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Autoridade e autoritarismo: reflexões sobre a prática docente.

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

CURSO DE PEDAGOGIA

CILENE TELES DE JESUS

AUTORIDADE E AUTORITARISMO: REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA

DOCENTE

Salvador-Bahia 2009

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CILENE TELES DE JESUS

AUTORIDADE E AUTORITARISMO: REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA

DOCENTE

Monografia apresentada ao Colegiado de Pedagogia da Faculdade de Educação – Universidade Federal da Bahia, como requisito para conclusão do Curso de Pedagogia.

Orientadora: Profª. Drª. Maria Roseli G. B. de Sá

Salvador – Bahia 2009

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TERMO DE APROVAÇÃO

CILENE TELES DE JESUS

AUTORIDADE E AUTORITARISMO: REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA

DOCENTE

Monografia apresentada ao colegiado de pedagogia da Faculdade de Educação – Universidade Federal da Bahia, como requisito para a conclusão do curso de

Pedagogia.

BANCA EXAMINADORA

Profª. Drª Maria Roseli G. B. de Sá (Orientadora)

Profª MS. Iracy Silva Picanço

Profª. Drª. Nelma Sandes Galvão

Salvador-Bahia 2009

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar agradeço a Deus por ter me concedido vida, força e saúde para persistir em busca dos meus sonhos;

Aos meus pais, por terem me encorajado durante a trajetória acadêmica;

Ao meu esposo pelo seu apoio e paciência;

A minha orientadora, Roseli Sá, por ter traçado o caminho de estudo, o passo a passo, o que possibilitou a construção deste trabalho.

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RESUMO

O presente trabalho tem como objeto de investigação a construção da autoridade docente e tem como objetivos discutir os conceitos de autoridade e autoritarismo; compreender a questão da legitimação da autoridade docente a partir das múltiplas relações estabelecidas no contexto da sala de aula; levantar questionamentos propositivos para uma nova visão sobre a importância da autoridade docente como prática que pode contribuir para a formação moral e autônoma do educando. Para tanto, foi feita uma pesquisa bibliográfica a fim de selecionar obras de autores que subsidiassem os estudos sobre a questão da crise de autoridade e seu reflexo na prática educativa; sobre a diferença entre o exercício da autoridade e do autoritarismo, o que possibilitou uma discussão a partir de episódios vivenciados pela autora, a qual é professora de Educação infantil em uma escola particular no município de Salvador. Com base nas indicações do contrato social de Rousseau, concluiu-se pela necessidade de um contrato pedagógico firmado entre professor e aluno o que irá favorecer tanto a autoridade docente quanto autonomia discente, sendo a base para uma relação pedagógica pautada no respeito mútuo e reciprocidade entre as partes envolvidas no processo educativo.

Palavras-chaves: Autoridade – autoritarismo – autonomia – autoridade docente – relação pedagógica.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...06

2. AUTORIDADE E AUTORITARISMO...15

2.1. O exercício da autoridade docente como prática negativa ...18

2.2. Autoridade em sala de aula...20

2.3. Prática autoritária em sala de aula...23

3. REGRAS NA SALA DE AULA...27

3.1. Moral autônoma e Heterônoma...30

3.2. Ordens nas classes...31

4. AUTORIDADE DOCENTE BASEADA NAS IDÈIAS DE ROUSSEAU...34

4.1. O Contrato e suas Cláusulas...37

4.2. O contrato e sua relevância na prática docente...40

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...42

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1. INTRODUÇÃO

A escolha do tema Autoridade e autoritarismo: reflexões sobre a prática docente se deu a partir dos questionamentos da minha prática como professora de Educação Infantil em uma escola particular, situada no município de Salvador.

A partir do cotidiano da sala de aula pude perceber como as relações entre professor e aluno são entrelaçadas por muitas questões que fazem da prática educativa um momento complexo e até mesmo conturbado. Isso ocorre devido aos problemas que emergem no dia-a-dia da sala de aula como: indisciplina, desrespeito, conflitos entre professor-aluno, entre outros. Foi refletindo sobre esses problemas e minha atuação em sala de aula, que cheguei aos questionamentos: Por que não consigo exercer minha autoridade como professora? De que forma eu posso construir uma relação de autoridade com meus alunos? Como posso exercer minha autoridade sem ser autoritária? Como a autoridade do professor pode contribuir para construção da autonomia do aluno? Esses questionamentos muitas vezes me deixavam com uma sensação de não estar preparada para exercer minha profissão docente, já que a autoridade que pensava ter, por possuir o conhecimento teórico, não era legitimada pelos meus alunos.

Para falar da questão da crise da autoridade docente tão presente na atualidade é necessário sabermos a sua origem. Para isso, tomo como base para essa discussão as idéias de Hannah Arendt (1997) que procurou nos seus estudos discutir a partir de uma visão política e filosófica, a problemática da crise de autoridade enfrentada pela humanidade nos séculos XIX e XX e que ainda persiste em nossos dias. Essa crise tem se espalhado a cada dia, interferindo nas instituições família e escola. Como diz essa autora:

O sintoma mais significativo da crise, a indicar sua profundeza e seriedade, é ter ela se espalhado em áreas pré-políticas tais como: a criação dos filhos e a educação, onde a autoridade no sentido mais lato sempre fora aceita como uma necessidade natural, requerida por

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necessidades naturais, como por necessidades políticas (ARENDT, 1997, p. 128).

Desta forma, a crise de autoridade que reflete nas instituições família e escola, acaba afetando tanto as necessidades naturais das crianças, que seria da melhor forma traduzida, como a necessidade de amparo vital que elas esperam dos adultos, quanto às necessidades políticas, já que as crianças necessitam das orientações dos adultos para conhecerem melhor o mundo, pois é através desses ensinamentos aos mais novos que o homem poderá dar continuidade à história da civilização humana.

Para Arendt (1997) já não sabemos muito bem o que é autoridade e falamos de modo arbitrário sobre uma crise de autoridade. Em seu entender, apesar dessa crise existir ao mesmo tempo com a ascensão do mundo moderno, é o efeito final de um processo que invadiu a dimensão política nos últimos séculos. Como conseqüência dessa reestruturação interna, houve a desagregação da tradição e da religião, espaços considerados por excelência para a organização das figuras de autoridade nos séculos precedentes. Assim “a autoridade assentando-se sobre um alicerce do passado como sua inabalada pedra angular, deu ao mundo a permanência e a durabilidade de que os seres humanos necessitam por serem mortais” (ARENDT, 1997, p. 131).

A perda da autoridade para Arendt (1997) equivale à perda do fundamento do mundo e sua permanência, visto que esse mundo vem sofrendo mudanças e transformações, onde todas as coisas, a qualquer momento podem se tornar qualquer outra coisa. Essa perda da segurança e permanência do mundo é politicamente idêntica à perda da autoridade.

França (1999) apoiá-se nas idéias de Arendt (1997) para descrever os valores que a tradição e a religião trouxeram para a sociedade, assim:

Na tradição, porque esta ofertava a cada geração o testemunho dos antepassados, uma escritura de seus rastros, proporcionando durabilidade aos feitos humanos e às coisas do mundo, como também conferia profundidade à

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narrativa humana. Um fio imemorial ligava um homem aos seus ancestrais, que teceram esse mundo e legaram, e a este às próximas gerações um futuro. A autoridade estava sustentada nesse testemunho, nesse legado;

Na religião, porque esta ofertava a cada geração a crença na imortalidade da alma, em uma vida futura, como também proporcionava uma fundação do mundo e do homem no início dos tempos, fabricando um enredo que o encarnava como presença efetiva e verdade evidente. A autoridade assentava-se na palavra das escrituras, dando ao mundo dos homens a possibilidade e a permanência para os seres mortais (FRANÇA, 1999, p. 160).

