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O agroturismo como forma de inserção da mulher rural no mercado de trabalho: um estudo de caso sobre o município de Venda Nova do Imigrante, Espírito Santo

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O agroturismo como forma de inserção da mulher rural no

mercado de trabalho: um estudo de caso sobre o

município de Venda Nova do Imigrante, Espírito Santo

∗∗

Verena Sevá Nogueira♣♣

Palavras-chave: Sociologia Rural; agroturismo; trabalho rural feminino; relações de gênero.

Resumo

Embora muitos estudos sociológicos privilegiem as relações sociais decorrentes das atividades agrícolas, deixando de lado outras múltiplas formas de inserções sociais e produtivas, as populações rurais de todo o mundo sempre desenvolveram atividades não-agrícolas de forma combinada com a agricultura.

Desde final do século passado, o agroturismo, assim como outras atividades rurais não-agrícolas, despontaram nos indicadores de renda rural, descortinando tais atividades, as quais foram sempre realizadas pelas populações do campo. Antes restrito à Antropologia, o estudo das atividades rurais não-agrícolas, passou na última década a figurar em diversos estudos sociológicos e econômicos sobre o mundo rural.

Este trabalho analisa o agroturismo, modalidade de atividade rural não-agrícola, desenvolvido há cerca de uma década, como alternativa de renda rural e, em especial, como uma forma de inserção da mulher no mercado de trabalho local.

“Trabalho apresentado no XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambu- M G-Brasil, de 20-24 de Setembro de 2004”.

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O agroturismo como forma de inserção da mulher rural no

mercado de trabalho: um estudo de caso sobre o

município de Venda Nova do Imigrante, Espírito Santo

∗∗

Verena Sevá Nogueira♣ ♣

Apresentação

Neste texto analiso como estão estruturados os processos sociais relativos ao agroturismo, modalidade de atividade rural não-agrícola, desenvolvida no município de Venda Nova do Imigrante, no estado do Espírito Santo.

Privilegio a atividade do agroturismo enquanto uma modalidade alternativa de geração de renda rural, e, em particular, como uma forma de inserção da mulher no mercado de trabalho.

Num primeiro momento, apresento um breve debate sobre a definição do rural, bem como sobre a identidade rural. Critico uma certa visão do mundo rural enquanto locus tão somente de produção agrícola, mostrando que, embora as atividades agropecuárias sejam importantes na construção do mundo rural, elas não são as únicas relações sociais produtivas ali existentes. Novas atividades, e usos do meio rural, despontam no cenário rural brasileiro, e o agroturismo é um exemplo disso.

Num segundo momento, procuro discorrer sobre o agroturismo realizado atualmente no município de Venda Nova do Imigrante, suas definições e características.

Por fim, apresento minha hipótese central, do caráter feminino e subsidiário da modalidade de agroturismo realizada em Venda Nova do Imigrante.

Mundo rural e atividades agrícolas: uma confusão a ser desfeita

Embora muitos estudos rurais privilegiem as análises de relações sociais, construídas a partir das atividades agropecuárias, em detrimento de outras tantas formas de atividades, as populações rurais sempre desenvolveram atividades não-agrícolas de forma combinada com a agricultura e a criação de animais. A heterogeneidade de relações sociais no mundo rural não pode, diante disso, ser confundida com a diversidade de relações sociais agrícolas, se assim podemos denominar, de uma forma ideal, aquelas que se originariam tão somente das atividades imbricadas na produção e comercialização de gêneros agropecuários. Logo, a visão de que o mundo rural é muito mais que um locus agrícola, é uma condição importante para a definição do rural.

O debate sobre a definição de rural ganha importância para os estudos rurais, no seio das análises sobre as recentes transformações ocorridas no campo (pós-décadas de 1970 e 1980). A partir de meados dos anos 1970, passamos a assistir ao declínio do modelo fordista de produção agrícola, adotado em vários países desde o período pós Segunda Guerra Mundial. (MARSDEN et al, 1996)1. Refiro-me ao esgotamento do modelo produtivista no

“Trabalho apresentado no XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambu- M G-Brasil, de 20-24 de Setembro de 2004”.

Mestranda em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP.

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Terry Marsden trata em seu livro sobre as economias agrícolas dos países ocidentais desenvolvidos. No Brasil tivemos também um processo de modernização agrícola, que teve seu ápice com a introdução do Pacote Verde.

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setor agrícola e suas conseqüências econômicas, sociais e ambientais. Respectivamente: crise econômica de superprodução de gêneros agropecuários, diminuição da demanda de mão-de-obra agrícola, tendo como resultado situações de pobreza rural e uma acelerada migração rural-urbana, e a degradação do meio ambiente rural pela intensificação e tecnificação das atividades agropecuárias (LAMARCHE, 1993).

Homens e mulheres rurais, em todas as épocas e locais do mundo, sempre desenvolveram atividades não-agrícolas, como estratégia para a reprodução social da família. Com o advento do modelo de produção capitalista – fordista -, no meio rural, em meados do século XX, observamos, em algumas regiões brasileiras, assim como em grande parte dos países de capitalismo avançado, o surgimento do fenômeno da especialização da profissão do produtor agrícola, em detrimento das outras ocupações rurais. O espaço rural, em muitos contextos2, passa a ser representado social e culturalmente como um locus da produção agrícola e as populações rurais como agentes desse processo.

As políticas agrícolas do pós-Segunda Guerra Mundial, em especial nos países Europeus Ocidentais e na América do Norte aparecem como sintomáticas da valorização do setor agrícola no campo, e resultam na transformação de camponeses e fazendeiros em agricultores familiares modernos e empresários rurais, respectivamente. (ABRAMOVAY, 1992).

