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Iitoko-dori : a música tradicional japonesa e Reflets dans l'eau de Debussy

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ARTES

Mateus Bruno Romagnoli Hayasaka de Goes

IITOKO-DORI: A MÚSICA TRADICIONAL JAPONESA E REFLETS DANS L’EAU DE DEBUSSY

IITOKO-DORI: THE JAPANESE TRADITIONAL MUSIC AND DEBUSSY’S REFLETS DANS L’EAU

CAMPINAS

2019

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Mateus Bruno Romagnoli Hayasaka de Goes

IITOKO-DORI: A MÚSICA TRADICIONAL JAPONESA E REFLETS DANS L’EAU DE DEBUSSY

IITOKO-DORI: THE JAPANESE TRADITIONAL MUSIC AND DEBUSSY’S REFLETS DANS L’EAU

Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestre em Música na área de Música: Teoria, Criação e Prática

Dissertation presented to the Institute of Arts of the State University of Campinas as part of the requirements required to obtain the title of Master of Music in Music: Theory, Creation and Practice

Orientador: Marcos da Cunha Lopes Virmond

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO MATEUS BRUNO ROMAGNOLI HAYASAKA DE GOES, E ORIENTADA PELO PROF. DR. MARCOS DA CUNHA LOPES VIRMOND.

CAMPINAS

2019

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BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE MESTRADO

MATEUS BRUNO ROMAGNOLI HAYASAKA DE GOES

ORIENTADOR: MARCOS DA CUNHA LOPES VIRMOND

MEMBROS:

1. PROF. DR. MARCOS DA CUNHA LOPES VIRMOND

2. PROFA. DRA. IRACELE APARECIDA VERA LÍVERO DE SOUZA 3. PROFA. DRA. LENITA WALDIGE MENDES NOGUEIRA

Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas.

A Ata da Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a colaboração direta ou indireta para a concretização desta pesquisa: Aos integrantes do Programa de Pós-Graduação em Música da UNICAMP pela oportunidade da realização da pesquisa.

Ao Professor Doutor Marcos da Cunha Lopes Virmond pelos conhecimentos transmitidos com grande domínio e paciência durante toda a orientação e pela confiança depositada em mim.

Aos membros da banca examinadora pela prontidão em aceitar avaliar e contribuir com o meu trabalho.

A meus familiares e entes queridos por todo o apoio.

A sensei Kitahara Tamie por todos os saberes envolvendo a prática do koto e a cultura japonesa.

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RESUMO

Achille-Claude Debussy representa um dos maiores casos de originalidade e liberdade em uma postura iniciada por um não conformismo seguida de um processo de reorganização dos elementos da tradição musical ocidental. Neste contexto, o presente trabalho se propôs a estudar as relações de Claude Debussy com a cultura e a música japonesa, dentro dos princípios norteadores do iitoko-dori, através análise da obra Reflet

dans l’eau em busca da potencial incidência desses elementos constitutivos da música

tradicional japonesa. Para atingir tal objetivo, o presente estudo propõe o percurso de uma pesquisa transversal, fundamentando-se basicamente em aspectos da musicologia histórica e da análise musical. Como resultado, concluímos que os principais elementos da música tradicional japonesa que foram descritos por Akira Tamba possuem reflexo na obra de Debussy objeto deste estudo sem que houvesse um abandono dos princípios da prática comum da música ocidental, havendo nesse caso um efetivo exemplo de

iitoko-dori, ou seja, a soma do melhor dessas culturas.

Palavras-chave: 1. Debussy, Claude, 1862-1918. 2. Música japonesa. 3. Musicologia.

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ABSTRACT

Achille-Claude Debussy represents one of the greatest cases of originality and freedom in a posture initiated by a nonconformity followed by a process of reorganization of the elements of Western musical tradition. In this context, the present study proposes to explore and analyze Claude Debussy's relations with Japanese culture and music, within the guiding principles of iitoko-dori, through the analysis of the Reflect dans l'eau work in search of the potential incidence of these constitutive elements of Japanese traditional music. To achieve this goal, the present study proposes the course of a cross-sectional research, based basically on aspects of historical musicology and musical analysis. As a result, we conclude that the main elements of traditional Japanese music that were described by Akira Tamba are reflected in piano piece by Debussy focused in this study work without abandoning the principles of common Western music practice, in which case there is an effective example of