Desta forma, França (1999) explicita que o ser humano passageiro do tempo precisa de algo que lhe revele a presença dos homens que o antecederam, para igualmente registrar sua passagem e dar início a um outro futuro do qual não participará. Nesse sentido o homem precisa da história das gerações passadas para alicerçar seu presente com vistas ao futuro. “Perder essa referência é perder todo o fundamento do mundo, que passa a se apresentar tão volúvel quanto seu próprio desejo” (FRANÇA, 1999, p. 160).

Partindo da concepção de que a crise de autoridade a qual vivenciamos hoje é em sua essência política, surge a questão: Quais os acontecimentos que sustentaram essa crise?

Para responder a esta questão, que é fundamental ao entendimento das causas que levaram à crise de autoridade no mundo, recorro mais uma vez as considerações de França (1999), que a partir das idéias de Arendt (1997) descrevem alguns acontecimentos que serviram de alicerces para a crise de autoridade, como:

O desaparecimento do mundo público e a crise de valores morais: a desarticulação entre os valores da família e as leis que regem a cidade, a diluição

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das fronteiras entre os valores da esfera privada e as leis políticas, o desamparo do indivíduo diante das escolhas morais, as normas e regras de conduta;

O aparecimento de formas totalitárias de governo: o tirano, o déspota, o ditador;

A crise política da autoridade adentrando na família e educação;

A perda da crença para o homem priva a autoridade de sua concretude existencial, impulsionando-a a abstrações, figura de linguagem em que uma coisa é tomada por outra: a autoridade confundida com violência, coerção e persuasão.

Para Arendt (1997) a autoridade só poderá se fundar no mundo em que vivemos, se pudermos restaurar o fio da tradição, mediante a fundação de novos organismos políticos, visto que é isto que irá conferir aos humanos certa medida de dignidade e grandeza.

Ressaltando a idéia defendida por Arendt (1997) de que a crise de autoridade vem afetando áreas pré-políticas como a educação, é que trago para este estudo uma das questões que emergem no cotidiano escolar e que pode ser vista como um dos reflexos dessa crise: a recorrente indistinção que muitos professores vem fazendo dos termos autoridade e autoritarismo, refletindo muitas das vezes em práticas inadequadas. Assim, ter autoridade tem equivalido a ser autoritário com os aprendizes, não lhes dando direito de se posicionarem em diversas questões que ocorrem no contexto escolar. De acordo com essa visão, o aluno se cala não por crer e respeitar a autoridade do professor, mas por temer as punições de um professor que exerce o autoritarismo e não a autoridade em sua prática pedagógica. A esse respeito procuro mais uma vez o respaldo de Arendt quando a mesma afirma:

Visto que a autoridade sempre exige obediência ela é comumente confundida como alguma forma de poder ou violência. Contudo, a autoridade exclui a utilização de meios externos de coerção; onde a força é usada a autoridade em si mesmo fracassou (ARENDT, 1997, p. 129).

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Ao longo da história vimos que as práticas autoritárias estiveram presentes por muito tempo. Os resquícios do militarismo, as políticas na era do nazismo e o fascismo impuseram momentos de terror à sociedade. Nas instituições de ensino, podemos considerar as práticas autoritárias como reflexo de uma sociedade governada por regimes autoritários e ditatoriais. Essa educação através do castigo e da coerção foi vivenciada por muitas pessoas, é comum ouvirmos pessoas dizerem que aprenderam a ler e escrever à base de gritos e puxões de orelhas, aquele aluno que não aprendia a lição sofria severas punições. O uso da palmatória era a prática mais comum entre os professores, também a de colocar o aluno ajoelhado sobre grãos de milho e feijão, são grandes exemplos das práticas autoritárias nas escolas.

Com as idéias advindas do processo democrático, o mundo sofreu várias transformações políticas e sociais. Essas transformações também adentraram nas instituições família e escola, consideradas como principais instituições sociais, no que diz respeito à educação do indivíduo.

Segundo Setton (1999), uma das transformações ocorridas devido ao pensamento moderno, foi a reestruturação familiar, como consequência da reorganização dos papéis e redefinições das posições de autoridade, assim a autoridade familiar, como primeira forma de respeito a uma instância ligada à tradição, vem sendo questionada, pois não está imune ao ambiente moderno. A inserção da mulher no mercado de trabalho é um dos exemplos claros da reorganização das posições de autoridade e redefinições de papéis dentro do seio familiar, visto que, aquela mulher que se dedicava exclusivamente a casa e ao cuidado dos filhos, agora assume outras responsabilidades, outros deveres, e passa assumir muitas vezes a posição do homem da casa.

Não poderia deixar de enfatizar que as transformações sociais têm influenciado também na mudança de costumes dentro da família e até mesmo acarretado problemas de relacionamentos entre pais e filhos. Como exemplo, podemos ver em algumas famílias

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a forma como os filhos se dirigem aos pais para pedir-lhe algo, na maioria das vezes não pedem, simplesmente exigem em alta voz. Esse tipo de comportamento dos filhos para com seus pais pode ser visto também, como reflexo de uma sociedade em que os costumes e os valores que antes eram alicerces para a legitimação da autoridade dos pais, não são mais vistos como importantes e fundamentais na relação familiar.

Já na escola, as mudanças sociais refletiram de uma forma geral nas práticas educacionais e na relação pedagógica. O professor deixou de ser o detentor do saber, o autoritário e poderoso que dava as instruções, que disseminava os conteúdos escolares, passando a ser o mediador do processo ensino-aprendizagem, levando práticas inovadoras pautadas na troca de conhecimento.

As conquistas da educação tomaram novas direções. O autoritarismo perdeu espaço para o diálogo, as práticas docentes também tiveram que acompanhar as mudanças ocorridas na sociedade, e no ensino se priorizava a boa formação do sujeito, para a aquisição de valores éticos e morais, para construção do exercício da cidadania.

Na concepção democrática de ensino, o professor não precisa mais gritar pelo silêncio ou castigar severamente os indisciplinados. Pelo contrário, sua prática educativa deve exercer as práticas dos bons valores morais, do respeito ao próximo, dos direitos e deveres a serem cumpridos. É através da sua prática que poderá tecer uma relação respeitosa com seus alunos, é no convívio do dia-a-dia em sala de aula que o professor construirá uma relação pautada no respeito mútuo. Nesse sentido, a autoridade do professor será o produto das relações vivenciadas com seus alunos.

Podemos dizer que as mudanças sociais democráticas trouxeram consigo importantes bagagens para a educação, no que diz respeito a uma nova concepção da prática pedagógica, que passou a ser mais produtiva e aberta. Mas em contrapartida essas transformações trouxeram “maior complexidades nas relações civis que dão suporte à convivência social” (DE LA TAILLE, 1999, p. 7). Assim, a idéia de progresso trouxe como consequência a crise de autoridade, que se reflete nas instituições que compõem concretamente a vida social: a família e a educação. Os agentes dessas instituições

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(pais e educadores) vêem no cotidiano das relações educativas a necessidade de uma (re) significação de seus papéis, suas funções e suas práticas.

Diante do que foi exposto sobre a crise de autoridade no mundo, a qual é notório dentro do ambiente escolar percebe-se o quanto o tema em questão é complexo e que necessita ser mais discutido à luz de diferentes abordagens teóricas, em diferentes contextos históricos. Nesse sentido, a opção metodológica que escolhi para realizar este trabalho é de natureza qualitativa e de cunho bibliográfico. Segundo Gil (1999) a pesquisa bibliográfica encontra sua relevância “ao permitir ao investigador à cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente” (GIL, 1999, p. 65). Desta forma, a pesquisa de cunho bibliográfico é importante, pois possibilita ao pesquisador uma análise mais completa de um determinado objeto, não restringindo sua pesquisa a um único fenômeno.

