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Brancas, magras, sensuais, passivas e profissionais: mulheres objetificadas nos outdoors em Natal/RN

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CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA MÍDIA

PATRÍCIA DE SOUZA NUNES

BRANCAS, MAGRAS, SENSUAIS, PASSIVAS E PROFISSIONAIS: MULHERES OBJETIFICADAS NOS OUTDOORS EM NATAL/RN

NATAL 2019

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BRANCAS, MAGRAS, SENSUAIS, PASSIVAS E PROFISSIONAIS: MULHERES OBJETIFICADAS NOS OUTDOORS EM NATAL/RN

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Mídia, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requesito para obtenção do grau de Mestre em Estudos da Mídia.

Linha de Pesquisa: Estudos da Mídia e Produção de Sentido

Orientação: Profª Drª. Josimey Costa da Silva

NATAL 2019

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – CCHLA Nunes, Patrícia de Souza.

Brancas, Magras, Sensuais, Passivas e Profissionais: Mulheres Objetificadas nos Outdoors em Natal/RN / Patricia de Souza Nunes. - Natal, 2019.

142f.: il. color.

Dissertação (mestrado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Arte, Programa de Pós-graduação em Estudos da Mídia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 2019.

Orientadora: Profa. Dra. Josimey Costa da Silva.

1. Publicidade - Mestrado. 2. Outdoor - Mestrado. 3. Gênero - Mestrado. 4. Mulher - Mestrado. 5. Corpo - Mestrado. I. Silva, Josimey Costa da. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 659.1-055.2

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BRANCAS, MAGRAS, SENSUAIS, PASSIVAS E PROFISSIONAIS: MULHERES OBJETIFICADAS NOS OUTDOORS EM NATAL/RN

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Mídia, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requesito para obtenção do grau de Mestre em Estudos da Mídia.

Aprovado em: 02/05/2019

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________

Profª. Drª. Josimey Costa da Silva

Programa de Pós-Graduação em Estudos da Mídia – PPgEM/UFRN Orientadora (Presidente da banca)

__________________________________________________________ Profº. Drº. Frederico Augusto Tavares Junior

Programa de Pós-Graduação em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social – EICOS/UFRJ

Membro externo

__________________________________________________________ Profª. Drª. Kenia Beatriz Ferreira Maia

Programa de Pós-Graduação em Estudos da Mídia – PPgEM/UFRN Membro interno

__________________________________________________________ Profº. Drº. Josenildo Soares Bezerra

Programa de Pós-Graduação em Estudos da Mídia – PPgEM/UFRN Membro interno (Suplente)

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A Deus, pela força necessária durante as expedições ao campo, sem ela, talvez eu tivesse desistido, visto que necessitei de saúde e disposição; pela paciência concedida nos momentos de dificuldade e problemas, que me afetaram emocionalmente.

Aos meus pais, Maria Auxiliadora de Souza Silva e Roberto Nunes Bezerra, que, apesar das dificuldades, sempre me ajudaram e auxiliaram em todos os momentos da minha vida.

A Gilberto Nunes, meu irmão, pelas palavras de força e motivação que me encorajaram até aqui.

A John Willian, companheiro de vida, que está comigo nos momentos bons e ruins, sempre me incentivando e encorajando a seguir em frente; por me acompanhar nas expedições ao campo e me fazer acreditar que eu conseguiria realizar este trabalho.

À professora doutora Lilian Muneiro, por me receber como estagiária docente com toda gentileza, por compartilhar suas experiências e bibliografias. Sua presença foi importante para a compreensão e elaboração desta pesquisa.

À professora doutora Kenia Maia e aos professores doutores Josenildo Bezerra e Frederico Tavares, por participarem desse processo, contribuindo com indicação de leituras e sugestões de melhoria.

À professora doutora Josimey Silva, minha orientadora, por ter acreditado em mim desde a graduação, incluindo-me em seu grupo de pesquisa e aceitando-me como sua orientanda na pós-graduação, e por acreditar nesse trabalho. Obrigada pela paciência, generosidade e incentivo.

Ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Mídia e todo o corpo docente e técnico administrativo.

Ao Grupo de Pesquisa Marginália, pelas reuniões e discussões teóricas que ajudaram nas reflexões.

À Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares em Comunicação – Intercom, pelo Prêmio Francisco Morel, consquistado em 2018, referente a este trabalho.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, pela bolsa concedida que possibilitou o meu sustento durante os 24 meses de pesquisa.

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“Que nada nos defina, que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância, já que viver é ser livre”. Simone de Beauvoir

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socializadas entre os indivíduos, supervalorizando certos padrões estéticos e contribuindo para a difusão massiva de modelos de corpos a serem alcançados. O corpo feminino não escapa a essas lógicas de consumo, publicizado como apêndice de produto, atrator dos olhares dos observadores. A representação imagética do gênero feminino na publicidade urbana em Natal, capital do Rio Grande do Norte, por meio de outdoors, insere-se nessa perspectiva. Observei os outdoors veiculados em seis das principais avenidas da cidade, tendo como interlocutores basilares estudiosos que discutem os fenômenos da mídia em suas dimensões semiótica, histórica e cultural – como Baitello Junior (2014), Guimarães (2004) e Flusser (2008); os recursos analíticos da semiótica e imagem – como Dondis (1997), Perez (2016) e Joly (1996); questões de gênero e construção do feminino – como Beauvoir (2016), Butler (2017), Scott (1995) e Bourdieu (2017); o corpo como mídia, como linguagem que se utiliza do corpo como signo – como Santaella (2004), Sant’Ana (2001), Campello (1995) e Rector (1990); a publicidade como difusora de representações ideologizadas e estereótipos sociais, estudos sobre a sociedade do consumo – como Lessa (2005), Mota-Ribeiro (2005), Januário (2016), Bauman (2008), Baudrillard (2010), Lipovetsky (2000), Berger (1972), Goffman (1987) e Carvalho (2000). Como resultado da pesquisa, concluo que a publicidade natalense em outdoors constrói um padrão estereotipado de como a mulher e o corpo feminino devem ser representados. Esse padrão se manifesta em sete categorias: i) corpo subordinado; ii) corpo observante e observado; iii) corpo em movimento; iv) corpo profissional; v) corpo hierárquico; vi) corpo em contato com outro; vii) corpo belo e erótico. Concluo que a imagem da mulher continua sendo mais explorada do que a do homem pela publicidade externa de Natal; que os padrões que se mantêm são de corpos magros com medidas inatingíveis pela maioria das mulheres e que não as contemplam; que houve pouca representação das minorias (negras e idosas), e nenhuma representação de mulheres com alguma deficiência fisíca; que o setor de mercado que mais utiliza mulheres em seus anúncios é o da educação; que a maior parte das categorias propostas representa a mulher independente e associada à vida pública, mas também assumindo papéis que lhe são destinados culturalmente, como o casamento; que as mulheres aparecem, geralmente, sorridentes, olhando para o observador, passivas e vestidas, mas convidando para a leitura dos seus corpos como objeto de desejo; que o corpo feminino é hegemonicamente apresentado na cena pública conforme os padrões estéticos de subalternidade e objetificação.

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overestimating certain aesthetic standards and contributing to a massive diffusion of body models to be reach. The female body does not escape those logics of consumption, advertised as a product appendix, attracting looks from the observers. The imagery representation of the female gender in the urban publicity at Natal, RN, is inserted in this perspective through billboards. Billboards published in six of the city’s main avenues were observed, using as fundamental interlocutors experts who discuss media phenomenons in its semiotics, historical and cultural dimensions - e.g. Baitello Junior (2014), Guimarães (2004) and Flusser (2008); the analytical resources of semiotic and image - e.g. Dondis (1997), Perez (2016) and Joly (1996); gender issues and feminine construction - e.g. Beauvoir (2016), Butler (2017), Scott (1995) and Bourdieu (2017); the body as media, as a language that uses the body as signs - e.g. Santaella (2004), Sant’Ana (2001), Campello (1995) and Rector (1990); the publicity as diffuser of ideological representations and social stereotypes, studies about the consumer society - e.g. Lessa (2005), Mota-Ribeiro (2005), Januário (2016), Bauman (2008), Baudrillard (2010), Lipovetsky (2000), Berger (1972), Goffman (1987) e Carvalho (2000). As the result of the research, the conclusion is that publicity in Natal on billboards creates a stereotyped pattern of how women and the female body should be represented. This pattern is manifested in seven categories: i) subordinated body; ii) observer and observed body; iii) body in movement; iv) professional body; v) hierarchical body; vi) bodies in contact; vii) beautiful and erotic body. In conclusion, the image of woman continues to be more explored than the male image by outdoor publicity in Natal; the maintained standards are of slim bodies with unachievable measures for most women which are not contemplated by those standards; the representation of minority groups (black and elderly people) were minimum and women with physical disability had no representation; the main market sector that uses women in its advertisements is the education sector; the larger part of the proposed categories represents independent women associated to the public life, but also assuming roles that are culturally aimed to them, like marriage; the women are usually presented smiling, looking at the observer in a passive and well dressed form, but inviting the observer to read their bodies as an object of desire; the female body is hegemonically featured in the public view according to the aesthetic patterns of subalternity and objectification.