iitoko-dori, or that is, the sum of the best of these cultures

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Sumário

INTRODUÇÃO ... 9

OBJETIVO ... 24

PERCURSO METODOLÓGICO ... 25

Capítulo 1 - Oriente e Debussy ... 27

Capítulo 2 - Exotismo e Orientalismo ... 31

Capítulo 3. Japonismo ... 35

Capítulo 4 - A música japonesa sob um olhar outsider. ... 39

4.1. A Exposição de 1889... 39

4.2. A Exposição de 1900... 43

4.2.1. O teatro e a dança japonesa ... 43

4.2.2 A música japonesa ... 45

4.2.3. Considerações gerais sobre a música japonesa ... 50

Capítulo 5 - A música japonesa sob um olhar nativo ... 52

5.1. Modo composicional baseado em padrões. ... 52

5.2. Estaticismo e ritualismo musical ... 63

5.3. Música e sociedade ... 65

5.4. Conceito de criação ... 65

Capítulo 6 – uma análise de Reflets dans l’eau ... 68

6.1 – Reflets dans l’eau na obra de Debussy ... 68

6.2 – Debussy, o oriente e Reflets dans l’eau ... 68

6.3 - O estaticismo/ritualismo em Reflets dans l’eau ... 69

6.4 Compor por Padrões em Reflets dans l’eau ... 76

Comentários Finais ... 93

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INTRODUÇÃO

Achille-Claude Debussy (1862-1918) foi um dos mais importantes compositores para a formação da música no século XX estruturando sua obra através da ressignificação dos materiais e das formas musicais comuns à tradição musical europeia. A relevância de sua produção é atestada por Pierre Boulez ao declarar: “A música moderna desperta com L’après-midi d’un Faune” (BOULEZ in CANDÉ, 1978, p. 201) e é preciso conhecer o panorama histórico em que Debussy compôs essa obra para compreendermos a força de tal declaração. Os compositores do dito Romantismo Tardio já estavam em sua maioria nos últimos anos de vida:

Verdi (oitenta e um anos) acaba de apresentar o Falstaff, Bruckner (setenta anos) trabalha em sua Nona sinfonia, Johann Strauss (sessenta e nove anos) continua compondo valsas, quadrilhas e operetas para o teatro An der Wien, Dvořák acaba de apresentar sua Sinfonia do Novo Mundo, D'Indy funda a Schola e Mahler termina sua Segunda sinfonia; Clara Schumann está com setenta e cinco anos, Brahms com sessenta e um, Fauré quarenta e nove, Puccini trinta e seis... O crepúsculo do romantismo parece prolongar-se (CANDÉ, 1978, p. 178).

Em um enfoque mais específico, tivemos o caso da música francesa no final do século XIX e início do século XX que GROUT e PALISCA em História da Música

Ocidental (1988) divide em três grandes linhas de “evolução”: (1) a tradição

cosmopolita difundida por César Franck e prolongada pelos seus alunos (em especial por Vincent d’Indy); (2) a tradição especificamente francesa, transmitida por Saint-Saens e continuada pelos seus discípulos, em particular por Fauré; (3) partir da tradição francesa e foi levada às consequências mais imprevistas na música de Debussy (GROUT ; PALISCA, 1988).

Nesse cenário de mudanças e na busca por novas abordagens Debussy se utilizou de meios pessoais para atingir sua idiossincrasia musical conforme afirma Juan Carlos Paz em “Introdução à Música do Nosso Tempo”:

Em síntese, o caso de Debussy, em seu aspecto formal, revela um compositor que rompe com a tradição ocidental quanto à harmonia e execução de formas e de desenvolvimento, e que enfrenta o difícil problema da substituição de tais elementos formativos. As soluções individuais que levou ao problema foram aqueles que, aparentemente

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e vistas através do critério de mais de meio século depois, eram indispensáveis para seu caso particular. (PAZ, 1977, p. 5).

Tal particularidade foi transportada também para a análise formal dessas obras e podemos citar o exemplo a respeito da tonalidade em Debussy em The Cambridge

companion to Debussy, de Simon Trezise, que considera duas vertentes de abordagem:

uma acomodadora - para estabelecer teorias tonais para a idiossincrática marca de tonalidade de Debussy - e a outra rejeitadora - da viabilidade de qualquer acomodação (TREZISE, 2003).

Pelo lado da vertente rejeitadora temos a abordagem de Werner Danckert sob a influência das ideias de Hugo Riemann sobre a harmonia funcional que tem como objetivo reduzir todos os acordes à tônica, dominante ou subdominante. No entanto, seu método é criticado pela utilização do método em contextos cromáticos inapropriados.

Ainda nessa vertente, houve também a visão de Rudolph Réti, que buscou apoio na lógica musical tema/motivo de Arnold Schoenberg, realizando uma análise de La

cathédrale engloutie, obra em que considera dois fragmentos nomeados “motivo I” e

“motivo II” (figura 1). O primeiro motivo possui duas variantes: a primeira (Ia) com um intervalo de quarta ao invés de um intervalo quinta e a segunda variantes (Ib) com uma terça (RÉTI, 1961).