Para encontrar respostas para as questões levantadas neste trabalho, foi feito primeiro um levantamento bibliográfico na literatura científica, a fim de identificar autores tanto contemporâneos, quanto de outras épocas que tivessem abordado em suas obras a questão da relação de autoridade entre os principais agentes responsáveis pelo processo educativo: pais e professores. Esses autores foram selecionados para um estudo mais aprofundado, visto que suas idéias e formulações convergiam com as minhas inquietações, São eles, os já citados: Arendt (1997); França (1999), que tratam o problema da crise de autoridade numa perspectiva política e filosófica, e como esta crise vem afetando a família e a educação escolar nos nossos dias.

A fim de trazer os reflexos da crise de autoridade para o contexto escolar, mais precisamente para a relação pedagógica, tomo como base os estudos de Piaget (1994); Araújo (1999); Puig (2004); De La Taille; (1999; 2001); Freire (1996); Furlani (2004) e Aquino (1999) que abordam de forma precisa a questão da autoridade docente como produto das relações estabelecidas no cotidiano escolar, e como a autoridade do professor e uma nova concepção de escola e educação, podem favorecer na construção da autonomia discente. Para abordar a questão da construção de uma

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relação de autoridade no espaço da sala de aula e a possibilidade de preservar a autoridade do mestre sem sacrificar a liberdade do educando, recorro à obra o “Emílio” de Rousseau (1995) e às considerações de Francisco (1999) que discute a relação pedagógica a partir de um contrato pedagógico firmado entre professor e aluno, apoiada nas obras de Rousseau (O contrato social e o Emílio), as quais possuem um grande valor pedagógico.

Através das referências da obra desses autores foi possível sustentar de forma teórica as minhas vivências enquanto professora, o que possibilitou a elaboração do presente trabalho, que tem como objetivos: a)Discutir os conceitos de autoridade e autoritarismo e suas práticas; b) Compreender a questão da legitimação da autoridade docente a partir das múltiplas relações estabelecidas no contexto da sala de aula; c) Discutir a questão da autoridade docente como produto de uma relação pautada no reconhecimento de sua competência e no respeito mútuo; d) Levantar elementos propositivos para uma nova visão sobre a importância da autoridade docente, como prática que pode contribuir na formação moral e autônoma do educando.

O resultado do estudo realizado organiza-se em quatros seções. A primeira – Introdução - Traz a origem da crise de autoridade na sociedade moderna e seus reflexos no mundo atual, numa perspectiva política; e como essa crise tem influenciado na família e escola; também aborda a questão da influência das transformações sociais na prática educativa e na relação pedagógica.

Na segunda seção - Autoridade e Autoritarismo - apresenta-se conceitos dos termos autoridade e autoritarismo encontrado em dicionários científicos; traz a visão de um autor que considera a autoridade como algo negativo, o que possibilita a discussão sobre a equidade entre autoridade docente e liberdade discente; traz as características de uma prática autoritária e do exercício legítimo da autoridade a partir de relatos de episódios que vivenciei como professora de Educação infantil.

A terceira seção - Regras na sala de aula - aborda a questão das regras no cotidiano da sala de aula como um dos problemas que permeia a relação de autoridade e a prática docente, sendo as mudanças na prática educativa e nas relações estabelecidas

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em sala de aula fatores que poderão contribuir tanto para a organização de um espaço escolar democrático, quanto para a evolução de um juízo moral autônomo por parte dos educandos.

Na quarta seção - Autoridade docente baseada nas idéias de Rousseau - discute a relação de autoridade em sala de aula baseada num contrato pedagógico firmado entre professor e aluno, à luz das obras e idéias de Rousseau, o qual procurou entender as relações entre os indivíduos na sociedade a partir de um contrato firmado entre as partes; também faz uma análise das quatro cláusulas que servem de base tanto para legitimação da autoridade docente quanto para a autonomia discente.

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2. AUTORIDADE E AUTORITARISMO

Para falar sobre o tema autoridade docente no cotidiano da sala de aula, faz-se necessário compreender os significados das palavras autoridade e autoritarismo.

Em primeiro lugar é preciso entender os vários conceitos dados ao termo autoridade. De acordo com dicionários da língua portuguesa, em Polito (1994) a palavra autoridade traz forma de competência, constituída por uma investidura; influência; prestígio; magistrado que exerce o poder; agente ou delegado do poder público; pessoa que tem grande competência num assunto. A partir desses significados, podemos entender que a autoridade se constitui de duas maneiras distintas: por uma investidura propiciada pela hierarquização nas relações sociais, pelo direito de fazer obedecer e pelo poder institucionalizado; e por outro lado, pela influência ou prestígio da pessoa que demonstra competência em determinado assunto (ARAÚJO, 1999, p. 41).

Em dicionário de sociologia, Boudon e Bourricaude (1993) explicitam que uma pessoa tem autoridade quando outras pessoas confiam em sua mensagem, acolhe sua opinião, sua sugestão ou sua ordem, com respeito, consideração, sem hostilidade nem resistência, estando dispostos a submeter-se a ela. Nesse sentido, a autoridade é uma relação que é preciso analisar do ponto de vista daquele que emite a mensagem e do ponto de vista de quem recebe. Desta forma a autoridade é constituída somente quando ela é aceita livremente por ambas as partes, sem coerção.

Ainda discutindo o conceito de autoridade interligada à prática educativa, encontramos no dicionário de Pedagogia Laeng (1978) que a autoridade indica relação de vontade entre o superior e o inferior, a qual corresponde no sentido inverso, a relação de obediência; pode indicar também uma relação de outra natureza, por exemplo, de conhecimento entre quem sabe mais e quem sabe menos, acompanhada de um relacionamento voluntário. Nas relações educativas a autoridade pertence ao educador na razão direta da sua função e nesta encontra também os seus limites. Essa diferença

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entre saber e querer entre os dois indivíduos que é máxima, se torna mínima no fim do processo bilateral, ou seja, ao longo do processo educativo o aluno com ajuda do professor irá construindo sua autonomia. Crescendo em idade, discernimento e responsabilidade, o educando emancipa-se pouco a pouco da tutela do educador.

Se buscarmos em dicionário da língua portuguesa a palavra autoritarismo, confundido como autoridade por muitas pessoas, encontramos o significado: tirania; despotismo; ditadura; quem tem o caráter de dominação; impositivo; violento, arrogante. Desta forma, podemos dizer que um professor ao utilizar na sua prática meios de coerção e punição a fim de ser reconhecido como autoridade, exerce o autoritarismo e não a autoridade.

Para Araújo (1999) quem exerce o autoritarismo é arrogante, violento, impositivo, dominador e relaciona com a pessoa que age buscando domínio, que se sente no direito, por sua superioridade hierárquica, de exigir de forma coercitiva a obediência dos seus subordinados.

Segundo dicionário de Ciências Sociais (1986) o autoritarismo pode ser usado pelo menos de três maneiras distintas:

a) No sentido psicológico, quando se fala, por exemplo, em caráter autoritário, denota uma disposição que combina obediência fervorosa a um superior hierárquico; servilismo e bajulação para com os mais fortes em geral, com atitude despótica e desdenhosa para com os que se acham sob seu poder;

b) Na discrição da maneira de conduzir, denota confiança em ordens apodíticas e em ameaças de punição e aversão em empregar consulta ou persuasão;

c) Finalmente denota uma ideologia que preconiza a propagação ou aplaude a prevalência de procedimentos administrativos autoritários e exalta o modelo de caráter autoritário.

Através dos conceitos de autoridade e autoritarismo encontrados nos dicionários, podemos perceber que esses termos têm significados diferentes. O exercício legítimo

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da autoridade caracteriza-se pela aceitação livre das ordens de quem o sujeito considera superior, enquanto na prática autoritária, o indivíduo é obrigado a obedecer às ordens de quem manda, a fim de não sofrer punições. Nesse sentido a autoridade é legitimada somente por parte de quem manda e não de quem obedece.