Essas representações sociais do mundo rural como um mundo agrícola, e das populações rurais como agricultores (em sentido estrito do termo, ou seja, como cultivadores da terra ou como criadores de animais) conformou em parte, na Sociologia Rural, o que Martins (2000) chamou de “ilusão sociológica” sobre o mundo rural. Afirma Martins (2000), numa espécie de mea culpa da Sociologia Rural para com as populações rurais, que esta disciplina sofria de uma “ilusão sociológica“ que a levava a um desencontro com as populações rurais. Era uma sociologia “a serviço da difusão de inovações, cuja prioridade era a própria inovação [...] uma socio logia da ocupação agrícola e da produtividade“ e não uma sociologia que estudava a vida dos homens e mulheres do campo, uma “sociologia propriamente rural” (MARTINS, 2000, p. 1-2).

Não podemos, contudo, estender essa visão distorcida do mundo rural, que procura entende-lo somente como um locus de produção agrícola, para todos os cientistas sociais, como sinaliza Martins. São muitos os estudos sobre o mundo rural que estão além desse objetivo, em especial os estudos antropológicos sobre populações rurais. A título de exemplo, citemos os trabalhos de Eric Wolf (1970) e de Henry Mendras (1978), sobre as sociedades camponesas, ou ainda o texto de Antonio Candido (2001), sobre os caipiras paulistas.

É comum nas análises demográficas, a demonstração de que a sociedade mundial tornou-se mais urbana, seja pela diminuição acentuada da população do meio rural em decorrência da migração rural-urbana, seja pela reclassificação de áreas antes rurais, como urbanas. A sociedade brasileira, em particular, é exemplar nesse processo de rápida urbanização. Observa-se, contudo, que há atualmente no Brasil, debates sobre a dimensão urbana do país. José Eli da Veiga (2003) contesta a classificação dos municípios entre rurais e urbanos. Mostra que o acelerado processo de urbanização brasileira tem sua origem no Estado Novo, quando Getúlio Vargas elevou à categoria de cidades, todas vilas, freguesias e povoados, sem distinguir aspectos estruturais ou funcionais das diferentes localidades. Segundo esse autor, há um grande número de municípios (estes obrigatoriamente possuindo Tal processo levou o país, em muitas áreas, a adotar o sistema fordista de produção, especialmente nas grandes propriedades rurais.

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Refiro-me aqui às sociedades rurais ocidentais, nacional e estrangeiras, submetidas a modelos capitalistas-fordistas de produção. Em nenhum momento, estendo esse fenômeno para a totalidade dos processos sociais rurais.

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sede urbana) no país, que não mereceriam essa classificação e, por isso, afirma que o Brasil não é tão urbano quanto parece.

Por outro lado, alguns autores nos mostram que, em algumas regiões rurais brasileiras, a renda proveniente do setor agrícola perdeu importância, nas últimas décadas, para suas congêneres resultantes das atividades industriais e de serviços, as chamadas atividades rurais não-agrícolas (CAMPANHOLA e SILVA, 2000). Pergunto: estaríamos diante do fim do rural? Talvez do fim de uma idéia errônea de rural, visto somente como local de produção agrícola.

O rural não pode ser confundido com o setor agrícola. Embora a noção de rural seja, ainda hoje, tributária de práticas e simbologias ligadas às atividades agrícolas, não podemos limitá-la a tanto. A definição de rural deve ser deslocada da idéia setorial da agricultura para uma noção de meio rural ou modo de vida (MENDRAS, 1978).

Numa nova definição de espaço rural, Carneiro (1998) observa dois processos sociais em curso no campo brasileiro. De um lado, a re-significação simbólica da pluriatividade rural, que passa a figurar como uma importante geradora de renda, e por isso adquire um novo e valorizado status social. De outro lado, nota-se novos usos do meio rural, como é o caso do turismo rural e da residência rural de pessoas provenientes das cidades. O meio rural passa a ser representado não somente como um local de produção (agropecuária), mas também de consumo (o turismo, a moradia, os serviços, etc.).

Acrescento, por fim, que a visão do rural, como um local de múltiplas relações sociais e culturais, tem repercussão direta na formulação de políticas públicas, que se transmudam de políticas, antes predominantemente agrícolas, em políticas rurais e locais (políticas agrárias) (VEIGA, 1998).

Neste debate, situo Venda Nova do Imigrante3, um município com pouco mais de 16.000 habitantes que, embora conte com aproximadamente 60% de sua população morando no que se classifica por área urbana4, pode ser entendido como um município rural.

A identidade rural de Venda Nova é construída em função das características das práticas sociais, dos costumes e dos símbolos de grande parte de sua população. Ela aparece na representação do próprio grupo social enquanto rural, e pela atribuição de ruralidade, dada ao grupo, por pessoas de fora; por exemplo, pelos moradores dos grandes centros urbanos e pelos turistas, em especial.

Ademais, é importante frisar que um dos símbolos mais importantes dos vendanovenses5, a identidade étnica italiana de grande parte da população, está associado com a origem italiana e camponesa de seus antepassados. Embora não seja objeto deste texto, gostaria de assinalar que, no processo de construção identitária dos vendanovenses, encontram-se imbricadas, dois fatores: sua origem étnica italiana, que os remete a um passado camponês e sofrido, vivido por seus antepassados na segunda metade do século XIX, na Itália, e sua identidade rural.

Observamos que a economia de Venda Nova gira em torno da produção agrícola. Assim afirmou o secretário municipal da agricultura:

Nós temos, na verdade, se você olhar em termos da própria comunidade, até quem trabalha com os serviços, oficinas, supermercados, posto de combustível, acaba, na verdade, ele é um suporte para a atividade agrícola.

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A partir desse momento, passo a me referir ao nome do município estudado, como Venda Nova. De um lado, porque essa é a forma como os habitantes do local referem-se ao município (denominação êmica); de outro, por ser uma forma mais agradável à leitura.

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Cf. Dados do Censo de 2000 do IBGE.

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Nós não temos indústria, as poucas fabriquetas que nós temos é o suporte para esse sistema, a agricultura [...]

Em seguida falou do espírito agrícola dos vendanovenses, o que poderíamos traduzir, como a representação social de uma identidade rural associada a uma identidade agrícola:

[...] então a comunidade toda tem um espírito agrícola, porque sempre acaba tendo um contato muito direto com os [...] de produção, que no caso é a agricultura (Entrevista realizada em julho de 2002, grifo meu).