Figura 1: Motivos I e II e suas variantes em La cathédrale engloutie

FONTE: RETI, 1961, p. 195.

Esses motivos são expostos na primeira seção da obra (figura 1a) sendo que logo no primeiro compasso o motivo Ib ocorre variado.

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Figura 1a: Motivo I e sua inversão em La cathédrale engloutie

FONTE: RETI, 1961, p. 196.

O motivo II e Ia são trabalhados com um pedal na nota mi do compasso 7 ao 13 (figura 1b):

Figura 1b: Motivo II e Ia em La cathédrale engloutie

FONTE: RETI, 1961, p. 197.

Por outro lado, tivemos a abordagem de Felix Salzer e Adele Katz a partir da teoria de Schenker que, segundo Trezise, é altamente eficaz apenas para o repertório que engloba aproximadamente obras de Bach a Brahms (TREZISE, 2003).

Na tentativa de cobrir todos os aspectos de uma obra completa, Salzer altera vários preceitos de Schenker, o que acaba encobrindo a distinção de consonância e dissonância, pois segundo o mesmo tal atitude é um reflexo da realidade estilística do século XX. (TREZISE, 2003). Para refutar seu argumento é feita uma análise de

Prelude à l’après-midi d’un faune (figura 2) destacando o uso de notas vizinhas e notas

de embelezamento como características do impressionismo musical de Debussy (SALZER, 1962, p. 209). Segue o relato do autor:

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Primeiro, uma compreensão completa dos primeiros compassos improvisados (solo de flauta) parece necessária. Os eventos melódicos são: a apogiatura dó# - si (o último sendo o tom estrutural da melodia), o movimento para a voz interna sol# e sol, então o retorno para Si que é seguido por um prolongamento do inicial Dó# - Si. Esses movimentos são apresentados pelo compositor em uma série do tipo “variações” e altamente imaginativas (veja os parênteses em Gráficos a e b). Desenvolvem-se com base em uma tônica extensivamente prolongada que no fim se move a V através da Dominante secundária. Estas “quase variações” contribuem fortemente para a coerência e simultaneamente para a tensão acumulada que tão convincentemente encontra sua resolução no movimento final para o V (SALZER, 1962, p. 209).

Figura 2: Trecho da redução realizada por Salzer de Prélude à l'après-midi d'un faune

Fonte: SALZER, 1962, p. 209.

Notamos nessa análise dois pontos de interesse: (i) um grande prolongamento da harmonia (indicada por números romanos) a partir de supostos acordes que não estão inseridos originalmente na obra (notas em parêntesis), ignorando diversos outros acordes e (ii) uma valorização de notas que corroboram para um direcionamento diatônico que, entretanto, estão dispostas em tempos fracos e que soam brevemente (notas em mínimas), ao contrário de notas de longa duração (notas pretas sem haste) que fogem do escopo tonal tradicional.

Em uma análise do compasso 1 ao 10 é possível identificar nos compassos 1 uma relação cromática que possui sua base no trítono entre o dó# e o solÎ (figura 3) com ênfase acentuada através dos tempos fortes do compasso com maior duração que o si estabelecido como nota de importância estrutural por Salzer.

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Figura 3 - Prèlude à l'après-midi d'un faune (compassos 1)

Fonte: editado pelo autor.

Já nos compassos 3 a 5 (figura 3a) a relação cromática é substituída por um caráter modal (lídio) devido ao acorde de Lá# meio diminuto que possuí o La# que Salzer considera como passagem e novamente com a relação de trítono, mas agora entre

mi (que estabelece o modo sobre o centro) e Sib.

Figura 3a: Prèlude à l'après-midi d'un faune (compassos 3 a 5)

Fonte: editado pelo autor.

Já Katz preserva a maior parte da abordagem de Schenker o que limita sua análise a dois aspectos: o uso de pequenos trechos focando mais as particularidades da prática tonal de Debussy em relação a outros compositores anteriores e em outras encontra apenas uma “vagueza estrutural” (TREZISE, 2003).

No primeiro caso temos a abordagem nos dois primeiros compassos da

sarabande da suite Pour le Piano (figura 4). Considerou-se aqui uma progressão de

supertônica - dominante na tonalidade de dó# menor. A justificativa de Katz reside no fato de que:

[...] aqui, o uso da dominante menor é indicativo não de uma mistura dos acordes maiores e menores do sol# menor, como encontramos nos trabalhos de Haydn, Beethoven e Wagner, mas da dominante modal que aparece com tanta frequência no tratamento de Debussy (KATZ, 1946, p. 251 e 252).

