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O doente da Unidade de Dor do Hospital Divino Espírito Santo : breve abordagem de qualidade de vida, dor e sofrimento

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Academic year: 2021

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Universidade dos Açores

Departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais

O Doente da Unidade de Dor

do Hospital do Divino Espírito Santo:

breve abordagem da qualidade de vida, dor e sofrimento

Dissertação para provas de Mestrado em Ciências Sociais, apresentado na Universidade dos Açores. Mestranda: Raquel Maria de Fraga Martins. Orientador: Professor Doutor Licínio Vicente Tomás.

(2)
(3)

Metade1

Que a força do medo que tenho não me impeça de ver o que anseio Que a morte de tudo em que acredito não me tape os ouvidos e boca Porque metade de mim é o que eu grito, a outra metade é silêncio. Que a música que ouço ao longe seja linda ainda que tristeza Que a mulher que amo seja pra sempre amada mesmo que distante Porque metade de mim é partida, a outra metade é saudade.

Que as palavras que falo não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor Apenas respeitadas

Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos Porque metade de mim é o que ouço, a outra metade é o que calo.

Que a minha vontade de ir embora se transforme na calma e paz que mereço Que a tensão que me corrói por dentro seja um dia recompensada

Porque metade de mim é o que penso, a outra metade um vulcão. Que o medo da solidão se afaste

E o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável

Que o espelho reflita meu rosto num doce sorriso que me lembro ter dado na infância Porque metade de mim é a lembrança do que fui, a outra metade não sei.

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria pra me fazer aquietar o espírito E que o seu silencio me fale cada vez mais

Porque metade de mim é abrigo, a outra metade cansaço.

Que a arte me aponte uma resposta mesmo que ela mesma não saiba

E que ninguém a tente complicar, pois é preciso simplicidade pra fazê-la florescer Porque metade de mim é plateia a outra metade é canção.

Que a minha loucura seja perdoada porque metade de mim é amor e a outra metade também

1 Oswaldo Montenegro, in Escondido no Tempo, in

(4)

Índice Geral

Agradecimentos……….. 11

Introdução………... 14

1-O conhecimento da dor através da história………. 16

1.2. Teorias sobre a dor……… 23

1.2.1 Teoria Sensorial ou da Especificidade……… 24

1.2.2 Teoria da Intensidade……… 24

1.2.3 Teoria do Portão………. 25

1.2.4. Criação das clínicas de dor por Bonica……….. 28

2-A dor: abordagem e formas de avaliação………. 31

2.1. Definição e tipo de dor……… 31

2.2. Neurofisiologia da dor……….. 36

2.2. Mecanismos fisiológicos de resposta à dor………. 38

2.3. A dimensão comportamental da dor……… 41

2.4 Os instrumentos de medida na avaliação da dor……… 41

2.5 Alguns aspectos sociológicos da dor………. 48

2.6 A dor e o sofrimento……….. 51

3- Breve síntese histórica do nascimento do Serviço Social como profissão…… 68

3.1 A integração do Serviço Social na saúde……….. 72

3.1.1 Âmbito de intervenção do Serviço Social Hospitalar……….. 76

3.2. Planeamento de altas……….. 83

3.2.1. Processo de planeamento de altas……… 85

3.2.2 Antecedentes históricos do planeamento de altas………. 86

3.3 A Qualidade de vida e bem-estar em saúde……….. 89

3.4 A determinação da qualidade de vida……….. 96

3.5 O Sistema de saúde dentro da política social………. 100

(5)

4. O Hospital do Divino Espírito Santo………. 117

4.1 Breve resumo histórico da criação do HDES……….. 117

4.2 Estrutura organizativa, actividades e recursos humanos……….. 120

4.3 Natureza jurídica……….. 121

4.4 Estrutura física do HDES………. 123

4.5 Objectivos da instituição………. 123

4.5.1 O processo de acreditação do Hospital do Divino Espírito Santo… 124 4. 5.2 A Unidade de dor do HDES……… 126

5. Metodologia……….. 128

6. Uma medida concreta na avaliação da dor e sofrimento nos doentes da Unidade de Dor do HDES………. 137

6.1 Relação de doentes inscritos na Unidade de Dor……… 137

6.2 Variáveis Sociográficas ……… 138

6.3 Caracterização habitacional e económica………. 140

6.4 Caracterização médico – clínica do universo de estudo……… 142

6.5. Antecedentes Clínicos no percurso do doente………. 145

7. A abordagem do Serviço Social e do seu lugar no processo hospitalar………. 147

7.1 A medida do sofrimento na vida do doente……… 147

7.2 O círculo relacional do doente……… 153

7.3 Ocorrências relacionadas com a situação de doença……….. 159

7.4 Qualidade de vida e satisfação relatadas pelo doente……… 162

7.5 Acessibilidade aos serviços de saúde……….. 167

7.6 Diagnóstico social e estratégia seguida……….. 168

8. Conclusões………. 172

Anexos………. 186

(6)

Índice de Quadros e Gráficos

Gráfico 1- Processos na Unidade de Dor do HDES………. 131

Quadro 1- Processos Sociais na Unidade de Dor………. 132

Quadro 2- Total de Processos na Unidade de Dor……….. 137

Quadro 3- Idades mínima e máxima, média de idades e desvio padrão………… 139

Quadro 4- Especialidade Clínica da Patologia Observada………. 143

Quadro 5- Duração da situação de doença para as mulheres……….. 144

Quadro 6- Duração da situação de doença para os homens………. 144

Quadro 7-Tipologia do tratamento efectuado……… 145

Quadro 8- Problemas de saúde antes da actual doença……….. 146

Quadro 9-Existência de cirurgias antes da actual situação de doença……….. 146

Quadro 10- Ocorrência de alterações na vida do sofrente com a situação de doença………. 147

Quadro 11- Percepção da dor como geradora de sofrimento……… 149

Quadro 12- Existência de um acontecimento que na vida do doente coincidiu com o surgir da situação de doença……….. 159

(7)

Índice dos Anexos

1- Desenho de René Descartes………... 187

2- Fisiopatologia da Dor……….. 188

3- McGill Pain Questionnaire……… 189

4-Escalas de avaliação de dor……… 190

5- Organograma do HDES………... 192

6-Organograma do Serviço Social do HDES……….. 193

7-Órgãos Constitutivos do Hospital do Divino Espírito Santo……….. 194

8- Distribuição dos funcionários do HDES por Grupo Profissional e por Sexo, no ano de 2001………... 195

9- Distribuição Etária dos funcionários do HDES……… 196

10- Especialidades Médicas, Cirúrgicas e Serviços que integram o HDES……….. 197

11- Lotação geral do HDES segundo a valência/especialidade no ano de 2006……. 199

12-Movimento do HDES para o ano 2004 para os seguintes serviços/especialidades……….. 201

13- Critérios de Triagem do Serviço Social do HDES…………... 202

14- Breve Descrição da intervenção do Assistente Social no contexto Hospitalar………. 215

15- Estatísticas de Serviço Social do HDES, de apoios ao domicílio solicitadas às IPSS de São Miguel de Janeiro de 2000 a Dezembro de 2004……….. 218

16- Questionário Caracterização………... 219

17- Whoqol Brief………... 222

18- Avaliação da dor e recolha de informação a nível clínico e de serviço social……….. 229

19- Apresentação de relatos de entrevistas……… 230

20- Tratamento estatístico de dados……… 239

21- Definição de Conceitos……….. 270

(8)

Índice de Quadros do Tratamento Estatístico de Dados - Anexos

Quadro 1- Distribuição de doentes por sexo e classes de idades……….. 239

Quadro 2- Distribuição de doentes por sexo e estado civil……….. 239

Quadro 3- Distribuição de doentes por concelho de residência……… 239

Quadro 4- Titularidade da Habitação……….. 240

Quadro 5- Natureza de Rendimentos………. 240

Quadro 6- Montantes auferidos mensalmente……… 240

Quadro 7- Montante gasto em medicação mensalmente……….. 241

Quadro 8-Período de tempo da situação de doença……….. 241

Quadro 9- Mobilidade………... 241

Quadro 10- Utilização de ajudas técnicas na mobilidade……….. 242

Quadro 11- Com quem vive o doente………. 242

Quadro 12- Dimensão do círculo relacional……….. 242

Quadro 13- Frequência de convívio com a família……….. 243

Quadro 14- Frequência de convívio com vizinhos……… 243

Quadro 15- Indicadores de satisfação……… 244

Quadro 16- Indicadores de qualidade de vida……… 246

Quadro 17- Indicadores de avaliação de qualidade de vida e movimentação…... 247

Quadro 18- Indicadores de sentimentos depressivos……….. 247

Quadro 19-Grau de Dor percebido pelo doente………. 248

Quadro 20-Procura de Ajuda………. 248

Quadro 21-Solidão percebida pelo doente………. 248

Quadro 22-Acontecimentos indicados pelos sofrentes que originaram ou agravaram o estado de doença……….. 249

