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Mulheres em cena: uma análise das mostras e festivais brasileiros de cinema de mulher

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL COMUNICAÇÃO SOCIAL – PUBLICIDADE E

PROPAGANDA

LUIZA BEZERRA VENÂNCIO MAGALHÃES OEST

MULHERES EM CENA: UMA ANÁLISE DAS MOSTRAS E

FESTIVAIS BRASILEIROS DE CINEMA DE MULHER

Natal/RN 2019

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LUIZA BEZERRA VENÂNCIO MAGALHÃES OEST

MULHERES EM CENA: UMA ANÁLISE DAS MOSTRAS E

FESTIVAIS BRASILEIROS DE CINEMA DE MULHER

Monografia apresentada em cumprimento às exigências da disciplina Projeto Experimental I em Publicidade e Propaganda (PUB0001) do curso de Comunicação Social, com habilitação em Publicidade e Propaganda, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Orientador: Prof. Me. Raquel Assunção Oliveira

Natal/RN

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA Oest, Luiza Bezerra Venâncio Magalhães.

Mulheres em cena: uma análise das mostras e festivais brasileiros de cinema de mulher / Luiza Bezerra Venâncio Magalhães Oest. - 2019.

48f.: il.

Monografia (graduação) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Comunicação Social - Publicidade e Propaganda,

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2019. Natal, RN, 2019.

Orientadora: Prof.ª Me. Raquel Assunção Oliveira.

1. Cinema - Monografia. 2. Mostras de cinema - Monografia. 3. Cinema brasileiro - Monografia. 4. Cinema potiguar - Monografia. 5. Mostras de cinema feminino - Monografia. I. Oliveira, Raquel Assunção. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 791(81)-055.2

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LUIZA BEZERRA VENÂNCIO MAGALHÃES OEST

MULHERES EM CENA: UMA ANÁLISE DAS MOSTRAS E

FESTIVAIS BRASILEIROS DE CINEMA DE MULHER

Monografia apresentada em cumprimento às exigências do curso de Comunicação Social, com habilitação em Publicidade e Propaganda, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Aprovado em: ____ de _______ de _____.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________ Prof. Me. Raquel Assunção Oliveira

Orientadora e Presidente da Banca

__________________________________________ Prof. Dr. Flávia Campos Junqueira

Membro examinador

__________________________________________ Prof. Dr. Marcela Costa

Membro examinador NATAL/RN

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AGRADECIMENTOS

Primeiro preciso dizer que reconheço o meu privlégio de ter podido estudar em uma universidade pública, que me proporcionou tanto conhecimento intelectual e social, dito isso, gostaria de agradecer à minha orientadora Raquel, que tanto me ajudou e teve paciência para lidar com todas as fases que uma pesquisa tem que passar.

No mais, agradeço a toda minha rede de apoio que me ajudou a não perder o juízo diante do desafio que é escrever e se por a prova a cada palavra escrita.

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RESUMO

O cinema reproduz, muitas vezes, em seu sistema de produção, vícios e problemas das sociedades patriarcais, com o Homem em lugares de poder e as mulheres ainda em lugares subalternos. Nesta monografia teremos dimensão do pioneirismo das mulheres desde os anos 70, especificamente, e da organização feminina para chamar a atenção para seus produtos cinematográficos, em um gesto político que ilumina as sombras a que as mulheres são relegadas cotidianamente em uma sociedade patriarcal. Uma Mostra de cinema feminino leva ao público uma expressão que a despeito de avanços inerentes aos espaços ocupados pelas mulheres no século XXI, ainda é invisibilizada e inviabilizada. A ideia deste trabalho é propor uma mostra de mulheres chamada Mostra Mulheres em Cena, a qual vai contemplar uma crescente produção feminina em Natal/RN. A necessidade da criação de uma mostra feita para e por mulheres, se deu através de uma pesquisa quantitativa com a aplicação e um formulário entre mulheres da área do audiovisual potiguar. Para essa proposta, utilizamos os estudos sobre cinema e feminismo de, entre outras, Mulvey (1983), Kaplan (1995) e Wanderley (2017).

Palavras-chave: Cinema; Mostras de Cinema; Cinema Brasileiro; Cinema

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ABSTRACT

The cinema often reproduces, in its system of production, vices and problems of the patriarchal societies, with the man in places of power and the women still in subordinate places. In this monograph we will have the dimension of women's pioneering since the 1970s, specifically, and the women's organization to draw attention to their film products, in a political gesture that illuminates the shadows to which women are daily relegated in a patriarchal society. A women's film exhibition brings to the public an expression that, despite advances inherent in the spaces occupied by women in the 21st century, is still invisible and unfeasible. The idea of this paper is to propose a women's show called Mostra Mulher em Cena, which will contemplate a growing female production in Natal / RN. The need for the creation of a show made for and by women came about through a quantitative research with the application and a form among women from the Potiguar audiovisual area. For this purpose, we use the studies on cinema and feminism from, among others, Mulvey (1983), Kaplan (1995) and Wanderley (2017).

Keywords: Women's Films, Films Festival, Brazilian Films, Potiguar`s Films,

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Resposta à questão “qual é a sua idade?” 36

Gráfico 2 – Resposta à questão “você mora em qual região da cidade de Natal?” 36 Gráfico 3 – Resposta à questão “qual o seu nível de escolaridade?” 37

Gráfico 4 – Resposta à questão “qual sua renda familiar?” 38

Gráfico 5 – Resposta à questão “quais mídias de comunicação você mais usa para

se manter informada?” 38

Gráfico 6 – Resposta à questão “em qual equipe do audiovisual você costuma

trabalhar?” 39

Gráfico 7 – Resposta à questão “você já participou (como concorrente ou

espectadora) de alguma mostra de Cinema de Mulher?” 39

Gráfico 8 – Resposta à questão “se você respondeu sim à pergunta anterior,

indique qual(is)” 40

Gráfico 9 – Resposta à questão “você conhece alguma mostra de Cinema de

Muher realizada no Nordeste?” 40

Gráfico 10 – Resposta à questão “se respondeu sim a resposta anterior, indique

qual(is)” 41

Gráfico 11 – Resposta à questão “você prestigiaria uma mostra ou festival potiguar

voltado para o cinema produzido por mulheres?” 42

Gráfico 12 – Resposta à questão “na sua opinião, qual seria o espaço ideal para

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SUMÁRIO

INTRODUÇÂO 9

1 “O QUE PORRA É CINEMA DE MULHER” 12

1.1 CINEMA, MERCADO E MULHERES 15

1.2 CINEMA DE MULHERES 17

1.3 CINEMA DE MULHERES NO BRASIL 24

2 AS MULHERES NO CIRCUITO DE FESTIVAIS BRASILEIROS 26

2.1 FIMCINE (SP) 30

2.2 LUGAR DE MULHER É NO CINEMA (BA) 30

2.3 FEMINA (RJ) 31

2.4 FINCAR - FESTIVAL INTERNACIONAL DE CINEMA DE REALIZADORAS

(PE) 31

2.5 TUDO SOBRE MULHERES: FESTIVAL DE CINEMA FEMININO (MT) 31 2.6 SONORA – FESTIVAL INTERNACIONAL DE COMPOSITORAS 32

3 ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA 36

4 MOSTRA - MULHERES EM CENA: PROPOSIÇÃO DE FESTIVAL LOCAL 40

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 42

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 43

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INTRODUÇÂO

A ideia inicial para o tema dessa monografia partiu da minha observação sobre o papel das mulheres no mundo do cinema. Fazendo parte de produções de curtas, webséries, videoclipes e outras produções que envolvem de algum modo a arte cinematográfica, percebia a crescente presença de mulheres (eu inclusa) nessas produções. Mas ainda assim, conhecendo a sociedade patriarcal que envolve a tudo com seus tentáculos ainda na contemporaneidade, percebi que são poucos os espaços que contemplam uma produção exclusivamente feminina, principalmente em Natal/RN, que ano após ano tem angariado espaço com seus produtos cinematográficos.

Partindo dessa premissa, procurei referências que cruzassem a ideia de cinema de mulher e mostras que priorizassem o cinema feito por mulheres, como uma resposta a uma produção que tivesse método, organização e distribuição. A ideia final é a de construir uma proposta de uma mostra na Cidade do Natal que contemplasse produções femininas e como resultado incentivasse o ingresso de outras mulheres no mundo do audiovisual, despertando de modo político a atividade feminina neste setor.

