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MarieCurie

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Marie Curie

No outubro de 1891, matri cul ou -se no curso de Ci ênci as da Sorbonne, e m Pari s, u ma jove m pol aca cha mada Mari e Skl odowska.

Os estudantes i nterrogava m-se sobre que m seri a, estranhando o seu ar tí mi do, a expressão obs ti nada e o vestuári o austero e pobre. Ni nguém sabi a ao certo, senão que era uma estrangei ra de "nome i mpronunci ável " que escol hi a se mpre, nas aul as de Físi ca, u m l uga r na pri mei ra fi l a. E os ol hares dos seus condi scípul os segui am-na até a sua g raci osa sil h ueta desapar ecer no fundo de u m corredor. "Bel o cabel o ". Durante mui to tempo, os seus atraentes cabel os, de u m l ouro aci nzentado, foram, para os seus col egas da Sorbonne, o úni co si nal di sti nti vo da personal i dade dessa tí mi da estrangei ra.

Os joven s, poré m, não ocupava m a atenção de Mari e Skl odowska : a sua pai xão era o estudo das Ci ênci as. Consi derava perdi do qual quer mo mento que não dedi casse aos li vros.

De masi ado tí mi da para cul tivar a mi zades entre os seus col egas franceses, refugi ou -se ao círcul o dos seus co mpatri otas, que formava m u ma espéci e de il ha pol aca no bai rro l ati no de Pari s. Aí, a sua vi da desenrol ava -se, co m pacatez monásti ca, i ntei ramente consagrada ao estudo. Todo di nhei ro que o pai , um obscuro, se be m que co mpe tente profes sor de Mate máti ca, l he podi a mandar de Varsóvi a, não i a além de q uarenta rublos por mês; para subsi sti r, e m Pari s, Mari e ti vera de trabal har como governante, na Pol ôni a, e, assi m, ju ntar al gumas econo mi as. Poucas: di spunha apenas de três francos di ári os pa ra pagarem todos os seus gastos , i ncl usive os encargos uni versi tári os.

Para poupar carvão, não acendi a a l arei ra e passava horas e horas a escrever nú meros e equações, se m s equer se dar conta de que ti nha os dedos enregel ados e todo o seu corpo t i ri tava de fri o. Chegou a estar se manas i nte i ras se m i ngeri r outros al i mentos al ém de chá e pão com mantei ga. Quando queri a festejar al gu m aconteci mento mai s fel i z, comprava doi s ovos, u m chocol ate e duas ou três peças de fruta.

Este escasso regi me al i mentar tornou anê mi ca a rapari ga que, al guns meses antes, ti nha dei xado Varsóvi a estuante de saúde. Freqüentemente, t i nha desfal eci mentos e era forçada a recol her ao l ei to, onde, por vezes, perdi a o conheci mento. Ao vol tar a si , perguntava -se se não estari a doente, mas reso l vi a não l igar i mportânci a, tal como fazi a a tudo o que pudesse al heá -l a do seu trabal ho. Nunca l he ocorreu que a sua úni ca doença fosse a fo me.

Ne m o a mor, ne m o casa mento fi guravam nos pro jetos de Mari a. Do mi nada pel a pa i xão ci entífi ca, mant i nha, aos vi nte e sei s anos de i dade, u ma feroz i ndependênci a pessoal . Conheceu, então, Pi erre Curi e, um ci entista francês. Pi erre ti nha tri nta e ci nco anos, era sol tei ro e, tal como el a, dedi cava -se, de corpo e al ma, à i nvesti gação. E ra al to, ti nha mãos grandes e sensívei s e u ma barba cerradíssi ma; a e xpressã o do seu rosto era tão i ntel i gente co mo di sti nta.

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Desde o seu pri mei ro encontro, num l aboratóri o, em 1894, si mpati zara m u m co m o outro. Para Pi erre Curi e, a jove m Skl odo w ska era u ma personal i dade desconcertante; e xtasi ava -o poder fal ar co m u ma mul her tão encantadora, na l i nguagem da técni ca e das mai s co mp l i cadas fórmul as ci entífi cas.