Saliento, ademais, que há cerca de uma década as atividades não-agrícolas ganharam importância no meio rural de Venda Nova, em especial, as atividades do agroturismo. Diante disso, poderíamos argumentar se a identidade rural dos vendanovenses estaria em processo de extinção. Penso que não. Prefiro falar num possível processo de re-significação da identidade rural representada exclusivamente como uma identidade agrícola.

O agroturismo em Venda Nova do Imigrante

De acordo com dados do Censo de 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, o município de Venda tem 188,9 km2. No ano de 2000, o número de pessoas residentes era de 16.165, sendo 9.903 (61% do total) na área urbana e 6.251 (39% do total) na área rural. Das pessoas residentes na área rural, 3.406 eram homens e 2845 mulheres. O número de eleitores era de 10.254.

A economia do município é basicamente agrícola, com destaque para a cafeicultura que compreende 90% dessa atividade, sendo o restante distribuído entre pecuária leiteira, suinocultura, avicultura, produção de hortifrutigranjeiros (verduras, abacate, morango, tomate) e cultivo de flores, dentre outros produtos. (Plano de trabalho 2002, do Incaper).

No que se refere à arrecadação municipal quanto aos índices de participação dos diversos setores temos: Agricultura 54%, Comércio/Indústria/Serviços 22%, Saúde 20%, Pessoa Física 0,10%. (dados fornecidos pela Prefeitura Municipal).

A estrutura fundiária caracteriza-se predominantemente pela pequena e média propriedade rural, sendo que 77,8% dos imóveis possuem área com até 50,0 hectares, e nestas propriedades trabalham 60% do pessoal ocupado (Tabela 1).

Tabela 1

Número de imóveis rurais e pessoal ocupado, segundo a área do imóvel.

Número de imóveis rurais Pessoal ocupado

Área do imóvel

Absoluto Relativo (%) Absoluto Relativo (%)

Até 50 hectares 400 77,8 2.140 59,3

De 50 a 100 hectares 82 16,0 687 19,0

Acima de 100 hectares 32 6,2 783 21,7

Total 514 100,0 3.610 100,0

Fonte: “Plano Municipal de Desenvolvimento Rural 2000” – Emcaper

A força de trabalho rural é composta basicamente pelos próprios proprietários dos sítios6, por um número ainda pequeno de trabalhadores rurais assalariados, e por meeiros e

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parceiros, chamados na região de colonos7 (ou colonio, forma falada pelos habitantes mais idosos da região). É mais freqüente o emprego da mão-de-obra do meeiro ou do parceiro rural do que a do trabalhador assalariado rural. Nota-se também, que os postos de trabalho agrícolas são preenchidos majoritariamente por pessoas da região, sendo ainda pequena a presença de trabalhadores migrantes.

Não é comum a vinda de pessoas “de fora” para trabalharem como meeiros na “comunidade”. Também não é comum a contratação de trabalho assalariado na região (Entrevista com o Secretário Municipal da agricultura de Venda Nova, realizada em julho de 2002).

Observamos, ademais, que, na última década, passou a ser explorada em Venda Nova, uma nova atividade produtiva, o agroturismo.

Segundo documento impresso da Prefeitura Municipal de Venda Nova, em 1994 um grupo de aproximadamente dez produtores rurais criou o Centro de Desenvolvimento Regional do Agroturismo, que passou a ser o responsável pela organização e gerenciamento do agroturismo na região. No cadastro inicial havia cerca de 150 associados, tanto do município de Venda Nova como de municípios vizinhos: Castelo, Vargem Alta, Afonso Cláudio, Domingos Martins, Viana e Conceição do Castelo. Atualmente este antigo centro regional recebe o nome de Associação de agroturismo de Venda Nova8 (Agrotur), e congrega somente moradores do município de Venda Nova. Em dezembro de 2003, a associação de agroturismo de Venda Nova possuía 53 pessoas9 inscritas.

A partir de levantamento sobre quem são os agentes sociais do agroturismo de Venda Nova, podemos afirmar que a atividade vem sendo exercida por famílias inteiras ou somente por alguns membros das famílias, com ou sem ajuda de empregados.

As atividades do agroturismo em Venda Nova, tomando por base os associados da Agrotur, constituem-se basicamente na produção e comercialização de gêneros alimentícios, tais como: bolos, biscoitos, macarrão, geléias, compotas, bombons, socol10, queijos, iogurtes, fubá, café torrado e moído, doces em massa, dentre outros; bebidas alcoólicas como vinhos11, licores e cachaças; artesanatos em madeira, em pedra, bordados, produção de sabonete de leite de cabra e produção de arranjos de flores vivas e secas, dentre outros.

Também existe o turismo na modalidade de visitas a sítios e fazendas da região. Dentre estes locais há somente um estabelecimento rural – o Pesque-pague “Fazenda Saúde” - onde é oferecido serviço de alimentação para o turista.

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Segundo relatos colhidos por mim, com alguns moradores da comunidade, a meação (ou “colonato”) é uma relação de trabalho/fundiária acordada prioritária, senão exclusivamente, entre os próprios habitantes do local. Normalmente há um contrato formal de parceria rural, que prevê, quase sempre o seguinte acordo: do total da produção obtida na área trabalhada pelo parceiro, 60% da produção fica para o proprietário da terra e 40% para o parceiro (colono), sendo as sementes e os insumos agrícolas fornecidos pelos proprietários.

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A associação de agroturismo possui uma pequena loja onde são comercializados os artigos produzidos pelas mulheres e pelas famílias rurais (os produtos do agroturismo). Trata-se de uma pequena loja localizada anexa ao Alpes hotel (o principal hotel de turismo de Venda Nova), na área urbana do município, mais precisamente à beira da rodovia BR-262.

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Observo que muitas vezes o associado é uma família ou uma pessoa jurídica, congregando, em muitos casos, mais de uma pessoa em cada cadastro.

