economia

do-méstica das comunidades que vivem no entorno dos manguezais paraibanos.

De acordo com Blandtt e Glaser (2000), as sociedades humanas e o recurso caranguejo constituem uma rede estrutural econômica que se envolve em meios e processos de produção e co-mercialização, através de práticas rudi-mentares de exploração social do homem e ecossistêmica do recurso caranguejo. No Nordeste brasileiro, a exploração de

U. cordatus reveste-se de grande

impor-tância social, já que dela se ocupa um grande contingente de pessoas residentes em áreas costeiras próximas aos mangue-zais, gerando milhares de empregos dire-tos e indiredire-tos. A captura é realizada ma-nualmente ou com a utilização de alguns instrumentos, adaptados pelo próprio catador para facilitar o acesso ao recurso. A comercialização geralmente é feita através de intermediários, uma vez que os catadores têm dificuldade de vender o produto eliminando a figura do intermedi-ário, pois essas atividades conflitam com as coletas e necessitam de habilidade adi-cional (Nordi, 1995, 1994).

Os catadores de caran-guejo são grupos economicamente margi-nais, extremamente pobres e pouco

reco-nhecidos entre outros pescadores artesa-nais. Resistem a uma desagregação cada vez mais intensa, provocada pela degra-dação crescente do ambiente de coleta e pela falta de incentivos externos (Nordi, 1992). Para esses trabalhadores, a catação de caranguejo-uçá consiste na principal atividade, ainda que em muitos lugares eles complementem sua renda com ativi-dades agrícolas em pequena escala e o extrativismo. Costumam ficar à margem da participação das organizações de pro-dução, não sendo identificados, inclusive, em cadastro como pescadores (IBAMA, 1994).

De acordo com os cata-dores da Paraíba, a quantidade de caran-guejo tem diminuído, o que vem obrigan-do alguns deles a se deslocarem para manguezais de outros estados, onde a es-pécie ainda é abundante. A escassez verificada nos últimos anos tem tirado o sustento de centenas de famílias que so-brevivem da captura desse crustáceo. A situação socioeconômica desses trabalha-dores, assim como seus conhecimentos sobre a biologia do recurso, devem ser levados em conta, no tocante à elabora-ção de planos de manejo. Rodrigues et

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qualquer medida de ordenamento requer fundamentalmente o envolvimento efetivo do interessado, sensibilizado à necessida-de necessida-de conservação do recurso, como ga-rantia da manutenção da atividade produ-tiva por tempo indeterminado. A gestão participativa é uma ferramenta poderosa de mobilização da sociedade para melho-rar a situação permanente de baixa orga-nização social das comunidades tradicio-nais ao longo do litoral brasileiro.

Segundo Nordi (1992) o levantamento do quadro socioeconômico contribui com informações relevantes para definir ou descrever o contexto em que se dá a atividade de catação, de for-ma que o seu conhecimento torna-se in-dispensável para que se possa estabelecer uma compreensão mais adequada das interações existentes, ao proporcionar a articulação entre a dimensão social e a perspectiva ecológica dos problemas am-bientais. Diele (2000) destaca que o cres-cente interesse na proteção das popula-ções de U. cordatus intensifica a necessi-dade de pesquisar os aspectos biológicos e socioeconômicos.

Este trabalho tem a fina-lidade de caracterizar o perfil socioeconô-mico dos catadores de caranguejo do es-tuário do rio Mamanguape, procurando também obter informações sobre meios de produção, comercialização e interação desses trabalhadores com o ambiente. Os resultados obtidos proporcionarão uma melhor compreensão das formas de per-cepção ambiental dos catadores e do con-texto socioeconômico em que se dá a ati-vidade de catação, fornecendo subsídios para o estabelecimento de programas so-ciais que visem a melhoria da qualidade de vida dessa categoria de trabalhadores, assim como a programas de manejo e conservação do recurso caranguejo-uçá.

Área de Estudo

A pesquisa foi realizada em uma área de manguezal situada no es-tuário do rio Mamanguape, o segundo maior do estado da Paraíba, no Nordeste do Brasil. Este estuário dista cerca 70km ao norte da capital, João Pessoa, locali-zando-se entre as coordenadas geográfi-cas 06º43'02" e 06º51'54''S, e 35º07'46'' e 34º54'04''W. Está orientado no sentido leste-oeste e tem, aproximadamente, 24km de extensão e uma largura máxima em torno de 2,5km, nas proximidades de sua desembocadura (Figura 1).