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socializadas entre los individuos, sobrevalorando determinados patrones estéticos y contribuyendo para la difusión masiva de modelos de cuerpos que deben ser alcanzados. El cuerpo femenino no huye a esas lógicas de consumo, es publicitado como apéndice del producto, atractivo a las miradas de los observadores. La representación imagética del género femenino en la publicidad urbana en Natal (Rio Grande do Norte) por medio de vallas publicitarias se inserta en esa perspectiva. He observado los anuncios publicados en seis de las principales avenidas de esa ciudad teniendo, como interlocutores basilares, expertos que discuten los fenómenos de los medios en sus dimensiones semiótica, histórica y cultural – como Baitello Junior (2014), Guimarães (2004) y Flusser (2008); los recursos analíticos de la semiótica e imagen – como Dondis (1997), Perez (2016) y Joly (1996); cuestiones de género y construcción del femenino – como Beauvoir (2016), Butler (2017), Scott (1995) y Bourdieu (2017); el cuerpo como medio, como lenguaje que se utiliza del cuerpo como signo – como Santaella (2004), Sant’Ana (2001), Campello (1995) y Rector (1990); la publicidad como difusora de representaciones ideologizadas y estereotipos sociales, estudios sobre la sociedad del consumo – como Lessa (2005), Mota-Ribeiro (2005), Januário (2016), Bauman (2008), Baudrillard (2010), Lipovetsky (2000), Berger (1972), Goffman (1987) y Carvalho (2000). Como resultado de la investigación, concluyo que la publicidad de Natal en vallas publicitarias construye un patrón estereotipado de como la mujer y el cuerpo femenino deben ser representados. Este patrón se manifiesta en siete categorías: i) cuerpo subordinado; ii) cuerpo observante y observado; iii) cuerpo en movimiento; iv) cuerpo profesional; v) cuerpo jerárquico; vi) cuerpo en contacto con el otro; vii) cuerpo bello y erótico. Concluyo que la imagen de la mujer continua siendo más explotada de que la del hombre por la publicidad externa de Natal; que los patrones que se mantienen son de cuerpos flacos con medidas inalcanzables por la mayoría de las mujeres y que no las contemplan; que hubo poca representación de las minorías (negras y ancianas), y ninguna representación de mujeres con alguna discapacidad física; que el sector de mercado que más utiliza mujeres en sus anuncios es el de la educación; que la mayor parte de las categorías propuestas representa la mujer independiente y asociada a la vida pública, pero también asumiendo papeles que les son destinados culturalmente, como el matrimonio; que las mujeres aparecen, generalmente, sonrientes, buscando al observador, pasivas y vestidas, pero invitando a la lectura de sus cuerpos como objeto de deseo; que el cuerpo femenino es hegemónicamente presentado en la escena pública conforme los patrones estéticos de subalternidad y objetificación.

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Figura 1 - Av. Prudente de Morais – Natal/RN...47

Figura 2 - Av. Senador Salgado Filho, Natal/RN...48

Figura 3 - Av. Engenheiro Roberto Freire, Natal/RN...48

Figura 4 - Av. Hermes da Fonseca e BR 101, Natal/RN...49

Figura 5 - Av. Dr. João Medeiros Filho, Natal/RN...50

Figura 6 - Dimensão geral do percurso...50

Figura 7 - Grafismo com corpos femininos em Natal/RN...52

Figura 8 - Personagem com identificação (UNIFACEX)...57

Figura 9 - Personagem com identificação (UNP)...57

Figura 10 - Estereótipo de corpo e beleza...64

Figura 11 - Outro corpo e beleza...64

Figura 12 - Casal heterossexual...66

Figura 13 – Corpo nu...74

Figura 14 – Corpo seminu...74

Figura 15 - A mulher profissional...76

Figura 16 – Combinação de cores...81

Figura 17 – Edição de Imagem...82

Figura 18 - Corpos subordinados...87

Figura 19 – Corpo observante e observado...90

Figura 20 – Corpo em movimento...93

Figura 21 - Corpo profissional...96

Figura 22 – Corpos hierárquicos...100

Figura 23 - Casal de gênero binário...104

Figura 24 - Corpo em contato com o outro...108

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Tabela 1 - Classificação dos anúncios em setores...56

Tabela 2 - Características visuais...61

Tabela 3 - A mulher e seus pares...65

Tabela 4- Modos de representação visual...70

Tabela 5 - Exposição corpo no mercado...72

Tabela 6 - Categorias de personagens e papéis nos anúncios...75

Tabela 7 - Classificação dos cenários...77

Tabela 8 - As cores predominantes nos anúncios...79

Tabela 9 - Classe de palavra, tempo verbal e modo verbal...83

Tabela 10 – Fluxo da avenida Prudente de Morais (Natal-RN)...140

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Quadro 1 - Levantamento dos outdoors por rua/avenida - geral (Bandeirantes, Rota e

SBS)...135

Quadro 2 - Levantamento dos estudos atuais sobre a temática publicidade e gênero

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1 INTRODUÇÃO ... 17

2 A PUBLICIZAÇÃO DO CORPO FEMININO ... 22

2.1 A CONSTRUÇÃO CULTURAL DO FEMININO ... 22

2.2 MULHER: A CONSUMIDORA CONSUMIDA ... 25

2.3 IMAGENS FEMININAS E ESTÉTICA DO CORPO ... 29

2.4 O CORPO E A COMUNICAÇÃO PUBLICITÁRIA ... 34

2.4.1 O corpo como imagem sígnica ... 34

2.4.2 A beleza da mídia ... 38

2.4.3 Representações visuais do feminino ... 39

3 O PERSCURSO METODOLÓGICO ... 42

3.1 A ESCOLHA DO OUTDOOR ... 42

3.2 NATAL COMO LOCUS DE OBSERVAÇÃO ... 44

3.3 DELIMITAÇÃO DAS AVENIDAS ... 45

3.4. PERCURSOS DA PESQUISA DE CAMPO ... 46

3.5 REFERENCIAL TEÓRICO ... 53

4 REPRESENTAÇÕES DE CORPOS FEMININOS NA PUBLICIDADE EM NATAL ... 55

4.1 EXPLORANDO O QUANTITATIVO: AS CARACTERÍSTICAS DAS PERSONAGENS FEMININAS NOS ANÚNCIOS ... 55

4.1.1 Setores que usaram personagens femininas ... 56

4.1.2 Características visuais das personagens ... 60

4.1.3 Mulheres e seus pares ... 65

4.1.4 Modos de representação visual ... 67

4.1.5 Exposição do corpo ... 72

4.1.6 Personagens e seus papéis ... 74

4.1.7 Cenários ... 76

4.1.8 A cor como informação ... 78

4.1.9 Os textos ... 82

4.2 DA ANÁLISE DAS IMAGENS À EMERGÊNCIA DOS TRAÇOS FEMININOS .... 85

4.2.1 Rituais de subordinação ... 87

4.2.2 A mulher observante e objeto visual ... 90

4.2.3 O feminino em movimento ... 93

4.2.4 O Corpo profissional: educando o modo de ver o feminino ... 95

4.2.5 Tamanho relativo ... 100

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CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 122

REFERÊNCIAS ... 128

APÊNDICES ... 135

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1 INTRODUÇÃO

O processo de comunicação publicitária se materializa na forma de peças que são difundidas em imagens visuais (comerciais de TV, anúncios de jornal impresso, de revista, outdoors, busdoors, panfletos, encartes, cartazes etc.), sonoras (spots e jingles) entre outras. Em algumas campanhas publicitárias, o anunciante, com o objetivo de despertar maior atenção do público, utiliza-se dos recursos dos outdoors, geralmente posicionados em locais estratégicos para que possam ser visualizados pelos transeuntes.