Pi erre Curi e procurou travar, co m Mari e, rel ações de a mi zade e pedi u -l he autori zação para a vi si tar. Co m u ma c ordi al i dade não i senta de reserva, a jo ve m recebeu-o no pequeno quarto que habi tava. Aí, nesse cenári o estrei to e desol ado, com o seu rosto de traços fi rmes e deci di dos e o seu pobre vestido, Mari e estava bel a como nunca. O q ue nel a fasci nava Pi erre era, não só a sua devoção pel o trabalho , ma s ta mbé m a nobreza de espíri to de que dava provas. Daí a poucos meses , Pi erre Curi e propôs -l he casa mento. Casar co m u m francês si gni fi cava dei xar para se mpr e a sua fa míl i a e a su a a mada Pol ôni a, coi sa que se atul hava co mo u ma i nsu portável pri vação. Decorreram dez me ses até Mari e se deci di r acei tar a proposta.

Os pri mei ros di as da sua vi da de casados vi vera m -nos Pi erre e Mari e passeando pel o campo , e m bi ci cl etas co mpradas co m o di nhei ro recebi do co mo presente de casamento. Co mi a m frug al mente e contentava m -se co m u m re gi me à base de pão, quei jo e fruta; pernoi tavam e m pousadas desconheci das e modestas, e, assi m, pel o bai xo preço de uns mi l hares de pedal adas e al guns francos para pagar o al oja mento na s al dei as por onde passava m, gozara m u ma l onga e feli z l ua -de-mel .

De vol ta a Pari s, o jo ve m casa l foi vi ver para um pequeno aparta me nto no prédi o n. º 24 da rua Gl aci ère. As paredes decoraram -nas co m pratel ei ras chei as de l i vros; no centro da habi tação col ocaram duas cadei ras e uma gr ande mesa branca, de madei ra. Sobre esta, tratados de Físi ca, um candeei ro de petról eo e um ra mo de fl ores. Era tudo.

Pouco a pouco, Mari e foi aprendendo a governar a casa. Invent ava pratos que era possível preparar e m pouco te mpo. Antes de sai r, graduav a a cha ma co m a preci são de um fí si co; dei tava um úl ti mo ol har à panel a que ficava ao l ume e saía a correr para al cançar, na escada, o mari do, e m co mpanhi a do qual se di ri gi a para o l aboratóri o. Um quarto de hora mai s tarde podi a -se vê-l a, nova mente, regul ar u ma cha ma, agor a de u m bi co de Bunsen, co m a me s ma preci são e cui dado que punha em cad a u m dos seus gesto s.

Durante o segundo ano de casados, nasceu -l hes a pri mei ra fi l ha: Irene, que vi ri a a ganhar, anos depoi s, o Prê mi o Nobel . Nunca passou pel a cabeça a Mari e Curi e ter de escol her entre a ob ri gação de vel ar pel a casa e a carrei ra de ci enti sta. Cui dava do l ar e da fil ha se m detri mento do seu trabal ho no l aboratóri o, trab al ho que a l evari a à mai s i mportante descoberta da ci ênci a moderna.

Até fi ns de 1897, Mari e ti nha obti do doi s di pl omas uni versi tári os, uma bol sa de estudo e publ i cara u m i mpo rtante trabal ho sobre a magneti zação do aço te mperado. A sua pró xi ma met a er a o doutora mento. Ao procurar u m pro jeto de i nvesti gação que l he servi sse de te ma para a tese, i nteressou -se vi vamente por u ma recente publ i cação do sábio francês Antoi ne Henri Becquerel , que descobri ra que os sai s de urâni o emi ti am e spontaneamente , se m e xposi ção à l uz, certos rai os de natureza desconheci da. Um co mposto de urâni o, col ocado sobre uma pl aca fotográfi ca coberta por uma fol ha de papel negro, i mpressi onava a pl aca através do papel . Era a pri mei ra veri fi cação do fenômeno que Mari e vi ri a a bat i zar com o no me de radi oati vi dade; a natureza da radi ação,

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poré m, tal co mo suas ori gens, conti nuava m envol tas e m mi stéri o .

A descoberta de Becquerel fasci nava o casal Curi e. Interrogavam -se quanto à proveni ênci a da energi a que os co mpostos de urâ ni o i rradi ava m constante mente. Estava m perante u m absorvente te ma de i nvesti gação, u m sal to ao rei no do i gnorado.

Graças à i ntervenção do di retor da Escol a de Físi ca onde Pierre l eci onava, Mari e consegui u autori zação para uti li zar um pequeno depó si to que havi a no sótão da mes ma. A i nvesti gação ci entífi ca naquel e quarti to não era nada fáci l , e a umi dade do a mbi ente, fatal para os sensívei s i nstrumentos de preci são, não foi pouco perni ci osa para a saúde da i nvesti gadora.