Em Natal, o audiovisual tem crescido ano após ano com diversas produções premiadas e com boa receptividade de crítica e público. Mostras como o Goiamum Audiovisual, editais como o Cine Natal, da Prefeitura do Natal e a organização de grupos independentes propiciaram fomento e crescimento na área. A criação de coletivos como o Caboré Audiovisual1, grupo de diretores, roteiristas, fotógrafos e trabalhadores do audiovisual como um todo, viabilizaram a produção de obras que ganharam os rincões para além das terras potiguares. Como exemplo, podemos citar os curtas Sêo Inácio (RONYVON, 2015), que foi selecionado para diversas mostras, entre elas o prestigiado Festival de Gramado (RS), em 2015; No fim de tudo (CIRÍACO, 2017), que conquistou o prêmio da Mostra de Cinema de São Miguel do Gostoso, além de ser estrelado pelo ator Silvero Pereira, que viria a ser destaque no badalado Bacurau (2019), filme de Kléber Mendonça Filho que venceu o Prêmio do Júri do Festival de Cannes em 2019; Sailor (CIRÍACO, 2014), que foi exibido pelo Canal Brasil e obteve destaque em diversas mostras; outros filmes, como Janaína Colorida Feito Céu (BARACHO, 2014), Abraço de Maré (CIRÍACO, 2013), Ainda que eu ande pelo vale da

sombra da morte (RONYVON, 2018), Em reforma (Coelho, 2019) e outros, receberam

destaque em mostras e festivais pelo Nordeste. No coletivo Caboré, várias mulheres se dividem na produção, seja assinando a direção de alguns filmes, seja trabalhando

1

CABORÉ AUDIOVISUAL. Caboré Audiovisual. 2019. Disponível em: <https://bit.ly/3753wRr>. Acesso em: 20 out. 2019.

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ativamente na produção de outros. Outra produção de destaque no cenário potiguar foi a Websérie Septo (2016-), que caminha para a sua terceira temporada e que conquistou prêmios como o Rio Web Fest, em 2017, além de participação em festivais como o Die Seriale (Alemanha), Wendie Webfest (Alemanha), Streamy Awards (Estados Unidos), e OUT Webfest (Estados Unidos). A série tem em sua equipe técnica uma maioria de mulheres, entre produção, elenco e equipe executiva, à frente e atrás das câmeras: são diretoras, produtoras, fotógrafas, captadoras, continuístas e diversas profissionais que ocupam cada vez mais espaço de destaque dentro do setor audiovisual na cidade. Diante deste cenário efervescente, a construção de uma mostra de cinema focado na produção feminina funcionaria como incentivo e escoamento de uma produção crescente, posto que ainda são poucos os filmes dirigidos por mulheres, mas que podem ser estimulados a partir de um espaço dedicado a essas produções.

Para dar substância à proposta de uma Mostra, era necessário analisar outras mostras e o próprio histórico da participação feminina no cinema nacional. Iniciando a pesquisa, trouxemos o exemplo da Mostra Cinema Mulher, em Pernambuco, analisando as reações machistas averiguadas pela autora Natália Lopes Wanderley em sua dissertação, defendida em 2017. O primeiro capítulo trata dessa mostra e introduz o tema a ser problematizado: o que é cinema de mulher? Essa pergunta é respondida a partir da perspectiva da crítica feminista, que coaduna com a explosão da participação feminina no mercado de trabalho, a partir dos anos 60 e 70. É importante também ressaltar o dado de que a primeira mostra focada no trabalho feminina ocorreu apenas em 2004, no Rio de Janeiro.

O segundo capítulo trata das mostras cinematográficas focadas na participação feminina. A partir de um recorte que abarca pesquisas sobre festivais e a ainda estigmatizada e invisibilizada presença feminina nesses eventos, pretendi analisar dados sobre a produção feminina, seus espaços construídos para exibição dessas produções e a recepção do público.

No terceiro capítulo, tratei de mostras locais que já ocorrem em Natal, no Nordeste e pelo Brasil, em um recorte que pretende ambientar os modelos e perfis de mostras que já existem e servem de parâmetro para arquitetar a proposta final desta monografia.

Por fim, buscou-se amparo na pesquisa bibliográfica para compreender e analisar os procedimentos. Em relação à pesquisa quantitativa recorremos ao questionário submetido pela Internet, no qual analisamos o perfil do público-alvo, a ser conquistado e formado para uma mostra de cinema feminino, levando em conta idade,

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recorte social, gênero e demais questões. A análise desses dados permitirá a construção, por fim, de um formato ideal de uma mostra de cinema de mulher, estabelecida a partir de um arcabouço de experiências que auxiliam na construção de um modelo efetivo de festival. Outro ponto que nos interessa é a inserção da área de produção de evento como uma face da Publicidade. Cinema e a Publicidade são áreas do meu interesse que não parecem receber muita atenção da academia, e procuro aqui observar como dão espaço para pesquisas e espaços políticos importantes, com ações e práticas que podem mudar a vida de uma comunidade ou de um estrato social. Como publicitária em formação e com interesse em produção cultural, pretendi aqui construir uma ponte entre esses dois saberes fazendo com que se construa um produto que tenha validade para a sociedade e também para uma pesquisa acadêmica de relevância.

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1 “O QUE PORRA É CINEMA DE MULHER”

Esse capítulo parece começar de modo agressivo e desbocado, mas na verdade com esse título evocamos um trabalho importante para o registro da presença feminina no cinema nordestino. “O que porra é cinema de mulher” é o título da dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Comunicação da UFPE por Natália Lopes Wanderley, em 2017. Nessa dissertação, a autora busca desvelar o machismo no cinema pernambucano ao mesmo tempo em que retrata a Mostra Cinema Mulher, que propõe levar filmes feitos por mulheres ao público, levando em conta aspectos demográficos e sociais no Recife. Mas a questão suscitada já no nome que batiza a obra é candente: o que seria (“o que porra é”, melhor dizendo) cinema de mulher?

Nos próximos capítulos teremos dimensão do pioneirismo das mulheres desde os anos 70, especificamente, e a organização feminina para chamar a atenção para seus produtos, em um gesto político que ilumina as sombras a que as mulheres são relegadas cotidianamente em uma sociedade patriarcal. Uma Mostra de cinema feminino leva ao público uma expressão que a despeito de avanços inerentes aos espaços ocupados pelas mulheres no século XXI, ainda é invisibilizada e inviabilizada.

A proposta da Mostra Cinema de Mulher provocou um importante debate na cena de cinema de Pernambuco, principalmente sobre o próprio estatuto do corpo feminino enquanto território demarcado politicamente, uma espécie de diferença que não cessa de se diferenciar, deixando evidente problemáticas acerca de “democracia, território, pertencimento, inclusão e exclusão travestido pelo discurso impresso nas opiniões dadas sobre a tal mostra, ou sobre as tais mostras, como nos diz uma de suas idealizadoras” (WANDERLEY, 2017, p. 10). O questionamento explicitado no título da dissertação se refere à fala de um usuário de Facebook na página da Mostra:

A criação de uma página para divulgação da mostra Cinema de Mulher no facebook, afora alguns comentários incentivadores na timeline do evento, provocou a postagem de um diretor de arte “01” para “cinema87”, em sua própria página nessa rede social: “O que porra é cinema de mulher?” A pergunta de tom agressivo, por conta do uso da palavra “porra” na sua construção, logo recebe comentários irônicos de artistas e trabalhadores do audiovisual pernambucano. A artista plástica 01, por exemplo, expressa sua ironia com: -“Hihi, muito generico”. Já o diretor 01, ao ironizar a questão, indica também uma preocupação particular em dar visibilidade a identidade de gênero masculina dissonante a heterossexualidade. Ele escreveu: - “existe...deve ter tb cinema de fresco, cinema de boy...” (WANDERLEY, 2017. p.88)

A dúvida agressiva do diretor de arte citado acima serve como provocação para pensarmos o que de fato é “cinema de mulher”. A questão reducionista, de que

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fragmentando o conjunto maior cinema em diversos sub-grupos, envolve a desinformação acerca da existência de um cinema feito por mulheres com tendências e direcionamentos específicos. Ignorando o cinema feito por mulheres como Agnès Varda, Lizzie Borden, Chantal Akerman ou até mesmo intelectuais e escritoras que se aventuraram na arte cinematográfica durante o boom do cinema feminista, como Susan Sontag e Marguerite Duras, o comentário acerca da existência de um cinema de mulher em comparação com “cinema de fresco” ou “cinema de boy” (para dizer cinema homossexual ou cinema heterossexual), demonstra desconhecimento. Historicamente, a ascensão de um cinema de mulher dialoga com o levante feminista nos anos 70, que questiona a hegemonia das produções masculinas e o apagamento feminino no mercado cinematográfico. Ainda Wanderley (2017, p. 25) descreve este processo:

Cinema de Mulheres é um conceito que ganhou força na crítica feminista do cinema, especificamente na década de 1990, após anos de críticas sobre “o olhar masculino” dominante nas telas e também sobre a contribuição das diretoras para a estética cinematográfica desde o seu surgimento. Tal conceito que tem sua gênese ainda nos anos 1970 com o crescimento do número de diretoras cinematográficas e o advento da crítica feminista do meio, iniciou com diversos grupos e iniciativas que abarcaram de variadas formas “o feminino” e “o feminismo no cinema” como a criação dos primeiros festivais de cinema de mulheres e a primeira revista voltada para a expressão das mulheres na sétima arte.