A área de influência do estuário do Rio Mamanguape está inserida em uma Área de Proteção Ambi-ental (APA) que abrange uma vasta ex-tensão de mangue, ilhas e croas (bancos areno-lodosos) e, mais externamente, na

foz, uma barreira de recifes, que se apre-senta na forma de um extenso paredão. A APA Barra do Rio Mamanguape, possui 14460ha e foi criada pelo Decreto No 924

de 10/09/1993, sendo formada pelos estu-ários dos rios Mamanguape, Miriri e Estivas, partes dos municípios de Rio Tinto, Marcação e Lucena, no litoral nor-te do Estado da Paraíba, incluindo ainda alguns aglomerados e vilas.

A porção estuarina da APA, que corresponde à sua maior exten-são, tem suas margens ocupadas por cer-ca de 6000ha de mangue bastante preser-vado, representando a maior área de man-guezal do Estado da Paraíba. O mangue-zal do Rio Mamanguape possui as espéci-es arbóreas: Rhizophora mangle,

Avicen-nia germinans, AvicenAvicen-nia schaueriana, Laguncularia racemosa e Conocarpus erectus. As maiores árvores de Rhizopho-ra encontRhizopho-radas chegam a 25m de altuRhizopho-ra e

até 60cm de diâmetro à altura do peito (DAP); as de Avicennia germinans alcan-çam alturas superiores à 30m de altura e 65cm de DAP. Além das espécies típicas de mangue, outras espécies vegetais como

Acrostichum aureum (samambaia do

man-gue) e Eleocharis obtusa são encontradas nas partes mais altas do mangue (Palludo e Klonowski, 1999).

Este manguezal se ca-racteriza como um dos mais preservados do Estado (Cunha et al., 1994). Entretan-to, já apresenta algumas zonas que so-frem interferências antrópicas, devido, principalmente, à expansão do cultivo da cana-de-açúcar. Watanabe et al. (1994) constataram evidências da contaminação

por produtos da monocultura canavieira em um dos tributários do estuário. Os pescadores que dependem desse estuário para sua sobrevivência, afirmam que a produção pesqueira vem diminuindo, de-vido aos efeitos dos agrotóxicos utiliza-dos no cultivo da cana-de-açúcar, ao lon-go deste rio. As ilhas e croas também es-tão sofrendo transformações em função do assoreamento do leito, que se torna cada vez mais evidente.

De acordo com Palludo e Klonowski (1999) a atividade econômi-ca mais importante relacionada ao man-guezal na área é a captura artesanal do caranguejo. Todavia, nos últimos anos, vem sendo observada pelos catadores de caranguejo-uçá, uma diminuição no esto-que da espécie U. cordatus nos mangue-zais, uma vez que para esses profissionais manterem a sua média de produção, tive-ram que aumentar o esforço de pesca. A situação agravou-se nos últimos três anos, devido à ocorrência de uma mortandade de caranguejo-uçá em três estuários do li-toral paraibano. Os surtos de mortandade foram registrados em vários estados do Nordeste do Brasil e a causa, até o mo-mento, não foi diagnosticada (Nishida et

al., 1999).

Material e Métodos

Viagens por terra e em embarcação a motor foram realizadas ao longo do estuário do rio Mamanguape, com o objetivo de se identificar as comu-nidades onde ocorre a atividade de catação de caranguejo-uçá, bem como Figura 1. Visão aérea da desembocadura do estuário do rio Mamanguape (João Carlos Oli-veira, 1999).

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suas lideranças e os catadores mais expe-rientes. Foram escolhidas quatro comuni-dades, duas delas localizadas próximas à desembocadura do rio Mamanguape (Ca-murupim e Tramataia) e as outras (Mar-cação e Jaraguá), localizadas na porção superior do estuário. Definidas as comu-nidades, foi realizada uma amostragem estratificada, com a aplicação de 70 ques-tionários semi-estruturados, distribuídos entre as comunidades escolhidas. Foram realizadas ainda entrevistas abertas e ob-servações de campo, oportunidade na qual os catadores foram acompanhados durante a realização das coletas do caran-guejo-uçá.

O questionário, além das questões usuais deste tipo de levan-tamento (nível de renda, condições de moradia, composição familiar, escolari-dade), procurou levantar dados de produ-ção, comercialização e interação dos ca-tadores com o ambiente. Muitas infor-mações relativas às condições de mora-dia foram obtidas por meio de observa-ções diretas nos locais das residências e de visitas ao interior das mesmas. Os re-sultados obtidos permitiram delinear o perfil socioeconômico da população dos catadores de caranguejos e observar as-pectos referentes a sua percepção ambi-ental em relação ao manguezal e ao re-curso que exploram.

Resultados

Os caranguejeiros do es-tuário do rio Mamanguape, em sua maio-ria, são originários da própria comunida-de oncomunida-de resicomunida-dem, sendo que poucos pro-cedem de outros locais. Os catadores en-trevistados pertenciam exclusivamente ao sexo masculino. A estrutura etária mos-trou que a idade variou de 17 a 60 anos, com média de 33 anos. A maior parte dos catadores (37%) estava na faixa etária de 21 a 30 anos, sendo que os

in-divíduos se distribuíram até a faixa de 51 a 60 anos, embora em menores propor-ções (Figura 2).