Quadro 23-Diagnóstico social……….. 249

Quadro 24- Encaminhamento dado à situação-social problema…………. 250

Quadro 25- Grau de Dor/Sentimento de Solidão………. 250

Quadro 26- Grau de Dor/Frequência de Sentimentos Negativos………. 251

(9)

Quadro 28- Idade/Satisfação com a Saúde……… 252

Quadro 29- Idade/Impedimento no desempenho………. 252

Quadro 30- Idade/Necessidade de Tratamento Médico……….. 253

Quadro 31- Idade/Aproveitamento da Vida……….. 253

Quadro 32- Idade/Sentido da Vida……….. 254

Quadro 33- Idade/Energia para o Dia a Dia………. 254

Quadro 34- Idade/Aceitação de Aparência Física………. 255

Quadro 35- Idade/Dinheiro suficiente para despesas……….. 244

Quadro 36- Idade/Oportunidades de Lazer……… 256

Quadro 37-Idade/Capacidade de se Movimentar……….. 256

Quadro 38- Idade/Satisfação com o sono……… 257

Quadro 39- Idade/Actividades do Dia a Dia……….. 257

Quadro 40- Idade/Capacidade para o Trabalho………. 258

Quadro 41- Idade/Satisfação Consigo……… 258

Quadro 42- Idade/Relações Pessoais……….. 259

Quadro 43- Idade/Satisfação e Apoio dos seus Amigos……….. 259

Quadro 44- Sentimento de Solidão/Satisfação com Saúde……….. 260

Quadro 45- Sentimento de Solidão/Dor como Impedimento de realizar tarefas... 260

Quadro 46- Sentimento de Solidão/Necessidade de Tratamento Médico……….. 261

Quadro 47- Sentimento de Solidão/Aproveitamento da Vida………. 261

Quadro 48- Sentimento de Solidão/Sentido da Vida………. 262

Quadro 49- Sentimento de Solidão/Segurança na Vida Diária………. 262

Quadro 50- Sentimento de Solidão/Energia Suficiente para o dia a dia 263 Quadro 51- Sentimento de Solidão/Aceitação da Aparência Física……… 263

Quadro 52- Sentimento de Solidão/Dinheiro para as Despesas Mensais……… 264

Quadro 53- Sentimento de Solidão/Oportunidade de Lazer……….. 264

Quadro 54- Sentimento de Solidão/Capacidade de Movimentação……… 265

(10)

Quadro 56- Sentimento de Solidão/Desempenho de Actividades……….. 266 Quadro 57- Sentimento de Solidão/Capacidade para o Trabalho……….. 266 Quadro 58- Sentimento de Solidão/Satisfação Consigo………. 267 Quadro 59- Sentimento de Solidão/Relações Pessoais……….. 267 Quadro 60- Sentimento de Solidão/Satisfação com Vida Sexual……….. 268 Quadro 61- Sentimento de Solidão/Satisfação com o apoio de amigos 268 Quadro 62- Sentimento de Solidão/Frequência de Sentimentos

(11)

Agradecimentos

Gostaria de manifestar a minha gratidão com um especial reconhecimento aos Doentes da Unidade de Dor que se prontificaram a efectuar este estudo, respondendo a este questionário, expondo-me as suas emoções, partilhando a sua intimidade, cedendo o seu tempo. Com os quais passei largas horas e em cuja companhia aprendi e reestruturei a minha forma de encarar o sofrimento e a vida. Com eles cresci como pessoa, pois nas suas palavras: “apesar da dor, a vida é um milagre” e “o caminho faz-se ao andar…”.

Gostaria de agradecer ao meu orientador na Universidade dos Açores, Sr. Professor Doutor Licínio Tomás, que ao longo deste ano lectivo se disponibilizou, sempre, para me prestar a ajuda e o apoio necessários como meu orientador.

À Sra. Dra. Teresa Flor de Lima, Coordenadora da Unidade de Dor do Hospital do Divino Espírito Santo (HDES), cuja orientação foi preciosa dentro desta Unidade, quer no aconselhamento de bibliografia, procura de informação na Internet, quer pelo seu empenho no esforço efectuado para a reavaliação de um elevado número de doentes inscritos, num espaço temporal muito curto.

À restante equipa da Unidade de Dor: Sra. Dra. Rosa Leite no empréstimo de bibliografia diversa, à Sra. Enfermeira Noémia Margarida Amaro, cujo carinho no cuidado ao doente da dor é para todos nós um exemplo do saber ser e saber estar, à Sra. D. Helena Paiva Moniz pela sua disponibilidade e empenho na elaboração da listagem de doentes a serem inquiridos e pela ajuda na pesquisa aos processos consultados, à Sra. D. Aida Santos Silva e Sra. D. Ana Maria Lourenço, aos jovens em exercício pela OTL, pela estatística de todos os processos em arquivo, Mónica Pereira e Bruno Sousa. À Comissão de Ética do HDES na autorização concedida para esta investigação.

À Sra. Dra. Teresa Sampaio da Nóvoa, no auxílio prestado na organização de estatística da caracterização médico – clínica do doente da Unidade de Dor.

Ao Sr. Dr. Paulo Massa, pela supervisão final de todo o corpo teórico no que concerne ao enquadramento fisiológico da dor e suas implicações clínicas.

(12)

Ao Sr. Eng. Hélio Freitas e ao Sr. Dr. Paulo Amaral, no empenho e paciência colocados na correcção ortográfica e revisão final dos textos a publicar nesta dissertação.

Ao Sr. Professor Doutor Carlos Silva, da Universidade de Évora pelas sugestões de orientação bibliográfica e sobretudo pelo seu altruísmo na qualidade de amigo.

Ao Sr. Dr. José Manuel Caseiro, do IPO de Lisboa pelo aconselhamento técnico quanto à escolha do questionário Whoqol Brief, que acabou por ser essencial como um dos componentes do guião de entrevista utilizado. À OMS pela autorização concedida do uso deste questionário.

Ao Sr. Dr. José Paulo Costa, do laboratório Bristol-Myers Squibb pelo envio de bibliografia editada com o patrocínio deste.

Aos Conselhos de Administração do Centro de Saúde das Flores e do Hospital do Divino Espírito Santo, pela aceitação pelo segundo ano consecutivo, do meu regime de requisição administrativa no Serviço Social do HDES que me permitiu efectuar este mestrado.

Ao restante corpo docente do Departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais da Universidade dos Açores, nomeadamente à Sra. Professora Doutora Gilberta Rocha e Sr. Professor Doutor Damião Rodrigues.

Aos colegas do HDES pelo apoio prestado, nomeadamente à Sra. Dra. Helena Soares, Sra. Dra. Isabel Leão, Sra. Dra. Cristina Dutra, Sr. Dr. Sílvio Camacho e Sra. Dra. Ana Paula Agra.

Ao Gabinete da Qualidade, à Sra. Dra. Maria Ana Dias e Sra. Dra. Jacqueline Torres pela cedência de documentos e esclarecimentos diversos no âmbito do processo de acreditação.

Aos funcionários do HDES: Sr. Carlos Coelho, Sra. D. Amélia Amaral, Sr. Simão Ramos, Sra. D. Sandra Pacheco, Sra. D. Edna Carreiro, Sr. João Moreira e Sr. Francisco Soares.

Aos colegas de mestrado, em especial a Sra. Dra. Isabel Miguel e Sr. Dr. Márcio Tavares, pela cedência de bibliografia, documentos diversos e pelo apoio nas horas mais difíceis.

(13)

Ao meu irmão Tiago Augusto, à Sra. Dra. Ana Luísa Silva Monteiro, à Sra. D. Regina Silva Monteiro, à Sra. Prof. Natália Teixeira, à Sra. D. Cisaltina Cabral, à Sra. Dra. Emília Venâncio, pela amizade que nos une, que foi fundamental nas horas menos felizes da elaboração desta investigação.