A crescente participação feminina deveu-se à uma necessidade de dar espaço a um olhar e a uma experiência de mulheres no cinema; até então, o regime de imagens não colocava as mulheres como sujeitos, com voz e expressão particulares, nunca como objeto que aciona percepções, discussões, desejos e singularidades. A preeminência do masculino no cinema foi atacada diretamente pelas feministas como uma expressão do poderio do Homem diante das mulheres, e o gesto questionador das cineastas do período buscava tensionar esses padrões:

As feministas não só criticaram o masculinismo da política de autor quanto também passaram a escrever sobre as hierarquias e processos de produção industriais do cinema nos quais a mulher é relegada às funções de montadora, como uma espécie de “costureira”, ou a continuísta, uma espécie de “arrumadeira” (STAM, 2003 apud. WANDERLEY, 2017, p. 27)

Aspectos da divisão sexual do trabalho, cujo conceito surgiu no cerne da discussão sobre o trabalho invisível e não-remunerado efetuado por mulheres não por si próprias, mas em defesa do garantimento de uma ordem social que lega a elas o dever da casa, da maternidade, da natureza e do amor. Até surtirem efeito as mudanças

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implementadas pelo pensamento feminista, principalmente na França, esse tipo de trabalho não era nem visto como “trabalho” de fato, mas como uma obrigação natural. A percepção de que há aí na verdade uma massa de trabalho e produção não-remunerado e exploratório permitiu uma mudança nessa naturalização do trabalho de casa. Hirata e Kergoat (2007, p. 597) comentam:

A denúncia (pensemos no nome de um dos primeiros jornais feministas franceses: Le Torchon Brûle*) se desdobrará em uma dupla dimensão: “estamos cheias” (era a expressão consagrada) de fazer o que deveria ser chamado de “trabalho”, de deixar que tudo se passe como se sua atribuição às mulheres, e apenas a elas, fosse natural, e que o trabalho doméstico não seja visto, nem reconhecido.

O reconhecimento do trabalho das mulheres evidenciou uma nova divisão sexual: as mulheres também podem (e devem) ser vistas enquanto trabalhadores ou produtoras com expressão de mercado. Essa inserção das mulheres no mundo do trabalho permitiu que o mercado se aproxime da igualdade, tornando-se menos excludente e participativo para as produtoras femininas.

Os meios de produção capitalistas ainda falham na inclusão feminina, embora criem a ilusão de que as mulheres tomam parte central neles, com cada vez mais presença de mulheres em cargos importantes ou funções determinantes. Mas a divisão do trabalho para as mulheres ainda as coloca em posição subalternas, onde muitas vezes escapam a posições de destaque em detrimento do destaque a homens. Os ativismos feministas do século XX permitiram que as mulheres aparecessem nas ruas exigindo melhores condições, e exigindo que seu trabalho em casa (produtivo, mas no esquema capitalista considerado improdutivo, e, portanto, sem salário) fosse remunerado ou reconhecido.

O papel da mulher no mercado de trabalho passou por um processo lento e complexo na História que, de modo analítico, podemos dizer que se estrutura até hoje. A respeito desse processo, Wanderley observa:

Por dentro do movimento feminista defende-se a ocorrência de duas “ondas” que também dizem respeito a um corte cronológico. A “primeira onda” demarca o início das reivindicações das mulheres dentro da sociedade liberal-burguesa 19 desencadeada pela Revolução Francesa (1789) e vai até o começo da Segunda Guerra Mundial (1939). Nesse momento, a luta feminista é constituída pela reivindicação por direitos políticos, de acesso ao conhecimento e de inserção das mulheres no universo do trabalho. Já a “segunda onda”, se instala a partir da década de 1960 e se prolonga até os dias atuais. Nela se mantém as reivindicações anteriores e se adicionam outras: pelo direito das mulheres decidirem sobre a própria sexualidade, o corpo e sobre sua vida reprodutiva (WANDERLEY, 2017, p. 18-19).

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A reivindicação por acesso, direitos políticos e inserção no mercado colocam em constante cheque o mundo das mulheres x o mundo dos Homens (que em outras palavras é o mundo da hegemonia, do Poder, daquele que define quem é ou não o Outro, o mundo da linguagem estabelecida e o mundo político, capital). A sociedade de modelo patriarcal constrói um ambiente onde as mulheres constantemente são obrigadas a se afirmar e reivindicar suas presenças em meios majoritariamente masculinos.

1.1 CINEMA, MERCADO E MULHERES

Em uma sociedade pautada em resquícios da tradição de uma cultura patriarcal, onde o modelo de gênero masculino impera sobre o feminino, a presença de mulheres no mercado cultural notadamente é menor que a de homens. Essa realidade, no entanto, vem se alterando conforme as mulheres conquistam espaços e lugares de poder que outrora lhe foram negados, dado o sistema de patriarcado em que as sociedades capitalistas ocidentais foram construídas. À guisa de referencial histórico, todavia, a presença feminina em certos setores sempre foi maciça; por exemplo, Safiotti informa que “quando o Brasil realizou seu primeiro censo, em 1872, quase a totalidade dos trabalhadores industriais eram mulheres” (SAFIOTTI, 1982, p. 118).

Atualmente, a presença feminina no mercado de trabalho aumentou de modo considerável: em 2007, 40, 85% dos trabalhadores eram mulheres (com 59,15% sendo homens), e em 2016 esse número subiu para 44%, o que ainda mantinha uma maioria de 66% de homens empregados (os dados são do Ministério do Trabalho, em pesquisa disponível no site do Ministério da Economia2).

A presença feminina em mercados culturais também vem crescendo nos últimos anos notadamente. É possível ver a maior quantidade de diretoras, produtoras, continuístas, roteiristas, além da habitual quantidade elevada de atrizes, no mercado de audiovisual no país. Não por acaso, movimentos como o #MeToo3, que abalou as bases da indústria de cinema de Hollywood, é mostra da necessidade do protagonismo feminino na indústria cinematográfica, especialmente.

Esse gesto de virada, em que as mulheres que sofreram abusos passam agora a

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BRASIL. “Em dez anos, cai diferença entre homens e mulheres no mercado de trabalho.

Secretaria de Trabalho. 19 fev. 2018. Disponível em: <https://bit.ly/2NNCAOB>. Acesso em: 01 nov,

2019.

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O movimento #MeToo tornou-se rapidamente um meme na Internet, com correspondentes de diversos lugares. No Brasil, duas hashtags se conectam com o #MeToo: #meuprimeiroassédio (disponível em: <https://bit.ly/2CIRnnh>. Acesso em: 10 nov. 2019) e o #meuamigosecreto (disponível em: <https://bit.ly/2CKMLwV>. Acesso em: 10 nov. 2019).