Enquanto se e mpenh ava no est udo dos rai os de urâni o, Mari e descobri u

que os compos tos de outro el emento, o tóri o, emi ti am, ta mb é m

espontanea mente, rai os se mel hantes. Por outro l ado, e m a mbos o s casos , a radi oati vi dade era mui to mai s forte do que a que, l ogi ca mente, podi a at ri buir-se à quanti dade de urâni o e tóri o conti do nos produtos exa mi nados .

De onde provi nha essa radi ação anor mal ? Só havi a uma e xpl i cação possível : os di tos mi nerai s devi a m co nter, ai nda que e m pequena quanti dade, u ma substânci a radi oati va mui tís si mo mai s poderosa do que o urâni o e o tóri o. Mas qual era essa substânci a? Nas suas experi ênci as, Mari e ti nha exa mi nado todos os el ementos quí mi cos conhec i dos. Portanto, os mi nerai s exa mi nados deveri am conter u ma substânci a radi oati va que, forçosamente, t i nha de ser u m el emento quí mi co até então des conhec i do.

U m el e mento novo ! Pi erre Curi e, que segui ra o rápi do progresso das experi ênci as da mul her com apai xona do i nteresse, resol veu abandonar os seus própri os trabal hos para se dedi car a ajudá -l a. Duas cabeças e quatro mãos porfi avam agora, no di mi nuto e úmi do l aboratóri o, na pesqui sa do el emento desconheci do.

Mari e e Pi erre co meçara m, paci entemente, por separar e medi r a radi oati vi dade de todos os el ementos conti dos na pechbl enda, u m mi né ri o de urâni o; porém, à medi da que fora m l imi tando o ca mpo de i nvesti gação, as suas descobertas i ndi caram a e xi stênci a de doi s el ementos novos e m vez de u m. No mês de jul ho de 1898, os esposos Curi e puderam anunci ar o descobri mento de u ma dessas substânci a s. Mari e deu -lhe o nome de pol ôni o, em ho menage m à sua pátri a queri da. E, em deze mbro d o mes mo ano, revel aram a e xi stênci a de u m segundo novo el e mento quí mi co na pechbl enda, el emento que bati zara m co m o no me de rádi o, dotado de enor me radi oati vi dade. Mas n i nguém ti nha ai nda vi sto o rádi o; ni nguém podi a dizer qual era o seu peso atômi co. Teri a m que decorrer quatro anos até o casal Curi e consegui r provar a exi stênci a do pol ôni o e do rádi o e ai nda, quando havi a m já de scoberto u m método que per mi ti ri a separar o s doi s el ementos, careci am de grandes quanti dades de materi al em bruto para podere m e xtraí -l os.

Das mi na s de St. Joa chi mst hal , na Boê mi a, e xtraía -se pechbl e nda, mi neral do qual provêm certos sai s de urâni o empregados no fabri co do vi dro. A pechbl enda é um mi néri o caro , mas, segundo os cál cul os dos Curi e, após a separação do urâni o, o pol ôni o e o rádi o fi cavam i ntactos. Porque não tra tar, então, qui mi ca mente esses resíduos da pechbl enda que ti nham tão esc asso val or comerci al ?

O governo au stríaco faci l i tou o forneci mento de u ma tonel ada de resíduos, e co m el es foi o casal trabal har para um barracão abandonado, p erto

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do quarti to onde Mari e reali zara as suas pri mei ras experi ênci as. O sol o do barracão era de terra bati da; umas desengonçadas me sas de cozi nha, u m ar mári o carunchoso e u m vel ho fogão de ferro consti tuíam todo o seu mobi l iári o.

“Apesar de tudo”, escrevia Marie, tempos depois, “naquele miserável

casebre passa mos os mel hores e ma i s feli zes anos da nossa vi da total me nte consagrados ao trabal ho. Por vezes, passava o di a i ntei ro a agi tar uma ma ssa e m ebul i ção com u ma vara de ferro, quase tão grande como eu própri a. Ao

chegar a noi te, estava extenuada”. Nestas condições, trabalhou o casal Curie

de 1898 a 1902. Co m a sua vel ha bat a que o pó e os sal pi cos dos áci dos enchi am de nódoas e buracos, o cabel o sol to e envol to pel o nevoei ro das e manações, que l he ator mentava m, po r i gual , os ol hos e a garganta, trabal hava Mari e Curi e.

