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Política nacional de práticas integrativas e complementares: uma análise a partir do tripé epistemológico-crítico

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO Centro de Ciências da Saúde

Departamento de Medicina Social

Programa de Pós-Graduação Integrado em Saúde Coletiva Mestrado

ISIS DANIELLA CARVALHO SILVA

POLÍTICA NACIONAL DE PRÁTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES: UMA ANÁLISE A PARTIR DO TRIPÉ EPISTEMOLÓGICO-CRÍTICO

Recife 2014

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ISIS DANIELLA CARVALHO SILVA

POLÍTICA NACIONAL DE PRÁTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES: UMA ANÁLISE A PARTIR DO TRIPÉ EPISTEMOLÓGICO-CRÍTICO

Dissertação apresentada pela discente Isis Daniella Carvalho Silva, sob a orientação do Professor Marcelo Luiz Pelizzoli para fins de conclusão do Mestrado em Saúde Coletiva do Programa de Pós-Graduação Integrada em Saúde Coletiva - UFPE.

Recife 2014

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ISIS DANIELLA CARVALHO SILVA

POLÍTICA NACIONAL DE PRÁTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES: UMA ANÁLISE A PARTIR DO TRIPÉ EPISTEMOLÓGICO-CRÍTICO

Dissertação apresentada pela discente Isis Daniella Carvalho Silva, sob a orientação do Professor Marcelo Luiz Pelizzoli para fins de conclusão do Mestrado em Saúde Coletiva do Programa de Pós-Graduação Integrada em Saúde Coletiva - UFPE.

Aprovado em 21/08/2014

BANCA EXAMINADORA:

_________________________________________________ Professor Marcelo Luiz Pelizzoli (presidente)

_________________________________________________ Professora Maria Beatriz Lisbôa Guimarães

_________________________________________________ Professora Islândia Maria Carvalho de Sousa

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À Isadora que logo logo nasce e ao Marcus Vinícius que acaba de nascer, pois inundam a minha vida de amor.

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AGRADECIMENTOS

Enquanto frequentava as aulas do mestrado e a cada dificuldade ou a cada alegria, eu pensava no momento de agradecer àqueles que estavam ali de alguma forma contribuindo para que eu crescesse academicamente, profissionalmente, pessoalmente e afetivamente. Chegou esse momento e todas as memórias jorram em minha mente, não somente as que vêm desde o tempo que sou mestranda, mas dos diversos momentos que me fazem o que sou hoje. Agora se faz o exercício da gratidão e nem sei se todas as pessoas estarão justamente contempladas aqui, mas de qualquer forma, a cada uma delas sem exceção, enviei minha energia de gratidão da forma como me foi possível.

De praxe, inicio agradecendo a Deus, a quem dirijo minha crença de um amor infinito.

Depois agradeço a mim mesma, que venho aprendendo a me reconhecer enquanto aquela responsável por tudo o que me acontece, inclusive todas as vitórias, que são minhas porque trabalhei para que fossem vitórias.

Aos meus pais, Marcus e Kátia, aqueles que me amam incondicionalmente e sei que estão bem juntinho de mim para o que eu precisar e também para o que eu não precisar. Painho que ama loucamente toda a minha “malcriação” e Mainha, a professora mais incrível que eu conheço, e que acredita com toda força que eu sou a mais sabida, a mais bonita, a mais legal, a mais competente...Também os amo incondicionalmente.

Ao meu marido, Jefferson, esse não me larga nunca, mesmo exausto sempre fez um afago enquanto eu madrugava estudando. Ele que me ensina a cada dia sobre cuidar de quem a gente ama e que trouxe ao meu olhar a simplicidade que se é viver. Também não o largarei nunca. O amo mais que o céu.

Ao meu irmão, Marcus André, meu auxiliar para assuntos de informática, que me salvou quando achei que havia perdido um capítulo inteiro. Não só por isso, mas pelo companheiro que sempre foi e pelo amor tímido e sincero que eu sei que me devota. Ah, e também pelo sobrinho lindo que ele me deu, Marcus Vinícius, uma amor que não cabe em mim. Estarei sempre a postos para o que eles precisarem.

À minha sogra-mãe, a quem eu chamo Querida, por cuidar de mim igualzinho cuida de seus filhos e quem topa qualquer parada comigo. À minha cunhada-irmã, Mayara, a quem eu vi crescer e que hoje muito me orgulha pelo seu caráter e sua competência, quem eu considero minha irmã caçula, minha amiga pra todas as horas.

À Vovó Antônia, que se foi, mas deixou seu amor e elegância de legado e também de herança o amor pela docência.

Às minhas tias, em especial, Tia Telma e Tia Tânia, que sempre buscam por mim e que fielmente torcem por minhas vitórias e fazem o que podem pra me ajudar, sempre.

Às Primas Carvalho, essa entidade de meninas e mulheres passionais e unidas em suas diferenças e semelhanças, que estão sempre por perto.

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À Thaís, minha prima ou irmã mais velha, como queiram, em quem eu me inspiro na luta e na forma como cuida dos seus.

À Juliana, para mim, Juju, minha amiga e também co-orientadora, a quem sempre sempre recorro e sempre, sempre ela me dá a mão.

Às Chinoquinhas do meu coração, Érika, Cláudia e Naianna, as que compartilharam comigo as aventuras da graduação e que hoje compartilham comigo as aventuras de sermos terapeutas ocupacionais, esposas e mães. Construímos juntas um espaço seguro de amor. Estarei com vocês até que possamos compartilhar as aventuras de sermos bisavós.

Ao meu afilhado, Fernando, de quem eu morro de saudade.

À Carlos Augusto, meu chefe do trabalho à época das disciplinas, quando os horários eram os mais malucos e ele quebrou o meu galho nos horários de trabalho.

Aos colegas do mestrado, companheiros de sala de aula, em especial, Juliana Lourenço, Karina, Luana, Marciana e Hérika Dantas. E àqueles que o mestrado me presenteou, Lúcia, Emerson, Mariana, Vasco e Juliano, agora companheiros para a vida.

À Lúcia, por ser a pessoa afetuosa sem medidas que é e por ser a melhor obstetra do mundo.

Aos professores e funcionários do PPGISC, por toda dedicação à docência, em especial a Professora Heloísa, de quem eu nunca esquecerei e a Moreira, que me atura com muita paciência.

Às professoras Maria Beatriz e Islândia, que compõem a minha Banca Examinadora, pelo pronto aceite de participar da construção desse trabalho.

Ao meu orientador, Marcelo Pelizzoli, por todas as lições que me ensinou e por toda liberdade que me proporcionou.

À minha terapeuta, Fabiana Padilha, por toda a sua competência e amor pelo que faz.

Aos amigos, Careli, Tayguara, Guilherme Assunção, Aline Cavalcanti, Pollienne, Joyce Tereza, Adriana e Procópio, Dany e Biovani, Viviane e Ednilson, Cláudia e Laédson, Márcio Daniel, Ana Flávia, Fátima Rios, “Pimentinhas”, Leila Nunes, Bruno Lúcio, Adriana e Edbugue, Daniele Carneiro, Kátia Cilene, Joabe, Fabiana Bello, por serem meus amigos.

À minha filha, Isadora, que ainda vai nascer, mas a quem já dediquei a minha vida inteira, a quem devoto o meu mais puro amor. Ela esteve dentro de mim durante todo o tempo que escrevi essa dissertação e ainda estará na hora que eu estiver apresentando, logo depois ela vem ao mundo e terá uma mamãe Mestre em Saúde Coletiva, ela faz parte disso.