Normalmente, as placas são afixadas em áreas de maior concentração de fluxo das cidades, de modo que a maioria das grandes metrópoles, pelo menos na América do Sul, hoje têm cartazes de grandes dimensões desse tipo inseridos e absorvidos como parte da paisagem urbana. No geral, os outdoors são muito utilizados nas campanhas locais com objetivo de atingir o público em trânsito por localizações específicas. Além disso, é um meio em que se deve considerar a leitura rápida feita por observadores em movimento.

A publicidade contemporânea utiliza estratégias comunicativas, nas quais inclui-se uma multiplicidade de conteúdos e linguagens, objetivando a criação de um ambiente de intensa necessidade de consumo, seja por mensagens subliminares, seja por sua capacidade em colocar os públicos em estado de insatisfação. Uma especificidade das imagens publicitárias é a repetição de uma ideia ou estilo de vida. Isso ocorre, por exemplo, quando a imagem feminina é utilizada recorrentemente como apelo de vendas, de modo que as mulheres são, nas peças publicitária, reduzidas ao seu próprio corpo, que é reduzido ao seu sexo. Tudo isso tem impacto nas relações sociais, com aprofundamento das divisões e assimetrias entre gêneros (LESSA, 2005).

Nesse sentido, a publicidade, um mecanismo de destilar desejos e estimular o consumo, usa como estratégias de comunicação a estética e a beleza com objetivos comerciais. As belezas feminina e masculina passam a ser o “cosmético da publicidade”, assim como a moda passou a ser a estetização dos indivíduos. A questão é que a mensagem publicitária, assim como o modo de funcionamento do sistema capitalista, padroniza os corpos de forma a que predominem os estereótipos e seja imposto um único padrão ideal de beleza. Qualquer que seja a importância tomada, a beleza na publicidade nunca deixou de ser amplamente explorada (LIPOVETSKY, 2009). Na sociedade contemporânea de massas, há uma intensificação do culto ao corpo, em que os indivíduos experimentam uma crescente preocupação com a imagem e a estética. Um dos fatores dessa tendência de comportamento decorre do papel conformador das imagens em

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circulação nas mídias, que sincroniza procedimentos sociais e suscita a imitação, potencializando a influência dos corpos representados midiaticamente, especialmente entre os jovens (NUNES; SILVA, 2017).

Além da objetificação do corpo feminino, os discursos midiáticos corroboram a construção de gênero e de papéis sociais restritivos, a partir do momento em que passam a apresentar imagens exclusivas de duas únicas formas de gênero (homem e mulher heterossexuais), representando cada qual papéis pré-estabelecidos na cultura patriarcal: o menino brinca com o carro, a menina com a boneca; o homem deve trabalhar, a mulher cuidar do lar e dos filhos – quando não apresentam o homem macho e viril em ação e a mulher frágil e sexualizada. Tais desigualdades se manifestam nos discursos midiáticos, cujos papéis são fundamentais na sua publicização. Tal publicidade de imagens hegemônicas estereotipadas e objetificantes do feminino é questionada pelas feministas há décadas, pois elas reivindicam uma quebra de padrões de gênero e de estética dos corpos femininos. As mulheres, influenciadas por essa inflação de imagens, buscam freneticamente alcançar o corpo ideal que, por ser imperio-samente imposto como perfeito, torna-se inatingível.

Nesse contexto, os outdoors compõem um sistema de valores. Às vezes, esses valores são partilhados pelos indivíduos que compõem a sociedade. Em outras circunstâncias, esses indivíduos são apenas orientados por esses valores. Os anúncios veiculados nas plataformas de mídia exterior são não apenas reprodução, mas produção de papéis sociais difundidos por instituições sociais consolidadas. Na atual conjuntura social, a publicidade – como sistema comunicativo que adequa sua mensagem para que possa ser compreensível e decodificada pelo público das marcas – depara-se com o desafio de descontruir discursos historicamente publicizados, pautados de preconceito e estereótipo contra minorias sociais (gênero, classe, cor e etnia). Dentre os motivadores para essa mudança, está a crescente identificação dos consumidores com questões relevantes. Eles consideram, na decisão da compra, o posicionamento das marcas quanto aos assuntos sociais1. Dentro desse universo de clientes sociologicamente exigentes, a maioria das mulheres acredita que as propagandas na TV mostram um padrão de beleza que é muito distante da realidade da brasileira e sente-se frustrada quando não consegue ter o corpo e a beleza das mulheres mostradas nessas propagandas2.

1 Segundo pesquisa da Edelman Earned Brand 2017, publicada pelo portal Propmark, 56% dos brasileiros consideram posicionamento das marcas sobre questões sociais antes de comprar. Disponível em: <http://propmark.com.br/mercado/56-dos-brasileiros-consideram-posicionamento-das-marcas-sobre-questoes-sociais-antes-de-comprar>. Acesso em: 03 mar. 2019.

2 Segundo pesquisa sobre Representações das mulheres nas propagandas na TV realizada pelo Data popular pelo Isntituto Patrícia Galvão, em 2013. Dispoível em:

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Considerando-se o exposto, apresento a questão norteadora deste estudo: como acontece a representação imagética do gênero feminino na publicidade em Natal, Rio Grande do Norte? Que mulheres são dadas a ver pelos publicitários? O questionamento considera que, historicamente, a publicidade vem difundindo padrões de gênero, corpo e feminilidade que objetificam, discriminam e oprimem as mulheres. Muito se discute no campo acadêmico e nos movimentos feministas um fazer publicitário que busque contemplar a diversidade da população brasileira, distanciando-se dos estereótipos publicizados há décadas no que se refere à mulher. Desse modo, interroga-se também: há permanências ou mudanças nessas imagens em relação a práticas já consagradas pelo mercado publicitário?

Para tanto, faço de Natal, capital do Rio Grande do Norte (Brasil), o campo de observação. Busco representações de corpos femininos e tomo como corpus os outdoors veiculados em seis das principais avenidas da cidade: as avenidas Senador Salgado Filho, Prudente de Morais, Engenheiro Roberto Freire, Hermes da Fonseca, Doutor João Medeiros Filho e BR 101, nos mês de abril, maio e junho de 2018. A amostragem é composta por 67 anúncios coletados nessas avenidas. Na abordagem, utilizei autores que deram sequência aos estudos semióticos russos, que discutem os fenômenos da mídia em suas dimensões semiótica, histórica e cultural, como Baitello Junior (2014), Guimarães (2004) e Flusser (2008), além dos recursos analíticos da semiótica e imagem, como propõem Dondis (1997), Perez (2016) e Joly (1996).

O objetivo geral da pesquisa foi analisar as representações do feminino na cena da cidade de Natal. Busquei, de modo específico: a) verificar os setores de mercado em que as personagens mulheres aparecem; b) observar as características visuais; c) perceber os modos de representação; d) verificar a exposição dos corpos; e) observar as personagens e seus papéis; f) descrever os cenários, as cores e os textos linguísticos; g) interpretar os sentidos produzidos a partir das imagens.

Como fundamentação teórica, utilizo autores que discutem questões de gênero e construção do feminino, como Beauvoir (2016), Butler (2017), Scott (1995) e Bourdieu (2017); outros que discutem o corpo como mídia, como linguagem que se utiliza do corpo como signo, como Santaella (2004), Sant’Ana (2001), Campello (1995), Rector (1990); que tratam a publicidade como difusora de representações ideologizadas e estereótipos sociais, estudos sobre a sociedade do consumo formada por grupos e indivíduos atuantes como consumidores e mercadorias, a partir de Lessa (2005), Mota-Ribeiro (2005), Januário (2016), Bauman (2008), Baudrillard (2010), Lipovetsky (2000), Berger (1972), Goffman (1987) e Carvalho (2000).

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Em termos de impacto social, esta pesquisa justifica-se, principalmente, pela relevância do estudo das questões de gênero em um país marcado por desigualdades e violências, como a doméstica e a sexual. Quanto aos estudos sobre o tema, ainda são poucas as pesquisas sobre gênero e publicidade no Brasil, conforme identifiquei, especialmente, referente às representações do gênero feminino na comunicação urbana. Assim, esta dissertação pretende contribuir para a formação e consolidação desse tema de estudos, importante para elucidar e permitir transformar a realidade social.