Fi nal mente, e m 1902, quarenta e ci nco meses apó s tere m anunci ad o a provável exi stênci a do rádi o, os esposos Curi e al cançaram a vi tóri a: Mari e consegui u preparar um deci grama de rádi o puro e determi nar o peso atômi c o deste novo el emento. A parti r daí, o rádi o passou a ter exi stênci a ofi ci al .

Desgraçada mente, os espos os Curi e ti nham de enfrentar ou tros probl emas. O ordenado de Pi erre na Escol a de Físi ca estava l onge de ser el evado, e com o nasci mento de Irene houve que contratar uma a ma, o que au mentou consi deravel mente as desp esas. Havi a que pr ocurar outros recursos. Em 1898, fi cou l i vre a cátedra de Quí mi ca da Sorbonne e Pi erre deci di u candi datar -se. Não teve êxi to. Só sei s anos depoi s, quando o mundo i ntei ro procl amava os seus méri tos de ci enti sta, consegui u Pi erre Curi e fazer parte do corpo docente da reputada escol a. Mari e, essa l ogrou obter emprego co mo professora de u m col égi o de rapari gas próxi mo de Versal hes.

Os esposo s Curi e conti nuara m o seu l abor docente co m boa vontad e e cari nho, sem dare m a menor mo stra de amargura. A conta s co m a s suas duas ocupações - o ensi no e a i nvesti gação ci entífi ca -, ami úde se absti nha m de co mer e, até, de dor mi r. Por vári as vezes, Pi erre teve de recol her à ca ma, torturado por agudas dores nas pernas. Os nervos manti nha m Mari e de pé, ma s a pali dez e a magreza do seu rosto al armava m, seri a mente, os seus a mi gos. Enquanto a radi oati vi dade progredi a, o casal de sábi os que a descobri ra i a, pouco a pouco, defi nhando.

Puri fi cado e transformado e m cl oreto, o rádi o surgi a como u m pó bran co, se mel han te ao sal de mesa, mas a s suas qual i dades eram e xtraordi nári as. A i ntensi dade das suas radi ações exc edi a toda a expectati va, poi s era doi s mi l hões de ve zes superi ores à do urâni o. Os rai os que e mi ti a m atravessa va m a s substânci as mai s duras e opacas e só um a grossa pl aca de chumbo era c apaz de resi sti r à sua penetração destrui dora.

O úl ti mo e mai s maravi l hoso dos seus prodígi os era que o rádi o podi a converter -se num al i ado do home m n o co mbate contra o cranco. Ti nha, poi s, u ma uti li dade práti ca e a sua extração havi a dei xado de oferecer um si mp l es i nteresse experi mental . A i ndústri a do rádi o i a surgir.

Em vári os países ti nham-se já estabel eci do s pl anos para a expl oração de mi nerai s radi oati vos (pri nci pal mente n a Bél gi ca e nos Estados Uni dos ). Todavi a,

os engenhei ros só poderi am produzi r o “fabuloso metal ” se dominassem o

segredo das del i cadas operações a que era preci so submeter à matéri a-prima . Certa manhã de Do mi ngo, Pi erre expl i cou à esposa o que se pa ssava. Acab ara de receber uma carta d os Estados Uni dos em que vári os engenhei ros, que

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queri am uti l i zar o rádi o, na Améri ca, l he sol i ci tavam i nfor mações.

- Te mos doi s ca mi nhos - di sse Pi erre. - Ou descrever os resul tados da nossa i nvesti gação, processo de puri fi cação i ncl uído, sem re serva al gu ma ...

(Mari e executou, mecani ca mente, u m gesto de aprovação e mur murou: “Si m, é o

que faremos”.) -...Ou - continuou ele - podemos considerar-nos proprietários e

“inventores” do rádio, tirar patente da técnica de tratamento da pechblenda e assegur ar os di rei tos na fabri cação do rádi o em todo o mundo.

Mari e refl eti u uns segundos e, depoi s, di sse:

- I mpossível . Seri a a negação do espíri to ci entífi co. Pi erre sorri u de sati sfação. Mari e conti nuou:

- Os físi cos publi cam, se mpre, o r esul tado co mpl eto das suas i nvesti gações. Se a nossa descoberta tem possi bi li dades co merci ai s, i sso é um aci dente do qual não deve mos ti rar parti dos . Al ém di sso, o rádi o vai ser uti li zado para comb ater u ma doença. Não pode mos e xpl orar essa ci rcunstânci a...