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Figura 4: Sarabande da suíte Pour le Piano (compassos 1 e 2)

Fonte: editado pelo autor.

Em Voiles (figura 4a) Katz cita, através da declaração de Nadia Boulanger, a possibilidade de uma “vagueza estrutural” (BOULANGER apud KATZ) por meio do uso da escala de tons inteiros na qual a clareza tonal é abandonada. No entanto, a autora acredita que a declaração do próprio compositor, “o paradoxal senso de imobilidade na mobilidade” (DEBUSSY apud KATZ, 1946, p. 284) sobre a escala de tons inteiros, auxilia em uma nova forma de compreender tal obra:

Talvez, como em Voiles, a repetição da figura motívica crie uma coerência melódica destinada a compensar a falta de coerência estrutural. É muito mais provável que o objetivo principal, usar uma série de terças alternadas, fosse o fator motivador e que as técnicas fossem determinadas pelo caráter da figura motriz. Se a incerteza estrutural neste prelúdio fosse um exemplo isolado, poderíamos considerá-lo principalmente devido a um experimento interessante e único. No entanto, como um dos vários casos em que Fouilles mortes,

Général Lavine eccentric e La Cathédrale engloutie são típicos, eles

compartilhavam um efeito acumulativo que era potente nas últimas tendências da música (KATZ, 1946, p. 291).

Figura 4a: Voiles (compassos 1 - 7) com a redução de Katz

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Com isso a autora conclui que tais obras possuem particularidades próprias e é necessária uma nova forma de analisar que possam lidar com problemas nos quais novos sistemas dão origem1. (TREZISE, 2003, p. 163).

Seguindo esse pensamento Richard S. Park propõe a abordagem de Schenker e busca na teoria dos conjuntos uma maneira de adaptar a linguagem de Debussy em quatro itens: diatônico, cromático, tons-inteiros e octatônico. Esses elementos são citados em obras como Jimbo's Lullaby e Feuilles mortes, que ilustram o uso e transição desses materiais (GREEN, 1992).

Em uma breve análise localizamos as coleções citadas por Parks em Jimbo's

Lullaby. Na abertura da obra (figura 5), Debussy apresenta a coleção pentatônica de fá

no registro grave.

Figura 5: Jimbo's Lullaby (compasso 1 - 8)

Fonte: editado pelo autor.

A coleção de tons inteiros ocorre integralmente a partir da indicação um peu plus

mouvementé (figura 5a), trecho que vai do compasso 39 ao 46:

1 As for that perplexing ‘structural vagueness’, it will require nothing less than a (new) ‘form of analysis to cope with the problems to which the new systems give rise.

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Figura 5a: Jimbo's Lullaby (compasso 39 - 46)

Fonte: editado pelo autor.

Nos compassos seguintes (figura 5b) há um cromatismo em terças com o pedal na nota re:

Figura 5b: Jimbo's Lullaby (compasso 47 - 48)

Fonte: editado pelo autor.

Em Feuilles mortes (figura 6) a coleção octatônica é utilizada nos acordes de lá

maior, re# maior, fa# maior e dó maior com um fragmento melódico. Esse trecho é

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Figura 6: Feuilles mortes (compassos 25 ao 30)

Fonte: editado pelo autor.

Sobre a coleção diatônica, Green critica a abordagem de Parks ao considerar diatônicos trechos com características modais como o início de Canope (figura 7). Nele Green alega que os acordes são claramente do modo dório, no entanto, Parks considera a sequência pertencente a dó maior (GREEN, 1992). Indiferentemente da escolha utilizada, há exemplos na literatura de Debussy, como em Clair de lune, e com isso não vemos necessidade em aprofundar o assunto.

Figura 7: Canope (compassos 1 a 3)

Fonte: editado pelo autor.

Trezise conclui que mesmo a teoria dos conjuntos ter sido idealiza com o propósito de analisar o repertório atonal, possibilita resolver problemas além dos

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propostos para ela. No entanto, há riscos de uma visão unidimensional em uma análise de Debussy na qual se descarte todos os pressupostos da tonalidade (TREZISE, 2003).

Com isso notamos que, indiferentemente da eficácia de cada análise citada, todas descartam um atonalismo em Debussy e a utilização de materiais já vistos em outras obras, como a de Stravinsky e Ravel. Portanto, se os elementos na música de Debussy não possuem uma diferença analítica em relação à obra de seus contemporâneos, quais foram os meios pessoais que possibilitam distinguir sua obra dos demais? A resposta está na própria definição de análise musical que, segundo Dunsby:

[...] significa a tentativa de explicar os processos da obra em determinadas composições, escolhidas mais propriamente por representar certas características técnicas específicas - de gênero, forma, estilo ou estrutura - do que pelo contexto histórico ou pela significância (DUNSBY; WHITALL, 2004, p. 2).