No que diz respeito ao tempo de moradia na comunidade, o mai-or percentual foi o de 21 a 30 anos, com 43%, sendo poucos (5,7%) os indivíduos pertencentes à faixa de 0 a 10 anos (Fi-gura 3). Quanto ao estado civil, todos eram casados, sendo que o núcleo famili-ar, em mais da metade dos casos, era constituído pela união não oficializada em igreja ou cartório, ou seja, o concu-binato prevaleceu em 54% dos casos ana-lisados. Geralmente apresentam famílias, com uma composição média de 5,2 indi-víduos por domicílio.

Os dados sobre escolari-dade mostraram que a grande maioria dos entrevistados é analfabeta (46%) ou semi-analfabeta (34%) e apenas 20% são alfabetizados (Figura 4). Os filhos geral-mente freqüentam a escola (60%), 13% ainda não freqüentam por não possuírem idade. Um total de 94% dos entrevista-dos têm habitação própria, sendo que o

cerca de 70% das casas dos catadores não possuem banheiro. Dessa forma, os dejetos são lançados a céu aberto ou diretamente na maré. A maioria das ca-sas possui luz elétrica (87%). Grande parte (41%) não possui água encanada, de forma que a água é consumida sem nenhum tipo de tratamento. A maioria afirma que não ter atendimento médico (52%). Poucos freqüentam dentista (16%), 61% afirmam que às vezes fre-qüentam e 23% não costumam freqüen-tar. A maior parte (43%) não costuma freqüentar cultos religiosos. Muitos de-les não possuem atividades de lazer, quando têm, essas se resumem ao fute-bol, jogos de cartas ou apenas diver-tem-se assistindo televisão.

Mediante os dados obti-dos, pode-se observar que a maioria dos indivíduos amostrados possuía rendimento salarial baixo, com prevalência de renda inferior a 1 salário mínimo vigente (cerca de U$ 53) e alguns poucos com salário acima deste patamar (Figura 5). A grande maioria (93%) vende sua produção para Figura 2. Distribuição percentual dos catadores entrevistados

quanto à idade.

Figura 3. Tempo de moradia dos catadores nas comunidades estu-dadas.

Figura 4. Distribuição percentual dos catadores de caran-guejo quanto ao grau de escolaridade.

restante tem sua moradia cedida por parente ou amigo. A maioria das construções (81%) é de taipa e 19% de tijolos, com cobertura de telhas de cerâmica, apresentan-do um número de cômo-dos variando de 1 a 5, com predominância de 3 (33%) e 2 (23%) cômo-dos. A área construída é em geral pequena: até 25m2 (16%), de 26 a

35m2 (28,5%) e 55,5%

acima de 35m2.

As con-dições sanitárias são precárias, uma vez que

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atravessadores. Apesar de todos elen-carem uma série de dificuldades enfrenta-das na sua faina diária, a maior parte (67%) afirma estar satisfeito com a pro-fissão. Todavia, 90% afirmam que aban-donariam a profissão se conseguissem ou-tro emprego que pudesse prover o susten-to da família.

No geral, 53% dos en-trevistados afirmam não pertencer a ne-nhum tipo de associação de pescadores e 47% dizem ter ligação com associações. Quando perguntados se pertenciam a al-guma cooperativa, 69% afirmaram que não. Mais da metade dos entrevistados (55%) disseram não possuir carteira de pescador. Os catadores são unânimes em afirmar que está ocorrendo uma diminui-ção da quantidade de caranguejos na área, ressaltando que a mortandade acen-tuada ocorrida no ano de 1998 agravou ainda mais a situação. Em relação às causas dessa mortandade, 37,1% acham que está relacionada ao “veneno da cana”, referindo-se aos defensivos agrí-colas lançados nas plantações de cana-de-açúcar que, na época das chuvas são

carreados para o rio; 14,3% sugerem que o uso de redinhas para captura do caran-guejo-uçá seria o principal fator que es-taria relacionado à mortandade; 14,3% sugerem outras causas e 34,3% afirmam não saber a causa desse fenômeno (Fi-gura 6).

De acordo com o relato dos catadores, até o ano de 1998, quando ocorreu a mortandade de caranguejos co-mentada anteriormente, o número médio de cordas retiradas variava entre 10 e 15, sendo que alguns chegavam a capturar até 25 cordas por dia. Atualmente, a maioria dos catadores (68%) afirma retirar no máximo quatro cordas e apenas 17% di-zem tirar mais que 10 cordas (Figura 7), entretanto, para isso, tiveram que aumen-tar o esforço de captura. No tocante às técnicas de coleta, a maior parte utiliza o tapamento ou braceamento, ou um misto das duas técnicas (Figura 8). Geralmente, dirigem-se ao mangue 5 dias por semana, entretanto alguns costumam ir ao mangue até 6 ou 7 dias.