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RESUMO

Esse trabalho tem como objeto a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares do Sistema Único de Saúde (PNPIC), publicada em 2006, tomada para análise utilizando o Tripé epistemológico-crítico, dentro de uma perspectiva de crítica ao modelo biomédico e sob o olhar interpretativo da hermenêutica filosófica inspirada em Gadamer. A inserção da hermenêutica filosófica vem contribuir com a crítica epistemológica, política e ética, os três níveis conjugados de entendimento que constituem o Tripé epistemológico crítico. A fim de analisar a PNPIC, essa dissertação discute os conceitos de promoção em saúde e integralidade e traça historicidades na construção dessa política nos contextos internacional e nacional. A PNPIC se propõe a defender uma visão integrativa de saúde, mas se constata nesse estudo que seu texto vem representar a convivência de racionalidades médicas diversas sem, no entanto, eximir-se de sofrer a hegemonia do modelo biomédico. A PNPIC marca a institucionalização, com abrangência nacional, das Práticas Integrativas e Complementares no SUS e vem também representar a crescente demanda por cuidado com ética.

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ABSTRACT

This work has as object the “Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares do Sistema Único de Saúde (PNPIC)”, published in 2006, taken for analysis using the epistemological-critical tripod, within a critical perspective of the biomedical model and under the interpretive view of philosophical hermeneutics inspired in Gadamer. The insertion of philosophical hermeneutics contributes to the epistemological critique, politics and ethics, the three combined levels of understanding that constitute the epistemological-critical tripod. In order to analyze the PNPIC, this work discusses the concepts of health promotion and completeness and traces historicities in the construction of this policy in international and national contexts. The PNPIC proposes to defend an integrative view of health but, in this study, it was noted that its text comes to represent the coexistence of diverse medical rationales, without, however, exempt itself from suffering hegemony of the biomedical model. The PNPIC marks the institutionalization of a national scope of the Integrative and Complementary Practices of SUS and also represents the growing demand for care with ethics.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária

CIPLAN – Comissão Interministerial de Planejamento e Coordenação CNS – Conferência Nacional de Saúde

INAMPS – Institituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social MNPC – Medicina Natural e Práticas Complementares

MTC – Medicina Tradicional Chinesa

MT/MCA – Medicina Tradicional/Medicina Complementar e Alternativa NASF – Núcleo de Apoio à Saúde da Família

OMS – Organização Mundial da Saúde

PICS – Práticas Integrativas e Complementares em Saúde

PNPIC – Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares PNPS – Política Nacional de Promoção em Saúde

SIA/SUS – Sistema de Informação Ambulatorial/Sistema Único de Saúde SUS – Sistema Único de Saúde

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Gráfico 1 – Publicação em PICS. Período de 2006 a 2013 ... 37

Quadro 1 – Subgrupos de trabalho para formulação da PNPIC ... 45

Fluxograma 1 – Caminho de formulação da PNPIC ... 47

Quadro 2 – Recomendações da OMS e objetivos da PNPIC no SUS... 51

Esquema 1 – Tripé Epistemológico-crítico ... 65

Quadro 3 – Dimensões do Tripé Epistemológico-crítico ... 85

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SUMÁRIO

1 Introdução ... 12

1.1 Metodologia ... 22

2 Apresentando a Política de Práticas Integrativas e Complementares... 25

2.1 Promoção da saúde e determinantes sociais ... 25

2.2 Pensando a Integralidade ... 31

2.3 Historicidade da Institucionalização das Práticas Integrativas e Complementares ... 38

2.4 Construindo a Política Nacional ... 42

2.5 A Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS ... 46

3 O Aporte Filosófico e o Tripé Epistemológico-crítico ... 51

3.1 Sobre Hermenêutica Filosófica ... 52

3.2 Tripé epistemológico-crítico ... 60

3.2.1 Dimensão Epistemológica ... 61

3.2.2 Dimensão Política ... 64

3.2.3 Dimensão Ética ... 67

3.3 Hermenêutica Filosófica para a saúde ... 70

3.4 A Hermenêutica Filosófica como lente para análise da PNPIC no SUS ... 75

4 Analisando a PNPIC no SUS ... 78

4.1 Dimensão Epistemológica ... 80 4.2 Dimensão Política ... 85 4.3 Dimensão Ética ... 91 5 Considerações Finais ... 98 Referências ... 103 Anexo ... 111

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1. INTRODUÇÃO

Reconhece-se que, no século XX, as Ciências Sociais/Humanas trouxeram à tona grandes contribuições críticas, ao propor a “escavação filosófica e sociológica” sobre o saber instituído, a fim de dar visibilidade e resgatar “às formas soterradas de

saber e sociabilidade”. No campo da saúde, essa escavação tem permitido emergir

explicações diferentes das visões técnicas dominantes, no sentido de buscar a integralidade e a humanização; bem como, compreender como a exclusividade epistêmica/paradigmática produziu um conhecimento-regulação normativo e excludente, ou reducionista (PELIZZOLI, 2011).

A ciência, para ser verdadeira e corresponder ao seu escopo social, deve encarnar o ideal de objetividade, do mesmo modo que o aspecto crítico e histórico do seu fazer. Isto significa colocar-se questionamentos epistemológicos contínuos, estruturando constantemente uma teoria ampliada e crítica do conhecimento a ser aceito, na medida em que o que sustenta uma ciência são os paradigmas escolhidos, verificados e validados (PELIZZOLI, 2011). A partir do que prega Kuhn, tomando a base da ciência como resolução de problemas, fica a cargo dos paradigmas determinar quais as questões que deverão estar sujeitas ao exame científico, assim como quais as perguntas e metodologias devem ser aplicadas para a sua resolução. Kuhn assume a existência de anomalias em todos os paradigmas, estejam essas anomalias em níveis aceitáveis de erro, a ponto de poderem ser ignoradas, ou em um nível excessivo quando põem em dúvida os paradigmas dominantes e esses entram em estado de crise (KUHN, 2003; PIM, 2009).

A Saúde, enquanto instituição social moderna, é marcada eminentemente pelo modelo de ciência que a direciona. O cartesianismo seria o grande condutor paradigmático dos procedimentos biomédicos e cuja abordagem físico-química (e alopática) e cirúrgica interventora estaria ligada ao modo dominante de “combater doença”, que lida com dimensões parciais e fragmentárias de abordagem do corpo humano – físico-químico-mecânico – que acaba concentrando-se em aspectos patológicos lineares da saúde. Além do mais, tal abordagem acabaria por casar-se com as demandas do mercado da saúde (doença) (PELIZZOLI, 2011).

Esse estudo considera que, atualmente, o campo da Saúde encontra-se em crise, e são muitos os problemas para os quais o modelo biomédico não pode apresentar soluções efetivas (LUZ, 2011).

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A doença objetivada e o corpo físico fragmentado seriam os objetos nos quais se concentram os esforços do modelo biomédico vigente na atualidade, cujas influências do paradigma cartesiano e do positivismo trouxeram à tona a ideia do “ser humano-máquina”, divorciado das outras dimensões emocional-mental e ambiental do humano. Tem-se, conjuntamente, uma racionalidade médica ocidental que perdeu de vista “o doente” e o que esse doente traz consigo no que diz respeito ao processo saúde-doença visto de uma perspectiva integral, como os aspectos emocionais, mentais, sociais, culturais e ecológicos (FONTES,1999).

Em uma sociedade onde o cartesianismo impera e, conjuntamente, é dominada pela tecnociência, haveria uma enorme e constante preocupação em garantir o primado do racional. A razão não é um dado natural assim como é a inteligência, pois trata-se de um conjunto historicamente construído de procedimentos, regras e coerções, que corresponde a uma vontade de possuir uma visão coerente dos fenômenos e do mundo, sendo portadora de um aspecto incontestavelmente lógico (JAPIASSU, 2006). Essa escavação filosófica e sociológica sobre o saber instituído deve ser decorrente do que Japiassu (2006) chama de “crise da razão ocidental”, onde a racionalidade vigente vem sofrendo desconfiança e desencantamento, devendo-se ao fato da mesma ignorar seu caráter evolutivo complexo, ser intolerante às paixões, emoções e mistérios, e prestar culto aos meios em detrimento dos fins.