A análise formalista nos mostrou ineficiente em nosso caso, pois como citado acima, se debruça sobre a música buscando esclarecer sua lógica a partir dos elementos da própria obra distanciando-se de contextos históricos, acabando por não esclarecer as razões da idiossincrasia de Debussy.

Um caminho alternativo que valoriza os fatores históricos é proposto por Roy Howat embasado em elementos além do escopo da análise formal, como o conceito da

proporção áurea2 (figura 8). Nessa figura abaixo a proporção ocorre no segmento AB com a parte mais longa na esquerda, D marca uma proporção complementar com a parte maior na direita e ao mesmo tempo uma própria proporção que divide AC (HOWAT, 1994).

2 A proporção áurea é documentada nos Elementos de Euclides como "razão extrema e média" - é a

divisão que corta um comprimento fixo de forma que a porção mais curta tenha a mesma razão para a porção mais longa que a porção mais longa carrega para todo o comprimento. O valor exato da seção é irracional, com suas casas decimais continuando indefinidamente; aproxima-se de 0,618 ...do comprimento medido (HOWATT, 1994, p. 270)

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Figura 8: Proporção áurea

Fonte: HOWATT, 1994, p. 270.

Outra característica que Howat aponta como única é a série Fibonacci (0,1,2,3,5,8,13,21,34...) em que cada novo termo é a soma dos dois termos anteriores sendo que cada dois termos sucessivos representam a proporção áurea para os números inteiros mais próximos. O autor alega que essa forma de representar a proporção áurea com números inteiros ocorre musicalmente em compassos, tempos, semitons e etc. (HOWAT, 1994).

Uma aplicação desses conceitos é citada na obra Reflets dans l’eau no aspecto melódico e na arquitetura das dinâmicas da obra. No início (figura 9) ocorre um pequeno motivo de três notas composto por 3+2 semitons e os acordes são formados pela proporção de 5+3 colcheias, ocorrendo no total a sequência Fibonacci: 2,3,5,8 (HOWAT, 1994).

Figura 9: Fibonacci em Reflets dans l’eau (compassos 1 e 2)

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Outra aplicação dessa teoria é citada em La mer a partir da influência da arte japonesa, em especial o ukiyo-e3 redemoinhos de naruto4 (figura 10) de Ando Hiroshige5. Ambas as obras possuem motivos de espiral e mar expressos através da proporção áurea, mas no caso de Hiroshige o espiral está invertido 90º.

Figura 10: Redemoinhos de Naruto

Fonte: HOWATT, 1994, p. 282.

Já em La mer (figura 11) ocorre no início até dois compassos antes da figura de ensaio 9 da partitura, nela vemos o início da seção em 6/8 (barra 31) e o ponto de virada da forma arco6 até a figura de ensaio 7. Para Howat essas divisões possuem a proporção áurea de 65: 107 e 66: 41 de pulsos, e o formato de espiral fica claramente audível no final do exemplo (HOWAT, 1994).

3 浮世絵(うきよえ)

4 鳴門の風波 (なるとのふうは)

5 安藤 広重(あんどうひろしげ)

6 Trata-se de uma formal musical baseada na repetição em forma espelhada de todas as seções para criar

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Figura 11: Esquema expondo a proporção áurea em La mer

Fonte: HOWATT, 1994, p. 281.

Os argumentos de Howat apontam para uma teoria grega com respaldo da arte japonesa, procedimentos esses que dificilmente possuem relações visíveis. Seu argumento reside no fato de:

Debussy, um ávido admirador de Arte japonesa, certamente teria conhecido esta famosa impressão. Uma coincidência tão completa de composição e motivo em duas artes (e continentes) diferentes, planejadas conscientemente por Debussy, vai ao âmago da estética simbolista na qual Debussy mergulhou em seus anos de formação (HOWAT, 1994, p. 281 e 282).

Sendo assim, verificamos que a literatura baseada na análise formalista de autores como Werner Danckert (1950), Rudolph Réti (1961), Felix Salzer (1962), Adele Katz (1945) e Richard S. Park (1989) nos aponta para uma abordagem que conscientemente busca uma explicação sobre a idiossincrasia de Debussy apenas com o conteúdo inerente na obra e não através de elementos históricos de sua vida. Esses autores são extremamente bem-sucedidos em identificar os materiais da obra de Debussy, mas sem contextualizá-los na razão de seu uso, acabam por não esclarecer a

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originalidade e liberdade citadas acima, marcas que despertaram o interesse na música de Debussy.