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Uma espécie de embutido (salame) feito com o lombo do porco. Interessante notar que originalmente o Socol era feito a partir da carne suína retirada da parte posterior do pescoço do animal. A mudança para a carne do lombo foi devida à melhor aceitação desta pelos consumidores, que preferem uma carne mais magra, como a do lombo, à carne mais gordurosa do pescoço. Segundo a senhora Cacilda Lorenção, uma senhora já idosa que fabrica o Socol, isso “é sinal dos tempos”, pois atualmente as pessoas preferem carnes mais magras.

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Nos casos de visitas a sítios12, o turismo baseia-se na ida ao espaço rural para conhecer “o que não existe na cidade”, uma forma de contemplação da paisagem campestre, hoje associada a um certo bucolismo e a uma melhor qualidade de vida, se comparada com a paisagem urbana. A ida ao campo pode tomar, inclusive, a forma de um aprendizado, como, por exemplo, para ver o que é um terreiro de café, como se lava o café ou como é um processo de ordenha de vaca.

O turismo ecológico, entendido como visitas a cachoeiras, trilhas e outras paisagens naturais, sem qualquer associação a atividades agropecuárias, aparece no município, embora ainda de forma incipiente. Como exemplos, podemos citar a caminhada até a Pedra do Forno, um dos lugares mais altos de Venda Nova, ou ainda, a subida da serra do Engano, de onde pode ser avistada a comunidade de Lavrinhas. Também há o “Mirante da TV”, o ponto mais alto do município, onde está localizada uma antena de televisão local, e de onde os turistas podem avistar toda a área urbana, assim como seus arredores .

Abaixo, a fala de uma jovem agricultora, que relata como a sua família começou com as atividades do agroturismo, e define a atividade de agroturismo realizada na propriedade de sua família.

Bom, eu praticamente nasci aqui, nasci na roça, minha vida toda foi aqui, eu estudei até o segundo grau, o terceiro ano do segundo grau né, e daí, minha família sempre foi numerosa, minha mãe teve catorze filhos, tem onze vivos e a gente sempre trabalhou assim, foi com o café, e como assim o café, o preço dele não é assim uma coisa que permanece, tem um ano que é muito bom, no outro o preço cai né, então a gente teve idéia de entrar no agroturismo. Aí desta idéia então que a gente começou assim, tentar né, era uma outra forma, uma renda a mais pra família, aí a gente começou assim vamô tentar para ver se dá certo. E deu né, devagar, no início é sempre mais complicado até você fazer a propaganda, as pessoas te conhecerem, assim, e com o tempo foi melhorando. E, aí então a gente começou, fez a lojinha ali, a gente começou a receber os turistas, e sempre vem excursões das escolas, né, aprender assim como é feita as coisas. Aqui a gente tem o alambique, a gente faz a cachaça, é feito assim de qualidade mesmo... a gente explica todo o processo, a gente mostra o fubá que é feito no moinho de pedra, e daí as pessoas vão fazendo várias perguntas, eles se interessam, cada um tem, cada um se interessa por alguma coisa (Entrevista realizada em julho de 2002).

Embora representada como uma atividade familiar, verificamos que há um predomínio de mulheres na atividade do agroturismo. Verificou-se ser comum, principalmente nas famílias residentes no meio rural, uma divisão sexual do trabalho, que remete os homens aos trabalhos agrícolas e afins, e as mulheres à produção de gêneros alimentícios para o agroturismo. Frise-se que não se trata de uma divisão rígida e estanque, porém suficiente para classificarmos certas atividades como mais masculinas e outras como mais femininas.

Há uma predominância de produtores do agroturismo residindo em áreas rurais (campo) próximas à área urbana (cidade) de Venda Nova, em especial nas comunidades da Providência e na Tapera (Tabela 2).

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Nota-se que nos sítios abertos à visitação, é uma constante a presença de uma pequena venda de produtos aos visitantes. Observa-se ainda, que o número de famílias rurais que recebem vis itação em seus sítios é ainda pequeno, chegando talvez a um terço do número de associados.

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Tabela 2

Comunidade de residência, segundo área de campo ou cidade.

Área

Comunidades Campo Cidade Total

Providência 11 1 12

Tapera 5 0 5

São João Viçosa 3 1 4

Centro 0 2 2 Vila Betânea 0 2 2 Vargem Grande 2 0 2 Saúde 2 1 3 Pindobas 2 0 2 Total 25 7 32

Fonte: Pesquisa de campo, 2003.

Observamos, ainda, que o agroturismo não é um empreendimento de grande porte, e muitas vezes, é uma atividade desenvolvida em parceria com a atividade agropecuária e, em muitos casos, a partir dela.

Citemos o exemplo de uma família rural por mim visitada. Nesta, há produção e venda de queijo, de iogurte, de fubá e de café moído, todos esses produtos feitos a partir de matéria-prima produzida no próprio sítio da família. Um dos membros dessa família, quando perguntado se o café que vendiam era comercializado in natura, ou se era processado na agroindústria de torrefação e moagem, explicou:

Uma parte, porque a fonte principal da propriedade ainda é a agricultura, a agroindústria veio pra agregar valor ao produto que você colhe, transformar ele e vender na propriedade, direto ao consumidor e com preço mais acessível (Entrevista realizada em julho de 2002).

A partir de entrevistas realizadas com algumas mulheres (32 entrevistas)13 inseridas no agroturismo, notamos que este grupo é formado por mulheres jovens e mais velhas (Tabela 3), descendes e não descendentes de italianas, brancas e não brancas, moradoras do campo ou da cidade (Cf.Tabela 2), dentre outros aspectos. Podemos dizer, portanto, que se trata de uma categoria bastante heterogênea de mulheres.

13

Estas mulheres não são necessariamente as que constam do cadastro de inscrição da Agrotur – Associação do agroturismo local. Algumas são integrantes das famílias/ casais cadastrados, não figurando, dessa forma, na listagem dos associados. Para chegar até essas mulheres, fui até os sítios/casas onde as famílias/casais cadastrados moravam e entrevistei mulheres dessas famílias que trabalhassem com as atividades do agroturismo.

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Tabela 3

Idade das entrevistadas.