A racionalidade do paradigma cartesiano trouxe conquistas importantes, entretanto seus limites de ordem epistêmica, política e ética são obstáculos (ao produzir verdades, ao estabelecer relação de pretenso controle total, encarando o mundo e o homem como objetos e ao estruturar o poder a partir dessa concepção). Não estaríamos então diante da necessidade de superar sua “incapacidade para o diálogo” (GADAMER, 2000) desenhando uma revisão paradigmática não só no campo da saúde, mas no contexto do fazer ciência e do produzir conhecimento ? Da crise paradigmática adviria a crise em saúde, e assim sendo, marcada por problemas políticos e éticos e por problemas relacionados aos limites epistêmicos do modelo biomédico. Torna-se nítida a incapacidade desse modelo de atender satisfatória e efetivamente à complexidade da díade saúde-doença (NUNES; PELIZZOLI, 2011).

Ivan Illich (1975) já apontava que o modelo biomédico, em consonância e conectado com as estruturas social e política, incute nas pessoas a ideia de que elas

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desejam ser consumidoras dos cuidados médicos de abordagem meramente físico-química, de modo que este consumidor se torna dependente no seu próprio processo de cura. O indivíduo é então o solicitante do meio (cuidados médicos) de sua própria exploração, pois ele não tem o poder de controlar politicamente o sistema médico; tal sistema se anunciaria como sanitário, sem de fato sê-lo, e traria aos seus usuários uma intervenção técnica que pouco tem a ver com o que seja saúde.

Até onde esse modelo se proporia a ser um modelo de ciência aberto à verdade e complexidade dos fatores envolvidos na saúde humana, livre de interesses mercantis e capaz de permitir o diálogo dos diversos saberes, métodos e abordagens, para além da lógica do mercado (PELIZZOLI, 2011) ? Ou tratar-se-ia de um modelo disciplinador e especializador que não alcançou uma verdadeira prática inter, trans ou metadisciplinar e cuja predominância na saúde considera a medicina apenas como uma ciência mecânico-físico-química, além de se configurar em uma superposição de disciplinas com pouco diálogo? A lógica da estrutura especializadora justificar-se-ia por se tratar da saúde enquanto um campo complexo que necessita de muitos especialistas, mas que em vez de fazerem dialogar os seus núcleos e compreenderem-se enquanto partes de um todo maior que a própria união das partes, promove a fragmentação do ser humano e de seu contexto (PELIZZOLI, 2011). Esse pensamento que compartimenta o organismo humano para fins de compreendê-lo e controlá-lo, também coloca às tecnologias duras o papel de interventora no combate aos sintomas das doenças e, consequentemente, torna a qualidade de vida dependente das inovações tecnológicas.

Há questionamentos acerca da associação entre melhoria de qualidade de vida e desenvolvimento científico e tecnológico quando não conectado a outros fatores sociais e culturais. As pessoas estariam satisfeitas com esse culto às tecnologias e inovações que se apresentam continuamente no campo da saúde? Essas tecnologias e inovações respondem às reais demandas de cuidado em saúde e de cura da população como um todo? Significa “fazer saúde” inundar continuamente o campo da saúde com novidades nos modos e instrumentos artificiais de intervir? Quem seriam os beneficiários desse progresso? Há qualidade na vida das pessoas que acreditam sobreviver graças a cada avanço da medicina? Martins (2011) coloca: qual a validade “daquela equação simplista que atrelava a

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melhoria da qualidade de vida social ao desenvolvimento científico e tecnológico considerado à parte sem conexão com outros fatores culturais”?

Quando Illich aponta os limites da medicina hegemônica por meio da Iatrogenia, na sua obra “Nêmesis da Medicina” (1975), ele abre as portas para uma visão integrativa da saúde, e consequentemente para as práticas “alternativas” e para a tradição. O chamado “avanço” pode ser também algo que vem a configurar uma grande contradição no campo da saúde, tendo em vista a crescente falta de respostas efetivas das práticas regulares da medicina, pois nunca antes detivemos tantos equipamentos, conhecimentos especializados e tecnologia em cuidados em saúde, e ainda assim as pessoas nunca se sentiram tão mal cuidadas, além da avalanche de doenças crônicas pelo mundo (LUZ, 2011).

Sobre a dimensão do cuidado, Barreto (2011) aponta para a gravidade de um país com uma diversidade cultural tão ampla como o Brasil importar currículos que se coadunam com um modelo de saúde que se fecha em um conhecimento utilitarista, reprodutor, julgador e fragmentado, que além de tudo é pouco efetivo em responder aos desafios sociais que lhes apresenta.

Barreto (2011) constata a grande falha de não contemplar aos profissionais de saúde o estudo da filosofia, antropologia, física contemporânea, religiões, entre tantos outros conhecimentos que permitiriam um olhar realmente amplo e integrativo do cuidado. O autor lembra que nas tradições, os (as) cuidadores (as), relacionavam-se através de trocas recíprocas de bens e afetos, e podiam ser reconhecidos por “sua sabedoria, capacidade de acolhimento, amorosidade e

profunda atenção e cuidado”.

Defende-se que no campo da saúde, a noção de cuidado deve ser o centro, abordando-se a saúde, diferente do modelo biomédico e medicalizador que enfatiza a doença e falha na promoção e condições de saúde (PELIZZOLI, 2011; NASCIMENTO et al, 2013). Identifica-se aí um paradoxo quanto às práticas dos chamados profissionais de saúde, que estão mais ocupados com a doença e cujas dificuldades de tratar o tema saúde são enormes (FONTES,1999; BARRETO, 2011).

O aspecto relacional, sempre relevante, sofre um empobrecimento, é reduzida a uma relação objetificada, em que o “destinatário” do cuidado é apenas lugar de aplicação de procedimentos; a ênfase das práticas em saúde está nas ferramentas materiais e saberes estruturados da clínica e da epidemiologia (MERHY, 2000).

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Ayres (2011) assinala a compreensão, no senso comum, acerca do cuidado em saúde que seria “(...) um conjunto de procedimentos tecnicamente orientados para o bom êxito de um certo tratamento.” Dessa forma, a noção de cuidado em saúde é mantido em torno dos recursos e medidas terapêuticas e procedimentos aplicados. Em uma civilização marcada pelo desenvolvimento tecnológico e pela lógica do mercado, constitui-se desafio conceber o outro como alteridade. Na perspectiva da hermenêutica filosófica, o outro representa a si mesmo e às suas intenções; o outro não é objeto e com o outro é possível estabelecer diálogo (NUNES; PELIZZOLI, 2011).

Da forma como está, a saúde não mais seria reconhecida como campo de cuidado, no sentido em que se unem sabedoria e afeto, mas sim, um dos mais efetivos meios de angariar lucros e escravizar os indivíduos e coletivos (MARTINS, 2011).

Illich já apontava que a melhoria na qualidade de vida tornou-se desejo de todos e está diretamente associada ao aumento da difusão da saúde enquanto produto, tornando, à época, a indústria dos cuidados médicos um dos grandes setores econômicos de mais rápida expansão (1975). Hoje é um setor dos maiores gerador de lucros, de onde surgem grandes inovações, que tampouco visam promover a real saúde, e onde pesquisadores buscam não necessariamente a solução efetiva, a cura para problemas que são preveníveis, mas os escopos de pesquisa dos financiadores da mesma ou das Escolas epistemológicas já aceitas e com mais poder.