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ter voz e se insuflarem contra as repressões que sofreram, começou há alguns anos nos bastidores do cinema americano:

Em 2015, a atriz estadunidense Patricia Arquette reivindicou na entrega do Oscar, contra a desigualdade de gênero em âmbito profissional. Ela dedicou seu prêmio às mulheres e discursou: “Lutamos pela igualdade de direito de todo mundo. É nosso momento para conseguir igualdade de salários de uma vez por todas, e igualdade de direitos para as mulheres dos Estados Unidos da América” (apud EVANGELISTA e JANUÍNO, 2017, p. 32)

A expressão dessas vozes e presenças femininas é um indício de que se encadeia um momento em que mulheres estão tomando as rédeas dos meios de produção, quer sejam econômicos ou sociais. Nesta pesquisa, enfocaremos o papel da mulher nas produções audiovisuais dirigindo nossa análise para a observação de um crescimento estabelecido nos últimos 10 anos da presença feminina no cinema nacional e ressaltando a necessidade da ocupação de espaços para exibição de filmes feitos por mulheres:

Ao analisar a performance de público entre diretoras e diretores, observa-se um aumento no público dos filmes dirigidos por mulheres nos últimos três anos. Entre 2009 e 2012, o percentual não chega a 10%. Enquanto que no ano de 2015, chega a quase 30% de público, resultado obtido pela performance de quatro filmes dirigidos por mulheres no ranking dos dez filmes brasileiros mais vistos no ano: Meu Passado Me Condena 2, S.O.S Mulheres ao mar 2, Linda de morrer e Que horas ela volta? (ANCINE, 2015)

Esse crescimento está relacionado com processos importantes de inserção das mulheres no mercado audiovisual, um movimento atual e que deve ser correntemente estudado pela academia, a fim de perceber renovações sociais e inserções políticas de gênero e de conquista de espaços importantes para as mulheres. O objetivo dessa monografia é, pois, revelar e situar a presença feminina no audiovisual brasileiro, usando como recorte o cinema potiguar e a necessidade da elaboração de festivais de cinema de mulheres em Natal.

Para delinear essa pesquisa, é preciso construir um percurso crítico que consiga abarcar os conceitos de cinema de mulher, que naturalmente é contrário aos mecanismos patriarcais que colonizam os discursos femininos. O conceito de cinema de mulher possui diversas implicações e será estabelecido nos próximos capítulos.

1.2 CINEMA DE MULHERES

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Cinema Novo (predominantemente no cinema do baiano Glauber Rocha) a ascendência do que ele conceituava como “alegorias do subdesenvolvimento”: essas narrativas apresentavam teleologias revolucionárias, onde o povo era colocado em primeiro plano como motores da revolução que se insurgia contra poderosos. A violência dos subalternos (que aparece em filmes como Deus e o Diabo na Terra do Sol, O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro, O Bandido da Luz Vermelha e Bang Bang, entre outros) reafirmava um projeto popular de emancipação política, postulando uma agenda revolucionária. Essa tendência se deveu a uma etapa do cinema brasileiro autoral que se estabeleceu a partir de 1954, com o fim da Companhia Vera Cruz, dada a recusa de cineastas brasileiros de esquerda a assumir uma produção industrial (em sentido estrito). A reflexão sobre a situação política do país nos anos 1960 era agora o foco principal desses cineastas:

O contexto de rápidas transformações culturais e estéticas nos anos 60 marcou um cinema que internalizou a crise política da época na sua construção formal, mobilizando estratégias alegóricas marcadas pelo senso da história como catástrofe, não como uma teleologia do progresso técnico-econômico ou da revolução social, nem como uma promessa de estabilização de uma cinematografia no médio ou longo prazo, muito menos como sugestão de contato como uma trancendência capaz de definir um campo de esperanças. (XAVIER, 2012, p. 13).

Não por acaso em seu manifesto Eztétyka da Fome (1965), Glauber Rocha dizia que na subalternidade residia “a trágica originalidade do Cinema Novo diante do cinema mundial: nossa originalidade é a nossa fome e nossa maior miséria é que esta fome, sendo sentida, não é compreendida”4. Essa visão do cinema enquanto projeto ideológico atravessa a produção audiovisual brasileira até a atualidade, onde podemos perceber certos modelos de resistência dentro de diversos eixos de discussão. Um desses eixos é o cinema produzido por mulheres, combatendo os problemas inerentes ao machismo e ao patriarcalismo.

O cinema brasileiro dos anos 60 colocava em perspectiva o lugar do subalterno como agente da revolução. O povo aparece em festa, ou em grandes coletivos, ou apenas como protagonistas, sem privilégios, sem diferenças. Essa representação profundamente afetada pela dialética marxista, que buscava então uma construção da revolução do proletariado, fantasia que ocupava as expectativas de realizadores do período, como Glauber Rocha e Rogério Sganzerla, colocava em crise o antigo repertório do cinema brasileiro, representando apenas a classe média e seus problemas

4

HAMBRE. “Eztetyka da fome”. Hambre. 15 set. 2013. Disponível em: <https://bit.ly/2CIRVcP>. Acesso em: 10 nov. 2019.

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pequeno-burgueses. Agora o povo faminto (como em Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos, de 1963) ou os cidadãos da América Latina como um todo (como em

Manhã Cinzenta, de Olney São Paulo, de 1969) estão no centro desses filmes. O

subalterno pode falar, em referência ao título de Gayatri Spivak. Todavia, há ainda um lugar muito rígido de gêneros divididos, com pouca presença feminina no eixo de produção.

Antes de tudo, é fato que a construção dos papéis sociais de gênero faz parte de uma crescente repetição de discursos reproduzidos pela sociedade. Desse modo, pode-se dizer que o modelo de sociedade patriarcal, como define Santos: “Sob formas que variam consoante o tempo e o lugar, as mulheres têm sido consideradas como seres cuja humanidade é problemática (mais perigosa ou menos capaz) quando comparada com a dos homens. À dominação sexual que este preconceito gera chamamos patriarcado e ao senso comum que o alimenta e reproduz, cultura patriarcal” (2011, p.) contribui para que a imagem feminina dentro do cinema seja criada sempre para o olhar masculino. Esse olhar está educado também como uma espécie de denominador comum dos gêneros, como pensa Lauretis a respeito da concepção de gênero para Michel Foucault:

A ênfase na diferença sexual binária, homem versus mulher e masculino versus feminino, é um entrave antigo na crítica feminista que a partir dos anos 1980 passou a perceber tal distinção como uma limitação do seu próprio pensamento. Grande parte dos cientistas sociais feministas vêem nessa abordagem o confinamento conceitual através de “uma oposição universal do sexo” em que a mulher ora pode ser vista como a diferença do homem, com ambos universalizados, ora como diferença pura e simples e, portanto, igualmente universalizada. (LAURETIS, 2011, p. 207)

Portanto, as mulheres são submetidas a papéis que expressem feminilidade, sensualidade, fetichismo, dentre outras características idealizadas como femininas. Foi a partir dessa observação que a crítica feminista cinematográfica, com nomes como Elizabeth Ann Kaplan e Laura Mulvey, aparecem para contribuir com a reflexão acerca da participação da mulher no cinema. As autoras, além de provocar a discussão sobre mulheres fazendo cinema, também travaram o debate da forma com elas eram retratadas nas telas, como diz Kaplan (1995, p. 45): “Os signos do cinema hollywoodiano estão carregados de uma ideologia patriarcal que sustenta nossas estruturas sociais e que constrói a mulher de maneira específica – maneira tal que reflete as necessidades patriarcais".

Dentro desse cenário de pouca valorização, no qual as mulheres eram submetidas a fazerem papéis que não evidenciavam, de fato, seus talentos, as

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pioneiras nas críticas feministas cinematográficas, criam o conceito denominado de Cinema de Mulheres. Este conceito foi criado ainda na década de 1970, pensado pioneiramente pela Elizabeth Ann Kaplan (1995), a qual afirma que a crítica cinematográfica feminista surgiu da inquietação das mulheres ao reavaliarem a cultura na qual haviam sido criadas e educadas (KAPLAN, 1995, p. 50)

O Cinema de Mulheres, para além de ser um conceito teórico, foi responsável pela criação dos primeiros festivais de cinema que exibiu filmes dirigidos por mulheres, ainda na década de 70, em Nova York e Edimburgo (EUA), em 1972, e na França, em 1979 o festival que até hoje ainda é referência, Festival International de Films de

Femmes de Créteil , além das mostras de filme, os festivais tinham o objetivo de

debater e criar estratégias para que essas mulheres fossem consumidas, como afirma Dantas (2015):

a proposta de um cinema de mulheres usualmente parte de questões que vinculam agência, autoria e linguagem, a necessidade é de que se entrelacem problemas políticos e estéticos, para que não se invisibilize, desta vez pelos moldes da teoria, uma demanda crítica que surge como um sintoma da invisibilidade. (DANTAS, 2015, p. 85)

Contudo, o Cinema de Mulheres só ganhou uma maior visibilidade na década de 90, após longos anos de debates acerca do cinema feito pelo olhar masculino. Diferente do que o próprio nome sugere o Cinema de Mulheres não é feito apenas para mulheres, mas veio para criticar o fato de que existe uma hierarquia nas narrativas fílmicas que faz com que o discurso do homem seja mais valorizado do que o feminino, fazendo com que a mulher não se sinta representada pela forma como é retratada no cinema.