Com um especial carinho e reconhecimento, agradeço aos meus pais que foram um apoio fundamental a todos os níveis, que prescindiram do tempo que poderia ter partilhado com eles, respeitando sem reservas as minhas escolhas de vida dentro do espírito de tolerância e autonomização que sempre nortearam o seu ensino de vida levando-me a acreditar e a praticar que, “é bom o desapego e não nos agarrarmos ao que é conhecido, seguro, que convém deixar que a vida flua e se encaminhe para as mudanças, prestando atenção às indicações do caminho2”, tornando real esta nova etapa da minha

vida.

A todos aqueles que de uma forma mais ou menos visível, que de uma forma presente ou à distância, me auxiliaram, com os seus conhecimentos, a sua experiência de vida, o seu apoio e a força da sua amizade, a levar a cabo esta tarefa, o meu sincero MUITO OBRIGADA!

2 HSI, Fu, I Ching, hexagrama 49.

(14)

Introdução

Esta tese de dissertação insere-se no 2º ano do Mestrado em Ciências Sociais do Departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais da Universidade dos Açores, com especialização em Famílias, Envelhecimento e Políticas Sociais. Este Mestrado tem como requisito o desenvolvimento de uma investigação empírica. Na temática de dissertação tentei conceptualizar a forma como se lida institucionalmente com a dor e as respostas de intervenção hospitalar selectivas que suscita, nomeadamente na actuação do Serviço Social Hospitalar.

A escolha desta temática teve como condicionante principal o facto de desempenhar funções no Serviço Social do Hospital do Divino Espírito Santo (HDES), em que a Unidade de Dor é um dos serviços onde exerço a minha actividade como assistente social.

A Unidade de Dor do HDES é uma Unidade de nível II.

Para esta Unidade são encaminhados doentes com situação de dor crónica, quer pelas Unidades de Saúde de toda a Região Autónoma (RAA), quer pelos outros dois Hospitais que fazem parte do sistema hospitalar regional, ou pelos serviços de consulta de especialidade ou de internamento do próprio HDES, ou ainda dos hospitais de dia. O HDES é o único hospital na RAA com Unidade de Dor.

O atendimento efectuado pelo serviço social na Unidade de Dor do HDES, numa situação de disponibilidade de pessoal, seria em regime presencial em consulta de grupo para todos os doentes atendidos pela primeira vez. No entanto em virtude de não haver técnicos disponíveis, efectua-se em regime de chamada quando as equipas clínica e de enfermagem detectam que o doente atendido poderá ter algum problema social. Este regime de chamada obedece a critérios3 pré-definidos pelo serviço social do HDES.

A intervenção do serviço social nas unidades de dor encontra-se contemplada nas directivas do Plano Nacional de Luta contra a Dor. Neste

(15)

documento prevê-se a criação de equipas multidisciplinares onde a presença de assistente social é indicada.

A hipótese de trabalho colocada nesta investigação é a avaliação da qualidade de vida do doente desta Unidade, averiguando de que forma é que situações de dor crónica por doença prolongada, incapacitante, ou situações de patologias múltiplas que limitam a pessoa no seu desempenho, podem ser causadoras de alteração na sua qualidade de vida, levando a uma profunda modificação do seu quotidiano, podendo acarretar situações de depressão, sofrimento físico, isolamento, solidão e mudança radical no seio e vivências da família.

Coloca-se ainda a hipótese de avaliar de que forma é que estes doentes podem ter a sua situação de dor e de sofrimento atenuada pela actuação da equipa da Unidade de Dor numa parceria conjunta detectando as áreas problemáticas para nelas actuar minimizando ou erradicando todos os problemas passíveis de serem diminuídos ou erradicados, para que o doente possa mais facilmente suportar todos os condicionalismos inerentes à sua situação de dor que não podem pelos técnicos, ou por eles próprios, ser mudados.

Colocou-se também a hipótese de os doentes associarem à ocorrência dos seus estados de dor crónica, o facto de terem sido despoletados por situações originadas pelas suas histórias de vida.

Estas teriam gerado emoções difíceis de suportar e modificar, que por sua vez conduziram a estados de depressão e desânimo, abrindo assim graves fragilidades físicas e psíquicas que deram oportunidade a que a doença se instalasse. Esta hipótese de investigação decorreu do facto de os doentes entrevistados, em regra, associarem um acontecimento nas suas vidas ao aparecimento da doença. Saber como eles sentem este facto foi fundamental para esta investigação.

São estas as hipóteses que esta investigação se propõe a averiguar se se verificam na prática quotidiana que temos com os nossos doentes atendidos na Unidade de Dor do HDES.

(16)

1-O conhecimento da dor através da história

A dor tem sido ao longo dos tempos, uma grande preocupação para toda a humanidade. Por isso a dor foi, e é, objecto de estudo para a sua erradicação e controlo4, no entanto é mais antiga que qualquer esforço para a sua

compreensão ou tratamento. Quando se analisam os registos de qualquer civilização humana toma-se consciência da presença da dor como uma preocupação.

Orações, exorcismos e encantamentos dão testemunho da dor e podem ser encontrados na Babilónia, em papiros escritos no antigo Egipto na época de construção das pirâmides, em documentos Persas, em inscrições em Micenas ou Tróia. Registos como estes estão presentes em todas as civilizações e em todas as épocas5. É natural que desde o princípio o homem tenha tentado

controlar a dor e aliviá-la. Para o homem primitivo a dor de causa exógena era justificada com as feridas, traumatismos etc, enquanto que as dores provocadas por doenças tinham outras conotações que se prendiam com magia, poções malignas introduzidas no corpo, maus espíritos ou demónios e por isso levavam a cabo cerimónias mágicas ou usavam amuletos para expulsar os maus espíritos que estavam dentro do organismo da pessoa doente. Quando não se conseguia expulsar este espírito recorria-se a curandeiros, mágicos ou bruxos para que os seus poderes libertassem a pessoa6. Em algumas zonas do mundo o corpo era tatuado com sinais de

exorcismo que impediam os maus espíritos de possuir a pessoa. Deste modo, os povos tentaram explicar o que não era para eles inteligível, bem como tentavam curar situações que sentiam estar fora do seu alcance de actuação.

Outros tratamentos consistiam em esfregar a zona dorida, expô-la ao sol, a correntes de água ou lagos e mais tarde ao calor do fogo. A pressão também foi usada, e com o tempo e a prática os povos aprenderam que a pressão em

4 Bonica’s Management of Pain, Philadelphia, ed. John D. Loeser, MD, 132 autores, 2001, p.3.

5 Ibidem.

6 S

ANCHEZ, José Luis Aguilar, FONT Luis Aliaga, et al, Tratamiento del Dolor teoría e práctica,

(17)

determinadas zonas (nervos e artérias) tinha um efeito mais intenso no alívio da dor, no entanto não sabiam porquê. Nas épocas mais remotas da civilização humana, quando as famílias não conseguiam resolver a situação de dor chamavam a matriarca da família, que de acordo com estudos antropológicos era a encarnação da Deusa Mãe, que agia como feiticeira e sacerdotisa. Mesmo nas sociedades patriarcais, a mulher assumia um papel de curandeira7. As

sibilas, vestas e as pitonisas eram exemplos de mulheres a quem a sociedade e o sistema religioso em que se integravam lhes conferiam poderes sobrenaturais.

Com o tempo, o exorcizar da dor através da magia foi gradualmente substituído pelos curandeiros ou shamans da tribo. Estes elementos passam a vestir-se de forma especial para as suas funções e a fabricar nas suas casas remédios que anulassem os encantamentos e exorcizassem os demónios que provocavam a dor. Em algumas culturas o curandeiro fazia golpes no corpo da pessoa para permitir aos espíritos saírem, ou derramava poções nestes golpes. Em outras culturas os curandeiros sugavam o espírito da ferida para eles próprios, para depois o neutralizarem com o poder da sua magia. Esta terapia sobrevive ainda em alguns países8.

As ervas eram também usadas pelos humanos primitivos, que ao experimentá-las descobriram que algumas tinham propriedades de alívio da dor. O uso destas foi gradualmente assimilado pelos curandeiros que as passaram a usar nos seus tratamentos.

São também citados ao longo da história os efeitos do ópio, do cânhamo, da mandrágora ou do ébano. Os chineses usaram também a dieta, a massagem, a acupunctura e o exercício físico para alívio e cura das dores e doenças. Os egípcios, romanos e gregos usaram ainda a electroterapia para alívio das dores através de choques com enguias eléctricas.