Martins (2011) aponta que as inovações promissoras em medicina avançada, demonstrada na realidade, se tornaram modelos de vitrine de um capitalismo médico privado e especulativo, que além de tudo, tem um caráter claramente desumanizante. Ele aponta para uma realidade, nos últimos anos, em que os investimentos financeiros são muito mais significativos para pesquisas em cirurgia plástica e estética que produzem inovações tecnológicas que os mais ricos podem pagar, do que para investimentos em ações e medicamentos que combatam as epidemias que assolam as regiões mais empobrecidas. Para esse autor, a área de saúde foi descoberta pelo capitalismo especulativo como das mais promissoras em termos de retorno material financeiro e de curto prazo, e isso se confirma quando se traz à tona as tentativas, na última década, do poder privado de se apropriar de fatias cada vez maiores dos recursos do Sistema Único de Saúde

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O raciocínio mecanicista e a lógica capitalista de mercado apropriados pelas atividades biomédicas são o pano de fundo para os problemas de ineficácia, ineficiência, ideologia do lucro e desigualdade de atendimento à população que envolvem o campo da saúde, sendo esses problemas apontados como grandes contribuintes da crise atual do campo da saúde. Tal crise, no entanto, poderá ser devidamente combatida caso haja mudanças na estrutura conceitual e ideológica dominante das atividades biomédicas atuais (FONTES,1999). Será que a aprovação de uma política que promete introduzir a visão integrativa de saúde ao SUS é suficiente para combater esses fracassos do modelo biomédico? É esse o objetivo de uma política que introduz formalmente racionalidades diversas da racionalidade biomédica ao sistema de saúde brasileiro?

A crítica que se enceta neste contexto ao se referir ao modelo biomédico serve para apontar e tentar esclarecer seus limites e dessa forma possibilitar a aposta em novas possibilidades que lhes integrem e não para descartá-lo como um todo. Não se pode negar os benefícios que as inovações recentes proporcionam a inúmeras pessoas, principalmente na busca por curas, no entanto faz falta que a modernização científica e tecnológica considere os fatores que lhe norteiam (éticos, naturalistas, culturais e políticos).

De fato, o que se pretende nesse estudo, é argumentar em defesa da lógica integrativa, cujas práticas em saúde buscam compreender o indivíduo adoecido em um contexto complexo e multirrelacional e oferecer uma intervenção mais ampla que considera a dimensão social, e tenta controlá-la através da prevenção de doenças, cujas ações terapêuticas não se reduzem às manifestações fisiopatológicas, e que entende o ser humano doente como ser ecológico que sofre influências psíquicas, sociais e culturais e que tem clareza da complexidade dos fenômenos que envolvem o processo saúde/doença (FONTES, 1999). Assim, estaria a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) advogando em prol desse movimento em defesa da lógica integrativa em saúde?

Parece indiscutível que a ampliação do olhar acerca dos paradigmas e das práticas sociais possa ser o caminho para se adotar em definitivo a visão integrativa em saúde e buscar e/ou validar modelos outros, hoje aceitos pela comunidade científica e também pela maior parte da população apenas como “complementares ou alternativos”, mas que são valorizados e desejados pela população. Mas questiona-se, como se daria essa “ampliação do olhar”? institucionalizar práticas

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consideradas integrativas e complementares seria uma prova de abertura de horizontes quanto às práticas em saúde? A institucionalização das PIC por meio de uma política pública de saúde evidenciariam uma ampliação de paradigmas ou serviriam ao modelo biomédico de saúde apenas como se fossem complementá-lo?

Aprofundar-se nas reflexões sobre integralidade em saúde e práticas em saúde que fogem ao modelo biomédico conduz-nos a uma inovação que está justamente em resgatar as tradições em saúde, abrindo espaços fecundos de valorização do potencial humano, amparados por uma ética de cuidado. Isso vem a fragilizar os aparatos institucionais com orientação dentro do paradigma cartesiano (BARRETO, 2011). Como a defesa de uma visão de saúde integrativa pode romper a manutenção do molde cartesiano de conceber saúde?

Trata-se de uma reflexão que tem sido feita nos últimos sessenta anos, por meio de um número crescente e significativo de publicações, documentos técnicos internacionais e políticas públicas que defendem a visão integrativa de saúde, ao mesmo tempo que apontando para os limites terapêuticos hegemônicos (BARRETO, 2011).

Reconhece-se, dessa maneira, a complexidade do campo da saúde e, por isso, este deve ser continuamente analisado sob diversos âmbitos (epistemológico, político e ético), a fim de ser orientado por uma “ciência com consciência” (HUSSERL; MORIN, 2000), e não estar sujeito ao reducionismo, cuja abordagem dos problemas e soluções é unilateral, e alcançar considerável e satisfatório avanço em suas ações (PELIZZOLI, 2011).

Pretende-se que essa ampliação de paradigmas, com o uso do tripé epistemológico-crítico, adotando as lentes da hermenêutica filosófica que valoriza a tradição e os valores não objetificadores, nos distancie do modelo reducionista, o qual liga-se à mercantilização da doença. Assim, favoreça uma promoção efetiva da Saúde baseada na integralidade e na recuperação da dimensão ambiental-natural.

Isto se configura como grande desafio para o sistema de saúde que precisa, com urgência, lidar com sua crise e criar possibilidades de reconstrução política, epistemológica e ética. Nesse sentido, a partir de um resgate filosófico e sociológico, novas propostas e modelos, diferentes do modelo dominante no campo da saúde, constituem um cenário em que a hermenêutica filosófica contribui para a crítica por meio do tripé epistemológico-crítico, cuja intenção é refletir sobre as práticas de conhecimento (NUNES, PELIZZOLI, 2011).

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O tripé epistemológico-crítico, ou simplesmente tripé epistemológico, foi proposto por Pelizzoli (2011, 2013) a partir da perspectiva de que quando se conduz uma discussão de paradigmas epistemológicos, se chega naturalmente às dimensões políticas/sociais e éticas envolvidas. Tal tripé serve como ferramenta de análise do saber envolvido em determinadas práticas, em especial aqui o caso da saúde. O tripé epistemológico-crítico de análise é constituído por três dimensõesr: epistemológica; político-econômica e institucional e a dimensão ética, que conduzem a uma discussão nesses três níveis de entendimento conjugados, que serão discutidos no segundo capítulo dessa dissertação.

Em qualquer perspectiva epistemológica, adotada como norteadora da produção de conhecimento válido, é possível identificar limitações; admiti-las significa o avanço a partir de um esforço de abertura a outros paradigmas, que pode chegar a um diálogo com outras perspectivas. Faz-se necessária uma reflexão epistemológica profunda, a fim de analisar as conquistas e os obstáculos dos modelos adotados nas Ciências da Saúde; apostando na episteme enquanto raiz do conhecimento e da verdade como prática social (FOUCAULT, 2004).

Defende-se que essa análise deva adotar uma perspectiva que aborde os problemas e as soluções do campo da saúde multidimensionalmente e de forma conjugada. Para tanto propõe-se o uso do tripé epistemológico, enquanto instrumento investigativo capaz de abrir o olhar para os princípios da saúde integrativa (PELIZZOLI, 2011).

Os aportes éticos-filosóficos do tripé epistemológico são fundados na hermenêutica filosófica, cujo ponto de partida crítico está na investigação dos limites do saber moderno. Inicia-se esse estudo com uma breve crítica ao paradigma cartesiano admitindo seus problemas e limites e, diante de uma crescente demanda por reestruturação no campo da saúde, abre-se o olhar para outros paradigmas que apontem na direção do cuidado integrativo em saúde. Na crítica ao paradigma cartesiano, a partir da perspectiva hermenêutica filosófica, pode-se levantar problemas nas três dimensões do tripé epistemológico-crítico. A hermenêutica filosófica traria um olhar profundo e interpretativo que serviria à crítica ao modelo de validação científica, às relações, aos poderes e à ética, e se constituiria enquanto conjunto compreensivo-interpretativo aberto ao diálogo e dinâmico (ROHDEN, 2002 apud NUNES; PELIZZOLI, 2011).