Escolhi esse tema a partir da conjuntura de um engajamento pessoal com as questões relativas às desigualdades de gênero e do contato com as pesquisas desenvolvidas desde a graduação. No mestrado, resolvi unir as temáticas da publicidade, gênero, corpo e feminilidade com assuntos relacionados aos estudos urbanos por entender que a mediação ocorre, principalmente, nesses espaços em que a mídia nos interpela cotidianamente. A publicidade de rua tem forte presença no nosso cotidiano e contribui para construção da memória individual e coletiva dos habitantes da cidade. Segundo Sodré (2006), na sociedade contemporânea, a mídia referencia o homem, que passa a usá-la para dar sustentação à cultura e, consequentemente, à capacidade de compreender as coisas. A mídia representa mais que linguagem, tecnologia ou simples equipamento que transmite ideologia; é instrumento de direcionamento ou de criação de subjetividade nos indivíduos.

Por fim, busca-se proporcionar chaves teóricas e metodológicas dentro do campo comunicacional para compreender e discutir a relação entre a mídia e o gênero feminino na contemporaneidade. Sendo assim, entende-se que esta pesquisa se enquadra na linha de pesquisa “Estudos da Mídia e Produção de Sentido”, do Programa de Pós-graduação em Estudos da Mídia (PPgEM), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, visto que busca estudar os processos de produção de sentidos, a partir não somente dos dispositivos técnicos-midiáticos, mas também como linguagem, linguagem esta que é também imagética. Além disso, procura-se compreender o funcionamento da mídia para a produção de sentidos, inclusive, em outros campos sociais3.

Nas próximas páginas, apresenta-se a dissertação organizada da seguinte maneira: no primeiro capítulo, “A publicização do corpo feminino”, explora-se as construções sociais, históricas e culturais do corpo feminino e as formas de reprodução de padrões e estereótipos de feminilidade pelas imagens midiáticas; no segundo segundo, metodológico, descreve-se o

3 Ementa da linha de pesquisa. Disponível em: <http://www.cchla.ufrn.br/ppgem/?page_id=116>. Acesso em: 17 mai. 2017.

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percurso de construção da pesquisa e a abordagem semiótica da imagem; no terceiro capítulo, “Representação de corpos femininos na publicidade em Natal”, realiza-se a análise quantitativa seguida da análise da emergência dos traços corporais expostos nos anúncios dos outdoors. Nas Considerações Finais, apresentam-se as respostas às questões de pesquisa apontadas, os objetivos alcançados, indicando questões possíveis para investigação. Identifiquei que a imagem da mulher continua sendo explorada pela publicidade externa de Natal, mais ainda do que a imagem do homem, chegando a sobrepor em quantidade de anúncios. Quanto aos padrões, os mesmos que víamos em décadas passadas se mantêm, de corpos magros com medidas inatingíveis pela maioria das mulheres e que não contemplam, assim, a maioria das mulheres. Houve pouco representação das minorias (negras e idosas) e nenhuma representação de mulheres com alguma dificiência fisíca. Propõe-se como resultado que o corpo feminino é hegemonicamente apresentado na cena pública conforme os padrões estéticos de subalternidade e objetificação.

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2 A PUBLICIZAÇÃO DO CORPO FEMININO

2.1 A CONSTRUÇÃO CULTURAL DO FEMININO

Pierre Bourdieu (2017, p. 96) afirma que para a mulher não basta ser mulher, ela precisa ser percebida socialmente como mulher, pois “a dominação masculina, que constitui as mulheres como objetos simbólicos, cujo ser (esse) é um ser percebido (percipi), tem por efeito colocá-las em permanente estado de insegurança corporal, ou melhor, de dependência simbólica”. Das mulheres, esperam-se características de feminilidade: submissas, discretas, simpáticas, atraentes, disponíveis, sorridentes ou até apagadas. Na perspectiva do autor, o olhar é um poder simbólico e as mulheres, por estarem sempre sob o olhar dos outros, veem-se presas, obrigadas a experimentar a distância entre o corpo real e o ideal.

Para Simone Beauvoir (2016), as mulheres aprendem desde criança a assumir os papéis sociais que lhes são destinados – o casamento e a maternidade; elas recebem desde a infância toda uma formação para cumprir esse papel. Assim, quando uma criança nasce e os pais, conscientemente ou não, determinam o gênero do bebê, vestindo o menino com uma roupa azul e a menina com uma rosa, realizam um movimento que produz sentidos que afirmam que uma cor é de menino e outra é de menina. Aprendemos a definir o gênero desde criança, a partir de uma binaridade (homem e mulher).

Nesse sentido, a mídia corrobora com essa construção, a partir do momento em que passa a apresentar imagens exclusivas de duas únicas formas de gênero, homem ou mulher heterossexuais, representando cada qual em papéis sociais pré-estabelecidos na cultura patriarcal – o menino deve brincar com o carro e, a menina, com a boneca; o homem deve trabalhar e, a mulher, cuidar da casa e dos filhos; quando não, apresentam o homem macho e viril em ação e a mulher frágil e sexualizada.

Quanto às construções de masculinidade e feminilidade, María Salguero Velásquez (2008) pontua que, assim como as mulheres aprendem as maneiras de ser mulher, os homens também aprendem, através de seus pais, mães e esposas, a ser violentos, a ser os únicos responsáveis pelo sustento da família, a ser viris, machistas, a não realizar atividades domésticas; aprendem a não expressar seus sentimentos em público – como chorar, pois há um discurso de que “homens não choram”, e caso ocorra, são taxados de fracos, sensíveis ou “mulherezinhas”.

Segundo a autora, mulheres e homens sofrem opressão de gênero e lhes são esperadas características de feminilidade e masculinidade. Para ela, ser homem ou mulher relaciona-se

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com um processo de construção social e é nesse sentido que construir-se como homem ou mulher implica uma série de estágios que se apresentam de forma própria em diferentes culturas, nas quais se reconhecem, em cada uma, certos atributos ou estereótipos aos quais ambos os sexos procuram se enquadrar. Dessa maneira, ser homem ou mulher não está no corpo (no pênis ou na vagina), tem a ver com uma posição, uma maneira de estar no mundo. Isso porque não somos apenas seres biológicos, mas seres sociais (VELÁSQUEZ, 2008).

Quando Beauvoir (2016) afirma que “ninguém nasce mulher, torna-se mulher”, entende-se que as características associadas à condição das mulheres derivam menos de imposições da natureza e mais dos mitos disseminados pela cultura. A autora não trouxe o conceito de gênero propriamente dito, mas desenvolveu a ideia tempos antes dele ser introduzido na década de 1990. A categoria de gênero mostrou uma nova forma de se pensar o sujeito não de maneira isolada, mas de forma relacional. O termo gênero foi usado pela primeira vez para pensar o sexo e para falar de diferença sexual. Conforme Joan Scott (1995, p. 72), “o termo ‘gênero’ parece ter feito sua aparição inicial entre as feministas americanas, que queriam enfatizar o caráter fundamentalmente social das distinções baseadas no sexo”. Para Scott (1995, p. 75), o “termo gênero trata-se de uma forma de referir-se às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas de homens e mulheres”.

Para Butler (2017), gênero é uma categoria que extrapola a categoria mulher (produção binária), que vai diferenciar sexo/gênero. Ela afirma que não é possível que exista apenas uma identidade de ordem metafísica, mas identidades pensadas no plural e não no singular. Nesse sentido, compreende-se que não podemos classificar pessoas em uma binaridade, homem ou mulher, a partir dos aparelhos genitais reprodutores. Butler (2017, p. 26) problematiza também a oposição binária entre sexo e gênero, “concebida originalmente para questionar a formulação de que a biologia é o destino, a distinção entre sexo e gênero atende à tese de que, por mais que o sexo pareça intratável em termos biológicos, o gênero é culturalmente construído”. Ela acredita que classificar pessoas através do gênero é uma forma de classificar homens e mulheres, de impor o modelo hegemônico da heteronormatividade, excluindo outras identidades, como lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e intersexos, de toda uma conjuntura social.

De acordo com Giddens (2013), usa-se o termo “sexo” para se referir às diferenças anatômicas e fisiológicas do corpo masculino e feminino. Quanto ao gênero, “entendem-se as diferenças psicológicas, sociais e culturais entre os indivíduos do sexo masculino e do sexo feminino”. Assim, o “gênero está associado a noções socialmente construídas de masculinidade e feminilidade; não é necessariamente um produto direto do sexo biológico de um indivíduo”

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(GIDDENS, 2013, p. 676). Dessa maneira, se ser homem ou mulher é uma relação de construção social e cultural, a aprendizagem do gênero não acontece apenas por intermédio da instrução formal, mas também por meio de outras atividades do cotidiano.