7 Bonica’s Management of Pain, Philadelphia, ed. John D. Loeser, MD, 132 autores, 2001, p.4. 8 Ibidem.

(18)

Segundo alguns dos registos das antigas civilizações9, o tratamento da

doença e o alívio da dor foram sempre uma preocupação. Na antiga Babilónia os curandeiros eram sacerdotes uma vez que a sociedade babilónica era assente na religião. As ciências eram parte da teologia. O papel dos curandeiros era aplacar os deuses e mantê-los benevolentes. Observavam-se as estrelas, as chamas e os órgãos de animais sacrificados que mostravam o destino do paciente e as atitudes de cura que se deveria ter.

Os diagnósticos e as curas faziam-se dentro de um quadro religioso que era preciso respeitar.

No antigo Egipto os nativos acreditavam que as dores e as doenças eram causadas pela influência dos deuses ou pelos espíritos dos mortos. De acordo com o papiro Egípcio de Ebers10, a dor era levada até ao coração. Esta

concepção da dor permaneceu durante cerca de 2000 anos. Na antiga Índia, os conceitos de dor e de doença eram atribuídos ao deus Indra, como se pode verificar nos textos Upanishades e Vedas. Aproximadamente 500 a. C., Buda atribui que a universalidade da dor está relacionada com a frustração dos desejos. Esta perspectiva vai trazer a inovação de introduzir na dor o factor emocional, sendo esta a sua principal contribuição. Tal como os Egípcios, os Indianos consideravam que a dor se localizava no coração, o centro da consciência.

Na antiga China, entre os séculos V e VIII a.C., também se praticava medicina, estando estas práticas médicas compiladas no livro: Huang Ti Nei Ching Su Wen. Este livro foi elaborado de acordo com os princípios da medicina chinesa. Esta defende que num ser humano normal existem duas forças opostas, o yin (força feminina, negativa, passiva) e o yan, (força masculina, positiva, activa). Estas forças estão em equilíbrio e permitem à energia Chi que circule livremente pelo corpo através de uma rede de 14 meridianos, cada um deles conectado com um importante órgão interno ou função. Deficiência ou excesso de energia Chi a circular causa um desequilíbrio que vai causar a dor e

9 Para melhor aprofundar o tema, consultar: Bonica’s Management of Pain, Philadelphia, ed. John D. Loeser, MD, 132 autores, 2001, p. 4-7.

(19)

a doença. A terapia por acupunctura efectuada sobre os 365 pontos específicos localizados sobre os 14 meridianos vai corrigir este desequilíbrio.

Na Grécia Antiga, as pessoas interessaram-se muito pela natureza das sensações, e os órgãos dos sentidos assumiram um importante papel nas especulações fisiológicas sobre a dor. Alcméon de Crotona11, foi incentivado

pelo seu mentor, Pitágoras12 a estudar as sensações. Este, aparentemente sem

precedentes, introduz a ideia de que o centro da sensação é o cérebro. Esta visão foi defendida por Anaxágoras, Diógenes e Demócrito13. Esta foi uma visão contrariada na Antiga Grécia por vários pensadores entre os quais Aristóteles14 e Empédocles15. Anaxágoras16 assume a dor como uma mudança quantitativa

no sujeito resultante de um contraste de oposições. Esta mudança dar-se-ia da seguinte forma: todas as sensações se deveriam associar à dor, e quanto mais sujeito e objecto são opostos, mais intensa seria a sensação de dor, a qual se localizaria no cérebro. Empédocles defende que o centro da sensação, quer seja dor ou prazer é o coração. Hipócrates17 defende uma perspectiva similar à

dos chineses, justificando o aparecimento da dor devido a uma das quatro substâncias do corpo estar em desequilíbrio.

11 Viveu entre os séc. VI e V a. C. Foi um precursor da medicina, ao afirmar que havia distinção entre sensação e pensamento e que o cérebro era o centro das sensações. Descobre também o nervo óptico.

12 Viveu no séc. VI a. C., foi filósofo e matemático, fundou o pitagorismo. Supõe-se que nasceu em Samos e fixou-se em Crotona. Era um rígido moralista, partidário da metempsicose (crença de que a alma transmigra para outros corpos), levava uma vida austera, dedicada ao estudo e meditação. Segundo ele a alma tem origem divina e une-se ao corpo por causa de um pecado anterior. Após várias transmigrações voltará à sua origem celeste. O estudo das matemáticas é para ele o melhor método de purificação.

13 Filósofos gregos.

14 384-322 a. C., para este filósofo grego, apenas um saber universal pode ser verdadeiro. Defende a lógica como instrumento de saber. Tem uma grande influência no período da idade média.

15 490-430 a. C., pensador que defendeu a teoria dos quatro elementos, ar, terra, fogo e água para explicar a realidade das coisas.

16 P-430 A. C., filósofo da escola jónica que sustentou a existência de infinitas partículas nas quais estavam contidas em germe, os constituintes de todas as coisas. Defende que a inteligência organiza toda a realidade.

17 460-375 a. C., médico grego denominado pai da medicina, iniciou a superação das práticas religiosas e supersticiosas na medicina e desenvolveu um método de observação clínica. Os seus escritos estão reunidos na obra: Aforismos. Segundo ele a enfermidade é uma alteração dos humores do organismo e a função do médico é harmonizá-los.

(20)

Aristóteles vai basear as suas teorias sobre a sensação em Platão18, e

defende que estas se localizam no coração, que é considerado o centro das funções vitais bem como o da localização da alma. Teofrasto19 segue os

ensinamentos do seu mestre Aristóteles. Estratão20, que lhe sucedeu, propôs

uma visão em que o centro da sensação era o cérebro, que este era parte do sistema nervoso e que existiam nervos de dois tipos: os que transportavam sensações e os responsáveis pelos movimentos. A dissecação de cadáveres era usada para melhorar o conhecimento anatómico.

Na Roma antiga, os ensinamentos dos Egípcios e dos Gregos perderam-se durante cerca de quatro séculos, até que Galeno21, que foi educado em

Alexandria e se instalou em Roma, como médico da corte de Marco Aurélio, efectuou os seus estudos sobre a sensação e retomou a abordagem de um sistema nervoso central e outro periférico, e elaborou uma teoria complexa da sensação. Apesar da grande contribuição de Galeno, foram as teorias aristotélicas que prevaleceram durante cerca de 23 séculos.

No período que diz respeito à Idade Média e ao Renascimento, prevaleceu a concepção aristotélica.

No mundo árabe, Avicena22 provou ser uma figura dominante. Este estava

interessado na dor e na forma de a aliviar. Avicena define vários tipos de dor e prevê o seu tratamento com massagens, exercícios, calor ou o uso de ópio.

Na Europa durante a Idade Média, o centro da dor passa do coração para o cérebro com Alberto Magno23 e Mondino24,25. O grande génio da renascença,

18 427-347 a. C., filósofo grego cuja principal contribuição hoje invocada são as relações entre o indivíduo e o estado. Funda o idealismo crítico baseado na razão.

19 372-287 a. C., filósofo e sábio discípulo de Platão e de Aristóteles. Refere-se ao látex obtido da cápsula da papoila como ópio. Este método de incisar a cápsula para obter o exsudado perde-se até ser redescoberto por Scribonio em 40 D. C.

20 Filósofo grego, explica o mundo desde os seus princípios internos, sem recurso a uma divindade transcendente, nem a um motor imóvel imaterial. Seriam as forças naturais que originam a diversidade qualitativa.

21 129-199 d. C., um dos maiores médicos da antiguidade. Estudou em Esmirna e em Alexandria, exerceu a sua arte tratando gladiadores, veio a ser médico da corte de Marco Aurélio. Compôs 262 livros. Descobriu a espinal-medula e que há sangue nas artérias, contrariamente ao que se pensava na altura, de circular ar nestas. As suas obras juntamente com as de Hipócrates eram obrigatórias nas universidades de medicina medievais.

22 980-1037 d. C., filósofo árabe, estudou medicina, aos 16 anos tinha já grande reputação como médico.

(21)

Leonardo Da Vinci26, interpretou os nervos como estruturas tubulares que se

relacionavam com a sensibilidade. Vesalio27 vai considerar, tal como Da Vinci, o

terceiro ventrículo28 como a estrutura receptora das sensações.

Nesta altura não houve evolução no tratamento da dor. Era usada uma esponja natural embebida numa mistura de ópio, mandrágora e outras plantas que se tornou popular na Europa para o alívio da dor e para produzir insensibilidade para cirurgias, no entanto este sono induzido ocasionalmente levava à morte.