12 7 6 7 32 Grupos de idade 27 a 40 anos 41 a 50 anos 51 a 60 anos 61 a 70 anos Total Total

Fonte: Pesquisa de campo, 2003.

Voltando ao tema da definição de agroturismo, deparamos com uma diversidade de conceitos. Segundo o Manual Operacional do Turismo Rural elaborado pela EMBRATUR (Empresa Brasileira de Turismo), o agroturismo é definido a partir de um “conceito múltiplo” de turismo rural, ou seja, como um “turismo diferente, turismo interior, turismo doméstico, turismo integrado, turismo endógeno, alternativo, agroturismo, turismo verde” (EMBRATUR, 1994 apud SILVA, VILARINO E DALE, 1998, p. 5).

Segundo Silva, Vilarino e Dale (1998), o agroturismo é uma categoria de “turismo em áreas rurais” ou de “turismo no meio rural”. São atividades turísticas desenvolvidas tanto no interior das propriedades rurais, o que se tem denominado tradicionalmente de turismo rural ou agroturismo, como quaisquer outras atividades de la zer, realizadas no meio rural.

Há outras definições sobre o que seja agroturismo e os tipos específicos desta atividade nas mais diversas regiões brasileiras e estrangeiras. Não é meu objetivo, nesta ocasião, discutir qual a definição mais correta, ou a melhor adaptada, a meus propósitos. Tomarei por base as definições de agroturismo que me foram dadas pelos meus informantes. Muito embora não sejam definições simples, nem destituídas de contradições, acredito ser essa complexidade importante para o entendimento do tipo de agroturismo realizado em Venda Nova, e também, para compreendermos as relações hierárquicas e de poder, que existem na sociedade de Venda Nova.

Ao serem perguntadas sobre o que significava agroturismo, as mulheres tinham muita dificuldade14 em responder. No grupo de 32 mulheres, produtoras do agroturismo, ao qual foi aplicado um questionário, o agroturismo foi definido15, fundamentalmente como: um turismo que associa a venda de produtos do campo/caseiros com o conhecimento do campo pelo turista, ou seja, como um intercâmbio comercial e cultural entre o campo e a cidade (13 casos), uma associação que vende seus produtos aos turistas (11 casos), lucro para o serviço doméstico (4 casos) e uma ajuda na renda familiar (3 casos) (Tabela 4).

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Tamanha foi a dificuldade das mulheres em responder a esta questão que, por vezes, quase a descartei. No entanto, decidi manter a pergunta, pois olhando sob outro ângulo, tal dificuldade pode estar revelando importantes dimensões, tais como: o estranhamento com a minha pessoa, alguém de fora, universitária, de uma cidade grande, o nervosismo de uma situação de entrevista, e ainda, a dificuldade de lidar com uma definição nova e complexa como a de agroturismo.

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Esta classificação deve ser lida como noções de agroturismo, e não como categorias concretas. Em outras palavras, saliento que não há uma divisão estanque entre as diversas concepções, mas tão-somente uma maior relevância de um ou outro aspecto conforme o uso que se faz da definição.

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Tabela 4

Significado do agroturismo para as entrevistadas

11 4 13 3 1 32 Significado do agroturismo

Associação para a venda de produtos de agroturismo Lucro para o serviço doméstico das mulheres

Intercâmbio comercial e cultural entre o campo e a cidade Ajuda na renda familiar

Tudo para mim Total

Total

Fonte: Pesquisa de campo, 2003

Numa primeira concepção, o agroturismo é tido como uma atividade turística na qual os agricultores e as agricultoras disponibilizam seus sítios16 para a visita dos turistas, mostrando a eles um pouco do seu jeito de ser, de morar e de trabalhar, mostrando um pouco do homem e da mulher “italiana” de Venda Nova. Em outras palavras, o agroturismo é visto como uma troca entre as pessoas do campo e da cidade, um intercâmbio comercial e cultural entre o campo e a cidade.

Dentro de uma segunda definição, o agroturismo é representado como uma associação que tem por objetivo funcionar como um entreposto comercial para a venda dos produtos do agroturismo. Observamos que essa definição teve maior incidência nos questionários aplicados junto ao grupo de mulheres que residia no centro urbano do município, ou ainda, dentre aquelas que, embora residissem na área rural, não dispunham de um ponto de venda (lojinha própria) em seus sítios.

Numa terceira acepção, o agroturismo é visto como uma forma de auferir lucro para o serviço doméstico. Assim duas entrevistadas afirmaram:

É você trazer para sua casa uma devolução para seu trabalho. É lucro para o serviço doméstico (Entrevista realizada em abril de 2003).

É uma ajuda para a família se manter, uma ajuda na renda da família. E também para a mulher se sentir mais valorizada, um dinheirinho que eu faço no final do mês (Entrevista realizada em abril de 2003).

Por fim, numa quarta e última concepção, sobre o significado de agroturismo, aparece a categoria “ajuda na renda familiar”. Esta última poderia certamente, estar classificada conjuntamente com a concepção anterior - “lucro para o serviço doméstico” -, posto serem ambas, formas de agregar valor à renda familiar.

A possibilidade de uma classificação conjunta das categorias “lucro para o serviço doméstico” e “ajuda na renda familiar”, se justificaria, inclusive, nas duas falas acima transcritas. Na primeira, a entrevistada afirma que o agroturismo é “você trazer para sua casa uma devolução para seu trabalho“, e, logo em seguida, também diz que é “lucro para o

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Como já mencionado, em alguns sítios há uma pequena venda para o comércio de produtos alimentícios e artesanais. A existência desta venda, ademais, é condição para o recebimento do turista na propriedade. Os produtores do agroturismo que não têm um ponto de venda em seu sítio, ou ainda, os que moram na área urbana do município, somente podem vender seus produtos na lojinha da associação do agroturismo.

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serviço doméstico”; na segunda fala, a entrevistada afirma que o agroturismo é “uma ajuda na renda da família“ e também “um dinheirinho que eu faço no final do mês“.