Os gêneros são produtos construídos socialmente, inclusive o próprio corpo humano está sujeito às forças sociais que o moldam e alteram de várias maneiras (GIDDENS, 2013). As pessoas podem construir ou reconstruir seus corpos recorrendo às atividades físicas, às dietas e cirurgias plásticas, aos estilos de roupa e à operação de mudança de sexo, mas na interação social cotidiana há uma dimensão de gênero. “A própria forma como as pessoas se sentam demonstra a existência de uma socialização de gênero. Pode ser algo bastante perturbador os homens e as mulheres quebrarem as regras, por exemplo” (GIDDENS, 2013, p. 684).

Em relação à feminilidade, ela está para a mulher assim como a beleza. Não é por acaso que nas narrativas infantis as personagens belas eram boas, interpretadas por Rapunzel, a Bela Adormecida, Chapeuzinho Vermelho, Branca de Neve, Cinderela, e as feias eram más, como a Madrasta, a Bruxa etc. Nesses contos de fadas, os personagens masculinos são os heróis, vão em busca da mulher, enfrentam monstros e dragões, lutam contra gigantes enquanto elas os esperam. As próprias histórias ilustram a masculinidade que se espera do homem, viril em ação, e a feminilidade da mulher, bela e adormecida. Assim, a aparência física passa, para as mulheres, a ser uma obsessão em que é preciso sempre estar bonita para conquistar o amor e a felicidade. Pois, “a feiura associa-se cruelmente à maldade, e, quando as desgraças desabam sobre as feias, não se sabe muito bem se são seus crimes ou sua feiura que o destino pune” (BEAUVOIR, 2016, p. 37).

Considera-se que, se o gênero é culturalmente construído, as características de feminilidade e masculinidade são aprendidas pelos agentes de socialização, como a família, a igreja, a escola, a mídia, que determinam a interiorização de papéis e comportamentos. Desse modo, “o gênero não é criado apenas nas relações familiares e interpessoais, mas também na estrutura das principais instituições sociais (educativas, religiosas, econômicas e políticas)”, ressalta Mota-Ribeiro (2005, p. 19).

Somos educados desde criança a nos comportarmos de acordo com os padrões de feminilidade e masculinidade, e, nesse contexto, a publicidade reproduz divisões de papéis sexuais atribuídos aos gêneros, colocando-os em lugares naturalmente aceitos, nem que para isso seja preciso recorrer aos estereótipos. Isso encontra resistência nas críticas feministas, que consideram que tais imagens produzidas e disseminadas pela cultural patriarcal procuram as definir e subordinar. Dessa maneira, segundo Mota-Ribeiro (2005), essa situação de subordinação mudará apenas quando começar a haver uma maior participação das mulheres

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nas profissões ligadas à mídia e à produção cultural, para que elas próprias possam produzir as suas representações visuais. Assim, compreende-se como gênero o conjunto de características sociais e culturais atribuídas às pessoas, geralmente em função do seu sexo, uma identidade adquirida que é aprendida, que muda ao longo do tempo e varia amplamente dentro e entre as culturas.

2.2 MULHER: A CONSUMIDORA CONSUMIDA

A sociedade de consumo é um reflexo do crescimento econômico que ficou evidente com o desenvolvimento industrial e das comunicações. Essa sociedade se caracteriza pelo consumo de bens e serviços graças à produção massiva de produtos relacionados à moda, aos eletroeletrônicos, aos automotivos, como também pelo acesso aos meios de comunicação (rádio, televisão, cinema e internet). Conforme Baudrillard (2010), o consumo se tornou onipresente, estamos cercados por objetos e vivemos para os objetos. Ele afirma que “o consumo surge como sistema que assegura a ordenação dos signos e a integração do grupo; constitui simultaneamente uma moral (sistema de valores ideológicos) e um sistema de comunicação ou estrutura de permuta” (BAUDRILLARD, 2010, p. 91).

Partindo dessa noção, compreende-se que consumimos não apenas pela função da necessidade de obter o objeto, mas também pela lógica social e do desejo. Para Bauman (2008, p. 73), “numa sociedade de consumidores, todo mundo precisa ser, deve ser e tem que ser um consumidor por vocação (ou seja, ver e tratar o consumo por vocação)”. Nessa organização social, os indivíduos se tornam consumidores de mercadorias e as próprias mercadorias.

A mídia influencia nessa construção, em especial com a publicidade que visa estimular o consumo de produtos e marcas por meio do seu discurso de venda. Sobre os meios de comunicação, sustenta Baudrillard (2010, p. 159) que sua função consiste em “neutralizar o caráter vivido, único e de evento do mundo, para lhe substituir o universo múltiplo dos meios de comunicação mutualmente homogêneos enquanto tais, significando-se e referindo-se reciprocamente uns aos outros”. Enquanto que, para Lipovetsky (2009, p. 224), na sociedade de consumo, os indivíduos são autônomos, a publicidade não muda o comportamento das pessoas, ela “tem a distingui-la o fato de que não visa reformar o homem e os costumes; na realidade, toma o homem tal como ele é, empenhando-se apenas em estimular a sede de consumo que já existe”.

Para Baudrillard (2010, p, 176), as pessoas não acreditam na publicidade, mas fingem acreditar, “nem o discurso retórico, nem mesmo o discurso informativo sobre as virtudes do

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produto têm efeito decisivo sobre o comprador”. No entanto, destaca, assim como as crianças não questionam os pais e as mães acerca da existência do Papai Noel, pelo fato de isso não ter tal importância quanto receber o presente no Natal. As pessoas não acreditam na publicidade mais do que as crianças no Papel Noel, “o que não o impede de aderir da mesma forma uma situação infantil interiorizada de se comportar de acordo com ela” (Baudrillard, 2010, p. 176). Resumindo, conforme Baudrillard (2010), a publicidade possui essa função gratificante, acredita-se nela, consome-se, mas sabendo do que se trata. Tanto Baudrillard (2010) quanto Lipovetsky (2009) possuem opiniões semelhantes em relação à função da publicidade. No entanto, eles diferem no pensamento apenas quando trata-se dessa certa “autonomia” que os indivíduos possuem na sociedade de consumo.

Tendo a percepção disso, as empresas de comunicação criam estratégias para captar ainda mais a atenção do público. Isso porque elas dependem da audiência para vender espaços publicitários. Uma das estratégias para estimular o consumo é criar padrões (estereótipos) que em nada contribuem para a diversidade sociocultural brasileira. Isso ocorre, principalmente, quando se refere à representação de minorias, como negros, homossexuais, mulheres (Sodré, 2005). Com relação às mulheres, essa representação é reforçada por corpos majoritariamente nus ou seminus. Quando não é em contexto hipersexualizado, as imagens visíveis são de mulheres cuidando da família ou com algum produto doméstico – mas, sempre atrelado a um produto.

Bauman (2008) ressalta que as pessoas são bombardeadas por sugestões de que precisam se equipar com produtos para alcançar e manter a posição social que desejam. Para ele, “consumidores de ambos os sexos, todas as idades e posições sociais irão sentir-se inadequados, deficientes e abaixo do padrão a não ser que respondam com prontidão a esses apelos” (BAUMAN, 2008, p. 74). A mídia cria inúmeros padrões e atingi-los é algo que as mulheres são tensionadas a almejar: imagens de corpos magros, esqueléticos são os exibidos nas passarelas, no cinema, na televisão, nas revistas, na publicidade. Assim, somos programados para querer esse biótipo. Conforme Lipovetsky (2000), essa estética da magreza ocupa um lugar preponderante no novo universo da beleza. “Os periódicos femininos são cada vez mais invadidos por guias de magreza, por seções que expõem os méritos da alimentação equilibrada, por receitas leves, exercícios de manutenção e de modelagem do corpo” (LIPOVETSKY, 2000, p. 131).

Para Lipovetsky (2000, p. 149), “as imagens superlativas do feminino veiculadas pela mídia acentuaram o terror dos arranhões da idade, geram com complexo de inferioridade, vergonha de si, do corpo”. Segundo o autor, esse fetichismo da beleza feminina funciona como uma ponte que serve para “entravar a marcha das mulheres rumo ao topo da hierarquia social.