Nos Séculos Dezassete e Dezoito, prevalecem as teorias que defendem que o cérebro é o centro das sensações. Descartes29 define os nervos como tubos

pelos quais eram transmitidas as sensações ao cérebro, tornando-se estas conscientes na glândula pineal.

As vias nervosas da sensação da periferia ao cérebro foram descritas num desenho de um menino com um pé estimulado pelo fogo30. Descartes define o

cérebro como o centro da motricidade e da sensação. Nesta altura os tratamentos à dor eram o seguimento daquilo que se tinha vindo a fazer em séculos anteriores.

Foram levadas a cabo investigações por diversos autores que aprofundaram o conhecimento do sistema nervoso, e na última metade do século dezoito a nova era da terapêutica foi iniciada com a descoberta de

23 (1193-1280) Defendeu a coexistência pacífica entre a ciência e a religião, foi o maior filósofo alemão da idade média.

24 (1270-1326) Anatomista e catedrático de medicina da Universidade de Bolonha. Escreveu o primeiro livro de texto de anatomia “Anathomia Mundi”. Realizou dissecações de cadáveres nas suas aulas com finalidades pedagógicas, seguindo os preceitos de Galeno.

25 B

ASTOS, Zeferino, Multidisciplinaridade e Organização das Unidades de Dor Crónica, Biblioteca

da Dor, Coor., Dr. José Manuel Caseiro, Permanyer Portugal, Lisboa 2005, p. 10.

26 Mestre na anatomia humana, inventou técnicas engenhosas para preparar peças de investigação anatómica.

27 (1514-1564) Vesalio faz uma interpretação moderna das estruturas corporais. Publica: “De humani corporis fabrica”.

28 BASTOS, Zeferino, Multidisciplinaridade e Organização das Unidades de Dor Crónica, Biblioteca da Dor, Coor., Dr. José Manuel Caseiro, Lisboa 2005.p. 10.

29 (1596-1650) filósofo e matemático. O seu ponto de partida assenta na dúvida universal, metódica e radical. Prescinde de todo o conhecimento prévio que não se confirma pela evidência.

(22)

Joseph Priestley31 e com os posteriores estudos das propriedades terapêuticas

do óxido nítrico32 cujas propriedades de relaxamento muscular são

fundamentais no tratamento da dor. No século dezanove desenvolveu-se a fisiologia e surgiram as primeiras teorias sobre a dor, diferentes das anteriores abordagens já citadas. Magendie33 demonstra com experiências em animais

que, os “cornos posteriores da medula participavam na sensibilidade dolorosa, e que os cornos anteriores exerciam um papel importante no controlo motor34”.

Com esta descoberta há uma compreensão do sistema nervoso central e seu funcionamento.

Em 1840 Müller defende que o cérebro recebe informação de objectos exteriores e sobre a estrutura do corpo somente através de nervos, e que estes transportam uma energia especifica para cada sensação. Müller reconhece cinco sentidos, que são: a visão, a audição, o olfacto, o paladar e o tacto. No tacto estaria incorporada a sensação de dor, frio e calor. As publicações destes autores iriam suscitar pesquisas a vários níveis, incluindo a dor. Ao nível do tratamento foram efectuados grandes avanços, uma vez que Serturner35 em

1806 isola a morfina do ópio36, o que é fundamental para o controlo e

tratamento da dor. Nesta altura foram também isolados outros medicamentos importantes no alívio da dor, como a codeína. Foi descoberta a eficácia do ácido acetilsalicílico, que foi mais tarde comercializado como Aspirina®. As propriedades anestésicas do éter foram também divulgadas, o que contribuiu para o desenvolvimento geral da anestesia. Por volta da mesma altura Rynd37

31 (1733-1804) Descobre a existência do oxigénio, dióxido de carbono, processo da fotossíntese e também que a grafite pode conduzir a electricidade.

32 Molécula gasosa de semi-vida curta com efeitos variados ao nível de sistemas biológicos. Foi identificada pela 1ª vez em 1987 como factor de relaxamento importante no tratamento e controlo da dor.

33 (1783-1855) Neurologista francês, considerado o pai da fisiologia experimental, distingue as funções sensoriais e motoras dos nervos espinais.

34 BASTOS, Zeferino, Multidisciplinaridade e Organização das Unidades de Dor Crónica, Biblioteca da Dor, Coor., Dr. José Manuel Caseiro, Permanyer Portugal, Lisboa 2005, p. 10.

35 (1783-1841) Descobre a morfina em 1805, e seus derivados. Estes tornam-se na alternativa mais usada para dores crónicas em pacientes terminais e cirurgias.

36 Bonica’s Management of Pain, Philadelphia, ed. John D. Loeser, MD, 132 autores, 2001, p. 7. 37 Foi o 1º a introduzir a morfina por via subcutânea em estado líquido em 1845, no Meath Hospital em Dublin.

(23)

desenvolveu a agulha, enquanto que Wood desenvolve a seringa em 1853, o que permitiu a injecção de analgésicos.

Estes desenvolvimentos, a par com o isolamento e estudos farmacológicos da cocaína, levados a cabo por Karl Koller38,39 e a sua posterior demonstração

de eficácia e generalização em anestesia local e geral contribuíram para o estudo do tratamento e erradicação da dor. A cocaína era assim usada não apenas para cirurgia, mas também para terapia de dor não cirúrgica.

Foi também no século dezanove que se desenvolveu a hipnose para a realização de cirurgias e para o tratamento da dor não cirúrgica. Foram levados a cabo avanços em áreas como a hidroterapia ou termoterapia.

Finalmente a descoberta do Raios X por Roentgen40 iniciou uma era de

radioterapia para muitas situações de doença.

1.2-Teorias sobre a Dor

As bases da neurologia moderna começam a estruturar-se no renascimento. Leonardo da Vinci tem um contributo fundamental com a descoberta dos nervos e a sua relação com a sensação dolorosa que vem confirmar as teorias de Galeno sobre o cérebro como coordenador das sensações, e a dor41.

Durante o século dezanove, os avanços feitos sobre o estudo da dor levam à formação de duas teorias sobre a dor:

38 Em 1884 descobre que o olho humano se torna insensível à dor com o uso de cocaína, dando assim o 1º passo para a anestesia local.

39 Bonica’s Management of Pain, Philadelphia, ed. John D. Loeser, MD, 132 autores, 2001, p. 7.

40 Em 1895 descobre os Raios X, fundamentais para o diagnóstico e a terapia. Obteve o Nobel da Física em 1901.

41 S

ANCHEZ, José Luis Aguilar, FONT Luis Aliaga, et al, Tratamiento del Dolor teoría e práctica,

(24)

1.2.1 Teoria Sensorial ou da Especificidade

Esta teoria foi elaborada por Von Frey que defende que: “o tacto, a pressão, o calor, o frio e a dor correspondem a sensações distintas provocadas pela estimulação de receptores periféricos diferentes tendo cada um deles a sua própria via de comunicação com os centros superiores42”. Ou seja, a sensação que se tem a beliscar a pele, cortar, queimar, arrefecer ou esmagar, é muito diferente da que se tem nos órgãos internos do corpo43.

Von Frey defende que a dor é uma sensação independente dos outros sentidos. É portanto uma continuidade das perspectivas de Galeno, Avicena e Descartes. Esta assenta nas experiências animais realizadas por Shiff em 1858, em que constata que, se destruir a substância cinzenta da medula, a dor desaparece. Esta teoria foi apoiada por Blix, Goldscheider e Donaldson.

É uma teoria cujo contributo principal é o de melhor conhecer o funcionamento do sistema nervoso central e periférico, e da sua forma de funcionamento e transmissão de informação.

1.2.2 Teoria da Intensidade

Foi inicialmente apresentada por Erasmus Darwin, se bem que assentasse nos princípios Aristotélicos de que a dor advinha de um exagerado estímulo do tacto. Foi uma teoria apoiada por Romberg, Henke e Volkman e foi reformulada por Erb em 1874. Para estes a dor era um excesso de sensação (frio, calor, pressão). A intensidade do estímulo provocava ou não o aparecimento da dor. “Goldscheider, em 1894, baseou esta teoria na intensidade do estímulo e na percepção no sistema nervoso central44”. Este autor reformula a teoria da

intensidade defendendo a somação de efeitos, assim como defende que as

42 VALENÇA, Ângela, Neurofisiologia da Dor e Comportamento, in Dor: Do Neurónio à Pessoa, Departamento de Educação Médica, Faculdade de Medicina de Lisboa, Lisboa 1995, p. 40. 43 Ibidem.