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Com a perspectiva de abertura ao diálogo, buscando novas compreensões e propondo ampliar horizontes, esse estudo, como apontado ao longo dessa Introdução, discute a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no Sistema Único de Saúde (PNPIC/SUS), através da conjunção das três dimensões que constituem o tripé epistemológico crítico.

O momento atual traz consigo uma gama cada vez mais ampla de políticas nacionais, defendidas como ferramentas que visam ao bem-estar da população como um todo. Com a saúde não é diferente, e pode-se aí apontar o surgimento de políticas voltadas para a Humanização em Saúde, para a Promoção em Saúde e a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PNPIC), publicada pela Portaria GM Nº 971, em 03 de maio e 2006.

Essa emergência de políticas no campo da saúde seria, de acordo com Luz (2011), resultado de uma crescente e continuada busca por “cuidado à saúde” pela sociedade contemporânea, que vislumbra o aumento exponencial, nas últimas duas décadas, do sofrimento e adoecimento humanos. Luz (2011) aponta como causa para isso as condições sociais adversas à vida que caracterizam o mundo urbano atual, geradas em grande parte pela ordem social do trabalho vigente, onde o modo social de viver resulta em danos ao meio ambiente, aos seres humanos e aos seres vivos em geral, danos que deveriam ser evitados.

Assim faz-se relevante uma análise dos problemas e soluções da e para a saúde, contidas a partir do discurso da PNPIC, colocando-se a possibilidade de estarmos em um estágio claro de transição de paradigmas ou, de outro modo, a visão integrativa em saúde estará relegada a ser apenas complementariedade e/ou alternativa.

Desde o início da década de 2000, a OMS produz documentos e resoluções que assinalam a necessidade de uma prática integral no cuidado à saúde, bem como a inclusão de práticas não biomédicas, reforçando o compromisso de estimular a implantação e o desenvolvimento de políticas de Medicina Tradicional – MT e Medicina Complementar e Alternativa - MCA nos sistemas de saúde dos países-membros, principalmente no setor público, respeitando pilares fundamentais como a estruturação de uma política, garantia de segurança, qualidade e eficácia, ampliação do acesso e o uso racional (GALHARDI; BARROS; LEITE-MOR, 2013; THIAGO; TESSER, 2013; SOUSA et al, 2012).

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A integralidade do cuidado à saúde se constitui como princípio doutrinário do Sistema Único de Saúde (SUS) e isso aponta para a oferta dessas práticas integrativas no Brasil. Pode-se falar em reconhecimento social, acadêmico e institucional dessas terapias, em um pluralismo terapêutico que contempla a biomedicina hegemônica em um ambiente cada vez mais medicalizado. O pluralismo nos cuidados em saúde pode, no entanto, contribuir para a desmedicalização parcial do cuidado profissional, tendo em vista serem socialmente valorizadas e desejadas (THIAGO; TESSER, 2013).

Vem à tona, portanto, os questionamentos acerca da incorporação da racionalidade médica chamada “alternativa”: a implantação da PNPIC significaria a incorporação de racionalidades diferentes da racionalidade biomédica contemporânea? Ou seria apenas uma incorporação de técnicas, por meio da apropriação delas pelo modelo biomédico, a exemplo do uso da acupuntura, com a lógica reducionista? Mantendo-se o utilitarismo mercadológico dominante, as práticas tradicionais manteriam suas características do cuidado integrado, afetivo, cuja sabedoria é respeitada e as trocas de bens e afetos são recíprocas?

Essas são questões que constituem verdadeiros desafios às práticas integrativas, para que elas de fato sejam integrativas, para que não permaneçam no local do “alternativo” e coexistam contaminadas pelo utilitarismo, pelo foco na doença e reduzidas a técnicas não relacionadas ao contexto e às necessidades daquele que demanda cuidados.

Esse estudo, portanto, apresentará uma discussão acerca do (con)texto da PNPIC, pautado nas três dimensões do tripé epistemológico contemplados nesses questionamentos. Será, dessa forma, relevante apresentar argumentos que evidenciem os traços das “racionalidades médicas” presentes ou não no discurso da PNPIC, utilizando-se estudos como os da autora Madel Luz, cuja categoria central de trabalho é a de racionalidade médica, resultando na elaboração de seis dimensões analíticas comparativas para as distintas racionalidades médicas: cosmologia, morfologia, dinâmica vital (fisiologia), doutrina médica, sistema de diagnose e sistema de intervenção terapêutica.

O uso do tripé epistemológico-crítico poderia, deste modo, permitir uma abordagem multidimensional dessa política, apontando o cuidado, as instituições envolvidas e conceitos na sua proposta de ações e serviços (ênfase na atenção primária), que devem garantir a prevenção de agravos, a promoção e a recuperação

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da saúde, por meio do cuidado continuado, humanizado e integral, contribuindo para a resolubilidade do SUS - com qualidade, eficácia, eficiência, segurança, sustentabilidade, controle e participação social.

1.1 Metodologia

Inicialmente, consideramos “método” numa perspectiva da hermenêutica filosófica, como “caminho” reflexivo, a partir dos sentidos dos textos e cotejados com as realidades vividas, dados e percepções do pesquisador, bem como dos sujeitos em diálogo (GADAMER, 2006).

De modo convencional, trata-se aqui de um estudo com abordagem qualitativa, numa pesquisa exploratória na busca por maior familiaridade com as dimensões epistemológicas, políticas e éticas presentes na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde, trazendo à tona aspectos da dita crise atual na saúde e sua relação com o modelo de saúde dominante. Por conseguinte, pergunta-se acerca de caminhos para se vislumbrar possibilidades diferentes de se prover saúde, inferir a importância da visão integrativa em saúde, que parece resgatar a tradição, mas não exclui de todo o modelo biomédico vigente. A escolha para a análise da PNPIC, dentre os diversos instrumentos metodológicos, é pela pesquisa documental ou análise documental, uma metodologia pouco explorada e do qual podem se extrair e resgatar uma riqueza de informações que possibilitam ampliar o entendimento de objetos, cuja compreensão necessita de contextualização histórica e sociocultural (SÁ-SILVA; ALMEIDA; GUINDANI, 2009). Nessa perspectiva, utilizamos de estratégia documental, que é quando a pesquisa se restringe à análise de documentos ou fontes documentais como livros, documentos legais, revistas, arquivos em mídia (APPOLINÁRIO, 2009).

Cellard (2008) defende que o uso de documentos em pesquisas permite acrescentar a dimensão do tempo à compreensão do social e que a análise documental favorece o processo de maturação ou de evolução de conceitos, comportamentos, práticas, entre outros. Sá-Silva, Almeida e Guindani (2009) afirmam que se trata de um procedimento que utiliza métodos e técnicas para a apreensão, compreensão e análise de documentos dos mais variados tipos. A análise documental busca identificar informações factuais nos documentos, a partir de questões e hipóteses de interesse (SÁ-SILVA; ALMEIDA; GUINDANI, 2009).

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Aplicamos nessa dissertação o que Minayo (2008) defende quando aponta que a metodologia inclui concepções teóricas de abordagem, dentro de um conjunto de técnicas que possibilitam a apreensão da realidade e o potencial criativo do pesquisador. Utilizamos acervo teórico que aborda os seguintes marcadores interligados: modelo biomédico, racionalidades médicas, promoção de saúde, integralidade e visão integrativa de saúde, tripé epistemológico-crítico, práticas integrativas e complementares em saúde, políticas de saúde, ética e epistemologia a partir de uma visão ampla da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde, sob a perspectiva de reflexão hermenêutica filosófica.