No entanto, a opção por apresentar as respostas em duas categorias separadas, tem relevância numa análise a ser realizada mais à frente, quando tratarmos das relações entre as atividades do agroturismo e as atividades domésticas. Isso porque, no grupo de mulheres por mim entrevistado, são as mulheres que executam, com ajuda ou não de empregados, as atividades domésticas (Tabela 5).

Tabela 5

Familiares que exercem o serviço doméstico, no domicílio da família. 27 3 2 32 Familiares

Entrevistada (com ou sem empregados) Entrevistada e outras mulheres da família Ninguém da família

Total

Total

Fonte: Pesquisa de campo, 2003

Em conversa com o atual presidente da Agrotur, um jovem agricultor de vinte e dois anos, perguntei-lhe o que entendia por agroturismo. Respondeu-me que se trata de um:

[...] turismo na parte rural, o pessoal visita a propriedade e lá compra o produto ou não. É vender o produto direto com valor agregado. É também conviver com pessoas de fora (Entrevista realizada em abril de 2003).

As classificações são construções sociais, que podem variar no tempo e no espaço, assim como em relação ao uso que dela se faz. Na definição de agroturismo aqui adotada, considero muito mais importante o que a população local, em especial as mulheres que atualmente dão corpo a esse processo social, faz e pensa a respeito, ou seja, o uso êmico dessa definição.

Advirto que não há consenso nas respostas dadas pelas mulheres entrevistadas, havendo, de fato, conflito e até hierarquia entre as respostas. Algumas mulheres residentes nas áreas rurais, que têm seus sítios abertos à visitação de turistas, se posicionam num patamar social superior em relação às moradoras da cidade. Afirmam as primeiras, que as moradoras da cidade não realizam o verdadeiro agroturismo, já que este requer, para ser “verdadeiro”, não somente a produção e a venda de produtos caseiros e de artesanato, mas também a ida do turista ao espaço rural, este inexistente para as mulheres “da cidade”.

Não pretendo aqui fazer algum tipo de julgamento ou escolha de qual seja a concepção e a prática de agroturismo mais “legítima”. Como todos processos e práticas sociais, trata-se de uma atividade em construção. Há, entretanto, situações de diferenças e de disputas entre as famílias inseridas no agroturismo. Há famílias inseridas há mais tempo na atividade, outras há menos. Há famílias que recebem turistas em seus sítios e outras que não. Famílias que realizam as atividades do agroturismo combinada com a atividade agrícola, outras que não, famílias nas quais o agroturismo é passatempo para as mulheres e para os aposentados, dentre outros aspectos.

Enfim, o que gostaria de salientar, é a existência de uma grande heterogeneidade entre as famílias e entre as mulheres inseridas nas atividades do agroturismo, o que suscita

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situações de disputas das mais diversas ordens. Situações estas que nos levam a entender o agroturismo de Venda Nova como um processo social novo, porém complexo e heterogêneo, assim como são as pessoas que lhe dão corpo, seus produtores, os órgãos públicos e os turistas.

O agroturismo: atividade feminina e secundária

Como já relatado, observamos que no município de Venda Nova, as mulheres são maioria dentre as pessoas que atualmente se dedicam às atividades do agroturismo. Observamos que muitas vezes um produto é identificado como sendo proveniente de uma ou outra família, levando geralmente, no seu rótulo, o sobrenome do marido. Entretanto, na realidade, são normalmente as mulheres as responsáveis pela produção pelo agroturismo, sendo seu marido representado como ajudante. Diante disso, podemos dizer que na representação simbólica da divisão sexual do trabalho do agroturismo, há uma inversão de posições em relação ao trabalho agrícola. Enquanto neste, o homem é apontado como o responsável pela atividade, e sua mulher e filhos são vistos como seus ajudantes, no agroturismo de Venda Nova, é a mulher a responsável e seus maridos os ajudantes.

A grande parte do trabalho de produção de gêneros alimentícios e artesanais é realizada na própria casa da família, no campo ou na cidade, como uma espécie de extensão do trabalho doméstico. Poucas são as mulheres que exercem atividades de agroturismo fora de casa. Como exemplo destas atividades, citemos a participação de algumas mulheres em associações beneficentes17, estas também integrantes do agroturismo local.

Pergunto: as atividades do agroturismo desenvolvidas pelas mulheres de Venda Nova, por serem na maior parte dos casos, exercidas na própria casa da família, não se conformam como modalidade remunerada de trabalho doméstico, como uma extensão deste? E ainda, por que, para muitas mulheres, somente trabalhos não remunerados (os trabalhos beneficentes e voluntários) são os exercidos fora do lar?

Poderíamos argumentar que, tanto os trabalho não remunerados realizados pelas mulheres fora do lar (trabalhos beneficentes), como os trabalhos remunerados desenvolvidos em casa (o agroturismo), gozam de menor valor social que os trabalhos remunerados e realizados fora do lar. Ambos, o trabalho beneficente e o doméstico (aqui incluído o agroturismo) aparecem associados aos deveres que são socialmente representados como os de uma boa dona-de-casa: caridosa para com os pobres e responsável pela manutenção da casa de sua família. Já os trabalhos remunerados, além de serem socialmente atribuições masculinas, são simbolizados como os responsáveis pelo sustento da família, e por isso, dotados de um maior status social.

Em pesquisa realizada com mulheres bóias-frias, em Ribeirão Preto, Verena Stolcke (1986) nos mostra que, da associação da mulher com o seu papel de dona-de-casa, decorre a menor remuneração auferida por estas mulheres se comparadas com a de seus maridos e filhos, mesmo quando estas mulheres exercem o mesmo tipo de trabalho que seus maridos, ou seja, o corte de cana-de-açúcar. Explica Stolcke que a renda auferida por estas mulheres bóias-frias, eram simbolizadas como uma ajuda temporária ao trabalho de seus maridos. E, por não serem elas, nem as suas rendas, as responsáveis pelo sustento da casa, legitimava-se socialmente a sua menor remuneração.

Na divisão sexual do trabalho de muitas famílias rurais de Venda Nova, comumente são as mulheres que realizam os trabalhos beneficentes (não remunerados), os trabalhos domésticos, assim como a produção de gêneros alimentícios e artesanais para o agroturismo.