Considerando esta lacuna, de forma preliminar tentaremos entender essa relação de afastamento dos elementos preponderantes da arte musical de sua época e indicar possíveis elementos composicionais tipificadores e materializadores dessa relação diferenciada. Para tal, utilizaremos a abordagem de Roy Howat (que analisa o objeto musical a partir de sua história para identificar as motivações do compositor) e partiremos de sua premissa de que houve uma influência da arte japonesa em Debussy (apesar de não considerarmos existente a relação entre Hiroshige e Grécia, isso nos aponta para a existência de tal influência), para realizarmos um levantamento dos dados sobre a música japonesa que o compositor teve contato e como esse contato afetou sua produção.

A noção de incorporação de elementos estrangeiros nos serviu de norte da proposta deste trabalho com o conceito de iitoko-dori7 que, segundo Antonio Blat Martinez:

[...] é geralmente definido como o ato de "incorporar o melhor (de alguma coisa)". É importante notar que esta incorporação ocorre harmoniosamente, destilando o elemento adquirido, integrando-o sem atrito e tingido com o ethos japonês (MARTÍNEZ, 2016, p. 39).

Segundo Roger J. Davies e Osamu Ikeno em The Japanese Mind (1949), o

iitoko-dori nasceu de uma problemática no sistema político-social japonês. O Xintoísmo

regia os valores dessa sociedade e no século VI com a chegada e aceitação popular do Budismo (e por consequência o Confucionismo) o Japão viu-se em um conflito, pois o pensamento Budista colocou em risco fatos como o imperator possuir a condição de divindade. No século VII o príncipe Shotoku declara que “o xintoísmo é o tronco, o budismo é os ramos e o confucionismo são as folhas” (SAKAIYA apud DAVIES; IKENO, 1949, p.103) fazendo com que contradições teóricas em diversos campos como a religião e filosofia fossem aceitos em um mesmo país.

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Os reflexos dessa mentalidade ocorreram em toda sociedade japonesa e na tecnologia podemos citar o caso da fábrica da Tomioka como exemplo de transformação que o iitoko-dori proporciona:

Em 1868, o Japão adotou uma nova técnica de fiação da França, e em 1873, uma fábrica modelo em Tomioka foi construída. Tudo foi importado, não apenas o design e as máquinas, mas também os tijolos para os edifícios, mesas, cadeiras, e assim por diante. Além disso, técnicos franceses foram empregados e os trabalhadores japoneses copiaram eles. Com o passar do tempo, eles tentaram "alcançar e superar" os criadores de seus modelos adotados e, quarenta anos depois, em 1910, os japoneses haviam melhorado o modelo francês e foram capazes de exportar seda no exterior (DAVIES; IKENO, 1949, p.103)

No campo da semântica também há traços que demonstram o impacto desse pensamento tipicamente japonês. Em seu sistema de escrita temos o hiragana, katakana e o kanji que apesar de sua complexidade, faremos uma modesta explicação de cada um deles. O kanji é o sistema de ideogramas importado da China que representam ideias e sentimentos na oração. Já o katakana possui a função de expressar onomatopéias e palavras não japonesas. O hiragana é utilizado de forma mais ampla como em casos de função gramatical ou na forma de grafar a leitura de kanji. Ou seja, a forma de se expressar desse povo é resultante do iitoko-dori.

Outros exemplos desse pluralismo cultural resultante do iitoko-dori está no cotidiano japonês com o kimono e o jeans no vestuário, o yakissoba vindo da China, a arquitetura ocidental junto do tatami entre outros casos. E não podemos deixar de citar as implicações musicais:

A música atual do Japão observa três direções predominantes: a tradicional, presa a uma espécie de compromisso entre as antigas fórmulas telúricas e as contribuições ocidentais no referente a formas e instrumentação; segue-se a tendência moderadamente avançada quanto a resultados, porém tecnicamente embandeiradas de Ocidente, seja em suas contribuições genuinamente germânicas ou francesas; e por último, a tendência radical extremista, que parte do dodecafornismo e chega à música eletrônica (PAZ, 1976, p.464).

O alcance que esse modo de pensar e agir que atinge o Japão influência até hoje, pois apenas 0,5% da população japonesa defendem não seguir nenhum tipo de iitoko-dori (SAKAIYA apud DAVIES; IKENO, 1949, p.103).

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Com isso, acreditamos que o iitoko-dori é um conceito amplamente difundido na cultura japonesa que merece um aprofundamento em sua perspectiva inversa: o ocidental apropriando-se do que é oriental.