- Hoje mes mo, vou escrever aos engenhei ros norte -ameri canos para l hes co muni car à i nformação que nos pede m.

U m quarto de hora depoi s, Pi erre e Mari e rodavam, sobre as suas bi ci cl etas, para um bosque. Acabava m de escol her para se mpre entre a fort una e a pobreza.

Ao cai r da tarde, regressavam, exaustos, braços carregados de fl ores si l vestres.

Em junho de 1993, o Real Insti tuto de Ingl aterra convi dou, ofi ci al me nte, Pi erre a pronunci ar em Londres u ma séri e de conferênci as sobre o rádi o. Aí, receberam u ma chuva de con vi tes para banquetes e ceri môni as, poi s Lond res i nteira queri a conhecer os pai s do rádi o. E, em nove mbro de 1903, o Real Insti tuto de Londres conferi u, a Pierre e a Mari e, uma das suas mai s presti gi osas condecorações: a Medal ha de Davy.

O reconheci mento públ i co, que se segui u ao da Ingl aterra, proveio da Suéci a. A 10 de deze mbro de 1903, a Acade mi a das Ci ênci as de Estocol mo , anunci ou que nesse ano o Prê mi o No bel da Físi ca seri a di vi di do pel os esposos Curi e e po r Antoi ne Henri Becquerel , e m reconheci mento da s suas de scobe rtas no ca mpo da radi oati vi dade. Este prê mi o envol vi a a so ma i mportante de quatrocentos e ci nqüenta contos e a sua acei tação não era, de modo al g u m, “contrária ao espírito científico ”. Pierre pode libertar-se da pesada carga que representava m as mui tas horas dedi cadas ao ensi no e, assi m, sal var a saúde. Quando receberam o di nhei ro, di stri buíra m presentes pel o i rmão de Pi erre e pel as irmãs de Mari e.

Mari e per mi ti u -se, ta mbé m, o prazer de i nstal ar uma moderna casa de banho e de renovar o papel de paredes de toda a habi tação; não l he ocorreu, poré m, co mprar u m chapéu novo, e c onti nuou a dar aul as, ai nda que i nsi sti sse para que Pi erre dei xasse o seu trabal ho na Escol a de físi ca.

Quando a fama l hes abri u os braços, os tel egramas de fel i ci tações e mpi l havam-se sobre a sua grande mesa de trabal ho; os jornai s publ i cava m mi l hares de arti gos sobre el es e, no correi o que recebi am, abundava m pedi dos de fotografi as e de autógrafos, cartas de i nventores e, até poemas sobre o rádi o.

Na pri mavera de 1904, Mari e escreveu este desabafo: “... Há sempre

ruído à nossa vol ta! As pessoas di strae m -nos do nosso trabal ho. Deci di não receber mai s vi si tas; de qual quer modo, não dei xa m de me i mportun ar. As

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honrari as e a fa ma dera m cabo da no ssa vi da. A e xi stênci a pacífi ca e l abori osa

que l evávamos foi co mpl eta mente des organi zada”.

Ao fi m do seu segundo período de gravi dez, Mari e estava co mpl eta me nte esgotada. Foi a 6 de dezembro de 1904 que nasceu a sua Segunda fil ha, Eva, autora desta bi ografi a.

Depressa vol tou Mari e à roti na da escol a e do l aboratóri o. O casal não assi sti a, nunca, a festas soci ai s, ma s não podi a evi tar a sua presença nos banquetes ofi ci ai s em honra de sábi o s estrangei ros. Para tai s ocasi ões, Pierre vesti a o seu fraque e Mari e o úni co traje de noi te que possuía.

A 3 de jul ho de 1905, Pi erre Curi e i ngressou na Acade mi a das Ci ênci as. Entretanto, a Sorbonne cri ara, para ele, u ma cátedra de Físi ca, cargo que tanto ti nha desejado - mas conti nuava se m di spor de u m l aboratóri o à al tura da di fi cul dade e i mportânci a das suas pes qui sas.

Oi to anos de paci ente l abor decorreram até Mari e consegui r i nstalar a radi oati vi dade em l ocal co mpat ível co m o seu papel no mundo moderno. Pi erre não chegari a a conhecê -l o.