Tratando dos significados do termo autoridade é importante trazer para essa discussão os tipos de autoridade descritos por Araújo (1999). Segundo esse autor, há dois tipos de autoridade: a autoridade autoritária; e a autoridade por competência. Enquanto a primeira vincula-se ao uso da força e da violência, a segunda vincula-se à admiração nutrida nas relações com seus subordinados, a partir do prestígio e da competência. A autoridade autoritária funda-se nas relações de respeito unilateral, onde aquele que é respeitado não se vê obrigado a respeitar o outro, enquanto a autoridade por competência fundamenta-se nas relações de respeito mútuo.

Assim, para que uma pessoa se constitua como autoridade em uma relação é necessário que seja reconhecida pelos membros do grupo como superior. O reconhecimento dessa superioridade pode ser compreendido como admiração sentida pela figura de autoridade.

Para alimentar essa discussão sobre o conceito de autoridade trago as idéias de Kojéve (2008 apud MACHADO, p. 33), que diz que a autoridade pode ser definida como “possibilidade que um agente tem de agir sobre os outros ou sobre um outro, sem que estes outros reajam sobre eles, mesmo sendo capazes de fazê-lo”. Dessa forma a autoridade consiste em uma relação de coação consentida em que o sujeito obedece às ordens do outro não pelo medo e sim pelo respeito. No exercício de tal forma de coação, o outro submete conscientemente; o recurso à violência nessa forma de coação significa a negação de autoridade (MACHADO, 2008, p. 34).

Trazendo para o dia-a-dia a concepção de autoridade descrita por Machado (2008), podemos dizer que a coerção de um ladrão que nos impõe sua vontade sob a mira de uma arma, não representa, obviamente, uma autoridade, mas apenas um poder

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ilegítimo, pois se funda unicamente na força bruta. Desta forma podemos compreender o significado da noção de autoridade, quando o indivíduo numa relação reconhece a legitimidade de uma coação, a qual não resulta de qualquer coerção ou força.

2.1 O exercício da autoridade como prática negativa

No âmbito das discussões educacionais, a autoridade é vista por alguns autores como algo negativo e que não contribui para a formação autônoma do indivíduo. Paiva (2007), em seu artigo (Uma compreensão sobre a autoridade: Seus fundamentos e efeitos na relação educativa) faz uma análise sobre os pensamentos de autores importantes e contemporâneos da filosofia e psicologia, entre eles Lobrot, do qual tomo suas idéias como base para essa discussão, já que este autor, a partir da psicologia, traz uma visão negativa da autoridade.

Segundo Lobrot (apud PAIVA, 2007, p. 154) há uma associação entre repressão e autoridade, pois se trata de uma força utilizada arbitrária e ditatorialmente, em que um grupo restrito de pessoas é contra a maioria. Nessa concepção não há distinção entre os termos autoridade e autoritarismo, dando-nos a impressão de que produzem o mesmo efeito, ou seja, o fim da autoridade consiste em dominar a maior parte da população em nome da igualdade dos homens.

A origem dessa autoridade está nas carências graves no desenvolvimento de uma personalidade enferma dominada pela angústia, o que desencadeia as condutas autoritárias, permeadas que são por uma desconfiança sistemática com respeito aos outros, pois nesse tipo de relação o outro aparece como alguém perigoso, incerto, fraco, preguiçoso, que é preciso coagir (PAIVA, 2007, p. 155).

De acordo com Paiva (2007), na concepção de autoridade defendida por Lobrot não há linhas divisórias entre autoridade e autoritarismo. Pois esse autor lida com o termo autoridade opressora que é definida como força negativa que impede o indivíduo de se desenvolver e de agir positivamente.

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Desta forma Lobrot (apud PAIVA, 2007, p. 156) apresenta uma visão negativa da autoridade. Ele a define como um sistema que permite a alteração da vontade do outro, conduzindo-o ao ponto que se deseja. De acordo com essa visão, a autoridade se contrapõe à liberdade e estas não podem caminhar juntas, visto que a autoridade é algo que visa impor ao outro, com o objetivo de inculcar, com ou sem a sua cooperação, idéias, crenças e hábitos e à liberdade entendida como poder de decidir e escolher entre alternativas.

Contrapondo a idéia do autor, de que autoridade e liberdade não podem caminhar juntas, recorro às idéias de Freire (1996) que explicita a importância da autoridade para que o indivíduo tenha liberdade, dizendo:

Quanto mais criticamente a liberdade assuma o limite necessário tanto mais autoridade a tem, eticamente falando, para lutar em seu nome. Pois a liberdade amadurece no confronto de outras liberdades, na defesa dos seus direitos em face da autoridade dos pais, do professor, do Estado. (FREIRE, 1996, p. 118; 119).

Segundo Freire (1996) um dos grandes problemas enfrentados pelos educadores hoje, que tem como opção a educação democrática, é justamente trabalhar no sentido de fazer possível que a “necessidade do limite seja assumida eticamente pela liberdade” (FREIRE, 1996, p. 119). Assim, a grande confusão feita por esses educadores na sua prática educativa, é por não compreenderem que o aluno para ter sua liberdade, precisa de limites para saber decidir dentro das limitações dos seus direitos. La Taille (2001) ratifica essa idéia ao dizer: “Cada vez que damos liberdade, damos responsabilidade. O valor pedagógico da primeira deve ser avaliado em função da importância da segunda, pois dar liberdade sem limites e responsabilidades é, na verdade não dar a liberdade” (LA TAILLE, 2001, p. 71).

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Diante disso, para que o indivíduo tenha sua liberdade é necessário que reconheça os limites dessa liberdade através da autoridade dos agentes educacionais, como os pais e professores.

Discutindo ainda sobre as relações entre autoridade, liberdade e autonomia, Freire (1996) ressalta que a autonomia é um exercício constante desenvolvido a partir dos processos de decisões tomadas pelo indivíduo. Assim autoridade e liberdade são compartilhadas quando se entende que é necessária uma intervenção do adulto na ação do sujeito de forma a dirigi-lo, a orientá-lo, com objetivo de formar pessoas responsáveis por suas próprias ações, medindo as conseqüências antes de agirem. Nesse sentido, afirma que a liberdade é sempre relativa, pois em parte é determinada, mas também conquistada. Nessa concepção defendida por Freire (1996), o professor em seu papel de autoridade, tem como função orientar seus alunos, visando contribuir para o exercício de sua liberdade e autonomia.

2.2 Autoridade em sala de aula

Hoje um dos grandes problemas enfrentados nas escolas, tanto públicas quanto privadas, diz respeito à falta de autoridade por parte dos professores e à confusão que se faz entre o exercício da autoridade legítima e uma prática autoritária. É comum ouvirmos professores dizerem que não agüentam mais tanto desrespeito por parte dos alunos, que não sabem como agir diante dos conflitos que surgem no ambiente da sala de aula ou qual postura tomar diante de um determinado problema que emerge no cotidiano escolar.

Como professora de Educação Infantil em uma escola particular, também já me deparei com diversas situações conflituosas em sala de aula, em que na maioria das vezes não soube agir. Dentre várias situações, descreverei neste estudo três dos muitos episódios que marcaram minha trajetória como educadora e que foram fundamentais, no que diz respeito à formulação das questões propostas neste trabalho.

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EPISÓDIO – I

Era uma segunda-feira, pedi para que os meus alunos sentassem no chão para fazermos nossa roda, como era de costume. Esse momento era dedicado a conversas informais e a escrita da agenda do dia. No momento da escrita da agenda do dia, um grupo de alunos disse que não queria ficar mais na sala e que eu era uma chata. Levantaram todos e saíram. Nunca havia acontecido aquilo comigo, ser chamada de chata por meus próprios alunos. Esse momento me fez refletir e me perguntar como estava sendo minha relação com os meus alunos, será que o que estava propondo naquele momento tinha algum significado para eles? Fui mais longe ainda, me perguntando: Qual o papel da escola no que diz respeito à formação moral do indivíduo?