OBJETIVO

O objetivo primário desse estudo propõe-se a identificar as relações de Claude Debussy com a cultura e a música japonesa, dentro dos princípios norteadores do

iitoko-dori, através análise da obra reflet dans l’eau, em busca da potencial incidência desses

elementos constitutivos da música tradicional japonesa na estruturação dessa obra. Como objetivos secundários, podemos considerar:

- discutir o rompimento dos códigos tradicionais da música ocidental por Debussy

- identificar as relações formais do compositor com a cultura oriental e sua música

- apresentar os elementos constituintes da música japonesa

- identificar os padrões de organização da música japonesa segundo o princípio do iitoko-dori, objetiva ou subjetivamente empregados por Debussy na estruturação de

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PERCURSO METODOLÓGICO

Para atingir os objetivos enunciados, o presente estudo propõe o percurso de uma pesquisa transversal, fundamentando-se basicamente em aspectos da musicologia histórica e da análise musical, procurando-se percorrer as seguintes etapas:

Pesquisa bibliográfica com o objetivo de construir argumentação teórica para a fundamentação do texto que desenvolvemos, centrando-se em publicações acadêmicos a respeito da música tradicional japonesa e suas características, em Debussy e no impressionismo, com vistas a identificar sua história e características, compreender os elementos da cultura japonesa contidos na vida de Debussy;

Análise de Reflets dans l’eau. por se tratar de uma das obras que iniciaram o impressionismo musical. Esta análise nos fornecerá quais os materiais utilizados para a composição. Diante da problemática já citada sobre qual a ferramenta analítica mais útil na obra de Debussy, compartilhamos do pensamento de FREIRE (2010, p.44) que “por vezes, na área de música, existe a suposição equivocada de que não se pode abordar uma obra, em pesquisa, sem fazer uma análise formalista da mesma”.

Interpretação das informações obtidas para verificar a hipótese levantada, as quais serão úteis para “aprofundar a compreensão a respeito de diferentes ângulos de um mesmo fenômeno, ou seja, de melhor compreender as nuances ou diferenças, sem pretender hierarquizá-las.” (FREIRE, 2010, p. 33).

A utilização da musicologia histórica se ocupará da ampliação do escopo de possibilidades na compreensão da música de Debussy a partir do contexto histórico-cultural que está inserida e a escolha por uma única ferramenta analítica comprometeria a compreensão total da obra conforme afirma Regis Duprat:

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[...] relativiza-se o acolhimento a qualquer uma dentre as tendências analíticas disponíveis, já que se recomenda que o próprio comportamento analítico se configure de forma a não pretender constituir, nem isolada nem integradamente com outras tendências analíticas, nenhuma abordagem autossuficiente com pretensões a explicar exaustivamente a obra musical. Relativiza-se, também, e fundamentalmente, a própria pretensão da análise, de obter respostas que não sejam meramente tecnocientíficas e que transponham a barreira do sentido e do conteúdo essencial e profundo da obra musical (DUPRAT, 1996, p. 57).

Com isso o estudo proposto busca uma reflexão qualitativa sem descartar nenhuma ferramenta analítica que nos dê suporte para uma maior compreensão da obra e seu contexto sócio-histórico-cultural realizando uma convergência entre musicologia e análise musical, que conforme FREIRE (2010, p. 53) “existe uma real permeação interdisciplinar entre esses dois campos”.

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Capítulo 1 - Oriente e Debussy

A obra de Debussy já incitou inúmeros trabalhos envolvendo elementos da vida do compositor e aparentemente o caso está encerrado. No entanto notamos a escassez de material referente ao impacto da cultura oriental (em especial a japonesa) na obra do mesmo e a necessidade de levantarmos tal tópico reside no fato de que esse músico foi contemporâneo dos pintores do movimento impressionista (que receberam influências da arte japonesa8) e mesmo que exista controvérsia sobre o devido enquadramento estético atribuído a Debussy, é inegável a necessidade de averiguar tal fato.

Seu gosto pela arte oriental iniciou-se na infância com a loja de artefatos chineses de seus pais.9 Durante a vida adulta existem algumas passagens comprovando que “essa foi sua verdadeira paixão durante toda a vida” 10

. (TREZISE, 2003, p. 11). Relatos de Raoul Bardac e Dolly Bardac, pessoas próximas de Debussy, confirmam tal paixão. Segundo Dolly:

Sua mesa de trabalho estava confusa com esses objetos familiares essenciais, a maioria oriental, no qual era complementado por pinturas japonesas nas paredes incluindo “A grande onda de Kanagawa” de Katsushika Hokusai, do qual ele usou como a capa da primeira edição de La mer11. (ORLEDGE, 2003, p. 15).

Raoul Bardac lembra que "ele nunca saía para qualquer lugar se pudesse evitá-lo, exceto para a livraria ou para as lojas que vendiam objetos chineses e gravuras" 12.