Além disso, os estudos sobre o Cinema de Mulheres vêm como forma de reafirmar a importância da mulher dentro da cadeia produtiva cinematográfica, em cargos de poder e criativos. Criticando, acima de tudo, a forma de fazer cinema hollywoodiana, a qual já tem uma história “pré-pronta” e muda apenas os personagens e poucas coisas no enredo, mas o estigma da mulher dona de casa, família feliz, final feliz, e até mesmo a objetificação feminina, continuam sempre acontecendo, e distanciando sempre a realidade e a possibilidade que mulheres se sintam representadas dentro da sétima arte, por isso que De Lauretis (1984) considera que o “cinema de mulheres” é fundamental para criar novas formas de visão, que possibilitem a identificação com as espectadoras, que não se reconheceriam nas imagens retratadas pelo cinema clássico.

Dessa maneira, o Cinema de Mulheres chega como um contraponto da forma de fazer cinema, como afirma Laura Mulvey (1975): “Um cinema político e esteticamente

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vanguardista é agora possível, continuando apenas a poder existir como um contraponto”, contraponto este que desconstrua os estereótipos femininos dentro do cinema, e que coloque as mulheres em todas as posições que são ocupadas por homens, para que a sétima arte se torne um local de todos e para todos. Visto que a presença ou ausência da figura feminina dentro do cinema muitas vezes não é notada pelo espectador comum (homem, em outras palavras) já que o cinema é feito para e por homens, deixando a imagem feminina à mercê da criação masculina, a qual objetifica, sensualiza e fetichiza a mulher dentro das telas.

Laura Mulvey, a propósito, é expoente de uma geração da crítica de cinema que se valeu da psicanálise para preencher uma etapa importante da crítica com cunho feminista. Suas análises procuravam elucidar que a presença da mulher em filmes de Hollywood estava ligada às representações da sedução ou da culpa, sempre à mercê e em relação a personagens masculinos. A mulher ocupa nesses filmes um lugar de ameaça ou de conforto para o homem: a perspectiva freudiana da castração é aqui reafirmada a todo momento. A mulher não demonstra nessa produção sua autonomia e sua capacidade de ter identidade: a elas só é legado o lugar da observação esvaziada, da personagem circular e sem demais complexidades, da representação ainda edênica da mulher que atrai e é repelida como se servisse aos homens. As mulheres muitas vezes estão ali como afirmadoras de masculinidades que são identificadas, possuem mais profundidade e concentração. É como se a figura da mulher fosse acessória, e a do homem especial e abrangente. Essa estrutura em que os homens se aproximam das mulheres apenas enquanto agentes de afirmação de suas masculinidades:

A autora alinha essa estrutura fílmica e cognitiva a escopofilia, que segundo a crítica feminista a partir de Freud, seria “o prazer masculino de transferir o prazer do seu próprio órgão sexual para o prazer de ver outras pessoas fazendo sexo” (KAPLAN, 1995). Já o voyeurismo seria uma das manifestações da escopofilia: “ligado a depreciação, tem um lado sádico, implica o prazer que vem do controle, domínio ou do castigar a mulher (culpada por ser castrada)” (Ibidem, 1995). (WANDERLEY, 2017, p. 20)

Mulvey percebia que o controle sobre o corpo feminino servia como uma realização de prazer do homem-espectador, e a forma de dirigir e orientar uma mulher em cena estava ligada a um olhar masculino acima de qualquer outro:

De repente, o impacto sexual da mulher atriz leva o filme a uma "terra de ninguém" fora de seu próprio espaço e tempo. Assim é a primeira aparição de Marilyn Monroe em O Rio das Almas Perdidas (River of no Return), ou as canções de Lauren Bacall em Uma Aventura na Martinica (To have and Have Not). Da mesma forma, os close-ups de pernas (Dietrich, por exemplo), ou de um rosto (Garbo), inscrevem uma forma diferente de erotismo na narrativa. O

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pedaço de um corpo fragmentado destrói o espaço da Renascença, a ilusão de profundidade exigida pela narrativa. Ao invés da verossimilhança com a tela, cria-se um achatamento característico de um recorte, ou de um ícone (MULVEY, 1983, p. 445)

Todavia, a leitura de Mulvey deixava de lado a possível espectadora que poderia ver em uma personagem feminina características de sua própria experiência e forma de estar no mundo: era possível que se construísse um semelhante desta personagem em alguma mulher e, com isso, criar uma célula de resistência frente aos problemas do patriarcado. Uma experiência feminina serve de inspiração para outras experiências, e o jogo da resistência se constrói nesses interstícios. A visão da psicanálise, no entanto, de fato não consegue fazer enxergar certas movimentações sociais: arraigada nos processos do inconsciente, a lógica psicanalítica não percebe aspectos desautomatizadores e reativos que podem ser acionados por uma presença feminina em um filme. É possível que o efeito causado seja não o de controle, apenas, mas a tomada de consciência dos modos pelos quais esse controle se dá.

A reprodução de estereótipos no cinema é comumente uma reafirmação da lógica machista, patriarcal e construída no seio das sociedades capitalistas: a mulher enquanto corpo, que é sensualizado e exposto enquanto produto. Além de tudo, o grande desafio é também conseguir educar a sociedade (espectador) a assistir também filmes feitos por mulheres, sem que essas sejam menosprezadas e sejam colocadas no mesmo patamar que os fazedores de cinema masculinos.

A inserção de outros grupos de mulheres, não só aquelas representadas por Hollywood e pelo imaginário ocidental, também detém importância no campo fílmico: as representações de lésbicas e negras. A quebra do modelo falocêntrico heterossexual, promovido pelas feministas e coadunado pela crítica psicanalítica, deram espaço para o surgimento de figurações de feminilidades plurais, não só as hegemônicas:

Jane Gaines (1988), foi uma das primeiras críticas feministas do cinema a apontar que a oposição macho/fêmea, tão central para a teoria feminista, invisibilizava a especificidade do posicionamento social da mulher negra. Gaines, assinalou que a titulação dada por Freud de que a mulher seria o “continente negro” (THORNHAM, 1999), deixava de reconhecer que “os negros” também poderiam ser mulheres. Por concomitância, esse entendimento trazia a significação da mulher negra, assim como da sua sexualidade o grande desconhecido do patriarcado branco. Ademais, a categoria de raça implica nas hierarquias de raça8 e na problematização do olhar masculino visto que na sociedade grupos tem a licença de olhar abertamente enquanto outros só podem olhar ilicitamente. (WANDERLEY, 2017, p. 22)

A recepção desses corpos não-hegemônicos foi de incomensurável importância para descolonização de olhares ocidentais e para desmistificar o lugar de privilégio de

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corpos brancos e viciados pelo voyeurismo dito mais acima. Os corpos femininos negros agora ganham novos contornos e espaços, com os holofotes atraídos para si, assim como os corpos lésbicos e os corpos não-representados (o da mulher gorda, o da mulher queer, o da mulher trans).

A partir dos anos 80, novos paradigmas críticos se somaram aos psicanalíticos e do feminismo negro (que estava ainda em ascensão entre o fim dos anos 70 e início dos 80): a teoria feminista junto aos estudos gays produziam uma teoria nova que foi chamada de queer nos Estados Unidos, que focava na produção e pensamento de sexualidades não-normativas, borrando os limites de gênero e flexionando o binarismo, apregoando que não havia apenas dois gêneros hegemônicos e binários (homem e mulher), mas diversas expressões que poderiam estar na margem dos dois gêneros instituídos mas também revelando vários novos, sem ter uma classificação ou prescindindo até de qualquer categorização. Desse modo, relações instituídas socialmente como femininas eram agora repensadas: a partir da ideia reformulada de “gênero”, a limitação de categorias sociais também estava sendo borrada. A teoria feminista encontrou então aqui um lugar para questionar o falocentrismo das relações sociais a partir de termos como heterossexualidade compulsória e performance de

gênero (ambos os conceitos grafados foram desenvolvidos pela filósofa Judith Butler):

agora as mulheres ganham uma nova luz para questionar seus papéis dentro de suas limitações enquanto gênero – não há mais limitações biológicas que não possam ser reavaliadas e realizadas de modo diferente, sem responder a nenhuma prerrogativa de gênero.