No que diz respeito ao estabelecimento de um possível período

de “defeso”, um número significativo de catadores concorda (50%), apesar de re-conhecerem que há dificuldade de se cumprir legislação desse tipo, alegando não existir alternativa para prover o sus-tento da família durante o período. Quanto à proibição de coleta de fêmeas durante todo ano, para 39% dos entre-vistados prevalece a opinião que seja co-locada em cada corda, no máximo 4 fê-meas (cada corda tem 12 caranguejos; Figura 9).

Quando perguntados so-bre o que seria mais importante para melhoria da qualidade de vida, as res-postas foram diversificadas, dentre estas se destacaram: a criação de cooperativas e associações; seguro durante um possí-vel período de defeso; geração de alter-nativas de emprego; assistência médico-odontológica e construção de viveiros para criação de camarão. Diversas são as dificuldades que os catadores alegam en-frentar em seu trabalho. O serviço pesa-do no mangue, a inexistência de garantia futura e presença de mosquitos no man-gue durante a atividade de captura, figu-Figura 6. Causas da mortandade de caranguejo-uçá de acordo com os catadores do estuário do rio Mamanguape.

Figura 5. Distribuição percentual dos catadores de caranguejo quanto à renda mensal individual.

Figura 7. Produção de cordas de caranguejo/dia, segundo os ca-tadores de caranguejo do estuário do rio Mamanguape.

Figura 8. Técnicas de coleta utilizadas pelos catadores de caran-guejo do estuário do rio Mamanguape.

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ram entre as reclamações apontadas com maior freqüência. Em contrapartida, qua-se todos alegam que a autonomia, pelo fato de não terem patrão e de trabalha-rem apenas nos dias que quetrabalha-rem, estão entre as principais vantagens inerentes à sua profissão. Apesar de todas as dificul-dades enfrentadas pelos catadores no seu “hostil ambiente de trabalho”, estes de-votam, em seus depoimentos, um enor-me respeito ao mangue e aos recursos procedentes dele que provêem sua sub-sistência, revelando a sabedoria e a ínti-ma relação que esses trabalhadores ínti- man-têm com esse ecossistema. A seguir, são colocados alguns depoimentos dos cata-dores acerca da importância do mangue-zal. Conforme o conteúdo, as falas fo-ram classificadas nas seguintes categori-as:

Alternativa contra a marginalidade “Se não tivesse o mangue, tinha muita gente roubando”.

Bem de apropriação comum

“Ë bom, porque quem tá segurando o povo é o mangue”.

“O mangue é importante porque pouco ou muito, a gente consegue”.

“Importante porque é uma coisa de to-dos”.

Recursos do mangue constituem bem de troca

“É muito importante porque quando falta alguma coisa a gente vai no mangue e pega para comer ou com-prar alguma”.

Conotação Divina

“Porque é uma coisa que Deus deixou ali e quando precisa vamos pegar al-guma coisa para comer”.

Meio de subsistência

“É tudo que tenho, o mangue, se não fosse o mangue”.

“É importante porque arruma o que comer”.

“É importante porque fornece o dinheiro da bóia”.

“É importante porque é uma área de traba-lho que permite a so-brevivência”. “É uma obra bonita da natureza e é a única solução para sobrevivência”. “O mangue é impor-tante porque a gente encontra um aratú, siri, ostra”.

Sem perspectiva “Sem futuro, pois trabalhamos muito e não arrumamos nada, mas ao mesmo

tem-mente homens, há também a participação feminina, especialmente no verão, para complementar a renda familiar. Por outro lado, constata-se que durante a época de “andada”, mulheres e crianças vão ao manguezal catar caranguejo, em virtude da facilidade de captura desse crustáceo nesse período.

O tempo de permanência no local, nas comunidades estudadas mostrou que a maioria dos entrevistados reside na área por mais de 20 anos. De acordo com Cabral (2001), o tempo de permanência no local é um fator impor-tante de inclusão das populações dentro do conceito de comunidades tradicionais. Desse modo, tempos maiores de fixação de residência na área estudada sugerem que entre a categoria dos catadores de caranguejo ainda existe um sentimento de vínculo e pertinência ao ambiente. Para Marcelino (2000), em áreas estuarinas tradicionais, é comum a permanência mé-dia de moradores em comunidades pes-queiras por mais de 30 anos.