Para discutir essas questões tomo como referência às idéias Araújo (1999) que discute a questão da construção da autoridade por parte do professor a partir de uma nova concepção de escola, na qual esta não mais se limitaria ao papel de simples transmissora de conteúdos científicos e culturais acumulados pela humanidade. Ela deve se tornar mais interessante para os alunos e os conteúdos precisam estar mais contextualizados em seu cotidiano e em suas necessidades, voltados para a formação dos alunos enquanto cidadãos. Além da significação dos conteúdos para os alunos, um dos fatores que irá contribuir na construção da autoridade do professor é a forma como se relaciona com seus alunos. Compartilhando com essa idéia, Souza (1999) diz:

Não basta que os conteúdos escolares sejam significativos. As relações estabelecidas em sala de aula, entre professores e alunos, também precisam fazer sentido e, especialmente precisam ser compreendidas pelos alunos. Assim o professor conseguirá exercer com segurança e responsabilidade sua autoridade em sala de aula (SOUZA, 1999, p. 117).

Desta forma, a concepção de escola democrática defendida por Araújo (1999) como base para legitimação da autoridade docente, se pautaria nas relações entre os membros escolares. Os aspectos apontados como mais importantes seriam:

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A construção de valores universalmente desejáveis

Neste aspecto, o autor parte do princípio de que os valores morais não são nem ensinados e nem são inatos ao indivíduo. Eles são construídos na experiência significativa que o sujeito estabelece com o mundo. Essa construção depende diretamente dos valores implícitos nos conteúdos com que o sujeito interage no dia-a-dia e da qualidade das relações interpessoais estabelecidas entre o sujeito e fonte dos valores de sua vida.

Partindo dessa idéia, a responsabilidade da escola encontra-se em propiciar a oportunidade para que os educandos interajam de forma reflexiva sobre os valores e virtude vinculados à justiça e à cidadania. Para isso, é importante que os docentes e a escola como um todo, respeitem o princípio inerente aos próprios valores que estão sendo trabalhados. Essa coerência permite que os alunos construam valores e os integrem em sua personalidade e ao mesmo tempo estabeleçam identificação e admiração com sua fonte.

Os conteúdos escolares

A questão da inadequação dos conteúdos é um problema recorrente nas escolas. Essa dissociação dos conteúdos em relação à realidade dos educando tem provocado, segundo o autor, a falta de interesse e compromete o respeito dos estudantes pelos seus mestres, sendo uma das fontes para a indisciplina que hoje assola nas escolas.

Esse é um dos aspectos importantes, que merecem a atenção não só do professor como de todo o corpo escolar, pois um conteúdo em que o aluno não entende qual a sua função para o seu dia-a-dia, para sua vida, pode aumentar a probabilidade de apatia ou manifestações de várias formas de violência.

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A metodologia das aulas

Esse é um dos pontos em que o autor traz a idéia de que não adianta incluir novos conteúdos na escola e continuar preso a um modelo de transmissão do conhecimento, pressupondo um aluno passivo cujo papel da escola é o mero receptor de conhecimentos, não contribuindo para construção de sujeitos autônomos.

Segundo Araújo (1999) a construção de uma nova realidade escolar pressupõe sujeitos ativos que participem de maneira intensa e reflexiva nas aulas. Sujeitos que constroem sua inteligência e sua personalidade pelo diálogo estabelecido na relação pedagógica. Esses objetivos só poderão ser atingidos incorporando metodologias mais dinâmicas para as aulas, promovendo discussões em grupos e solicitando reflexões críticas sobre os conteúdos trabalhados.

Esses três aspectos pontuados por Araújo (1999) servem como base para uma possível reflexão acerca da prática docente e ajuda a responder as questões levantadas neste estudo, visto que, explicitam nas suas entrelinhas, que a construção da autoridade do professor depende da concepção de educação que reflete em sua prática e de como vem estabelecendo sua relação com seus alunos.

2.3 Prática autoritária em sala de aula

Em minha prática educacional também já vivenciei situações em sala de aula onde tentei impor minha autoridade, através de gritos e ameaças. Vou relatar a seguir um momento que vivenciei como professora de uma turma de Alfabetização, em uma escola particular.

EPISÓDIO – II

O sino havia tocado, avisando que o intervalo já tinha chegado ao final. Estava esperando os alunos voltarem do recreio, mas para minha surpresa, boa parte dos alunos continuou no pátio. Resolvi ir até eles e aos gritos falei que o intervalo já havia

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acabado e quem não voltasse para a sala naquela hora iria para a sala da coordenação. Nesse momento alguns alunos com medo voltaram comigo para a sala. Diante dessa atitude quis impor a qualquer custo minha autoridade e os alunos coagidos obedeceram minha ordem. Refletindo sobre esse fato, retomo uma das questões desta pesquisa: Como posso exercer minha autoridade sem ser autoritário com meus alunos?

Discutindo a questão da autoridade e autoritarismo Aquino (1999) diz que autoridade, sem sombra de dúvida, é uma forma de poder, pressupõe comando e obediência. Mas embora seja uma forma de poder ela não tem nada a ver com tirania, ou seja, quando o professor utiliza em sua prática, punições e ameaças como ponte para legitimar sua autoridade, essa postura pode ser caracterizada como prática autoritária e não como exercício pleno da autoridade.

Ao abordar a diferença de uma prática autoritária e o exercício legítimo da autoridade docente Furlani (2004) traz algumas características que demarcam de forma geral os modelos autoritários, tais como: ausência de diálogo; o conhecimento é imposto através de um agente exclusivo; o professor como mero transmissor de conhecimento, por isso não é dada a palavra ao aluno; na vivência autoritária, as qualidades do professor, isto é, sua escolaridade e domínio de um ramo do conhecimento são considerados suficientes para exercer sua autoridade como professor. Assim, fica clara a desigualdade na relação pedagógica, de quem dá ordens e quem as obedece.

Neste momento da discussão, vale enfatizar a questão da hierarquia que está presente nas relações sociais, até mesmo na relação entre docentes e discentes, visto que o professor por possuir o conhecimento numa determinada área, socializa estes conteúdos para seus alunos. Vale esclarecer que esta hierarquia não pode servir como base para práticas autoritárias, ou seja, a hierarquia existe não para colocar o professor como o todo poderoso, o ditador, mas para definir os papéis tanto do professor quanto do aluno na relação pedagógica, em que a orientação do professor será a ponte para

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alcançar o principal objetivo no processo educativo: a construção da autonomia do educando.

De la Taille (1999) discute a questão da hierarquia na relação pedagógica como base para o desenvolvimento de um sujeito autônomo, quando diz:

A autoridade pressupõe uma relação hierárquica entre professor e aluno, onde o primeiro tem como função dar ordens que se referem ao bom andamento do processo ensino aprendizagem, e o segundo as segue, desde que sejam justas e se mostrem eficazes, favorecendo o seu desenvolvimento. ( DE LA TAILLE, 1999, p. 14).

Desta forma, posso dizer que mesmo existindo a hierarquia na relação pedagógica, a autoridade do professor só será legitimada se suas ordens forem vistas como necessárias e forem aceitas de forma livre, sem imposição, sem autoritarismo. É através da sua própria prática educativa e das relações estabelecidas em sala de aula que o professor poderá demonstrar sua competência seu comprometimento com o processo de ensino-aprendizagem. Esses fatores poderão ser fundamentais na construção de um ambiente democrático em sala de aula e no reconhecimento do professor como autoridade. Como afirma Furlani (2004):

A autoridade que surge através da competência e do empenho profissional do professor pode estabelecer uma mediação democrática, através da ênfase predominante que faça convergir liberdade, igualdade, tendo critério norteador à qualidade de vida coletiva. (FURLANI, 2004, p.30).