A partir da teoria queer, novas ontologias femininas se colocam no centro do debate: mulheres não são mais apenas as que se definem fisicamente como tal, mas também aquelas que se tornam mulheres (para acenar à famosa máxima de Simone de Beauvoir: “Não se nasce mulher, torna-se mulher”5): as mulheres transexuais. Também aquelas que estão localizadas entre os dois sexos, onde não se deixa de ser mulher, mas também não se pretende prender-se à categorização hegemônica. Estes novos corpos também granjeiam seus espaços no jogo político das mulheres e procuram interlocução com pautas feministas.

1.3 CINEMA DE MULHERES NO BRASIL

O Cinema de Mulheres no Brasil, acompanhando a tendência mundial, tem início

5

Essa frase é a abertura do clássico livro de Simone de Beauvoir, O Segundo Sexo, lançado em 1949.

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também na década de 70, aqui não se chamava Cinema de Mulheres, mas é impossível negar que as mulheres estavam se organizando para também serem protagonistas da sétima arte aqui. Nos anos 70, partiu da iniciativa de um grupo de mulheres a direção da ABD Nacional – Associação Brasileira de Documentaristas, a partir daí já se vê um movimento feminista sendo organizado, mesmo que algumas das cineastas não se considerassem feministas.

Em 1973 houve a primeira Jornada Baiana de Curta-Metragem, com um filme dirigido por uma mulher, a pernambucana Katia Mesel, o curta Rotor. O festival que mais tarde se tornou Jornada Internacional de Cinema da Bahia, é um dos festivais mais antigos do Brasil e é voltado apenas para documentários e filmes de cunho social e político.

A cineasta Susana Sereno conta, em texto publicado para o livro ABD 30 anos – Mais que uma Entidade, um Estado de Espírito, que as “mulheres de cinema” como eram chamadas na época, se reuniam para começar a pensar o olhar feminino e em como se organizar perante uma cultura fálica dentro do audiovisual brasileiro. E é nesse contexto, dentro da ditadura militar, que as cineastas brasileiras fazem seus primeiros filmes, empolgadas pelas recéns discussões acerca do feminino dentro da cultura cinematográfica, e da disputa recorrente por mostrar corretamente a imagem da mulher dentro das telas e fora delas (no ambiente de trabalho).

Muitos filmes feitos pelas brasileiras foram censurados, até porque falavam bastante identidade de gênero e sexualidade, e em tempo de repressão e valorização do controle estatal perante a sociedade, é preciso coragem para fazer resistência ao regime militar. É importante notar o papel transgressor desses filmes enquanto célula política, antes de qualquer coisa.

Dentre os filmes veiculados, pode-se citar “A Entrevista” (1966) da diretora Helena Solberg, declaradamente feminista, a diretora lança esse média-metragem, que tem duração de 19 minutos, e reúne um apanhado de entrevistas feitas com mulheres de 19 a 27 anos de idade, pertencentes a um mesmo grupo de classe social, e discute, dentre outras coisas o modelo de casamento tradicionais impostos na época, além da liberdade feminina em pontos como estudo e trabalho.

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2 AS MULHERES NO CIRCUITO DE FESTIVAIS

Com as barreiras impostas pela sociedade patriarcal, a organização de mulheres é necessária para chamar a atenção e distribuir as produções femininas com equidade. Embora com produção crescente desde a década de 70, os festivais e mostras de mulheres começaram a surgir na América Latina entre os anos 1990 e 2000. As mostras focadas em produções femininas funcionam como meio de divulgar e organizar esses produtos, que muitas vezes passam despercebidos pelo grande público. Em 2015, um relatório da ONU Mulheres que tratava da participação feminina no setor cinematográfico chamou a atenção do mercado:

O despertar das mulheres na principal indústria cinematográfica do mundo em 2015 aconteceu na esteira de uma pesquisa promovida e divulgada amplamente pela ONU Mulheres em setembro 2014. Mais do que desigualdade salarial, a pesquisa realizada em parceria com o Geena Davis Institute e a Fundação Rockefeller, certificou a profunda discriminação sofrida pelas mulheres nos principais produtores da indústria cinematográfica mundial, dentre esses o Brasil. A pesquisa, encabeçada por professores da Universidade da Califórnia, Estados Unidos, dialogou com a produção mais popular da Austrália, Brasil, China, França, Reino Unido, Alemanha, India, Coréia do Sul, Japão e Rússia. Algumas das principais conclusões desse amplo estudo apontam para a baixa representação das mulheres no cinema sendo menos de um terço das personagens com fala nos filmes (30,9%), embora sejam 50% da população mundial. Surpreendentemente, a pesquisa traz o Brasil dentre os países que tem esse índice um pouco maior (37,1%). (WANDERLEY, 2017, p. 72)

Essa pesquisa dirigiu o foco para a produção feminina e seu histórico apagamento. Agora, o cenário mudava e as mulheres exigem para si o foco: mesmo com todos os avanços do feminismo, mesmo com toda a problematização proposta nos anos 70, a participação feminina ainda é estigmatizada e sofre de problemas de silenciamento que são combatidos há pelo menos 30 anos. As representações femininas ainda passam por estigmas que exigem superação por uma sociedade com cada vez mais participação feminina:

Outro resultado da pesquisa foi a discriminação das personagens femininas em profissões de prestígio. Os personagens masculinos, se comparados aos femininos, são ampla maioria em profissões como advogados e juízes (13 para 1), professores universitários (16 para 1) e médicos (5 para 1). Por outro lado, quando o assunto é hiperssexualização os números crescem em favor das mulheres. A probabilidade de mulheres e meninas serem representadas em roupas sexy, nuas ou magras é duas vezes maior do que entre meninos e homens: “Esses resultados indicam que globalmente temos mais do que um problema inematográfico no que diz respeito à valorização de meninas e mulheres. Temos um problema humano.” (WANDERLEY, 2017, p. 72)

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promove um apagamento de mulheres em seus meios. Grandes circuitos, premiações e festivais demonstram o papel das mulheres relegados ao secundarismo. Todavia, a partir dos anos 2010, as coisas começam a mudar:

Um termômetro muito usado no cinema mundial para avaliar a atuação de estrelas ou diretores é a premiação da indústria americana, o Oscar. Somente em 2010, a diretora Kathryn Bigelow foi a primeira mulher a receber este prêmio criado pela Academia 82 anos antes. Antes disso, apenas três diretoras haviam sido indicadas para a categoria Melhor Direção. Na categoria Melhor Roteiro, 94% dos prêmios ficaram com os homens ao longo desses 82 anos de premiação, e poucas mulheres foram indicadas. (ALVES et al, 2012, p. 9)

Outros festivais, como Cannes e Rotterdam, passaram a ter mais presença feminina também em meados dos anos 2010: “Em 2011, quatro diretoras disputaram os principais prêmios, marcando a 64ª edição do festival como a edição que reuniu o maior número de mulheres na disputa pela Palma de Ouro, e uma delas foi premiada: a francesa Maïwenn Le Besco ganhou o Grande Prêmio do Júri” (Alves et al, 2012, p. 9), e em “2012, foi a vez do Festival de Roterdã se curvar ao talento feminino: todos os principais prêmios foram para três filmes de diretoras estreantes: a chilena Dominga Sotomayor, a chinesa Huang Ji e a sérvia Maja Milos” (id. Ib.).

Os grandes meios de produção do cinema tendem a segregar mais as manifestações minoritárias por se concentrarem justamente nas superestruturas; no entanto, os meios mais alternativos têm se movimentado desde o início dos anos 2000 para mudar essa visão hegemônica de cinema construindo espaços de interlocução de mulheres, como no festival Femina, do Rio de Janeiro.