A permanência do mora-dor por mais tempo no local de trabalho pode ser interpretada como resultado da disponibilidade de alimento oferecido gratuitamente pelo ambiente à população que habita áreas próximas aos mangue-zais (Cabral 2001). Como não há necessi-dade de custos adicionais (moradia, ali-mentação, transporte e água, por exem-plo) não há motivos para migração. Esses fatos podem estar relacionados à manu-tenção de vínculos tradicionais das popu-lações ribeirinhas com o meio em que vi-vem.

Os dados mostraram que a renda dos catadores é muito baixa, vis-to que mais da metade dos entrevistados afirmaram obter uma renda mensal menor que um salário mínimo. Esses valores são um pouco menores que aqueles obtidos por Nordi (1992), de 1 a 2 salários, para os catadores de caranguejo-uçá de Várzea Nova, PB. De acordo com os depoimen-tos dos catadores, antes da mortandade de caranguejos, esse crustáceo era muito mais abundante, ressaltando que esse fato provocou uma diminuição da produção e conseqüentemente da renda mensal. De um modo geral, a renda auferida pelos catadores difere muito da realidade nacio-nal, sendo inferior ao rendimento médio de 2,2 salários para empregados não registrados (IBGE, 1998).

Vale destacar, porém, que alguns fatores como: ciclo de vida da espécie, fases da lua, saúde do catador, demanda etc, podem provocar alterações na produção dos catadores. Em virtude disso, quando a produção cai, alguns continuam catando caranguejos, mas mui-tos procuram um aditivo advindo de ou-Figura 9. Número de fêmeas que podem ser colocadas por

corda de caranguejo, segundo os catadores.

po é importante, pois sem o mangue não temos outra opção de sobrevivên-cia”.

Discussão

Os catadores de caran-guejo-uçá, a exemplo de seus pares, os catadores de moluscos e pescadores, ha-bitam as áreas marginais dos rios estuarinos e seus manguezais. Conforme observado por Nishida (2000), esta op-ção, de longe, parece constituir a melhor solução, pois além de garantir um pedaço de chão para erguer suas toscas habita-ções, os coloca em contato direto com o ambiente de trabalho Percebe-se, então, a existência de um contra-senso, visto que, através de suas atividades diárias, levam para a mesa de diversos segmentos soci-ais, importantes iguarias da culinária regi-onal, tais como: peixes, camarões, ostras, sururus, mariscos, caranguejos, entre ou-tros (Silva, 2001).

A predominância mascu-lina na catação de caranguejo, no estuário do rio Mamanguape, contrasta com a co-leta de moluscos, que, segundo Nishida (2000), quase sempre tem um envolvi-mento familiar, sendo as mulheres e cri-anças membros bastante efetivos. Entre-tanto, corrobora as observações de Verga-ra Filho e PereiVerga-ra Filho (1995), os quais constataram que na maioria dos estados brasileiros, a profissão de catador de ca-ranguejo é quase sempre masculina, sen-do que essas regras são quebradas somen-te em algumas localidades, como em São João da Barra (Rio de Janeiro), onde existem três vezes mais mulheres catando caranguejo do que homens, talvez por es-tes se dedicarem mais à pesca de siris, camarões e peixes. Maneschy (1993), em estudo realizado no Estado do Pará, res-salta que embora os catadores de caran-guejo profissionais sejam

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tras atividades, entre estas: a pesca, ser-vente de pedreiro, trabalho no corte da cana-de-açúcar e catação de ostras, aratus, siris ou mariscos.

O baixo nível de instru-ção observado entre os catadores de ca-ranguejo-uçá, neste trabalho, também foi verificado por Nordi (1992), entre catado-res de caranguejo do estuário do rio Para-íba, procedentes da comunidade de Vár-zea Nova, PB, onde 71% dos entrevista-dos eram analfabetos e 28% semi-analfa-betos, e por Nishida (2000), entre os ca-tadores de moluscos do litoral paraibano, que constatou que apenas 21% dos entre-vistados eram alfabetizados. Costa (1977) ressalta que a incidência do analfabetismo nos pescadores artesanais é um dos fato-res que determinam que a pesca artesanal seja considerada primitiva, já que estes pescadores teriam grandes dificuldades de contextualizar a sua atividade e vislum-brar melhores possibilidades na elabora-ção de políticas públicas.

A falta de escolas, a au-sência de incentivos para continuar os es-tudos e a necessidade de trabalhar para contribuir para melhoria da renda familiar representam os principais fatores que ocasionam o abandono das salas de aula. Maneschy (1993) observou que quando jovens que vivem próximos a áreas de manguezal confrontam as perspectivas longínquas de “melhorar de vida” através da obtenção de um diploma e a possibili-dade imediata de ganhar seu próprio di-nheiro todo dia, apanhando caranguejo ou pescando, esta última prevalece sobre a primeira, levando-o a deixar prematura-mente a escola.