44 B

ASTOS, Zeferino, Multidisciplinaridade e Organização das Unidades de Dor Crónica, Biblioteca

(25)

diferentes sensações correspondem a intensidades de estimulação diferentes nos receptores periféricos e que o resultado final da dor é sempre obtido acima de um limiar de estimulação.

No início do século XX existem três teorias sobre a dor: a) A da Especificidade de Von Frey.

b) A da Intensidade de Goldscheider. c) A da Sensação Afectiva de Aristóteles.

As duas primeiras permanecem durante algum tempo, enquanto que a terceira, a de Aristóteles, que percepciona a dor como uma sensação afectiva, desaparece.

Surge uma nova teoria no século vinte, a Teoria do Portão.

1.2.3 Teoria do Portão ou Teoria do Controlo da Porta (Gate Control

Teory)

Esta Teoria nasceu em 1965 e adaptou alguns aspectos das teorias anteriores. Foi criada por Patrick D. Wall e por Ronald Melzack45 e foi

reestruturada pelos seus criadores em 1982. Esta teoria parte do princípio que os factores psicológicos têm grande influência na dor, e que este é o resultado de um processo biopsicológico muito complexo46. A Teoria do Portão é a que

fornece uma explicação mais abrangente do fenómeno da dor47. Esta teoria

consiste num mecanismo de sinapses entre neurónios. A estas sinapses dá-se o nome de porta. Portanto, estes mecanismos funcionam deixando ou não passar o fluxo de impulsos nervosos até ao sistema nervoso central permitindo ao doente sentir ou não a dor de que sofre.

Neste modelo as fibras A-delta, estimulam os neurónios intermediários no corno dorsal da medula. Estes neurónios têm uma acção inibidora em relação à

45 MELZACK, Ronald;WALL, Patrick D., Textbook of Pain, London, 1994, pp. 1-7.

46 BASTOS, Zeferino, Multidisciplinaridade e Organização das Unidades de Dor Crónica, Biblioteca da Dor, Coor., Dr. José Manuel Caseiro, Permanyer Portugal, Lisboa 2005, p. 13.

47 B

ATALHA, Luís Manuel, “Os Enfermeiros e a Dor na Criança”, in DOR, vol. 11, nº.1, 2003,

(26)

propagação do estímulo. Por sua vez as fibras C estimulam neurónios intermediários com uma acção resultante facilitadora desta sensação. Deste modo conforme haja uma predominância de estimulação a partir das fibras A-delta ou das fibras C, o estímulo doloroso que chega à medula será inibido ou diminuído, ou será facilitada a sua propagação para as estruturas superiores.48

A Teoria do Portão tem uma importância fulcral, pois é a base teórica para todos os processos analgésicos, “fechando o portão” através da activação das fibras A-delta, impedindo por isso a sensação dolorosa. Para além deste factor esta teoria é fundamental pois permite integrar as dimensões sensoriais, afectivas e cognitivas da dor.

A Teoria do Portão vai inovar no sentido de desenvolver uma técnica neurocirúrgica, a microcirurgia, que é capaz de lesar só as fibras finas, permitindo o tratamento da dor49 e permite compreender vários fenómenos

antes inexplicáveis. Esta teoria explica o fenómeno da dor fantasma50, ou seja,

a perda de fibras nervosas poderia originar uma descarga central tão maciça que nenhuma inibição descendente poderia controlar. É assim como se o “portão ficasse aberto”, dando origem à dor.

A dor fantasma é definida por Ambroise Paré51 como “uma coisa

maravilhosamente estranha e prodigiosa, que seria difícil acreditar (salvo por aqueles que a viram com os seus próprios olhos e a ouviram com os seus próprios ouvidos), que os pacientes se queixem amargamente, vários meses, após a amputação, de ainda sentirem uma dor excessivamente forte no membro já amputado.” A maioria das pessoas amputadas percepciona um membro fantasma, quase imediatamente após a amputação do mesmo.

48 VALENÇA, Ângela, Neurofisiologia da Dor e Comportamento, in Dor: Do Neurónio à Pessoa, Departamento de Educação Médica, Faculdade de Medicina de Lisboa, Lisboa 1995, p.43.

49 “A dor e o Controlo do sofrimento”, in Revista de Psicofisologia, 1(1), 1997, site:

http://www.icb.ufmg.br/ipf/revista/revista1/volume1_a_dor(II)cap4_3.htm

50 Dor sentida por alguns doentes após amputação de membro.

51 “A dor e o Controlo do sofrimento”, in Revista de Psicofisologia, 1(1), 1997, site:

(27)

Calcula-se que este membro fantasma seja produzido pela ausência de impulsos nervosos do membro real52. Isto porque quando um nervo é

seccionado produz uma violenta descarga lesional em todos os tipos de fibras. Esta excitação diminui rapidamente e o nervo seccionado torna-se silencioso até novas terminações nervosas começarem a crescer. Neste processo o sistema nervoso central dá conta da falta do influxo normal. A tipologia de dor fantasma varia de pessoa para pessoa podendo apresentar-se esporádica, periódica, quotidiana, contínua etc.53

Na teoria do portão não são apenas valorizadas as funções internas do funcionamento do corpo, “as funções cognitivas como a atenção, a distracção e a memória, as funções emotivas como o stress, os estímulos visuais auditivos e tácteis, encontram o seu lugar intervindo no controlo descendente, pois ao regularem a transmissão dos influxos sensitivos e a produção de substâncias químicas, determinam pela abertura ou pelo fecho do portão a qualidade e intensidade da experiência dolorosa. No entanto, não sendo de todo linear, ou seja, não tendo relação directa com o estímulo ou mesmo com a sensação que a provocou. Por isso as respostas podem ser muito diferentes de pessoa para pessoa e na mesma pessoa, dependendo do estado biopsicossocial54.” Por isso

se explicam situações de grande stress em que por exemplo, soldados na frente de batalha, ou atletas de alta competição, continuam os seus propósitos com lesões muito graves em virtude da produção de substâncias que vão ter o poder de inibir a dor55.

Esta teoria integra na explicação da dor o facto de a dimensão afectiva, as experiências passadas, a atenção e a emoção influenciarem a percepção da dor

52 “A dor e o Controlo do sofrimento”, in Revista de Psicofisologia, 1(1), 1997, site:

http://www.icb.ufmg.br/ipf/revista/revista1/volume1_a_dor(II)cap4_3.htm

53 “A dor e o Controlo do sofrimento”, in Revista de Psicofisologia, 1(1), 1997, site:

http://www.icb.ufmg.br/ipf/revista/revista1/volume1_a_dor(II)cap4_3.htm

54 BASTOS, Zeferino, Multidisciplinaridade e Organização das Unidades de Dor Crónica, Biblioteca

da Dor, Coor., Dr. José Manuel Caseiro, Permanyer Portugal, Lisboa 2005, p. 13. 55 V

ALENÇA, Ângela, Neurofisiologia da Dor e Comportamento, in Dor: Do Neurónio à Pessoa,

(28)

e a reacção consecutiva, actuando sobre o mecanismo de portão56. A dor é

então entendida como uma experiência subjectiva, quer na sua componente fisiológica, quer na sua componente emocional, e por consequência, a resposta à mesma é também muito variável e condicionada por todos estes factores. O alívio à dor deve ser por isso efectuado de forma personalizada.

A dor resulta de uma cadeia de acontecimentos que é em regra iniciada por um estímulo que resulta de uma percepção primária que é o conhecimento sensorial. Em seguida actua o segundo componente de percepção da dor que é o cognitivo e emocional. Este insere-se na elaboração da experiência da dor.

Em face do acontecimento que provoca a lesão, a pessoa reage com emoção. Esta emoção produz uma resposta fisiológica de intensidade variável que vai influenciar uma resposta psicológica com expressão e comportamentos de dor, por exemplo a vocalização ou a postura e alteração de actividade.

O significado que cada um atribui à dor é subjectivo e depende da interpretação que cada um faz do acontecimento como um todo, o que é um factor importante para compreender o comportamento da pessoa com dor.

As emoções são muito importantes no processo da dor e interferem nele de várias formas, podendo aumentá-la. Ronald Melzack criou o McGill Pain Questionnaire para medição da intensidade de dor nos pacientes. Este questionário avalia para a dimensão sensorial e a afectiva, a componente subjectiva da dor.

1.2.4 Criação das Clínicas de Dor por Bonica É no século vinte que se criam as Clínicas de Dor.

As experiências de Bonica durante a II Guerra Mundial levaram-no a crer que a dor é mais do que um subproduto da doença.