O Femina – Festival Internacional de Cinema Feminino (Rio de Janeiro), acompanhou o crescente aumento da participação feminina no mercado cinematográfico do país, e foi o primeiro festival dessa categoria não só a ocorrer, como a ter continuidade. Outros festivais importantes são o FINCAR - Festival Internacional de Cinema de Realizadoras (Recife), a Mostra Elas (Salvador), a Mostra das Minas (Santos), a Mostra de Cinema Feminista (Belo Horizonte). Todavia, se acessarmos o Mapa de Mostras e Festivais da ANCINE6, vemos que são poucas as mostras especializadas em cinema de mulheres, embora cada vez mais apareçam novos festivais no país. A presença feminina no cinema, como constatado nas programações de Cannes, Rotterdam e na premiação do Oscar, tem aumentado de modo significativo, o que pode estimular retrospectivas, mostras e festivais que abarquem o cinema feminino.

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O mapa pode ser acessado por meio do link https://www.ancine.gov.br/pt-br/mapa-de-mostras-e-festivais.

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No Brasil há um crescente surgimento de festivais brasileiros com enfoque no cinema feminino – como dito, a partir dos anos 2000 essas mostras começam a aparecer. A participação das mulheres em festivais num plano geral (ou seja, não apenas de cinema) aumenta a cada ano, com incentivo por parte de festivais de música para ocorrer uma maior inclusão de mulheres na produção e nas programações. Um exemplo dessa política de incentivo gregária aos festivais é um levantamento empreendido pela jornalista Thabata Arruda que recolhe programações, fichas técnicas e outras informações sobre festivais brasileiros para verificar a presença feminina nesses eventos7. Esse levantamento partiu de um dado que parece alarmante ainda nesta década: no segundo semestre de 2018, a cantora americana Beyoncè foi a primeira mulher afro-americana a ser headliner (ou nome principal de uma programação) do festival Coachella, talvez o maior festival de música independente dos Estados Unidos. A cantora entraria na História de modo ainda mais estrondoso caso aceitasse o convite um ano antes, quando seria a primeira mulher em 10 anos a ocupar o posto de destaque entre os artistas do festival: motivado por sua gestação, a cantora não pode se apresentar no festival, e o posto de primeira mulher em 10 anos a conseguir destaque principal na programação do Coachella ficou com Lady Gaga.

A presença feminina ainda entre os nomes de segundo ou terceiro escalão em um grande festival de música, mesmo numa indústria que sempre valorizou as performances femininas, demonstra o apagamento sofrido pelas mulheres. A dinâmica empregada por um festival como o Coachella, para usar como exemplo de um grande festival que serve como espelho de diversos outros em várias áreas artísticas, revela ainda os efeitos de uma sociedade ditada pelo ritmo do capitalismo patriarcal, com lugares de poder demarcados e reproduzidos. No cinema o cenário não difere muito: a presença feminina ainda é tímida ou silenciosamente ignorada:

Na San Diego State University há um centro específico de pesquisa sobre a presença de mulheres nos filmes e na televisão, o Center of Study of Women in Television and Film. Lá pesquisas sobre a divisão entre personagens nas telas foram realizadas nos últimos 18 anos e o último estudo divulgado, intitulado “É um mundo de homens”3 expõe que nos filmes com maior bilheteria de 2014 apenas 12% foram protagonizados por mulheres. Dentre todos os filmes catalogados pelo centro, apenas 29% possuíam protagonistas mulheres. As investigações não param no quesito protagonismo: apenas 30% de todos os personagens com fala na tela nos filmes de 2014 eram mulheres.5 Os números

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A matéria da jornalista Thabata Arruda foi inspirada em um levantamento da revista americana Pitchfork Media, que analisava dados de festivais americanos para verificar se mulheres participam ativamente dos eventos enquanto produtoras ou artistas. Ño Brasil, alguns festivais analisados sequer traziam mulheres solistas em suas programações. Alguns deles traziam mulheres trabalhando na produção, nos palcos e backstages, mas de modo bastante discreto (disponível em: <https://bit.ly/2qXuoSF>. Acesso em: 10 nov. 2019).

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refletem diretamente na forma com que a representação do sexo feminino na tela é feita. Enquanto 58% delas são identificadas por papéis sociais (mãe, esposa, amante), 61% dos homens são identificados pela sua profissão. (FRIEDRICH, 2015, p. 1)

Sobre o apagamento feminino em obras do cinema, há um teste conhecido como Teste Bechdel8, batizado em homenagem à quadrinista americana Alison Bechdel. O teste consiste em averiguar se uma obra de ficção apresenta ao menos duas mulheres que conversam entre si sobre assuntos que não sejam sobre um homem, ou assuntos que girem em torno de figuras masculinas. Se adiciona ainda a condição de que as duas mulheres tenham nomes. Muitas obras contemporâneas não passam no teste: em média, filmes que passam sem ressalvas foram feitos com orçamento mais baixo; ou seja, geralmente são filmes que circulam em meios mais alternativos.

Para além das personagens em filmes, é importante ressaltar a presença das condutoras de narrativas atrás das câmeras. A importância de incluir mulheres na produção está em evitar a representação do mundo transferida a um olhar majoritário e hegemônico do mundo: o olhar masculino. Em inglês, o termo male gaze é usado para definir esse modo de pensar o mundo a partir da perspectiva masculina, unívoca e segregadora.

O teste de Bechdel serve reflexivamente como um parâmetro para se questionar o papel da mulher no cinema: seria a mulher incapaz de ser o foco de uma narrativa? Seria a uma mulher imputada apenas a condição de falar sobre homens? Mulheres não são dignas de estrelarem um filme independentemente de homens, sendo autônomas e independentes? Algumas aplicações do Teste Bechdel mostram que raros são os filmes que passam em todos os pontos do teste, em que a maioria cumpre apenas um dos requisitos, mas falha em outros. Filmes incensados pela crítica ou que concorrem em premiações importantes como Oscar ou Cannes muitas vezes não passam no Teste Bechdel.

Para ter acesso à lista de Mostras de cinema no Brasil, é possível entrar no site da Agência de Cinema Nacional (ANCINE) e pesquisar em um mapa do país todos os cerca de 1620 pontos marcados que representam mostras de animações, documentários, curta-metragens e vídeos experimentais com diversos enfoques. Do 8 A Wikipedia define o teste Bechdel deste modo: “O teste de Bechdel foi introduzido na história em

quadrinhos Dykes to Watch Out For de Alison Bechdel. Em uma tira de 1985 chamada "A regra",[6][7] uma personagem feminina sem nome diz que ela só assiste a um filme se ele satisfizer os seguintes requisitos: deve ter pelo menos duas mulheres; elas conversam uma com a outra; sobre alguma coisa que não seja um homem” (Disponível em <https://bit.ly/2NOmIeQ>. Acesso em: 10 nov. 2019). Há ainda um site que lista filmes que passam ou não no Teste Bechdel: <bechdeltest.com>. Na mesma seara, mas ainda intensificado por outro problema de apagamento histórico e social, há o Teste (Ava) Duvernay, que foca em pessoas negras.

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anime, tradicional modelo de animação japonesa, a mostras de filmes clássicos na rede de salas de cinema Cinemark, o mapa entrega um panorama vasto e representativo das exibições temáticas e efêmeras de filmes no país. No modo abrangente que considera um festival de cinema, a pergunta que é suscitada à curiosidade da pesquisadora é: qual o critério para considerar uma Mostra digna do nome?

Não há uma definição concreta, mas a Mostra de cinema tradicional levou esse nome a partir de eixos temáticos selecionados para ocupar salas de exibição com alguns filmes: a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre desde a década de 70, é conhecida por trazer à cidade de São Paulo filmes aplaudidos pela crítica e público em outras grandes mostras pelo mundo, da Europa à Ásia e principalmente pela América Latina; a mostra recifense Janela Internacional de Cinema ocupa o tradicional Cinema São Luiz, um dos derradeiros cinemas de rua do Nordeste, e também exibe filmes que acumulam boas críticas pelo mundo; a mostra Olhar de Cinema: Festival Internacional de Cinema de Curitiba também segue o mesmo formato, e ainda organiza formações, discussões e outras atividades que visam em formar e enriquecer a experiência do público. O festival curitibano tem ainda uma premiação para filmes nacionais.