Ainda discutindo a questão da hierarquia na relação pedagógica Furlani (2004) ressalta que a hierarquia está implícita no relacionamento do professor com o aluno e que essa relação é desigual apenas no ponto de partida, pois o primeiro é o transmissor de conteúdos e valores, que socializados, são indispensáveis à formação do exercício da cidadania. Porém essa desigualdade inicial não impede a igualdade que se pode atingir, através das relações de respeito mútuo, mediante as quais o professor valoriza o conhecimento que o aluno possui e o toma como referência para introdução do que

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lhe é desconhecido; permite a construção de um saber novo e abre novas perspectivas para o processo ensino-aprendizagem, fortalecendo as múltiplas relações envolvidas nesse processo, a saber: relação aluno, aluno-conhecimento e professor-conhecimento.

Desta forma, a hierarquia é necessária quando voltada para a objetivação pedagógica, bem como para os princípios de um bom ensino, que se baseiam no entendimento de que o professor é o responsável técnico-político pela condução do processo ensino-aprendizagem e não aquele simples reprodutor da hierarquia social escolar (FURLANI, 2004, p. 60). Diante disso a autoridade do professor está ligada aos papéis inerentes ao exercício da docência e se expressa em diversas situações em sala de aula, nas quais a sua competência e bom relacionamento com seus alunos o credenciam como aquele que melhor poderá liderar o processo educativo.

Assim, a idéia de autoridade está intimamente ligada à de responsabilidade, ou seja, o professor quando é reconhecido pelos seus alunos como uma autoridade dentro da sala de aula, ele carrega a responsabilidade de um líder, que irá conduzir o processo de ensino-aprendizagem tendo em vista um aprendizado significativo dos seus alunos.

Desta forma, vale pontuar nesta discussão que o exercício da autoridade está intrinsecamente ligado à assunção de responsabilidades por parte do docente, já que este para ser reconhecido como autoridade em sala deverá comprometer-se com o processo de desenvolvimento de seus alunos. Machado (2008) diz que essa responsabilidade está presente na relação professor-aluno, quando o professor ao dominar o conteúdo de uma determinada área do conhecimento assume a responsabilidade de transmitir esses conhecimentos se preocupando com a aprendizagem dos seus alunos. Vale ressaltar, que esse conhecimento teórico que o professor possui não é fator determinante para legitimação da sua autoridade em sala de aula, visto que, essa autoridade deverá ser construída e nutrida durante as relações vivenciadas entre professor e aluno e não imposta através de uma prática autoritária e abusiva.

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3. REGRAS NA SALA DE AULA

Ao falar sobre a relação pedagógica e a diferença de uma prática autoritária e o exercício legítimo da autoridade docente, vejo a necessidade de discutir a questão das regras dentro da sala de aula, já que é um dos assuntos que tem suscitado conflitos na relação educativa e tem deixado muitos professores confusos sem saber como trabalhar a noção de regras sem ser autoritário e impositivo.

Nesse sentido, posso dizer como professora que a difícil tarefa de trabalhar com a noção de regras em sala de aula pode ser atribuída à complexidade do cotidiano escolar, que a cada dia tem se apresentado como um espaço de tensão contínua, onde mais do que as discussões referentes ao processo de aprendizagem, vemos surgir conflitos entre os envolvidos no processo, no caso professores e alunos. Esses conflitos surgem justamente por causa das relações entre indivíduos, onde cada um tem sua forma de pensar e agir. Tardif e Lessard (2007) reafirmam essa idéia ao dizer que:

Lidando com seres humanos, os docentes se confrontam com a irredutibilidade do indivíduo em relação às regras gerais, aos esquemas globais, às rotinas coletivas. Trata-se de um trabalho cujo produto ou objeto sempre escapa, em diversos aspectos, à ação do trabalhador.(TARDIF e LESSARD, 2007, p. 43).

Diante dessa idéia, é de extrema importância que o professor construa ao longo do processo pedagógico, mecanismos que favoreçam o reconhecimento das especificidades dos seus alunos, bem como a diversidade existente dentro da sala de aula, isso irá favorecer o respeito às regras gerais por parte dos alunos.

A noção de regras está ligada à autoridade, não compreendida como uma simples forma de agir habitual, mas sim como algo exterior que nos governa, que não podemos mudar conforme nossos próprios interesses. Assim as regras existem para dar limites às nossas ações. Segundo Setton (1999), na escola é preciso haver regras, que se

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constituem em um instrumento imprescindível da educação moral. Mas como trabalhar com a noção de regra dentro da sala de aula sem ser autoritário? Para exemplificar o tema em discussão neste capítulo vou relatar um dos acontecimentos vivenciados na minha prática como professora de Educação infantil em uma turma de Alfabetização, quando uma das questões que mais suscitava conflitos entre meus alunos era o cumprimento das regras gerais.

EPISÓDIO – III

Logo quando iniciou o ano letivo na escola onde eu lecionava, recebi da coordenação um manual de regras “para um bom convívio em sala de aula”. Este manual era composto de regras que tanto o aluno quanto o professor deveriam seguir. No primeiro dia de aula fiz a leitura do manual, que explicitava os horários de cada atividade, os comportamentos esperados dos alunos, enfim todo passo a passo para que as aulas decorressem tranquilamente.

Mesmo tendo lido o manual de regras para meus alunos, percebi que durante as aulas eles não davam importância aquilo que ouviram no início do ano, e quando eu lembrava sobre as regras, mostravam desinteresse pelo assunto. Diante dessa situação, resolvi ter uma conversa aberta com meus alunos sobre o manual. Nesse momento fizemos acordos em relação aos horários das atividades livres e às direcionadas, dialogamos sobre o respeito ao outro e como poderíamos conviver melhor dentro do ambiente de sala de aula. Ao fazer acordos com meus alunos sobre as regras a serem cumpridas, percebi uma mudança significativa no comportamento da turma.

Enfatizando sobre a importância dos acordos em sala de aula, Souza (1999) afirma que:

Os acordos ou ‘os combinados’ entre professor e alunos, estabelecem as regras do espaço escolar, estruturando a relação entre eles e organizando o trabalho pedagógico em sala de aula. Esses acordos envolvem a formação de atitudes compatíveis com a aprendizagem em sala de aula (SOUZA, 1999, p. 123).

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Refletindo sobre essa experiência com meus alunos, percebo o quanto é delicado trabalhar com a noção de regras na educação infantil e porque os educadores muitas vezes não sabem lidar com essa questão em sala de aula.

Piaget (1994), ao discutir a dificuldade que as crianças sentem em respeitar algumas regras que são impostas em sua maioria pelos adultos, afirma que:

As regras morais que a criança aprende a respeitar são transmitidas pela maioria dos adultos, isso significa que elas já chegam elaboradas, porém não na medida de suas necessidades e interesses, mas de uma única vez através das sucessões interruptas das gerações adultas anteriores (PIAGET, 1994, p.24).

Essa idéia de regra defendida por Piaget explica o comportamento indiferente dos meus alunos quando apresentei aquele manual de regras, para eles não tinha sentido algum. Na visão de Piaget a moralidade não é um valor intrínseco ao ser humano. Segundo ele, nenhuma realidade moral é completamente inata, mas sim resulta do desenvolvimento cognitivo e, sobretudo das relações sociais que a criança estabelece com os adultos e com seus iguais. Mas o que vem a ser a moral? Discutindo o conceito do termo moral Setton (1999) diz que:

A moral oferece um corpo de regras, uma disciplina interna que orienta os instintos; é o conjunto de regras que predetermina a conduta. Ela aponta a forma como devemos agir em dadas circunstâncias, implica na existência de deveres (SETTON, 1999, p. 75).