56 B

ATALHA, Luís Manuel, “Os Enfermeiros e a Dor na Criança”, in DOR, vol. 11, nº.1, 2003,

(29)

John Joseph Bonica foi quem criou a primeira clínica de dor. Esta clínica foi criada no Tacoma General Hospital em conjunto com um psiquiatra, um neurocirurgião ortopédico e outros especialistas. A criação destas clínicas pressupõe que se reconheça dor como um importante problema pessoal e colectivo. Muitos doentes com dores eram tratados de forma inadequada, e viviam e morriam sujeitos a dores nunca tratadas de forma correcta com as terapêuticas disponíveis.

A separação entre as diversas especialidades levava a que os doentes não pudessem beneficiar das terapêuticas existentes. Os estudos de Bonica levaram-no a descobrir que a dor era comum a todas as especialidades e que tinha elevada prevalência em todos os âmbitos estudados, o que o levou a denominá-la de epidemia silenciosa da sociedade moderna. Pela primeira vez aborda-se o tema da dor de forma multidisciplinar. Este é o principal contributo de Bonica.

Em 1953 Bonica publica o seu livro, Management of Pain. Aqui ele define as bases do que seria a anestesiologia moderna, a distinção entre dor aguda e dor crónica, a necessidade de equipas multidisciplinares, a colaboração entre investigadores básicos, clínicos etc.

Os conceitos de Bonica estenderam-se a todo o mundo, e o interesse generalizado na dor levou à criação, em 1974, da International Association for the Study of Pain, bem como ao aparecimento da revista Pain.

Na década de setenta aparecem os primeiros hospitais dedicados à assistência de doentes terminais, por iniciativa de Cicely Saunders57.

A IASP cresce rapidamente pelo mundo tendo hoje mais de 7000 pessoas associadas em 95 países do mundo58.

Desde Bonica que os interesses da comunidade médica pela “experiência da dor” cresceram devido a dois factores: o aumento da insatisfação dos resultados obtidos com os tratamentos farmacológicos, bloqueadores

57 BASTOS, Zeferino, Multidisciplinaridade e Organização das Unidades de Dor Crónica, Biblioteca da Dor, Coor., Dr. José Manuel Caseiro, Permanyer Portugal, Lisboa 2005, p. 15.

58 Bonica’s Management of Pain, Philadelphia, ed. John D. Loeser, MD, 132 autores, 2001, p. 14.

(30)

musculares, estimulação eléctrica e cirúrgica, e por outro lado o reconhecimento da complexa relação entre os medicamentos e os factores fisiológicos, na percepção e na elaboração da dor.

(31)

2- A dor, abordagem e formas de avaliação

2.1-Definição e tipo de dor

Actualmente a definição de dor é institucional59 e o organismo credenciado

para o fazer é a Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP60).

Ao longo dos tempos, a forma de encarar a dor, o modo como foi definida e o estudo para o seu controlo variaram. Estas mudanças ligaram-se ao modo como se encarava a dor, o sofrimento e a doença ao longo da história. Esteve também ligada ao tipo de descobertas que se efectuaram na área da fisiologia e que contribuíram para um melhor estudo e entendimento da dor e das suas consequências na vida do sofrente e da sua família.

Antes da definição estabelecida pela IASP, a dor foi entendida como uma consequência de lesão dos tecidos, causada por uma situação de doença, ou de traumatismo.

Os recentes estudos sobre a dor levam à consciencialização que a dor é muito mais que isso, que a dor é subjectiva, que varia de pessoa par pessoa, que se liga com a história de cada um e sobretudo, não tem que estar associada a uma lesão.

Assim, segundo a IASP, a dor é uma “experiência sensitiva e emocional associada a uma lesão real ou potencial dos tecidos, ou descrita como se de uma lesão se tratasse.61,62”. É ainda integrado nesta definição o facto de que

quem está incapacitado para comunicar verbalmente, não fica inibido de sentir dor, e necessita por conseguinte de tratamento adequado ao tratamento da dor que sente63.

59 Portugal é um dos países que faz parte da IASP.

60 International Association for the Study of Pain, http://www.iasp-pain.org/terms-p.html 61 International Association for the Study of Pain, http://www.iasp-pain.org/terms-p.html 62 Dicionário Médico Enciclopédico Taber, Coor. T

HOMAS, Clayton Ed. Manole Brasil 2000,

Lusodidacta Loures 2000, p. 529.

(32)

A dor pode definir-se portanto como uma experiência subjectiva integrada num conjunto de pensamentos, sensações, e condutas que se interligam formando o sintoma de dor.

Segundo os autores Anand e Craig64, esta definição é limitada uma vez que

não tem em conta a dor das crianças pequenas, dos incapacitados mentais, dos doentes em coma, dos afectados por doença mental grave, bem como a dor de todos os animais. Pretendem encontrar uma definição de dor que tenha em conta aqueles que não conseguem comunicar, pois o facto de um doente estar incapacitado para expressar a sua dor, não nega a possibilidade de sentir, nem invalida a sua necessidade de tratamento de alívio.

Para melhor entender a definição moderna de dor é necessário considerar a existência de duas componentes65:

a) Sensorial: constitui a sensação dolorosa e é a consequência da transmissão dos estímulos lesivos pelas vias nervosas até ao córtex cerebral.

Este é o componente sobre o qual se conhece melhor os mecanismos fisiológicos, pois podem ser estudados através de testes em animais. É sobre esta componente que actuam a maioria dos analgésicos.

b) Afectiva: vai modelar o sofrimento associado à dor. Depende da causa, do momento, da experiência do doente e pode variar muito devido à sua relação com numerosos factores psicológicos que podem alterar a sensação de dor.

A percepção final da dor é a consequência destas duas componentes interligadas. A contribuição relativa de uma ou de outra é muito variável segundo a dor e a experiência de cada um.

64 ANAND, KJS, CRAIG, KD, New perspective on the definition of pain. Pain 1996; 67: 3-6, in SANCHEZ, José Luis Aguilar, FONT Luis Aliaga, et al, Tratamiento del Dolor teoría e práctica,

Barcelona 2002, p.4-5. 65 Ibidem.

(33)

Podemos tomar o exemplo de que uma dor pós-operatória tem uma componente sensorial maior, enquanto que uma dor oncológica, para além de ter uma forte componente sensorial, tem também uma enorme componente afectiva, em virtude da duração dos tratamentos, da fragilidade prolongada que suscita no doente, etc.

A dor foi reconhecida como o quinto sinal vital66. A “Direcção Geral da

Saúde, no uso das suas competências tecniconormativas e depois de ouvida a Comissão de Acompanhamento do Plano Nacional de Luta Contra a Dor institui através da presente circular, “a dor67 como 5º sinal vital68”.

A dor e os efeitos no seu tratamento são valorizados, registados e diagnosticados, pelos profissionais de saúde, na abordagem feita aos doentes de todas as idades, que sofram de dor aguda ou dor crónica.

Muitos doentes relatam dor com ausência de danos nos tecidos, ou com ausência de outra causa fisiológica. Esta situação normalmente acontece por motivos psicológicos. Não existe forma de distinguir a experiência destes sujeitos das experiências dos doentes em que existem danos nos tecidos, se entendermos essa descrição como subjectiva. Se estes descrevem a sua experiência como dor, e se a descrevem da mesma forma, é como dor que deve ser entendida69. Esta definição evita fazer uma ligação da dor a um

estímulo.

A dor tem uma dimensão subjectiva, que depende em muito do sujeito. A dor inclui não apenas a percepção de um estímulo desconfortável, mas uma resposta a esta percepção. Cerca de metade das pessoas que procuram ajuda médica fazem-no devido a uma queixa primária que é a dor.

66 Circular Nº 09/DGS de 14 de Junho de 2003.

67 A par com a avaliação das frequências cardíaca e respiratória, pressão arterial e temperatura corporal.

68 MIGUEL, José Pereira, “Comunicado da DGS sobre o 5º sinal vital”, 4ªs Jornadas de Dor do IPOFG SA, Lisboa, in Dor, Vol. 11, Nº 3, Lisboa 2003, p. 8.

69 Para maior esclarecimento consultar: http://www.iasp-pain.org/terms-p.html, cuja definição é baseada no: Classification of Chronic Pain, Second Edition, IASP Task Force on Taxonomy, editado por H. Merskey e N. Bogduk, IASP Press, Seatle, 1994, pp. 209-214.