O levantamento bibliográfico apresenta autores clássicos, considerados aportes filosóficos fundados na reflexão hermenêutica filosófica, com foco em Gadamer e, em segundo lugar, em Foucault, além dos comentadores com esta influência. Ivan Illich que apresenta os cuidados de saúde enquanto fonte de lucros e meio de explorar os indivíduos e o coletivo, além de falar em iatrogênese e, dessa forma, abrir portas para práticas integrativas em saúde; Olney Fontes, que indica os limites do modelo biomédico vigente, cuja influência cartesiana o torna fragmentador e especializador, onde o homem é considerado uma máquina; Thomas Kuhn, que disserta sobre paradigmas, admitindo haver anomalias em todos eles; Madel Luz, cujo objeto de pesquisa são as racionalidades médicas, e Marcelo Pelizzoli que criou o tripé epistemológico-crítico e defende uma visão integrativa de saúde, com influência da hermenêutica filosófica (vide bibliografia ao final).

A referida análise documental tem como principal objeto de investigação o texto da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS e as palavras-chave: Política de Práticas Integrativas e Complementares, Tripé epistemológico-crítico, visão integrativa de saúde, modelo biomédico, Hermenêutica filosófica.

O primeiro capítulo apresenta a Política Nacional de Práticas Integrativas no SUS, discutindo, inicialmente, a promoção da saúde a partir da perspectiva de que o processo saúde-doença sofreria determinação social e segue tecendo argumentos acerca da integralidade. Tais discussões são relevantes, pois a Organização Mundial da Saúde (OMS) propôs que as políticas de saúde também contemplassem a Medicina Tradicional e a Medicina Complementar e Alternativa (MT/MCA), a partir do olhar sobre os determinantes sociais do processo saúde-doença e do desafio da integralidade do cuidado.

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Assim, busca-se o crescente reconhecimento social, acadêmico e institucional das Práticas Integrativas e Complementares (PIC) favorecido pela crise do modelo biomédico que culminaria na publicação da PNPIC. Segue-se com a historicidade da institucionalização das PIC tanto no contexto mundial, quanto no contexto brasileiro, relatando ainda os caminhos da elaboração propriamente dita da PNPIC, e conclui-se com a apreconclui-sentação sistematizada, com baconclui-se nos tópicos contidos no texto da referida política.

O segundo capítulo traz o aporte filosófico, a hermenêutica filosófica, adotada nesse estudo e que também fundamenta o Tripé epistemológico-crítico, um instrumento investigativo escolhido a fim de analisar o texto da PNPIC. Destarte, apresenta-se o referido tripé a partir da discussão das suas três dimensões, que resultarão na eleição dos aspectos de cada uma, aplicadas ao texto da PNPIC para fins de análise. E, concluindo este capítulo, justifica-se a adoção da hermenêutica filosófica como lente para a análise a que se propõe essa dissertação. O terceiro e último capítulo discorre acerca da análise do texto da PNPIC, a partir das dimensões epistemológica, política e ética, em função da busca do entrosamento final do objeto da dissertação.

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2. APRESENTANDO A POLÍTICA DE PRÁTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES

2.1 Promoção da Saúde e Determinantes Sociais

Não há como negar a degradação das condições de vida que são refletidas a partir da pobreza no mundo capitalista em crise. O mundo vem enfrentando uma crise econômica e financeira que demanda a adoção, em caráter de urgência, de medidas para reduzir os crescentes impactos sanitários e ambientais, e evitar que as condições de saúde piorarem e se deteriorarem ainda mais os sistemas universais de serviços de saúde e proteção social (OMS, 2011). Além do mais, há uma relação direta ou de proporcionalidade entre disparidades sócio-econômicas e disparidades na saúde (SILVA, 2008).

Sendo assim, para um país como o Brasil, marcado pelo modelo neoliberal de globalização econômica, onde evidencia-se uma sociedade marcada pelas desigualdades, a promoção em saúde deve se incluir no modelo de reflexão de determinantes sociais (SILVA, 2008). É indissociável discutir promoção da saúde no Brasil e refletir sobre o enfrentamento de uma realidade de iniquidades históricas de grandes proporções; esse é um desafio de todos aqueles que constroem políticas públicas (CAMPOS; BARROS; CASTRO, 2004). Nessa conjuntura, a promoção da saúde deve buscar modelos de atenção que extrapolem a assistência em saúde reduzida ao que se chama – pretensamente - de “curativa”, próprio ao escopo do assim chamado “modelo biomédico”1

.

Um dos focos da promoção da saúde é que suas ações reduzam as diferenças no estado de saúde da população e assegurem oportunidades e recursos igualitários para capacitar todas as pessoas a realizar completamente seu potencial de saúde (OTTAWA, 1986).

A promoção da saúde foi então definida na Primeira Conferência Internacional sobre o assunto como “o processo de capacitação da comunidade para

1 Para uma análise crítica tanto do modelo biomédico quanto da ideia de que tal modelo é “curativo”,

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atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo” (OTTAWA, 1986).

A OMS aponta para os múltiplos significados que o conceito de promoção da saúde possibilita, alguns dos quais podem ser compreendidos enquanto princípios:

perspectiva holística, visão intersetorial e multiestratégias. Na perspectiva holística,

conduz a reconhecer as dimensões física, mental, social e espiritual do indivíduo/coletivo; a partir da visão intersetorial, as iniciativas em promoção da saúde devem contar com a colaboração de distintos agentes e setores; e as multiestratégias irão incluir políticas de desenvolvimento, mudanças organizacionais, educação e comunicação, dentre outros fatores (ANDRADE; COSTA, 2010).

A fundamentação conceitual e a discussão acerca da promoção da saúde vem ganhando destaque, a partir dos anos 1980, através das conferências internacionais, patrocinadas pela Organização Mundial de Saúde. O texto da Declaração de Alma-Ata (1978) já continha uma perspectiva de ampliação da visão do cuidado da saúde em sua dimensão setorial e de envolvimento da própria população, superando o campo de ação dos responsáveis pela atenção convencional dos serviços de saúde.

Seguindo essa linha, é desde a Carta de Ottawa (1986) que o termo

promoção da saúde tem evoluído em seu conceito, quando veio abranger mais do

que somente a redução a um tipo de consideração da biologia humana, não colocando o peso da saúde exclusivamente no setor saúde (que deve “combater doenças”), e avançando para além de um estilo de vida saudável no sentido médico, pois vai na direção de um bem-estar global. E se a saúde é, entre outros, resultado dos modos de organização social da produção, como efeito da composição de múltiplos fatores, há de se ratificar que o setor saúde também deva estar engajado no processo de oferecer às pessoas condições de vida melhores e estimulá-las a exercer plenamente a sua cidadania (CAMPOS; BARROS; CASTRO, 2004).

No entanto, não é idéia do século XX, na saúde pública, abordar as condições de saúde ligadas a fatores macroeconômicos e sociais. Entre 1820 e 1830, Villermé, na França, demonstrava as diferenças das taxas de mortalidade entre as classes ricas e pobres. Na metade do século XX, Virchow afirmava a necessidade de lutar contra as desigualdades sociais, por considera-las a principal origem das doenças. As abordagens marxistas da medicina social, entre os anos 60 e 70, defendiam a

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influência dos fatores macrossociais e do contexto político-econômico sobre as condições de saúde da população e da própria prática médica, entre outros estudos (CAPRARA, 2003).

É neste contexto, que se reconhece que fatores políticos, econômicos, sociais, culturais, ambientais, comportamentais e biológicos podem tanto favorecer quanto prejudicar a saúde (OTTAWA,1986). É quando a promoção em saúde surge no campo da saúde coletiva, norteando ações em prol da melhoria nas condições de vida, a partir de um enfoque também político e técnico do processo saúde-doença, fazendo adentrar nesse processo, o cuidado (SILVA, 2008), o qual é, nada menos, que o sentido primeiro da Saúde.