Diante disso, vejo a grande importância que a escola pode ter na formação moral dos educandos, já que esta é considerada como um dos espaços educativo, em que a criança vai tendo a oportunidade de perceber melhor o mundo. É na escola que as crianças interagem, se conhecem, aprendem a respeitar o direito do outro e a ter limites nas suas ações.

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Ao discutir a formação moral da criança, Puig (1998) apóia-se nas idéias de Piaget, que diz que as relações interpessoais que acontecem em sala de aula podem favorecer a formação de uma moral heterônoma ou autônoma.

As relações de pressão mantidas com os adultos favorecem a moral heterônoma. Nelas se dá uma relação de respeito unilateral baseado no sentimento de dever e obrigação. Um dever essencialmente heterônomo. As regras são impostas pelos adultos mediante ordens e prescrições obrigatórias, e as crianças as aceitam apenas pelo sentimento de temor que têm em relação aos adultos. No entanto, as crianças não as vivem como próprias, porque não são reconhecidas como necessárias. As sanções são o meio mais comum para gravar as regras exteriores na consciência dos sujeitos.

Levando essa questão para dentro da sala de aula, posso dizer como educadora, que muitas vezes achava que a minha autoridade como professora me dava o direito de impor regras, sem uma preocupação de como essas regras estavam sendo vistas por meus alunos. Foram poucas as vezes que pedi para que meus alunos dessem sua opinião sobre determinada regra ou tivesse o direito de discordar de alguma delas. Hoje, compartilhando com as idéias de Piaget e refletindo sobre minha postura autoritária posso dizer que naquele momento contribui apenas para a formação de um juízo moral heterônomo nos meus alunos.

Ao contrário da moral heterônoma, onde o sujeito obedece às regras por medo das punições, a moral autônoma é construída a partir de uma relação entre os envolvidos, baseada no respeito mútuo. Desta forma:

A moral autônoma representa a superação da moral heterônoma. O sentimento de obrigatoriedade nasce no respeito unilateral e, no respeito mútuo, da autonomia, vem superá-lo. Na coação, a criança tem apenas o sentimento de obrigatoriedade ligado ao adulto (DE LA TAILLE apud CAMARGO, 2007, p. 166).

Nessa concepção, as regras surgem da elaboração e do intercâmbio baseado no diálogo e na colaboração. Essas regras são obedecidas pelo respeito aos demais e não

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por obrigação. É na moral autônoma que se dá a compreensão e o cumprimento real das normas e regras, já que elas são reconhecidas e aceitas como boas. Mas como o professor poderá ajudar na evolução do juízo moral heterônomo dos seus alunos, em direção a um juízo moral autônomo?

Segundo Puig (1998) para que o indivíduo possa chegar a um juízo moral autônomo, ele deverá compreender o ponto de vista alheio e argumentar pelas próprias opiniões. É aí que entra o papel do professor, para incentivar as crianças a manifestarem suas opiniões e atitude de iniciativa e curiosidade; não abusar do critério de autoridade para impor valores, e acima de tudo transformar o ambiente da sala de aula, em um lugar onde as crianças possam experimentar situações sócio-morais. Diante disso, a criança precisa vivenciar situações em que sua autonomia seja exigida. Um bom exercício é a organização de regras coletivas, que exigirão entendimentos, acordos e a aprovação. A cooperação passa a ser um exercício de desenvolvimento da autonomia do educando, visto que, ao refletir, ao respeitar a opinião do outro e ao formular regras, estará se desenvolvendo enquanto pessoa, sabendo agir de forma autônoma em diversas situações do seu dia-a-dia.

3.2 Ordens nas classes

Ao falar sobre as regras no cotidiano escolar, estamos falando de forma indireta sobre a responsabilidade que o professor carrega em manter a organização do espaço da sala de aula, visto que é nesse espaço, considerado como unidade básica do ensino, que acontecem as diferentes relações entre os envolvidos no processo educativo.

Segundo Tardif e Lessard (2007) apesar de todas as novidades introduzidas pela nova educação e por diversas correntes psicológicas contemporâneas, a organização do espaço da sala de aula depende da ação do docente. Essa questão da centralidade docente é reforçada pela maioria das direções escolares que exigem dos professores a capacidade de controlar seus alunos na sala de aula. Mas essa é uma das tarefas que

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os professores muitas vezes não podem resolver sozinhos, precisam de auxílio da comunidade escolar e extra-escolar também.

Nesse sentido, Tardif e Lessard (2007) afirmam que a ordem na classe está estreitamente relacionada à ordem na escola e no contexto comunitário, principalmente na família. O “controle” dos alunos pelos professores estende-se também aos corredores escolares, aos pátios de recreação e em todos os demais espaços de organização. Além disso, uma parte não descartável do trabalho dos alunos é controlada pelos pais e adultos fora da escola. Assim deve haver uma parceria entre escola, classe e comunidade para que o trabalho docente tenha mais êxito. Como afirmam Tardif e Lessard (2007): “A solidariedade e a convergência entre esses três sistemas de autoridade (a classe, a escola e o contexto social) são, assim fatores importantes para o trabalho docente” (TARDIF e LESSARD, 2007, p. 65).

Uma das questões que Tardif e Lessard (2007) abordam é que a ordem nas classes se fundamenta numa dupla realidade: numa estrutura organizacional estável (as classes são fechadas, não entra quem quiser, os alunos são dispostos em filas para serem observados pelo mestre, etc.) e num trabalho sistemático do mestre (Vigilância, intervenção, chamada à ordem). Nesse sentido, a classe é um lugar social já organizado no qual o professor sempre dispõe de certos recursos em forma de regras e dispositivos organizacionais, mas que exige ao mesmo tempo, uma intervenção constante para manter-se e renovar-se. Em outras palavras podemos dizer que a classe depende ao mesmo tempo de uma ordem social institucionalizada e de uma ordem social edificada nas relações entre professor e aluno.

Essa idéia que os autores trazem da organização escolar é de grande relevância, pois mostra a complexidade do espaço da sala de aula, em que o professor para manter a ordem da classe precisa seguir as normas pré-estabelecidas, mas sem perder de vista importância das regras e acordos que são construídos a partir de sua relação com seus alunos.

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Desta forma, a dupla natureza da ordem na classe - dada e construída - faz parte da situação pedagógica e está presente nas relações entre discente e docente. É baseado na realidade de seus alunos e suas necessidades que o professor irá reformular e construir de forma coletiva as regras, dando oportunidade aos alunos a pensarem porque devem seguir determinada regra e assim terem a consciência de que a seguindo, podem tornar a convivência em sala de aula melhor. Isso vem derrubar a idéia de que apenas o professor ou diretores escolares podem estabelecer as regras a serem seguidas pelos alunos.

Essa idéia de trabalhar com regras a partir de acordos e combinados é abordada nas entrelinhas do terceiro episódio descrito neste trabalho; no momento em que percebo que as regras contidas no manual não deveriam ser impostas e sim acordadas com meu grupo a fim de serem vistas e aceitas como necessárias. Alguns autores já citados neste estudo como La Taille (2001), Souza, (1999), Puig, (1998), Piaget, (1994) também defendem a idéia de que a noção de limite e de regras seja construída no dia-a-dia da sala de aula, através de contratos e acordos entre professor e aluno, pois é a partir de um trabalho coletivo e com a participação ativa dos alunos nas decisões em classe que o professor auxiliará no desenvolvimento de um sujeito autônomo e capaz de direcionar suas ações.

Desta forma, o trabalho com as regras em sala de aula, além de favorecer a construção da autonomia discente, pode ser considerado como fator imprescindível na organização escolar e no desenrolar do processo educativo de forma satisfatória e significativa. Por isso, é necessário que os alunos percebam desde cedo, logo nos primeiros anos de escolarização, a importância de estarem em um espaço organizado; e que as regras construídas neste ambiente, servirão de base para um bom convívio de todos os atores envolvidos nesse processo.