No Nordeste brasileiro, há mostras importantes como o Festival Mimoso de Cinema, que acontece em Luís Eduardo Magalhães, cidade baiana bem distante de Salvador; o VerOuvindo, de Recife, que foca na acessibilidade e democratização do cinema; o CurtaCaicó, festival de curta-metragens que ocorre na cidade de Caicó, no Seridó potiguar; o CurtaoGênero, de Fortaleza, também focado em curta-metragens; o Festival Aruanda, na Paraíba, que ocorre na capital João Pessoa e traz inclusive uma mostra competitiva. Outros festivais estão começando a conseguir destaque no panteão das mostras brasileiras. Um bom exemplo é a Mostra de Cinema de São Miguel do Gostoso, que ocorre na praia de São Miguel do Gostoso, no Rio Grande do Norte. Em 2019 a Mostra de Cinema de Gostoso chegou apenas à sua 6ª edição, mas já ganhou destaque em jornais e atraiu bom público em sua mais recente realização. Pouco depois da Mostra de Gostoso, o Festival Internacional de Cinema de Baía Formosa terá sua décima edição na praia de mesmo nome no litoral potiguar. A mostra foca em produções potiguares e ocorrerá no final de novembro.

Outro festival de grande importância no Rio Grande do Norte é o festival Goiamum Audiovisual, cuja última edição, a nona, aconteceu em 2018. O festival recebe curtas de todo o Nordeste, com especial enfoque na produção norte-riograndense. Entre os destaques, na programação de 2015 o festival exibiu filmes de

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destaque como o documentário O Sal da Terra (2013), do cineasta alemão Wim Wenders, a cópia restaurada de Copacabana, Mon Amour (1970), seminal filme do cineasta brasileiro Rogério Sganzerla, estrelado por Helena Ignez, além de A História da Eternidade (2015), do cineasta pernambucano Camilo Cavalcante, que compareceu ao evento também como palestrante.

Como podemos perceber, no Brasil as mulheres ainda sofrem com a falta de representação mesmo em ambientes onde detêm a primazia artística e produtiva, mesmo em ambientes onde devem escoar suas produções para grande público. Desse modo, os festivais independentes servem como um aparato de apresentação e recepção desses produtos artísticos que não chegariam a um grande público se não por meio de mostras, festivais e outros eventos. O recorte utilizado na pesquisa de Thabata Arruda acerca da presença feminina em festivais no Brasil, levou em conta “1972 bandas e artistas presentes nas programações de 76 festivais entre os anos de 2016 e 2018”, e que resultou numa análise de que “(...) é possível notar que ao longo desses três anos a participação de mulheres (estamos considerando solistas e bandas compostas somente por mulheres) não ultrapassa a margem de 20% em cada um dos anos: 15% em 2016, 15% em 2017 e 20% em 2018”. Os números apontando para menos da metade da programação de um festival de música permitem-nos fazer um exercício de percepção para outras áreas e notar a reprodução de sistemas patriarcais de modo preponderante. Sobre os festivais brasileiros, alguns estão ativos até hoje, elencamos abaixo alguns deles:

2.1 FIM CINE (SP)

O festival teve início no ano de 2018, em São Paulo, a sigla que leva o nome do festival tem como intuito reforçar o grito pelo fim da sub-respresentividade feminina dentro do audiovisual. Na pagina oficial do evento, as organizadoras especificam as atividades que ocorrem no festival.

"O Festival traz em sua primeira edição mostras competitivas nacional e internacional de longas-metragens exclusivamente dirigidos por mulheres, mostras especiais e ações de formação e debate que fortalecem o protagonismo feminino nas telas e atrás das câmeras."9

9Disponível em:

https://www.facebook.com/events/1285241888278520/?event_time_id=1285241918278517 Acessoem: 20 de Outubro de 2019.

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2.2 LUGAR DE MULHER É NO CINEMA (BA)

A mostra ja acontece há 3 anos consecutivos, e os filmes que participam podem entrar no circuito competitivo ou apenas de exibição. No site oficial do evento podemos encontrar informações gerais sobre a mostra, a história da mulher homenageada da edição e informações gerais.

"A MOSTRA LUGAR DE MULHER É NO CINEMA é uma ação continuada de exibição de curtas metragens nacionais dirigidos e/ou protagonizados por mulheres. A programação é composta por sessões de filmes de até 20 minutos, competitivas e não-competitivas."10

2.3 FINCAR - FESTIVAL INTERNACIONAL DE CINEMA DE REALIZADORAS (PE) O festival contou com duas edições, a segunda edição foi em 2018, e só pôde ser executada através do 10° Edital do Programa de Fomento à Produção Audiovisual de Pernambuco (Funcultura), reforçando a importância de incentivos da iniciativa pública para fomento de cultura para a população.

"Entre os dias 14 e 19 de agosto, o FINCAR – Festival Internacional de Cinema de Realizadoras chega à sua segunda edição com uma programação com mais de 70 filmes entre curtas, médias e longas-metragens de várias partes do mundo e exibições em três cinemas de rua: Cinema São Luiz, Cinema da Fundação Joaquim Nabuco (ambos no Recife) e Cine Teatro Bianor Mendonça Monteiro (em Camaragibe, na região metropolitana do Recife)"11

2.4 TUDO SOBRE MULHERES: FESTIVAL DE CINEMA FEMININO (MT)

O festival surgiu no ano de 2005, na Chapada dos Guimarães/MT, com algumas pausas, no ano e 2019, a sétima edição do evento ganhou uma proporção maior, sendo transferido para Cuiabá.

“Em 2019, em sua sétima edição, um importante movimento foi realizado: o festival segue para Cuiabá, capital de Mato Grosso. Com grandes expectativas e exigências maiores, Danielle sentiu que era chegado o momento de dar um passo adiante. Trazer o TUDO SOBRE MULHERES para Cuiabá/MT significa oferecer uma experiência mais apurada, tanto ao público, como aos participantes do evento:

10 Disponível em: http://www.mostramulhernocinema.com.br/ Acesso em: 15 de Outubro de 2019.

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cineastas selecionadas para a mostra competitiva, oficinistas, debatedores, artistas dos variados segmentos culturais, veículos de comunicação (nacionais e regionais) bem como toda a equipe de organização e produção do evento.”12

12 Disponível em: https://www.tudosobremulheres.com/ Acesso em: 03 de Novembro de 2019.

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4 ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA

Para estruturar os dados dessa pesquisa, e delimitar o público alvo, foi proposto um questionário aplicado pela Internet, o qual se destinou apenas às mulheres potiguares que trabalham com audiovisual, entre os dias 4 a 10 de outubro de 2019, desse modo, conseguimos o total de 27 respostas. A primeira questão indagava a faixa etária das participantes: o recorte demonstra uma maioria entre os 26-35 anos, seguidos por 29% entre os 19-25 anos. Questionamos profissionais da área do audiovisual acerca de algumas questões.

Gráfico 1 – Resposta à questão “qual é a sua idade?”

Fonte: Dados da pesquisa (2019).

O gráfico gerado demonstra um recorte entre mulheres na fase de juventude já madura, o que provavelmente faz analisarmos previamente que são pessoas que já estão integradas ao mercado de trabalho e/ou tem alguma formação ou ocupação já estabelecidas.

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Fonte: Dados da pesquisa (2019).

Grande parte das questionadas habita a Zona Sul da Cidade do Natal, sendo outra boa parcela habitantes da região metropolitana. Na Zona Sul da cidade abundam mais cinemas, espaços culturais, bares e boates, com um circuito alternativo presente.

Gráfico 3 – Resposta à questão “qual o seu nível de escolaridade?”

Fonte: Dados da pesquisa (2019).

Mais da metade das entrevistadas são graduadas, o que mostra um nível de instrução que já os coloca em posição de destaque em um país com histórico déficit educacional. Do alto desse nível de instrução, o consumo de produtos culturais é maior e mais abrangente. Importante ressaltar também a expressiva quantidade de pós-graduadas entre as entrevistadas.

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Fonte: Dados da pesquisa (2019).

Os dados sobre a renda familiar das consultadas demonstra sua posição entre as classes médias do Brasil, flutuando entre classes A, B e C.

Gráfico 5 – Resposta à questão “quais mídias de comunicação você mais usa para se manter informada?”

Fonte: Dados da pesquisa (2019).

A presença preponderante da Internet entre as entrevistadas é notória também pela faixa etária da maioria e pelo posicionamento social. Geralmente jovens adultas de classe média com acesso a meios de comunicação variados. Importante notar ainda a presença do meio televisivo, culturalmente parte do cotidiano brasileiro desde sua entrada no país, em meados dos anos 1940. A crescente presença dos podcasts também deve ser levada em conta como dado de atualidade.

Referências

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