Era m duas horas e mei a da tarde do di a 19 de abri l de 1906. Chovi a. Pi erre despediu -se dos professores da Facul dade de Ci ênci as, com que m ti nha al moçado, e sai u para a rua. Ao pre tender atravessar de u m passei o para o outro, meteu -se di strai damente, à fre nte de u m pesado carro, puxado por u m caval o, que avançava com rapi dez. Surpreendi do, tentou desvi ar -se, mas os seus pés escorregaram no pavi ment o úmi do e foi em vão que o co ndutor procurou deter o veícul o, puxando forte mente as rédeas: o enor me carro, c o m todo o peso das suas sei s tonel adas passara por ci ma do corpo do sábi o. A pol íci a recol heu o corpo ai nda cál i do, do qual acabara de escapar -se a vi da. Às sei s da t arde daquel e me s mo di a, Mari e, al egre e chei a de vi da, estava à porta de sua casa quando co meçara m a chegar vi si tas, em c ujo s rostos, vaga mente, percebeu si nai s de co mpai xão. Enquanto os a mi gos l he dava m conta do sucedi do, Mari e permaneceu hi rta, petri fi ca da. Ao fi m de u m l argo e obstinado sil êncio, mo veu os l ábi os para perguntar:

“Pierre morreu? Está morto? Não há nenhuma esperança de o salvar? ”.

A parti r daquel e mo mento, e m que as pal avras “Pierre morreu” atingiram,

co m terrível i mpact o, o fundo da sua consci ênci a, Mari e converteu -se num ser i ncuravel mente só.

Depoi s do funeral de Pi erre Curi e, o governo francês pensou e m conceder à vi úva e aos fi l hos do i lustre físi co u ma pensão naci onal . Mari e recusou-a.

“Não penso em pensão alguma. Sou ainda suficientemente nova para

ganhar a vi da e sustentar -me a mi m e aos meus fi l hos”.

A 13 de março de 1906, o Con sel ho da Facul dade de Ci ênci as decidi u, por unani mi dade, outorgar à vi úva Curi e a cátedra que havia si do ocu pada pel o mari do na Sorbonne. Era esta a pri mei ra vez que a uma mul her se concedi a tão al ta posi ção no ensi no uni versi tári o francês.

Chegou o di a da sua pri me i ra aul a na Sorbonne; a sal a estava co mpl eta mente chei a, be m co mo todo s os corredores de acesso. Em todos os rostos se revel ava a curi osi dade. Quai s seri am as pri mei ras pal avras da nova professora? Co meçari a por e xpri mi r a sua grati dão ao mi ni stro e ao Conse l ho

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Uni versi tári o? Evocari a o mari do? Nã o poderi a ser de outro modo. O cost u me exi gi a que todo o novo professor el ogiasse aquel e que o ti nha precedi do...

A u ma e mei a da tarde abri u -se a porta do fundo da aul a e apareceu Mari e Curi e que, no mei o de u ma te mpestade de apl ausos à qual correspondeu co m u ma l i gei ra i ncli nação de cabeça , foi ocupar a sua secretári a, de frente para os al unos. Se m se sentar, espe rou que a ovação ter mi nasse. Quand o o si l ênci o se fez, deu i níci o à li ção, com estas pal avras:

“Quando consideramos os progressos conseguidos nos domínios da

físi ca duran te os úl ti mos dez anos, sur preende -nos o grande avanço das nossas

i déi as no que respei ta à el etri ci dade e à matéri a...”.

Mada me Curi e ti nha recomeçad o o curso co m a me s ma frase co m qu e o dei xara o seu Pi erre Curi e.

Ter mi nada a li ção, a professora, se m u ma va ci l ação, reti rou -se, tão rapi damente co mo ti nha entrado.