É numa reflexão sobre as influências dos aspectos sociais sobre a saúde dos indivíduos e da população que evolui o conceito de promoção de saúde. Se por um lado avança o conceito, de outro visões simplificadas da promoção da saúde permanecem na prática dos profissionais de saúde e na concepção dos sistemas e serviços de saúde. A diferença entre a teoria e a prática pode, em alguns casos, tornar-se abismal.

O desafio posto é que não é mais possível responder satisfatoriamente a uma série de mudanças no processo saúde-doença na sociedade brasileira - onde se verifica o envelhecimento da população e uma aceleração no aumento da morbidade e mortalidade por doenças crônicas não transmissíveis, numa transição demográfica e epidemiológica (MALTA et al, 2006) - com as mesmas ações e tecnologias de trabalho, com a atual e tão propagada organização dos serviços de saúde que priorizam o sintoma e as ações biomédicas individuais e sintomáticas.

No Brasil, ainda é incipiente e também contraditória a discussão que envolve a promoção da saúde, já que predomina a hegemonia do modelo biomédico na saúde (SILVA, 2008). O próprio Ministério da Saúde (2010) reconheceu que o aparato biomédico não consegue modificar os condicionantes nem determinantes mais amplos do processo saúde-doença que vem se apresentando. Em especial, quando se está preso em operar em um modelo de atenção e cuidado marcado, na maior parte das vezes, pela centralidade dos sintomas e seu mero apagamento ou manutenção.

A recomendação é que o setor saúde avance, gradativamente, no sentido da promoção da saúde, além das suas responsabilidades de prover serviços clínicos e

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de urgência (OTTAWA,1986). O que se deseja é que avance para além de uma abordagem cartesiana de saúde, notadamente objetificadora, em busca de uma postura abrangente capaz de perceber e respeitar as necessidades do indivíduo, da comunidade e seu contexto cultural. De respeitar o indivíduo como ser integral que é, e dentro dos efeitos que seu ambiente lhe impõe 2. Desde a Conferência Internacional de Alma-Ata (1978), a OMS vem apontando a insuficiência da medicina tecnológica e especialista para a resolução de problemas de saúde de dois terços da humanidade (NASCIMENTO et al, 2013).

As transformações das ações fundamentadas nesse conceito evoluído de promoção da saúde, segundo compromisso firmado na Carta de Ottawa, devem romper com a fragmentação do modelo assistencial vigente, superando a cultura de medicalização; e devem promover mudanças no estilo de vida e favorecer a autonomia dos sujeitos e dos grupos sociais. A responsabilidade pela promoção da saúde é compartilhada por todos, sendo assim, requer a cooperação intersetorial e a articulação dos vários segmentos sociais no planejamento, realização e avaliação das ações, transcendendo o setor saúde. Tais articulações também devem estar direcionadas às necessidades específicas da população, onde o empoderamento e a participação social assegurados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) é que poderiam garantir uma concreta e efetiva participação dessa população na tomada de decisões e na elaboração das políticas públicas, não fosse, no Brasil, o caso dessa participação social ser organizada e distinguida por marcas oligárquicas de poder ou jogos de força (SILVA, 2008).

Os indivíduos precisam de um empoderamento de suas necessidades e condições de saúde. Se esses indivíduos não forem capazes de controlar os fatores determinantes de sua saúde, eles não poderão realizar completamente seu potencial de saúde. Esse empoderamento e a real participação social se fazem quando há a posse e o controle pela comunidade dos seus próprios esforços e destinos.

Com esse avanço no conceito, ao considerar-se que a promoção da saúde vai além dos “cuidados de saúde” convencionais, ela coloca a saúde na agenda de prioridades dos políticos e dirigentes em todos os níveis e setores. A política de

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promoção da saúde deve combinar legislação, medidas fiscais, taxações e mudanças organizacionais, entre outras abordagens. Recomenda-se que seja uma ação coordenada com fins de proporcionar à população equidade em saúde e na distribuição da renda e políticas sociais (OTTAWA,1986).

Cada vez que se discute promoção da saúde, se reafirma o valor essencial da equidade em saúde e se reconhece o direito fundamental de qualquer indivíduo e a qualquer tempo de gozar do mais alto nível de saúde que se possa atingir. Quando não há a equidade, não é possível que haja satisfatoriamente um desenvolvimento sustentável e uma melhora na qualidade de vida e bem-estar de todos (OMS, 2011).

A Carta de Ottawa (1986) defende a saúde, que é construída pelo cuidado de cada um consigo mesmo e com os outros, pela capacidade de tomar decisões e de ter controle sobre as circunstâncias da própria vida, e pela luta para que a sociedade ofereça condições equitativas de saúde. Na perspectiva de uma saúde que se constrói e se vive na rotina, nas atividades diárias, nos espaços individuais e comuns, nos direitos e deveres, vem à tona o cuidado, a integralidade (ou holismo) e a ecologia, temas essenciais no desenvolvimento de estratégias para a promoção da saúde.

A promoção da saúde é uma estratégia relevante ao enfrentamento dos problemas sanitários e à melhoria da qualidade de vida da população, pois tem uma relação indiscutível com os compromissos éticos da política e do sistema de saúde brasileiro (CAMPOS; BARROS; CASTRO, 2004).

Tendo-se em vista o compromisso ético de cada um com o cuidar da saúde de sujeitos e coletividades, Campos, Barros e Castro (2004) sugerem o questionamento de como se pensa a promoção da saúde no Brasil e no que ela poderá auxiliar na geração de outros modos de atenção e de gestão da saúde, de criação do viver e de outras realidades ou vivências sociais. Chega-se aqui, com uma proposta de uma Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS) que seja transversal, cujas ações sejam a articulação e integração das várias áreas técnicas especializadas, os vários níveis de complexidade e as várias políticas específicas de saúde (CAMPOS; BARROS; CASTRO, 2004).

Esse desafio coube ao gestor federal do SUS, que propôs uma política transversal, integrada e intersetorial, que ao seu ver dialoga com as diversas áreas do setor sanitário, os outros setores do Governo, os setores privados e não-governamentais e a sociedade, compondo redes de compromisso e

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responsabilidade quanto à qualidade de vida da população, convocando todos a serem partícipes no cuidado com a saúde (BRASIL, 2010).

O Ministério da Saúde (2010) defende que a atenção à saúde no Brasil tem sim investido na formulação, implementação e concretização de políticas de promoção, proteção e recuperação da saúde e definiu, desde setembro de 2005, a

Agenda de Compromisso Pela Saúde, que agrega o Pacto em Defesa do SUS, O Pacto em Defesa da Vida e o Pacto de Gestão; neles consta um conjunto de

compromissos sanitários que deverão ser prioridades inequívocas de cada ente federativo, cada qual com suas responsabilidades. O Ministério da Saúde considera isso “um grande esforço na construção de um modelo de atenção à saúde que priorize ações de melhoria da qualidade de vida dos sujeitos e coletivos” (BRASIL, 2010).

Com esse entendimento, a institucionalização da promoção da saúde no SUS se deu com a aprovação da Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS), publicada sob Portaria Nº 867, de 30 de março de 2006. Para o Ministério da Saúde (2010), essa publicação ratifica o compromisso da gestão da época com a ampliação e qualificação das ações de promoção da saúde nos serviços e com a gestão do SUS.

A PNPS se apresenta com macro-prioridades entre as quais dá-se especial relevância ao aprimoramento do acesso e da qualidade dos serviços prestados no SUS, a ênfase é dada aos seguintes eixos temáticos: Modos de viver, Condições e relações de trabalho e Ambientes (BRASIL, 2010).