O abandono dos estudos e a inserção no mundo do trabalho resul-tam do contexto social e econômico em que essas comunidades estão inseridas, no qual o sucesso na escola, por mem-bros de seu grupo social, constitui uma exceção. As informações obtidas neste es-tudo mostram que os entrevistados apre-sentaram um nível de escolaridade baixo (Figura 4), problema que não se restringe às localidades aqui estudadas. Essa situa-ção reflete a precariedade do sistema educacional vigente, no qual a falta de material didático, ausência de bibliotecas, deficiente formação de professores, insu-ficiência de escolas, entre outros fatores, contribuem para reproduzir a situação de exclusão observada nessas comunidades.

Nas comunidades estu-dadas, observou-se que os catadores ge-ralmente moram em casas de taipa, co-bertas com telhas de cerâmica. Essas constatações são similares às de Paludo e Klonowsky (1999), nas comunidades de Barra de Mamanguape, Lagoa de Praia, Tramataia e Ilha de Arintingui, cujas

por-centagens de casas de taipa foi de 68%, 77%, 90% e 100%, respectivamente. As referidas comunidades localizam-se no estuário do rio Mamanguape e estão inseridas na área de abrangência da APA da Barra do rio Mamanguape. Já Nishida (2000) assinalou que casas de taipa são raras nas comunidades do estuário do rio Paraíba, onde a facilidade de se obter ti-jolos de cerâmica, mais práticos e durá-veis, está fazendo com que a taipa esteja caindo em desuso.

Muitos caranguejeiros manifestaram a disposição de deixar a profissão, caso tivessem outra alternativa, entretanto, fora atividade de catação, pra-ticamente não há possibilidade de se con-seguir emprego ou outra fonte de renda. A impossibilidade de conseguirem traba-lho em centros urbanos maiores deve-se ao baixo grau de instrução, de modo que as opções disponíveis são, geralmente, as de menor nível de remuneração.

Constatou-se que os ca-tadores constituem uma categoria ainda bastante desmobilizada, pois geralmente não fazem parte de nenhuma cooperativa ou associação. Maneschy (1993) observou a mesma situação entre catadores do Pará, sugerindo que a desmobilização da categoria traduz certamente o fato de que eles incorporam a imagem desvalorizada e estereotipada de seu trabalho que pre-domina na sociedade, e que inibe a toma-da de consciência de sua importância en-quanto grupo profissional.

Em relação à mortanda-de mortanda-de caranguejos ocorrida em 1998, em-bora o motivo não tenha sido identificado até o momento, as possíveis causas apon-tadas pelos catadores mostram que esses são conscientes da existência de diversos fatores que degradam o ambiente e que têm influência na redução da quantidade de caranguejos. A maioria manifesta essa percepção quando mostra preocupação com a escassez de caranguejos e com a qualidade ambiental, associando a queda acentuada na produção a fatores como: poluição, introdução de técnicas de captu-ra predatórias, intensificação do esforço de pesca e falta de fiscalização por parte dos órgãos ambientais.

Desse modo, os catado-res demonstram estar conscientes da ne-cessidade de preservação ambiental, apontando sua preocupação com a dimi-nuição crescente do estoque de carangue-jo-uçá, pois sentem que sua vida cotidia-na está intimamente relaciocotidia-nada à preser-vação da espécie. Castanheira (1997) menciona que, em muitos locais, os pró-prios caranguejeiros solicitam e buscam formas de conservar os estoques desse crustáceo, pois já perceberam que seu meio de sobrevivência é

proporcional-mente afetado quando as populações de caranguejo do seu local de coleta são al-teradas.

Todavia, deve-se levar em conta que esses trabalhadores estão inseridos numa sociedade cuja economia estimula o crescimento desordenado e uma relação cada vez mais predatória com a natureza, a ponto de quase inviabilizar, em muitos locais, a sobrevi-vência por meio da pesca artesanal. É ne-cessário destacar que as populações de catadores sofrem a influência de transfor-mações históricas, estando integradas as economias de mercado e aos sistemas po-líticos, o que acaba por interferir no modo de vida, nas formas de exploração do recurso e na riqueza cultural dessas comunidades. Nordi (1992) ressalta que a situação de extrema carência por que pas-sam essas comunidades, associada aos fa-tores que influenciam a pesca artesanal, como a imprevisibilidade de captura e a incerteza do mercado, pode levar a situa-ções em que as populasitua-ções não sejam ca-pazes de atuar em harmonia com a natu-reza.