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O mito da beleza feminina, em nossas sociedades, seria, antes de tudo, uma contra-ofensiva política cujo objetivo maior é a perpetuação da hegemonia masculina e da submissão feminina” (LIPOVETSKY 2000, p. 150).

Nessa perspectiva, visto que somos influenciados pelos meios de comunicação – considerando seu aspecto central na organização social (SODRE, 2006) –, não é por acaso que quando vamos ao salão de beleza há inúmeras revistas disponíveis para nos ajudar a escolher determinado corte de cabelo ou tipo de maquiagem, geralmente apresentando como modelos atrizes conhecidas.

Quanto à mídia, é inegável o seu poder de repercussão na sociedade. Ela estimula não apenas o consumo, mas usa estratégias atreladas aos seus produtos que desvalorizam, ou valorizam de forma interessada, a imagem da mulher. Quando se acrescenta e se considera a publicidade, essa imagem é relacionada ao produto como se ela também estivesse à venda no comercial, através dos corpos hipersexualizados em campanhas de marcas de perfumes, bebidas alcoólicas, automóveis (NOLETO, 2016). As mulheres não têm visibilidade e, quando encontram alguma brecha nesses espaços midiáticos, têm suas imagens capturadas de forma sexista e mercantilizada.

Portanto, “paralelamente a seu trabalho de homogeneização das aparências, a mídia feminina caracteriza-se igualmente por uma obra de valorização da individualidade e da personalidade” (LIPOVETSKY, 2000, p. 165), Isso, claro, para aumentar sua audiência em relação aos seus programas de televisão. Tais representações oprimem e ocultam a diversidade da mulher brasileira, essa que é mostrada no carnaval para o país – e para fora dele – como atração turística, lembrada como a mulher “fácil” e “fogosa”. Fora, uma representação recorrente do Brasil o associa ao erotismo e à sensualidade, com imagens “a realçar que certa liberdade ou desregramento sexual está no coração da nossa nacionalidade” (SIMÕES & FACCHINI, 2009, p. 24).

Sobre os estereótipos dos personagens da televisão, pontua Bertrand (1999, pp. 141-142) que, na publicidade e/ou nos programas, “a televisão dá uma visão do mundo simplista e inexata: ele é ao mesmo tempo embelezado (os personagens de ficção vivem frequentemente muito acima de suas posses) e tornando mais violento do que a realidade”. Para ele, “nos vídeos musicais, os homens parecem muitas vezes vadios e as mulheres prostitutas” (BERTRAND, 1999, pp. 141-142). Já para Silva (1995), os meios de comunicação de massa cumprem um papel de controle social a partir dos moldes que são tecidos por eles próprios. Tal função, que antes era atribuída às instituições (como a religião, a escola e a família), é legitimada pelos

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meios de comunicação, pois “eles, os ‘mídias’, são os verdadeiros produtores do discurso da ‘verdade’. Dominam o código, estabelecem os significados” (SILVA, 1995, p. 77).

Por isso, vale ressaltar o papel de preponderância da mídia na sociedade contemporânea e é necessário rever os padrões de beleza, os estereótipos que são reforçados cotidianamente. É preciso que produtos culturais que são veiculados nesses espaços tenham seus conteúdos repensados, esquecendo-se ou não dos efeitos de sentidos que são evocados com essa objetificação do corpo feminino. Para Morin (1997, p. 119), “é no fluxo da cultura de massa que se desfecha o erotismo: não só os filmes, os comics, as revistas, os espetáculos estão cada vez mais apimentados com imagens eróticas”.

Nesse sentido, compreende-se que nos espaços midiáticos as mulheres são mostradas como “mulher-objeto”, apelando sempre para a conotação sexual dos corpos femininos, padrões de beleza fixados para estimular o consumo e alimentar toda a cadeia lucrativa na qual as empresas de comunicação massiva estão inseridas. Quanto à publicidade, ela tem sido “o campo no qual se ‘presentifica’ uma imagem do feminino, portanto, uma forma de preservar valores e modelos em torno do ser mulher. Ela é vista o tempo inteiro, até quando não optamos por vê-las, lá estão elas, agindo sublimemente” (LESSA, 2005, p. 65).

As imagens publicitárias são ainda mais onipresentes nos espaços das cidades, estão expostas pelas ruas e avenidas. Ao caminhar por esses espaços, somos interpelados por imagens de marcas de produtos diversos (roupas, calçados, perfumes, automóveis, alimentos), sem sermos perguntados se queremos ou não ver esses anúncios. Essa é uma característica dos cartazes publicitários. Segundo Abreu (2011, p. 4), “a funcionalidade do cartaz é divulgar ideias, acontecimentos ou evento, produtos e serviços; está extremamente relacionado à economia de mercado da sociedade contemporânea”. Sobre esse assunto, Moles (1974, p. 56) ressalta que “O cartaz, como todos os mecanismos publicitários, é um dos criadores de desejos e um dos transformadores dos desejos em necessidades que servem para fazer girar o mecanismo de consumo”.

Na atividade publicitária, conforme Abreu (2011, p. 4), a estética se configura como “extremamente importante na expressão da imagem transmitida. Por outro lado, sabe-se que esse campo não possui uma estética própria, podendo apropriar-se de quaisquer formatos para difundir suas mensagens envolvendo mais e melhor o público ao qual se destina”. Nesse contexto, a estética da beleza explorada pela publicidade como recurso estético imagético usa da imagem do corpo feminino que é re-apresentado como um padrão a ser seguido, idealizado. Desse modo, a mulher passa a ser não apenas consumidora dessas imagens hegemônicas, mas também consumida quando colocadas de forma objetificada. Para Lipovetsky (2000, p. 144), a

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“superexposição midiática das imagens ideais do corpo feminino, despotismo da magreza, multiplicação dos conselhos e dos produtos de beleza: a cultura do consumo e da comunicação de massa coincide com a ascensão ao poder das normas estéticas do corpo”.

2.3 IMAGENS FEMININAS E ESTÉTICA DO CORPO

O mito de Platão, conta a estória de alguns prisioneiros que viviam desde o nascimento numa caverna. Tudo o que enxergavam eram sombras de objetos projetadas numa parede por meio da luz de uma fogueira. Inconformado por ter acesso apenas às imagens projetadas no interior da caverna, um dos presos tomou a decisão de explorar o mundo externo. Ao sair dela, o homem enxergou o mundo real. Esse homem, impressionado com a realidade que viu, voltou para a caverna para contar aos seus companheiros que a verdade não era aquela que estavam vendo. No entanto, os prisioneiros não acreditaram na realidade e o mataram. O mito da caverna é uma metáfora, que ilustra como os seres humanos têm uma visão distorcida da realidade. Compreende-se que esse mundo em que vivemos é um mundo irreal, de superfícies, de simulacro.

No mito, os prisioneiros somos nós, que enxergamos e acreditamos apenas em imagens criadas pela cultura, em especial as da mídia. Isso acontece quando enxergamos apenas as sombras das imagens projetadas pelos meios de comunicação, que passam a construir discursos de existência; passamos a acreditar mais neles do que na verdade em si. A caverna simboliza o mundo, pois nos apresenta imagens que não representam a realidade. Só é possível conhecer a realidade quando nos libertamos dessas influências culturais, sociais, políticas – ou seja, quando saímos da caverna. A noção de simulacro é estudada por Baudrillard (1991), que acredita que a imagem não constitui o objeto em si, mas é a sua representação, o simulacro.

A metáfora da caverna ajuda a ilustrar como as imagens possuem um poder na cultura, elas apresentam uma realidade que aparenta ser tão “real” que deixamos de acreditar na verdade; assim, as mídias apresentam uma simulação do real. Isso é um problema, visto que, no Brasil, por exemplo, saltamos a indústria da escrita, saímos da cultura da imagem para a imagem. E cada vez mais “o que nos orienta depende menos dos saberes tradicionais e cada vez mais de elementos captados aqui e ali na mídia” (LIPOVETSKY, 2009, p. 266). Procura-se como Procura-se vestir, como Procura-se alimentar, como cuidar da saúde, dos filhos, como Procura-se manter Procura-sempre jovem e magra, as respostas para todas essas perguntas são buscadas na mídia, quando mais urgentes, perguntadas ao Google.