Quando se reconhece a saúde enquanto direito de todos e dever do Estado, não obstante, é o Estado que detém o poder de deliberar, implantar e avaliar as políticas de saúde, mesmo que ocorram as conferências municipais, estaduais e federais, mas não haja uma participação popular, não há como garantir que sejam oferecidas ações de cuidado integral com qualidade. Isso se confirma quando crescem as edificações que recebem a população com o objetivo de identificar sintomas e tratá-los, em detrimento de ações que encontrem os indivíduos em seus espaços de vida, em suas atividades, com seus costumes, em seus grupos, onde eles vivem o pertencimento.

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2.2 Pensando a Integralidade

A Lei Orgânica da Saúde (Lei nº8.080/90), em seu artigo 7º, que dispõe sobre os princípios e diretrizes do SUS, aponta que o Sistema é organizado constitucionalmente de acordo com as seguintes diretrizes: descentralização,

atendimento integral e participação da comunidade. A integralidade da assistência é

definida como “o conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e

curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema”. (CARVALHO; SANTOS, 2006). Ou seja,

constitucionalmente o sistema sanitário brasileiro encontra-se comprometido com a integralidade da atenção à saúde, quando suas ações e serviços são solicitados a trabalhar pela promoção, proteção e recuperação da saúde, com a descentralização e com a participação social (BRASIL, 2010).

Assim, a integralidade e a gestão participativa são ao mesmo tempo compromissos da promoção da saúde e um compromisso ético do SUS (CAMPOS; BARROS; CASTRO, 2004). A integralidade é reconhecida como imagem objetivo ou ideal regulador dentre os princípios constitucionais do SUS, além de que tem se destacado por seu potencial de resgatar as dimensões subjetivas e sociais como constitutivas do saber-fazer em saúde (WENCESLAU; RÖHR;TESSER, 2014). É preciso estar sempre chamando a atenção para a integralidade, repensando aspectos importantes da organização do processo de trabalho, gestão, planejamento e construção de novos saberes e práticas de saúde (CECÍLIO, 2001). Sem, no entanto, distanciar os níveis de atenção.

Caprara (2003) afirma que algo já tem sido feito no que se refere a pensar a integralidade na formação de médicos. A autora relata que uma proposta de concepção integrada, denominada “humanidades médicas”, vem sendo desenvolvida na formação em medicina e, para tanto, prevê a incorporação de elementos das ciências humanas (filosofia, psicologia, antropologia, literatura) nos cursos de graduação e especialização. Tal concepção reconhece que não há como separar os componentes materiais, físicos, dos componentes experienciais. Desse modo, a medicina é entendida como forma de auto-exploração.

O objetivo das “humanidades médicas” enquanto área de reflexão e pensamento é explorar como a experiência humana lida com as experiências do outro, seja esse outro paciente ou médico, digam suas experiências respeito à

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saúde, à doença e/ou ao sofrimento. O que se pretende é interferir no diálogo entre médico e paciente, melhorando as capacidades comunicacionais do médico e, ao mesmo tempo, aprofundando a narrativa do paciente, aperfeiçoando a relação desses dois sujeitos, na tentativa de estabelecer novas formas de bem-estar.

É grave vislumbrar que a abordagem do processo saúde-doença do atual cenário epidemiológico brasileiro sofre com a polarização entre atenção clínica e promoção da saúde, pois esta polarização não contribui para a melhoria da qualidade de vida da população, tampouco para a ampliação da resolubilidade das ações sanitárias em curso e, inevitavelmente, se afasta da integralidade do cuidado (CAMPOS, 2006).

Mais uma vez, há de se apontar o fracasso em eficiência dos modelos assistenciais em saúde dominantes de cuidarem da saúde, e há de se reforçar a ideia de que a eficácia poderá ser alcançada quando as práticas de saúde materializarem a integralidade como direito e enquanto serviço às pessoas (PINHEIRO, 2001). Isso talvez se explique por ser a integralidade o princípio mais negligenciado no âmbito do SUS, mesmo tendo sido uma questão posta pela Reforma Sanitária Brasileira, no final dos anos de 1980, a constatação é de que a política estaria se concentrando nas questões de financiamento e descentralização (PAIM,2009).

Propor um novo modelo de atenção à saúde não significa apenas tirar do centro o papel do hospital e das especialidades e priorizar a atenção primária em saúde, mas, muito mais do que isso, significa concentrar-se no indivíduo enquanto ser integral, com necessidades próprias, que se beneficiaria, ou melhor, participaria, de um cuidado integrativo.

O entendimento da integralidade, com o avanço nas discussões da promoção da saúde, passou a abranger as dimensões da qualidade da atenção e do cuidado, o que faz aumentar a responsabilidade do sistema de saúde. A integralidade exige a articulação e sintonia entre as estratégias de produção da saúde, bem como o deslocamento da atenção da perspectiva estrita do seu adoecimento e dos seus sintomas para o acolhimento de sua história, de suas condições de vida e de suas necessidades em saúde, respeitando e considerando suas especificidades e suas potencialidades nas ações de saúde (BRASIL, 2010).

A integralidade deverá ser encarada como meio de permitir aos indivíduos vislumbrar a saúde enquanto exercício da sua cidadania. A quem estaria implicado

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na construção de uma política de saúde cujo eixo seja a integralidade, resta superar os obstáculos que advém do modelo de cuidado fragmentado do ser, para então implantar inovações no cotidiano dos serviços de saúde, nas relações entre os níveis de gestão do SUS, nas relações destes com a sociedade e principalmente no cuidado (PINHEIRO, 2009).

A integralidade, bem como a promoção de saúde, estariam intimamente ligadas à visão de saúde que cada indivíduo/coletividade tem. Isso se constrói das próprias experiências do ser humano, experiências essas eivadas pelo contexto sócio-político e cultural do qual faz parte. Vivências constituídas pelas experiências de adoecer, curar-se e ser curado. Experiências pautadas em suas crenças e em suas possibilidades de refletir sobre o seu bem-estar.

Numa sociedade onde as pessoas são alienadas e convivem pacificamente com as enormes diferenças sociais a que todos estão submetidos, onde as pessoas se deixam conduzir por modelos de beleza, onde ser magro é ser bonito, mas se alimentam mal, se submetem a cirurgias deformadoras e ignoram a boa alimentação e a prática de exercícios, bem como uma vida afetiva saudável; onde a natureza não é respeitada e as pessoas não aprendem a conhecer sobre si mesmas e entender suas potencialidades, não vislumbram o animal natural que são e a natureza da qual fazem parte; onde bem-estar significa viver luxuosamente, por vezes trabalhando exaustivamente e acreditando ser lazer sair para beber, fumar e se trancar em um lugar fechado (com centenas de pessoas e muito barulho como são as casas de

show e da forma como costumam se divertir a maioria dos jovens hoje em dia); a

contar destes poucos exemplos esta não pode ser uma sociedade que favorece aos seus indivíduos uma visão de saúde ou vida “saudável”, integral.

Essas são concepções centrais do individualismo atual que expressam o triunfo de valores do capitalismo, principalmente entre os jovens :“o uso do corpo

como forma de obtenção de status social, o consumismo como valor de prestígio e diferenciação social e o sucesso como valor fim para a vida”; e que fazem surgir

novas práticas de saúde que valorizam a tríade beleza-vigor-juventude e cujo referencial de saúde está nas belezas das formas corporais e no sentir-se bem consigo mesmo (NASCIMENTO et al, 2013).

Foram os determinantes sociais do processo saúde-doença e o desafio da integralidade do cuidado que conduziram a Organização Mundial da Saúde a propor as Medicina Tradicional e Medicina Complementar e Alternativa para comporem as

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