A fa ma de Mari e Curi e cresceu e espal hou -se. Recebi a títulos e di pl omas das mai s di sti ntas academi as estrangei ras. Ai nda que não tenha si do admi ti da co mo me mbro da Aca de mi a das Ci ên ci as, perdendo a el ei ção por um vot o, a Suéci a concedeu -l he o Prêmi o Nobel de Quí mi ca, de 1911. Durante mai s de ci nqüenta anos, não houve mai s ni ngué m a receber o prê mi o por duas vezes . A Sorbonne e o Insti tuto Past eur, conjunta ment e, fundara m o Insti tuto Curi e de Rádi o, di vi di do e m duas s eções: u m l aboratóri o de radi oati vi dade, di ri gi do por Madame Curi e, e outro dedi cado a i nvesti gações bi ol ógi cas e ao estudo do trata mento do cancro, di ri gi do por um médi co e mi nente. Contr a a vontade da sua famíl i a, Mari e ofereceu ao Insti tuto um gra ma de rádi o que el a e o mari do havi a produzi do com a s s uas própri as mãos e cu jo val or se pode cal cul ar num mi l hão de francos ou ro. Até ao fi m da vi da, el a fez d este l aboratóri o o centro da sua exi stênci a.

Em 1921, as mul heres norte -ameri canas reuni ram ce m mi l dól ares - o val or de um gra ma de rádi o para oferecer a Mada me Curi e; e m troca, pedi ra m -l he que vi si tasse os Estados Uni dos. Mari e vaci-l ou; i mpressi onada, porém, co m tanto cal or e tanta gene rosi dade, domi nou os seus te mores e acei tou, pel a pri mei ra vez na vi da, aos ci nqüenta e quatro anos, su jei tar -se às obri gações de u ma i mportante vi si ta ofi ci al .

Todas as uni versi dades ameri canas a convi daram a vi si tá -l as; em to do o l ado l he ofere ceram condecorações, t ítul os e di pl omas honorífi cos. El a sen ti a se sedi ada pel o ruído e pel as acl ama ções, os ol hares da mul ti dão i nti mi dava m -na e experi mentava o terror de ser es magada por u ma daquel as monstruo sas vagas hu manas que se for mava m à sua passag e m. A freqüênci a das desl ocações debili tou -a e, por recomendação médi ca, teve de regressar a França.

Crei o que a vi age m aos Est ados Uni dos mo strou a mi nha mãe o contraproducente do seu i sol a mento vol untári o. Se, co mo i nvesti gadora, podi a al hear -se do mundo e dedi car-se, por i ntei ro, ao seu trabal ho, o certo é que Mada me Curi e, aos ci nqüenta e ci nco anos, era mai s do que uma si mpl es i nvesti gadora ci entífi ca. Era tão grande o seu prestígi o pessoal que, uni ca mente co m a sua presença, podi a assegurar o êxi to de qual quer projeto em que esti vesse i nteressada.

A parti r de então fez mai s vi agens. Congressos Ci entífi cos, conferências, ceri môni as uni versi tári as e vi si tas a laboratóri os l evaram -na a mui tas capi tai s

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do gl obo, onde foi sempre feste jad a e acl amada co mo nos Estados Uni dos da Améri ca.

Mari e se mpre desdenhara das precauções que el a própri a, e

severa mente, i mpunha aos seus di scí pul os. Apenas se sub meti a às anál i ses de sangue que eram regra obri gatória no Insti tuto de Rádi o. As aná li ses de monstrara m que a consti tui ção do seu sangue era normal , mas i sso não a dei xou mui to preocupada. Durante tri nta e ci nco anos, mane jara rádi o e respi rara o ar vi ci ado pel as suas emanações e, durante o s quatro ano s da guerra, esti vera constante mente e xpo sta às radi ações, ai nda mai s peri gosas, dos aparel hos de Rai os X.

Mari e não deu, també m, i mpor tânci a a uma l i gei ra febre que, por fi m, co meçou a afl i gi l a; mas, e m mai o de 1934, vi ti ma de u m ataque de gri pe, vi u -se obri gada a recol her à cama. D el a não vol tou a l evantar --se. Quando, fi nal mente, o vi goroso coração daquel a extraordi nári a i nvestigadora fal hou, a ci ênci a emi ti u o seu veredi cto: os si nto mas anor mai s, os estranhos resul tados das anál i ses de sangue, que nã o ti nham precedentes, denunci av a m o verdadei ro assassi no: o rádi o.

A 6 de junho de 1934, pel o mei o -di a, sem di scursos ne m desfi l es, se m presença de u m pol íti co ou de u ma al ta personali dade, Mada me Curi e fo i a sepul tar, no cemi téri o de Sceaux, nu ma ca mpa contígua à de Pi erre Cu ri e. Só os parentes, os a mi gos mai s ínti mo s e os col aboradores da sua obra ci entífi ca, que l he votavam u m terno afeto, assi st i ram ao funeral .

Referências

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