17

Em Venda Nova, as principais entidades beneficentes são a Associação das Voluntárias do Hospital Padre M áximo, a Pastoral da Saúde e a APAE.

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Diante disso, formulo como hipótese o fato de que, os trabalhos beneficentes, os afazeres domésticos e a produção de gêneros alimentícios e artesanais para o agroturismo, são representados como atividades femininas e valorados como atividades subsidiárias ao trabalho agrícola e às outras profissões urbanas.

A atividade do agroturismo, embora proporcione uma renda a mais para a família rural, e muitas vezes a única renda auferida por muitas mulheres, pode ainda ser visto como uma atividade secundária dentro da hierarquia das atividades familiares. E, formulo como hipótese, que o papel secundário do agroturismo decorra de sua associação com as atividades domésticas, atividades de pouco status no grupo social pesquisado.

O desprestígio do trabalho doméstico frente às outras espécies de trabalho, aliás, é uma concepção ocidental, inexistente em todas as sociedades humanas. Strathern (apud MOORE, 1991) em seu estudo sobre os Hagen da Nova Guiné, nos mostra que, muito embora haja uma conexão simbólica e social entre o “feminino” e o “doméstico”, não há nesta sociedade uma associação entre atividade doméstica e atividade desacreditada, da mesma forma em que percebemos nas sociedades ocidentais.

Conforme nos mostram várias pesquisas com mulheres rurais, a divisão sexual do trabalho entre masculinos ou femininos, variam conforme o status social que possuem. (SACHS, 1991; CARNEIRO, 1996). E ainda, observamos que as categorias sociais do trabalho feminino e do trabalho masculino estão em constante processo de construção. Carneiro (1996) nos remete a um interessante contexto social, uma aldeia de camponeses nos Alpes Franceses onde a ordenha das vacas, antes uma atividade tradicionalmente feminina, passou num momento posterior, após inversão tecnológica na atividade, a ser mais valorizada socialmente e tida como atividade masculina.

Situações como a descrita acima, caracteriza o que a literatura vem denominando de caráter de “ajuda” e de invisibilidade das práticas sociais femininas. Dentro de muitas sociedades humanas, as atividades de trabalho das mulheres, assim como a dos jovens, sempre foram tidas como menos importante que as dos homens, uma “ajuda” ao trabalho destes. Às mulheres cabendo prioritariamente o trabalho reprodutivo familiar e aos homens o trabalho cunhado como produtivo (comercial).

Observamos, em vários trabalhos empíricos, que é muito comum as mulheres rurais desenvolvem, além do trabalho doméstico, também os mesmos tipos de atividades agrícolas que os homens da família, mas nem por isso seu trabalho tem a mesma valoração que o dos homens (BRUMER, 1999/2000; CARNEIRO, 1996; SACHS, 1991; STOLCKE, 1986).

Dentre as mulheres rurais que trabalhavam com atividades do agroturismo em Venda Nova, interessante foi notar, à exceção das mulheres que tinham uma outra profissão não-agrícola, a dificuldade que essas tinham em dizer qual era a sua profissão. Diziam que faziam de tudo: eram domésticas, mexiam com os produtos do agroturismo e, em alguns casos, trabalhavam na roça. Pedi a elas para fazerem uma hierarquia dentre as atividades, considerando o que elas achavam mais importante, a que mais gostavam, ou ainda, a que gostariam de se dedicar com mais afinco. As respostas eram as mais variadas. Em muitas ocasiões diziam que, apesar de trabalharem com o agroturismo, eram domésticas e mães em primeiro lugar; outras já diziam que preferiam ser tidas por artesãs; outras preferiam a roça e só participavam do agroturismo porque era uma renda a mais para a família.

Diante disso, o que gostaria de questionar, sem contudo ter a pretensão de resolver, é se a atividade do agroturismo, desenvolvida há alguns anos (cerca de uma década para as mais antigas na atividade) por algumas mulheres rurais de Venda Nova, exerce alguma influência na reprodução social das diferenças de gênero e na subordinação dessas mulheres em relação a seus maridos e filhos.

Acredito que sim, que há uma mudança nessas famílias: as mulheres estão auferindo renda, estão tendo uma nova dimensão laborativa e simbólica em suas vidas. Há um novo

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processo social em curso, o agroturismo. Porém, numa certa medida, será que esse processo não reproduz o papel subordinado das mulheres e a desigual divisão sexual do trabalho, que as remete aos desvalorizados afazeres domésticos, numa dimensão agora pública, dada pelas atividades do agroturismo?

Outro fato que corrobora ainda minhas indagações é a predominância de mulheres associadas junto a Agrotur. Há sim homens, mas são poucos, e a maior parte deles, senão todos, trabalham conjuntamente com suas esposas, são aposentados ou exercem conjuntamente o agroturismo com outro trabalho, agrícola ou não-agrícola. Cito dois casos, que acredito únicos, ilustrativos de atividades de agroturismo desenvolvidas predominantemente por homens.

Um deles trata-se de uma fazenda que tem um pesque-pague e um restaurante caseiro, na qual os homens (irmãos) são quem tomam conta do negócio; trabalham tanto no negócio da pesca, como no restaurante que há no local.

O segundo exemplo é o de uma das famílias pioneiras nas atividades do agroturismo em Venda Nova. Trata-se de um dos sítios mais famosos no agroturismo local. Nesse sítio, vivem quatro famílias de irmãos e mais a dos pais, cada qual em sua casa. Há no sítio a produção de café e de outros gêneros agrícolas, assim como a criação de gado leiteiro e áreas de reflorestamento. Há também uma agroindústria de queijos e iogurtes, moagem e torrefação de café, dentre outros produtos. No local há uma pequena venda . Os turistas vêm ao sítio para comprar os produtos produzidos no local ou simplesmente para visitar o sítio. São os homens da família que preferencialmente administram o negócio familiar: a produção agrícola e o agroturismo. Há uma única mulher, casada com um dos irmãos, que produz porém, de forma separada, alguns doces e biscoitos para vender, seja na lojinha do marido e dos cunhados, seja na loja da Agrotur na cidade. Há também trabalhadores assalariados, tanto na produção agrícola como na agroindústria.