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Nessa conjuntura social, para Baitello Junior (2014), presenciamos uma inflação de imagens midiáticas, devoramos as imagens e elas nos devoram. Ao caminharmos pela cidade, somos interpelados por murais, fachadas, letreiros, cartazes, outdoors, busdoors que constituem parte da cultura de uma sociedade e se relacionam num encadeamento de signos, aos quais se incorpora a temporalidade. Esses textos são construídos nas singularidades individuais e no todo social.

A linguagem é um dos recursos que os seres humanos utilizam para se comunicar. Na era pré-histórica, as pinturas rupestres nas cavernas constituíam uma das formas encontradas pelos nossos ancestrais para representar por meio de imagens os animais, as plantas e as pessoas. Algumas representavam cenas de caça, rituais, símbolos, valores e crenças. Mas, antes de chegar as pinturas, o ser humano já se comunicava. Segundo Baitello Junior (2014), Harry Pross divide a mídia em três nivelações: a primária, que se resume ao corpo e suas linguagens – ele é o começo e o fim de todo processo de comunicação; a secundária, cujas primeiras formas dessa mídia são as representações nas cavernas, que são os produtos da escrita sobre suportes materias fixos ou transportáveis; a terciária, que são aquelas mídias que funcionam por meio de eletricidade, como os computadores.

Por essa via, de acordo com Flusser (2008), passamos a confiar menos nos nossos sentidos e mais nas informações conferidas pelos aparatos tecnológicos. Antes, o mundo se apresentava por meio de linhas, processos e acontecimentos; hoje, apresenta-se em planos e cenas fragmentados, programados. Assim, segundo o autor, as imagens técnicas “assumem o papel de portadores de informação outrora desempenhados por textos lineares” (FLUSSER, 2008, p. 13). Essas imagens, que se tornaram um poderoso instrumento de manipulação do homem, possuem duas tendências: uma positiva e outra negativa. A primeira “indica o rumo da sociedade totalitária, centralmente programada, dos receptores das imagens e dos funcionários das imagens; a outra indica o rumo para uma sociedade telemática dialogante dos criadores das imagens e colecionadores das imagens” (FLUSSER, 2008, p. 12).

As imagens técnicas são produtos de aparelhos programados, não são do intelecto humano e toda nossa cultura como conhecemos se transforma profundamente rumo a uma sociedade desumanizada. Para Sodré (2006), as imagens técnicas são uma influência sobre os seres humanos, há uma dominância delas na cultura. Flusser (2008), por sua vez, busca entender o que a imagem técnica, produzida por meio de pixels e não mais de planos, representa para a sociedade e a forma como ela pode ser percebida pelo o indivíduo.

As imagens técnicas são superficiais, são pixels, produzidas por meio de aparelhos. As imagens projetadas pela mídia são programas e revelam apenas sua programação, embora o seu

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aparecimento guarda o nível da ação do homem, numa tentativa de sair do abstrato para o concreto, do imaginário para o real. Para o autor, no futuro, as pessoas não questionarão se as imagens técnicas são verdadeiras ou falsas e o que elas significam, tudo será dominado pelo desejo e pela dispersão. Nesse sentido, as imagens técnicas são instrumentos de manipulação do homem, que possui o poder de programá-las, mas permite-se ser também manipulado pelos códigos programados.

As imagens midiáticas, segundo Lipovetsky (2000), provam-nos que a beleza não tem o mesmo valor no masculino e no feminino, porque os cartazes e anúncios publicitários, as capas de revistas, as músicas, a moda, as manequins, os olhares masculinos e os desejos femininos remetem à condição privilegiada da beleza feminina. Para ele, os poetas, pintores, escritores, músicos e artistas se maravilhavam com a beleza das mulheres e, ainda hoje, “as fotografias de moda, os institutos e concursos de beleza, os conselhos e produtos cosméticos não cessam de recompor o primado da beleza feminina, de reproduzir a importância da aparência na identidade feminina” (LIPOVETSKY, 2000, p. 101).

Os modelos de beleza masculino e feminino se transformaram. Com os meios de comunicação, a sociedade visualiza os ideais de corpos e de beleza – em especial os da mulher. O cinema foi um dos precursores das estrelas por midiatizar mulheres ícones de beleza, como Marilyn Monroe e Brigitte Bardot. Segundo Morin (1989), as estrelas foram produzidas pela indústria cinematográfica e eram escolhidas primeiramente pela estética, já que para se transformarem alguns dos critérios fundamentais eram a beleza e a juventude. Assim, “a vida privada-pública das estrelas tem sempre eficácia comercial, ou seja, publicitária” (MORIN, 1989, p. 75). As estrelas do cinema não eram apenas sujeitos, mas objetos, mercadorias e símbolos do capitalismo; eram mitos, possuíam arquétipos; eram consumidoras e consumidas – as coisas não mudaram.

Se na época das grandes estrelas do cinema as imagens das atrizes propagavam um modelo estético ideal de corpo, olhos, cabelos, lábios e seios, os espectadores continuam consumindo essas imagens e tendo participação afetiva ou projeção e identificação imaginária com elas. Então, “se a estrela é inteiramente modelada, também é verdade que ela modela o comportamento dos homens e mulheres” (LIPOVETSKY, 2015, p. 207). Ela se impõe como modelo cultural e estético.

Essa inversão de papéis inclui as pessoas comuns, que não são apenas consumidores, mas também mercadorias. Na sociedade contemporânea, os consumidores se espelham nos seus ídolos midiáticos buscando esse reflexo de imagem. Para Bauman (2008), na sociedade de consumo ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro se tornar mercadoria, pois “o consumo

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é um investimento em tudo que serve para o ‘valor social’ e autoestima do indivíduo” (Bauman, 2008, p. 76).

Baitello Junior (2014, p. 74) afirma que as imagens sempre exerceram um grande fascínio sobre nós, oferecem-se como alimento para os corpos, por isso as que “povoam nossos meios imagéticos se constituem, em grande parte, de ecos e repetições e reprodução de outras imagens, a partir do consumo das imagens presentes no grande repertório”. Para ele, consumimos as imagens a partir do momento em que olhamos mais para a embalagem do que para o alimento, por exemplo, como também somos devorados pelas imagens, visto que há uma inflação imagética no nosso cotidiano.

A publicidade possui lugar no processo de estetização e decoração da vida cotidiana, apresenta-se de forma onipresente e se utiliza de recursos da linguagem, da imagem e da estética para valorizar produtos e marcas. Nesse sentido, para além do conceito e da comunicação criativa, a estética permanece como eixo primordial do trabalho publicitário, ocorre uma “valorização plástica do produto, fotos caprichadas, interior de luxo, refinamento dos cenários, beleza de corpos, e dos rostos, a publicidade poetiza o produto e a marca, idealiza o trivial da mercadoria”, sinaliza Lipovetsky (2009, pp. 218-219).

Para o autor, da mesma maneira que a moda não pode ser separada da estetização das pessoas, a publicidade funciona como o “cosmético da comunicação”, porque possui além da função de sustentação também a de estetização, considerando que “a publicidade se dirige principalmente ao olho, é promessa de beleza, sedução das aparências, ambiência idealizada, antes de informação” (LIPOVETSKY, 2009, p. 219).

Na perspectiva de Lipovetsky (2009), a publicidade sabe se adaptar com velocidade às transformações culturais, busca estar atenta às mudanças econômicas, políticas e sociais para que sua comunicação possa produzir sentidos nos seus públicos. A propaganda de séculos anteriores que mostrava homens e mulheres enquadrados em papéis estabelecidos culturalmente não tem o mesmo sentido, hoje, de naturalidade da época. A sociedade, graças às lutas feministas desde as Sufragistas, vem buscando uma publicidade menos repetitiva e sem estereótipos.

Na era das estrelas do cinema, os espectadores recebiam enxurradas de imagens das atrizes. O padrão de corpo e aparência considerado de referência para as mulheres da época, o corpo de Marilyn Monroe, não era magro, ao contrário, tinha formas curvilíneas, longas pernas e seios opulentos, era branco e com cabelos ondulados e loiros. A imagem midiática dela era de uma mulher símbolo sexual, bem-sucedida em sua carreira e que simbolizava a “mulher moderna” para o público feminino. Para Lipovetsky e Serroy (2015), as estrelas são fruto do sistema capitalista e, por isso, são figuras padronizadas assim como as mercadorias. Para eles,

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“a estrela se impõe como um modelo cultural e estético, se ela estetizou o imaginário, também estetizou as maneiras de ser, de se comportar e de ser visto” (LIPOVETSKY; SERROY, 2015, p. 207). Outra figura midiática que impôs padrões corporais de beleza femininos foi a atriz francesa Brigitte Bardot, considerada símbolo sexual dos anos 1950 e 1960. Além de ser ícone de popularidade na época, eleita pela revista americana Time como um dos cem nomes influentes da moda. Desse modo, segundo Morin (1989), as produtoras de cinema procuravam introjetar sua marca no imaginário do público lançando modelos de mulher bela, provocante, excitante, cânones de beleza, juventude e sex appeal.