(34)

Segundo os dados para os EUA70, em cada ano 155 milhões de pessoas

sofrem pelo menos um episódio de dor aguda e um terço desse número expressou dor intensa.

A vivência da dor é influenciada por um grande número de factores físicos, mentais, sociais, culturais e emocionais que interactuam. Estas interacções são dinâmicas e estão em constante mudança. Assim sendo, uma dor que numa altura foi percepcionada como muito intensa, pode, noutra ocasião, ser percebida como mais ou menos intensa, mesmo que os restantes factores se mantenham.

Assim a dor pode ser entendida como uma experiência individual e subjectiva de mal-estar.

Tem uma componente emocional forte que se baseia no estado afectivo de quem a sente e nas experiências passadas desse sujeito, em especial na infância.

A dor não é uma fatalidade, quem dela sofre tem o direito de ter alívio e os profissionais de saúde têm o dever de monitorizar o seu apaziguamento conduzindo ao seu alívio ou cura.

O fenómeno clínico da dor tem quatro componentes71 que podem ser

identificados:

1- Dano72: traduz-se por uma produção de efeitos nocivos em tecidos, causados por efeitos térmicos, mecânicos ou químicos.

2- Dor: consiste na percepção de um estímulo nocivo que acontece quando a informação do dano atinge o sistema nervoso central.

3- Sofrimento: constitui a resposta negativa que se gera no sistema nervoso pela dor ou por outros estados afectivos que afectam o doente.

4- Comportamento de Dor: aquilo que o doente faz ou diz, ou deixa de fazer, que pode sugerir a ocorrência de danos nos tecidos.

70 Dicionário Médico Enciclopédico Taber, (Coord.) T

HOMAS, Clayton Ed. Manole Brasil 2000,

Lusodidacta Loures 2000, p. 529.

71 TEIXEIRA, Rui Manuel, “O Médico de família e o tratamento da dor”, in Dor, Vol. 11, Nº 4, Lisboa 2003, p. 9.

72 Ou lesão, que, como já foi referido na definição da IASP, pode ou não existir na pessoa sofrente.

(35)

A dor pode ser de vários tipos73, segundo da classificação da IASP:

Dor aguda: esta é em regra limitada e com uma duração inferior, sendo de três a seis meses.

Exemplos: dor pós-cirúrgica, dor de parto ou dor de dentes. É uma dor frequente, e em regra, não acarreta as consequências psicológicas da dor crónica, que abaixo se descreve.

Dor crónica benigna74: está presente a maioria do tempo apresentando uma intensidade variável. Exemplo: dor lombar. Esta dor pode também ser definida como dor crónica não oncológica.

Dor crónica maligna: em regra associada a causas malignas. Exemplo: causas oncológicas.

Esta dor pode ser definida como dor crónica oncológica75.

Segundo os conceitos definidos pela IASP a dor aguda distingue-se da dor crónica devido a esta última persistir por mais tempo do que o tempo normal de cura, dando origem a respostas específicas, quer sejam psicológicas, afectivas, fisiológicas ou comportamentais. A dor crónica impõe ao doente uma alteração de vida a todos os níveis, quer social, emocional, económico ou stress físico e constitui um problema a nível social.

Segundo Bonica76, a dor aguda é uma complexa constelação de

experiências sensoriais, perceptivas e emocionais que conduzem a respostas vegetativas, psicológicas, emocionais e comportamentais. A dor aguda caracteriza-se principalmente por estímulos sensoriais, e os factores emocionais têm um papel menos importante no início. Constitui um mecanismo

73 Idem, p. 10.

74 Para alguns autores, esta terminologia de Benigna aplicada à dor é inadequada, pois a dor seja ela de que tipo for, vai causar sempre ao doente, à sua família e à sociedade um grande prejuízo. Para aprofundar este tema consultar: BONICCA, JJ., “Definitions and Taxonomy of

Pain”, En: Bonica JJ. The Management of Pain, Filadelfia, 1991, 18-27. 75 Ibidem.

76 B

ONICCA, JJ., “Definitions and Taxonomy of Pain”, En: Bonica JJ. The Management of Pain,

Filadelfia, 1991, 18-27, in SANCHEZ, José Luis Aguilar, FONT Luis Aliaga, et al, Tratamiento del

(36)

biológico de alarme ao nível dos cuidados de saúde. Ainda segundo o mesmo autor, o seu diagnóstico não é difícil77 e, com excepções, o tratamento médico

ou cirúrgico é eficaz. O seu tratamento inadequado pode levar ao aparecimento de dor crónica.

Em muitos dos doentes que sofrem de dor crónica, não é em primeiro lugar a situação de doença que é causadora de mal-estar na sua vida, mas sim a situação de dor. Segundo Ronald Melzack, “o maior desafio da dor continua a ser o doente que se submeteu a todos os tratamentos conhecidos e que, não obstante, mantém o sofrimento78”. Segundo este autor, até que se consiga controlar estas situações, o desafio da dor é enorme.

2.2-Neurofisiologia da dor

O estudo da dor implica a compreensão do modo como o nosso corpo a percepciona e este processo é denominado de neurofisiologia da dor79,80. A dor

apresenta-se como uma sensação produzida por estimulações várias. A zona do corpo onde se manifesta a dor representa o ponto de partida e o ponto de chegada da complexa função fisiológica da transmissão da dor81.

Segundo Alice Cardoso, o estudo deste processo permite a distinção entre a dor e o sofrimento: “…o termo dor era usado em diversas situações não necessariamente médicas. Só no séc. XIX os filósofos sociais e os biologistas separaram o termo dor do sofrimento e os médicos iniciaram o estudo do tratamento biológico da dor, isto é, da resposta física aos estímulos nócicos82.”

77 Ibidem.

78 Mel

Zack, Ronald; WALL, Patrick, O Desafio da Dor, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa

1987, p. 389.

79 LIMA, Deolinda, Neuroanatomia da Dor, in Dor: Do Neurónio à Pessoa, Departamento de Educação Médica, Faculdade de Medicina de Lisboa, Lisboa 1995, pp.21-38.

80 V

ALENÇA, Ângela, Neurofisiologia da Dor e Comportamento, in Dor: Do Neurónio à Pessoa,

Departamento de Educação Médica, Faculdade de Medicina de Lisboa, Lisboa 1995, pp.39-51. 81 Na explicação da neurofisiologia da dor aqui apresentada, pressupõe-se que ocorreu uma lesão nos tecidos, no entanto, já foi anteriormente explicado, que o doente pode sentir dor sem ocorrer uma lesão.

(37)

Ao longo da evolução da medicina foi fundamental o estudo da fisiologia, pois foi através dela que se conheceram os mecanismos fisiológicos da transmissão da dor. Estes, associados à evolução do estudo dos fármacos, permitem “o controlo da dor na maioria das situações83.” A dor é transmitida

pelas terminações nervosas: os nociceptores84. Estes localizam-se na pele e

nos tecidos celulares subcutâneos, músculos, articulações e vísceras. Os nociceptores estão habitualmente inactivos, mas podem vir a responder a outro tipo de estímulos que possam ser nocivos para o indivíduo, e informam sobre a localização da dor, a sua intensidade e sua duração.

Os mecanismos neurofisiológicos das diversas formas de dor são distintos. Pela análise da figura85, podemos verificar que a dor de fase 1 é aquela

que é produzida por uma lesão pequena e breve, a dor de fase 2 é aquela que é gerada por lesões mais intensas e duradouras que produzem lesões dos tecidos devido a uma inflamação. A dor de fase 3 é produzida por lesão neurológica que inclui neuropatias periféricas ou alterações centrais. Estas fases sendo progressivas, podem coexistir no mesmo sujeito:

a) A dor de fase 1 produz-se como consequência de um estímulo nocivo breve. Não tem que ter uma lesão associada, é apenas necessária para o bem-estar do indivíduo.

b) A dor de fase 2 é a capacidade de o sistema nervoso responder a estímulos prolongados que produzem lesão nos tecidos e dão início ao processo inflamatório. Estas são as reacções normais do organismo a um processo que causa danos e requer cura e cicatrização. A dor de fase 2 caracteriza-se pelas suas componentes centrais que se colocam em marcha e que se mantêm devido à presença de descargas aferentes persistentes.

Este é distinto da fase 1, pois nesta fase há uma perda de relação entre a intensidade do estímulo e a amplitude da sensação, uma vez que a dor persiste na ausência de novas estimulações.

83 Ibidem.

84 Terminação periférica de um neurónio. 85 Consultar Anexos, p. 188.

Referências

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