Procurei remeter acima, a dois casos ilustrativos, porém suficientes, a meu ver, que sustentam uma representação social do agroturismo em Venda Nova como uma atividade preferencialmente feminina. As exceções são exatamente situações como estas, nas quais o agroturismo, por ser de grande porte - o único pesque-pague e o sítio mais próspero dentro do circuito do agroturismo do município - é realizado por homens. Diante disso, verificamos que, mesmo dentro do agroturismo, uma atividade que não é em si representada socialmente como masculina ou feminina, há divisão sexual do trabalho e valoração desigual das atividades conforme o sexo de quem as realiza. A maioria dos produtos vendidos no município, sob o rótulo de produto do agroturismo é de alimentos e artesanatos de costura, construídos socialmente como de mulheres. Os poucos produtos comerciados pelos homens são o pesque-pague, a produção de vinhos e licores e os artesanatos em madeira e em pedra.

Nessa análise, importante também é atentarmos para as diferentes situações sociais e econômicas das famílias rurais. Essas diferenças, a meu ver, têm relação direta com as possibilidades de mudança nas relações de gênero. Explico melhor. Enquanto para algumas mulheres a atividade do agroturismo possa significar uma forma de adquirir autonomia financeira frente a seus maridos, já que passam a ter uma fonte própria de renda, para outras mulheres, que necessitam dessa atividade para sobreviver, essas atividades podem refletir a continuidade com uma situação de subordinação, agora não somente em relação aos homens da família (quando esses existem e participam na economia familiar), mas também em relação a uma situação de desigualdade sexual de trabalho dentro do mercado capitalista, às mulheres cabendo os trabalhos não somente menos remunerados, mas os trabalhos com menos status social.

Nesse ponto, concordo com Sacks (1979), quando esta antropóloga marxista afirma que a relação de subordinação da mulher, numa sociedade capitalista, não deve ser explicada

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a partir unicamente das relações familiares, mas que devemos procurar refletir essas situações frente à organização da sociedade como um todo.

Henrietta Moore (1991), ao estudar o que chamou de trabalhos femininos a domicílio, nos remete aos estudos de Maria Miles, sobre mulheres camponesas indianas de Narsapur. Mies estudou a atividade do bordado desenvolvida por estas mulheres, no contexto de uma situação de empobrecimento dos lares camponeses. Diante do desenvolvimento capitalista em Narsapur, na Índia, verificou-se um processo de diferenciação social no campo. Algumas mulheres pertencentes a famílias empobrecidas passaram a dedicar-se à comercialização do bordado, no intuito de obter uma fonte adicional de renda para sua família. Miles localiza esta atividade como resultado da combinação de relações produtivas e reprodutivas da mulher (combinação de funções de dona-de-casa e de trabalhadora assalariada). A produção comercial do bordado - feito em casa - possibilitou às mulheres a obtenção de uma renda adicional sem que estas precisassem sair de casa e conseqüentemente sem alterar a divisão sexual do trabalho na família e, no limite, sem alterar as relações de gênero. Entende Miles, ademais, que a entrada das bordadeiras indianas no mercado de trabalho capitalista serviu à acentuação das relações de gênero já existentes na sociedade indiana.

Outro exemplo da combinação de funções produtivas e reprodutivas da mulher é o serviço doméstico prestado de forma remunerada a outrem (trabalho doméstico). Trata-se de uma situação em que a mulher exerce serviços remunerados dentro do lar. Este tipo de trabalho deve ser analisado na interconexão com as noções de raça e classe social. Em pesquisa sobre trabalho feminino nas áreas rurais brasileiras, por meio de dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio (PNAD), verificou-se que, dentre as mulheres ocupadas, de famílias rurais pluriativas18, o trabalho doméstico aparece como a segunda ocupação destas mulheres, perfazendo 21,9% do total, perdendo para as atividades agrícolas (29,5% do total), e sendo sucedida pelas atividades sociais (19,0% do total) (LEONE, 2003).

Entendo que o agroturismo é uma atividade presente em Venda Nova há cerca de uma década, talvez um período de tempo pequeno para surtir todos os seus efeitos sociais e culturais. Não obstante, acredito que o importante não é o que o agroturismo foi, mas o está sendo, em constante transformação. Não sabemos se será uma oportunidade de trabalho no futuro, se será tida por uma atividade mais masculina ou mais feminina. O que importa para esta análise são os efeitos práticos e simbólicos que esse “novo” trabalho produz na vida e no imaginário das pessoas: é um passatempo para as mulheres mais ricas, é uma fonte de renda para as mais pobres, é uma obrigação familiar para as moças, é um sonho para outras moças, é um trabalho “de mulher”, é um trabalho “dos mais velhos” etc. Nessa análise privilegiarei o que minhas informantes fazem, pensam e almejam das atividades do agroturismo que realizam no dia-a-dia. Se isso responderá às minhas inquietações veremos, se não, acredito que mostrará importantes pistas para mim e para os estudos feministas e rurais.

Referências

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BRUMER. Anita. Gênero e agricultura: a situação da mulher na agricultura do Rio Grande do sul. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1999/2000, mimeo, 27 p.

CAMPANHOLA, Clayton, SILVA, José Graziano (edit.). O novo rural brasileiro : uma análise nacional e regional, v. 2. Jaquariúna: EMBRAPA, 2000, 185p.

18

Segundo Leoni , famílias pluriativas são aquelas nas quais “seus membros combinam atividades agrícolas e não-agrícolas” (LEONI, 2003, p. 6).

(16)

CANDIDO, Antonio. Parceiros do rio Bonito. São Paulo: Duas Cidades, 2001, 372 P.

CARNEIRO, Maria José. Esposa de agricultor na França. Estudos Feministas, v. 4, n. 2, p. 328-354, 1996.

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(17)

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agrária e desenvolvimento sustentável. Fortaleza, 1998, mimeo.

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