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No capítulo anterior discuti a questão da construção da autoridade docente e autonomia discente a partir das idéias de autores contemporâneos que consideram a sala de aula como espaço onde acontecem as diferentes relações entre os atores do processo educativo, sendo essas relações fundamentais para a legitimação da autoridade do professor. Porém, ao chegar neste ponto do trabalho, vejo a importância de voltar ao passado a fim de entender melhor os problemas que surgem no presente. Como diz Arendt (1997): “Ao fazermos um retorno as idéias do passado alcançamos a dimensão da profundidade da existência humana, e essa profundidade só será possível através da recordação” (ARENDT, 1997, p. 131).

Nesse sentido, voltar ao passado é uma das possibilidades que encontro para discutir de forma mais consistente o tema em questão e também de encontrar outras abordagens teóricas que possam auxiliar nas resoluções práticas do cotidiano escolar. Desta forma, fazer um retorno às idéias filosóficas e pedagógicas do século XVIII, mais precisamente aquelas de Jean Jacques Rousseau, é como procurar entender os problemas enfrentados hoje, no campo das relações humanas, a partir das idéias e pensamentos de homens do passado, já que acredito que muitos dos problemas e questões com que nos deparamos, possam ser semelhantes a que homens de outras épocas já se depararam, e que para as quais, encontraram possíveis soluções.

Retomar o pensamento de Rousseau, para entender a questão da autoridade docente seria um tanto contraditório, pois o que vejo nos estudos de educação e filosofia é que esse autor era um defensor incondicional da liberdade da criança. Suas idéias eram centradas na ação educacional, voltada para a autonomia da criança. Isso pode ser visto em uma das passagens do seu livro “O Emílio, ou da Educação”, quando diz: ”Nossa mania professoral e pedantesca é de sempre ensinar as crianças o que aprenderiam muito melhor por si mesmas, e esquecer o que só nós lhes poderíamos ensinar”. (ROUSSEAU, 1995, p. 66). Entretanto uma das questões para qual Rousseau propôs encontrar a solução é sobre a possibilidade de preservar a liberdade da criança sem sacrificar a autoridade do mestre (FRANCISCO, 1999, p. 102). Essa é talvez uma

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das grandes preocupações com que os professores hoje têm se deparado na sua prática educativa.

Para resgatar as idéias de Rousseau, além de uma breve leitura de trechos do Emílio, recorro às formulações de Francisco (1999) que traz para o presente um Rousseau que também se preocupará ao longo de seu tratado na relação mais ampla de educador/educando que incluiria tanto pai/filho quanto professor/aluno. É levando em consideração o conjunto da teoria filosófica e pedagógica rousseauniana que Francisco (1999) retoma as obras de grande valor pedagógico: “O Emílio, ou da Educação” e “O Contrato social”, a fim de encontrar possíveis soluções para os problemas de autoridade na relação pedagógica.

Segundo Francisco (1999) Rousseau também esteve às voltas com a questão da equidade entre liberdade da criança e a autoridade do educador. Para ele, essas duas coisas são essenciais na relação pedagógica, ou seja, é importante que o professor exerça sua autoridade como líder do processo ensino-aprendizagem sem esquecer que o grande objetivo da educação hoje é formar indivíduos autônomos e responsáveis. Vale salientar que essa preocupação entre autoridade docente e autonomia discente constitui uma das questões levantadas no início deste estudo e para a qual procuro resposta neste capítulo.

A fim de entender melhor como se processam as relações entre as pessoas em sociedade, Rousseau formulou a Teoria do Contrato. Essa noção de contrato é central em todo o pensamento do autor, o que o levou a produzir um texto intitulado ‘Do contrato social’. Para ele, as relações entre indivíduos da sociedade e da própria família seriam baseadas em um contrato firmado entre as partes envolvidas. (FRANCISCO, 1999, p. 104). É a partir da concepção do contrato, que Francisco (1999) procura formular suas idéias, a fim de entender as relações que acontecem no contexto da sala de aula. Para ele a relação pedagógica também poderia ser baseada num contrato firmado entre as partes envolvidas no processo educativo. Nessa relação, professor e aluno se respeitam, trocam conhecimentos, na medida em que aprendem um com o

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outro. Furlani (2004) traz a importância do respeito mútuo na relação pedagógica ao dizer:

Na relação pedagógica onde há o respeito entre professor/aluno, há o exercício conjunto de poder. Desta forma o aluno pode redimensionar sua relação com o professor, com os outros alunos e com sua própria vida ao saber se posicionar, questionando, discutindo o que é colocado, ao usar a responsabilidade de construir sua forma de conhecimento (FURLANI, 2004, p. 32).

Francisco (1999) ressalta que ao pensar na relação docente/discente sobre o paradigma do contrato de Rousseau, deve-se compreender essa relação como artificial, ou seja, como fruto de uma convenção, de um ato de vontade e liberdade, onde as partes envolvidas entram em acordos. Assim, as regras devem ser vistas como objeto de um contrato mútuo e livre. Somente assim essas partes poderão ter obrigações e vantagens, ou deveres e direitos conscientes, sabendo de antemão o que podem e o que não podem esperar um do outro. Só assim é que se podem formular papéis claramente definidos para cada uma das partes, de modo que se possa ter em vista alcançar a justa medida da autoridade do educador.

Corroborando com essa concepção de relação entre professor e aluno, entendo que o exercício da autoridade do professor, sem abuso e hesitações, bem como a justa medida na liberdade da criança, igualmente sem abusos dessa liberdade, pode contribuir para uma relação pedagógica mais autêntica, em que o professor e aluno saibam qual o papel a desempenhar nessa relação.

Uma das idéias contidas no livro o Emílio é a de que o pai ou o mestre deve evitar o abuso de autoridade, impondo algo que não tenha sentido para o outro. Em uma passagem o autor diz que: “Ninguém tem o direito, nem mesmo o pai, de ordenar a criança o que não é de maneira alguma útil para ela” (ROUSSEAU, 1995, p. 77).

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Nessa concepção de relação pedagógica, deve haver uma preocupação por parte do mestre/educador ao passar uma determinada ordem ou regra, já que as mesmas, para surtirem efeitos na prática, devem ter sentido real para os educandos.

4.1 O contrato e suas cláusulas

Voltando a idéia do contrato, me pergunto: Como professora, como posso firmar um contrato com meus alunos? Quais as condições para que esse contrato sirva de base para uma relação pedagógica verdadeira?

Para responder a essas questões retomo as idéias de Francisco (1999) que descreve quatro cláusulas que deverão nortear o contrato pedagógico, para que esse de fato, aconteça na prática. São as seguintes:

1ª) A primeira cláusula central do contrato seria a de que: “Na relação pedagógica, um deve conduzir e o outro deve ser conduzido” (FRANCISCO, 1999, p. 105). Nesse caso o professor como líder e com sua competência conduzirá o aluno durante o seu processo de aprendizagem. Porém essa condução pelo mestre é algo temporário, é admitido tão somente porque tem a finalidade de auxiliar o educando na construção da sua autonomia, pois o fim último da autoridade é a construção de um aluno autônomo. Neste momento quero abrir parênteses para dizer que, como professora vejo a importância de conduzir o aluno no seu processo de aprendizagem, entendendo que é a partir da orientação do professor acerca do mundo e da sociedade na qual vivemos, que o aluno construirá bases para se autoconduzir; para ser um sujeito autônomo, consciente do seu papel de transformador social. Essa é a grande responsabilidade que carregamos como educadores.

Posso ratificar essa idéia recorrendo mais uma vez às formulações de Arendt (1997) quando afirma que: “A qualificação do professor consiste em conhecer o mundo e ser capaz de instruir os outros acerca deste. Sua autoridade se assenta na responsabilidade que assume por este mundo”. (ARENDT (1997), p. 239). Desta forma,

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