As imagens publicitárias nos interpelam cotidianamente, ao dormir e ao acordar, ao entrar e sair de casa, elas estão na televisão, nos jornais, nas revistas, nos cartazes, nos outdoors, busdoors, nas fachadas, letreiros, nos muros e na internet. Para Baitello Junior (2014, p. 70), “corpos de imagens e imagens de corpos já não se distinguem sobre o imperativo compulsório da produtividade, abrindo caminho para outra ordem social”. Já de acordo com Baudrillard, 2010, p. 172), o corpo passa a ser objeto de trabalho e de investimento em que “administra-se e regula-se o corpo como patrimônio; manipula-se como um dos múltiplos significantes de estatuto social”. Dessa maneira, o imperativo da beleza é “uma das modalidades do imperativo funcional – o que vale tanto para os objectos como para as mulheres (e os homens) – sendo toda a mulher que se tomou esteta homóloga do designer ou do estilista na empresa”, conforme salienta Baudrillard (2010, p. 174).

Sant’Anna (2001, p. 130) pontua que “as imagens dos corpos imaculadamente lisos e sem defeitos interpela-nos pelo quatros cantos” e “é tal a força subliminar dessas imagens que, mesmo quando se tem consciência do poder que elas exercem sobre o desejo, não se está livre de sua influência inconsciente”. Segundo Lipovetsky (2000, pp. 182-183), “a aproximação dos corpos e dos rostos focalizados pelo zoom: primeiro plano nos lábios ou nas pálpebras, nos seios e nas coxas, a publicidade desenha uma mulher em pedaços, uma imagem de quebra-cabeça da beleza”; em que a publicidade não mostra mais “um corpo oferecido apenas ao prazer dos olhos, mas um corpo que convida à ação corretora, à eficácia e à otimização estética”.

O que se pretendeu mostrar é que na sociedade da imagem o sentido da visão é predominante, as imagens midiáticas simulam a realidade; elas, na verdade, constituem uma verdadeira vertigem comunicacional. Portanto, as imagens publicitárias que representam corpos sem imperfeições são simulações do real. As modelos, atrizes e cantoras famosas que aparecem nos anúncios publicitários são criações e não a realidade. No entanto, assim como os prisioneiros do mito da caverna, as mulheres de tão midiatizadas passaram a crer nas imagens como verdades. Por essa via, as representações imagéticas do corpo feminino, publicizadas há

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décadas pelas revistas femininas, pelos anúncios e cartazes publicitários, refletem um ideal impossível de ser alcançado. Essa obsessão pela juventude, magreza, virilidade/feminilidade, torna-se um imperativo absoluto da sociedade de consumo. Para que se atinja essa perfeição, as mulheres passam a investir mais nos corpos, nas aparências com toda a determinação – o corpo, o mais belo de todos objetos de consumo (BAUDRILLARD, 2010).

2.4 O CORPO E A COMUNICAÇÃO PUBLICITÁRIA

2.4.1 O corpo como imagem sígnica

Por séculos, o corpo tem sido objeto de análise de diversos campos do conhecimento (História, Filosofia, Sociologia, Antropologia, Medicina). Em cada época, passou a ser compreendido sob perspectivas particulares. Na Pré-História, o corpo do homem primitivo era instrumento fundamental da sua sobrevivência, tido como mediador entre o homem e as superações das dificuldades ambientais. Segundo Silva e Covaleski (2016), o corpo era usado pelos primitivos para solucionar os problemas diários, como beber água, cavar com as mãos, caminhar e caçar animais. Para os autores, os trabalhos rupestres eram uma forma de representação do cotidiano dos primitivos, revelando costumes, medos e mistérios da época.

Na Grécia Antiga, os gregos propagavam o ideal do corpo perfeito conquistado por meio de atividades físicas (Jogos Olímpicos). A cultura grega comparava o homem aos deuses – e por isso a busca pela perfeição corporal – por motivos religiosos e porque buscava ter homens fortes e resistentes para serem soldados do exército. No entanto, somente os homens tinham o direito de cuidar e exibir os corpos despidos em jogos e danças. As mulheres da época não tinham direitos sociais e políticos, eram colocadas em posição subalterna em relação aos homens. Lipovetsky (2000, p.100) explica que “a antiguidade grega certamente saudou a beleza feminina, mas a cultura pederástica levou a privilegiar a beleza dos homens jovens, a rejeitar a edificação das mulheres ao belo sexo, a recusar uma hierarquia estética dos gêneros sob a dominância do feminino”.

Na Idade Média, o corpo e a sexualidade foram alvos de preocupação e, consequentemente, regulados pela Igreja que difundia o pensamento de que os desejos e os prazeres estavam relacionados ao pecado e à tentação. Ao longo de toda Idade Média, e bem depois dela, descreve Lipovetsky (2000, p. 112), “prolongou-se essa tradição de hostilidade e de suspeita em relação à aparência feminina. ‘Porta do diabo’, poder tentador, os atrativos femininos sofrem a condenação da Igreja”. Para o autor, no século XII, somente a Virgem Maria era cultuada e representada como imaculada nas artes – no entanto, Maria é mãe de Cristo, ela é tudo menos o símbolo da mulher. Por isso, para ele, “exaltar a Virgem não significa querer

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prestar homenagem ao gênero feminino, que continuou sendo a raiz do mal, a ‘arma do Diabo’” (LIPOVESTKY, 2000, p. 112).

Na contemporaneidade, com a superexposição midiática das imagens ideais do corpo feminino, a multiplicação dos conselhos e o consumo dos cosméticos, o corpo tornou-se o mais belo objeto de consumo, explica Baudrillard (2007). A individualização impera nos anúncios publicitários, o indivíduo é o único responsável pelo seu corpo, que deve ser conservado jovem. A valorização da juventude em detrimento da velhice leva as pessoas a buscar cada vez mais tratamentos estéticos e cirugias plásticas, e o corpo passa a ser um investimento pessoal. Ele pode ser moldado conforme o desejo, aumentam-se os seios, coloca-se botox nos lábios, retira-se uma costela para afinar a cintura, corrige-retira-se o nariz – tudo no corpo pode retira-ser transformado. Desse modo, o corpo qualquer que seja o sexo desempenha o papel essencial no imaginário das pesssoas de promoção individual.

Se, para Baudrillard (2010), o corpo é o mais belo objeto de consumo, para Le Breton (2006), é objeto de uma construção social, pois suas “características físicas e morais, as qualidades atribuidas ao sexo, dependem das escolhas culturais e sociais e não de um gráfico cultural que fixaria no homem e na mulher um destino biológico”. Nesse sentido, “a condição do homem e da mulher não se inscreve em seu estado corporal, ela é construída socialmente” (LE BRETON, 2006, p. 66). Para o autor, meninos e meninas são educados através de uma predestinação social que lhes atribui um sistema de atitudes que corresponde aos estereótipos sociais.

As imagens dos corpos são recursos retóricos usados em mensagens publicitárias à exaustão. Os estereótipos constituem parte das estratégias do discurso publitário para estimular e criar padrões que nada contribuem para a diversidade brasileira. O trabalho de Goffman (1987) expõe como a publicidade fornece modelos do feminino e do masculino a partir dos comportamentos e modos que são dados a ver. Partindo da “ritualização excessiva dos estereótipos ligados à feminilidade em relação ao homem, faz uma dublagem daquela que a vida cotidiana nos ofecere através dos ‘idiomas rituais’ que regem as relações entre os sexos” (LE BRETON, 2006). As imagens publicitárias consistem em uma ritualização de ideais sociais, elas servem como uma função social de nos convencer de que é assim que homens e mulheres são, ou devem ser (GOFFMAN, 1987).

A maioria da publicidade em que atuam homens e mulheres evocam de modo mais ou menos aberto a divisão de hieraquia tradicional entre os sexos. Assim, a mulher encontra-se frequentemente em posição subalterna ou assistida, enquanto que o homem, de altura mais elevada, a ampara numa atitude de

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