A luta pela sobrevivên-cia, associada ao contexto socioeconômi-co em que estão inseridos, leva os cata-dores de caranguejo-uçá a desenvolverem suas atividades econômicas mantendo uma relação de sujeição com grupos de compradores que exploram seu trabalho, impossibilitando, muitas vezes, a percep-ção que sua prática pode estar relaciona-da a possíveis relaciona-danos causados ao meio ambiente. Entre os próprios produtores existem opiniões divergentes quanto à leis que regulamentam a captura da espécie e quanto ao caráter predatório de uma ou outra forma de captura. Nesse sentido deve-se levar em consideração a situação de marginalidade social a que estão sub-metidas as comunidades de catadores de caranguejo-uçá, quando se estabelecem propostas de manejo para a espécie. Como menciona Nordi (1992), as popula-ções humanas estão submetidas à leis so-ciais, mais do que às leis ecológicas, sen-do fundamental uma visão integrada e prospectiva nas abordagens das relações humanas.

Vale destacar que, exce-tuando-se a comunidade de Marcação, as demais abordadas neste estudo estão inseridas em terras indígenas dos Potiguara. Segundo Cunha et al. (1994), as comunidades indígenas do litoral, du-rante muito tempo, viveram basicamente da agricultura de subsistência, da pesca e coleta de frutos do mar (peixes, cama-rões, ostras, mariscos, etc) e da captura de caranguejos. Estas atividades de pro-dução têm sido prejudicadas, desde o fi-nal da década de 80, com a

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implementa-ção do Programa Nacional do Álcool (Pro-álcool), que na mesma proporção dos subsídios financeiros às usinas sucroalcooleiras, proporcionou freqüentes mortandades de peixes, crustáceos e mo-luscos devido aos despejos de vinhoto (resíduo do processo de extração do álco-ol da cana), defensivos agrícálco-olas e herbicidas nos rios Mamanguape, Sinimbu e Camaratuba, ocasionando a di-minuição gradativa da produção pesqueira e a conseqüente diminuição da qualidade de vida desta população indígena, já afe-tada ao longo dos séculos de convivência com a sociedade nacional.

Não bastasse essa tragé-dia ambiental afetar o combalido sistema tradicional de produção potiguara, a cap-tura do caranguejo-uçá, que era conside-rada a atividade mais importante do pon-to de vista socioeconômico, sendo res-ponsável pelo sustento de centenas de fa-mílias indígenas, atualmente encontra-se bastante comprometida, uma vez que esse crustáceo fora praticamente dizimado por razões ainda não explicadas, causando sé-rios problemas aos catadores (Nishida et

al., 1999). Neste sentido, observa-se o

aumento de algumas práticas de pescarias predatórias e o agravamento das condi-ções sociais e econômicas entre as popu-lações envolvidas com a atividade de co-leta do caranguejo-uçá em toda área de abrangência da APA de Barra do rio Ma-manguape. Diante desse contexto, nas áreas sob influência estuarina dos rios Mamanguape, Estiva e Camaratuba, a carcinicultura tem sido vista como ativi-dade redentora da crise socioeconômica de suas comunidades. Infelizmente a im-plantação desse tipo de atividade não vem ocorrendo de forma ecologicamente sustentável, o que tem gerado graves pro-blemas ambientais (Ministério Público Federal, 2001), comprometendo ainda mais os estoques dos recursos explorados tradicionalmente.

Os catadores afirmam que as técnicas mais utilizadas por eles são o tapamento e o braceamento. Estas constatações corroboram o que foi obser-vado por Nordi (1992), entre os catadores de caranguejo de Várzea Nova, estuário do rio Paraíba, onde os procedimentos que se fixaram ao nível populacional fo-ram o “tapamento” e o “braceamento”. Esse autor ressalta ainda a possibilidade de que o tapamento seja a forma originá-ria de coleta desenvolvida pelos indígenas em séculos passados, levantando como in-dício dessa possibilidade, o fato de os tapadores serem até hoje considerados os “verdadeiros caranguejeiros” e revelarem mais conhecimentos sobre o recurso que coletam e fatores do ambiente. Ainda ob-serva que embora a técnica de tapamento

seja a de menor eficiência, essa parece ser a mais elaborada, menos predatória, mais seletiva e menos perigosa; essa últi-ma característica, associada ao últi-maior va-lor comercial dos caranguejos tapados, parece ser a principal razão da persistên-cia dos tapadores em número bastante presentativo. Já Maneschy (1993), que re-alizou estudos em manguezais do Pará, sugere que o braceamento seria a forma mais antiga de apanha de caranguejo.

Embora um grande nú-mero de catadores concorde com uma possível proibição de não pegar carangue-jo-uçá durante um período de defeso, es-tes afirmam que não cessariam suas ativi-dades de coleta, alegando que não teriam outra alternativa de subsistência. Essa afirmação corrobora as observações de Rodrigues et al. (2000), que afirmam que uma legislação proibindo a atividade de cata durante o período integral de repro-dução da espécie estaria provavelmente fadada ao descumprimento e ao descrédi-to, porque, além de esta atividade se en-contrar revestida de forte caráter cultural, há ainda as condições sociais das popula-ções usuárias do recurso e as dificuldades históricas para manutenção de uma fisca-lização eficiente pelos órgãos governa-mentais.

Quando indagados sobre qual a importância do mangue, as falas dos catadores deixam transparecer a di-mensão que esse ambiente representa para os mesmos. Para um deles “O

man-gue é importante porque é uma coisa que Deus deixou ali e quando precisa vamos pegar alguma coisa para comer”. Por

ou-tro lado, segundo verificou Nordi (1992), denunciam o conformismo e a impotência diante da situação em que vivem. O de-poimento de um deles de que “O mangue

é sem futuro, pois trabalhamos muito e não arrumamos nada, mas ao mesmo tempo é importante, pois sem o mangue não temos outra opção de sobrevivên-cia”, corrobora as afirmações desse autor.

A atividade de catação constitui um trabalho árduo, que requer bastante esforço físico, de forma que quase todos os catadores de caranguejo-uçá afirmam que deixariam a profissão se tivessem outra alternativa. Um paradoxo, se considerarmos o extremo reconheci-mento e respeito que esses trabalhadores, em sua maioria, demonstram pelo ecos-sistema de mangue, dando-lhes, em al-guns casos, uma conotação divina.

Considerações Finais

A diminuição dos esto-ques de caranguejo-uçá e a introdução de técnicas de captura predatórias nos man-guezais paraibanos alerta para o problema

de uma possível ameaça à manutenção da espécie em níveis ecologicamente susten-táveis. Desse modo, a integração dos ca-tadores ao meio ambiente aparece como racional para seu equilíbrio, já que a ati-vidade de catação repousa justamente so-bre a manutenção do habitat do carangue-jo. Segundo Nordi (1992), a integração dos caranguejeiros ao ambiente de man-gue pode ser uma forma eficiente de pre-servação do sistema ecológico, pois seus interesses como um grupo permanente sempre conflitarão com grupos fluidos, que se formam apenas para exploração do ecossistema, aproveitando-se das alte-rações ocorridas.

Programas que possibili-tem a melhoria da qualidade de vida das famílias de catadores de caranguejo-uçá, sem sombra de dúvida, terão reflexos po-sitivos na preservação da espécie. A gera-ção de fontes alternativas de renda em períodos importantes do ciclo de vida da espécie, como a reprodução e muda, di-minuiria a pressão de captura, favorecen-do a recomposição favorecen-dos seus estoques na-turais e contribuiria para manutenção des-sas comunidades e de sua cultura. Diante disso, como observado por Maneschy (1993), o associativismo dos produtores reveste-se de singular importância, para que se possa estimular a criação de alter-nativas de renda, não somente durante possíveis períodos de defeso, como tam-bém em ocasiões em que esses trabalha-dores estejam impossibilitados de ir ao mangue, por motivo de saúde, por exem-plo. Além disso, os catadores não repre-sentam uma categoria profissional regula-mentada, não são cadastrados nos órgãos oficiais, portanto não tendo acesso aos direitos trabalhistas, como se não existis-sem para a sociedade. Torna-se evidente que o estabelecimento de medidas que vi-sem a preservação da espécie deve ser feito de uma maneira gradativa e integra-da, aliada ao acompanhamento das comu-nidades envolvidas, as quais deverão ser inseridas dentro de programas de educa-ção ambiental e assistência social. Dessa forma elas poderão ser parte do processo de gestão, e não vítimas dele, assim como terão resgatado direitos mínimos à cidadania.

Diante dessa complexa realidade, o processo participativo de im-plantação de programas de gestão ambi-ental incorporado a uma dinâmica social, através de atividades que envolvam os ca-tadores de caranguejo, parece ser uma so-lução plausível. Isso possibilitaria uma mudança na qualidade de vida e do meio ambiente, beneficiando um número signi-ficativo de pessoas que vivem no entorno de áreas de manguezais, modificando-se assim a situação de extrema miséria e

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JAN 2003, VOL. 28 Nº 1 43

abandono a que está submetida essa po-pulação marginal.

AGRADECIMENTOS

Aos catadores de caran-guejo-uçá da Paraíba, pela amizade e contribuição para realização dessa pesqui-sa; a Gilson do Nascimento Melo, pelos comentários e sugestões propostas duran-te o desenvolvimento desse trabalho; a NEPREMAR, PPGCB (Zoologia), Uni-versidade Federal da Paraíba; a CAPES, WWF-Brasil e USAID, pelo apoio finan-ceiro.

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