8 Quando o Japão foi forçado a desenvolver relações comerciais com a Europa e a América, essas estampas, podiam ser compradas por preços módicos nas casas de chá. Os artistas do círculo de Manet estiveram entre os primeiros a apreciar as estampas e a colecioná-las avidamente. Viram nelas uma tradição não-contaminada pelas regras e lugares-comuns acadêmicos que os pintores franceses lutavam por eliminar. (GOMBRICH, 1999, p. 525).

9 Seu pai, Manuel Achille, filho de marceneiro, tinha na rue au Pain, 38, uma pequena loja de porcelanas e objetos chineses, que faliu em 1865. (CANDÉ, 2001, p. 198).

10 If anything, collecting oriental artefacts was his true passion throughout his life.

11 His expansive desk was cluttered with these essential familiar objects, most of them oriental, which were complemented by the Japanese prints on the walls–including Hokusai’s‘Hollow of the Deep-sea Wave off Kanagawa’, part of which he used as the cover of the first edition of La mer.

12 ‘He never went out anywhere if he could possibly avoid it,except to the bookseller’s or to shops that sold Chinese objets d’art and engravings’.

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(TREZISE, 2003, p. 11). Outros objetos que merecem destaque são: um sapo de madeira chamado Arkel que Debussy sempre carregou consigo13 e uma estampa de um

kingyo14(figura 12).

Apesar do quanto esses artefatos tenham sido importantes para Debussy, Robert Orledge acredita que “no final, apenas inspirou uma única peça de piano, Poissons d'or, mas também forneceu um antídoto essencial para a mediocridade e a miséria do mundo a seu redor, das quais ele frequentemente se queixava” (ORLEDGE, 2003, p. 11 e 12).

Acreditamos que o reflexo dessa paixão pelo Japão refletiu-se em uma das pessoas mais importantes de sua vida, sua filha Claude-Emma chouchou Debussy Bardac (1905-1919). Apesar de chouchou ser traduzido do francês como pet (mas na relação entre pai e filha, como é o caso, com a conotação de “minha querida”), coincidentemente é também traduzido do japonês como borboleta.

Os pressupostos acima, que atestam a relação entre o Oriente e Debussy, não são surpreendentes, pois o impacto que a Exposição Universal de 1889 causou em Debussy é bem conhecido e atestado em uma carta de 1895 do próprio compositor. De fato, em missiva direcionada a Pierre Louys, o compositor comenta: “Você não se lembra da música javanesa [...], capaz de expressar cada sombra de significado, mesmo as sombras

13 Dolly Bardac recalls.‘He was never parted from a big wooden toad, a Chinese ornament, called “Arkel”...he even took it travelling with him’(TREZISE, 2003, p. 15).

Na cultura japonesa o kaeru possui um significado especial: significa tanto voltar (do verbo 帰る, かえ る), quanto sapo (蛙, かえる). Devido a esse trocadilho, é comum carteiras ou porta-moedas com o formato de sapo, ou usar um broxe de sapo para desejar que o dinheiro volte.

(29)

Figura 12: Museu “Claude Debussy” contendo o sapo "Arkel" e a estampa kingyo.

Fonte: Site www.seine-saintgermain.fr/en.

Acreditamos que o reflexo dessa paixão pelo Japão refletiu-se em uma das pessoas mais importantes de sua vida, sua filha Claude-Emma chouchou Debussy Bardac (1905-1919). Apesar de chouchou ser traduzido do francês como pet (mas na relação entre pai e filha, como é o caso, com a conotação de “minha querida”), coincidentemente é também traduzido do japonês como borboleta15.

Os pressupostos acima, que atestam a relação entre o Oriente e Debussy, não são surpreendentes, pois o impacto que a Exposição Universal de 1889 causou em Debussy é bem conhecido e atestado em uma carta de 1895 do próprio compositor. De fato, em missiva direcionada a Pierre Louys, o compositor comenta: “Você não se lembra da música javanesa [...], capaz de expressar cada sombra de significado, mesmo as sombras imencionáveis e que fazem nossa tônica e dominante parecerem fantasmas?16” (LOCKSPEISER, 1962, p. 115).

15蝶々(ちょうちょう).

16 “Do you not remember the Javanese music [...], able to express every shade of meaning, even unmentionable shades and which make our tonic and dominant seem like ghosts”?

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Essa relação com o Oriente (em especial o Japão), que ocorreu igualmente com o impressionismo pictórico já citado, deixou diversas obras de Debussy em paralelo com o mesmo movimento, tendo como ponto de partida Pagodes e Reflets dans l’eau17. (DEVOTO, 2003, p. 188). Entretanto nos questionamos se essa relação é apenas extramusical ou se a própria música japonesa também exerceu uma parcela de influência. Para explorar esta possibilidade, teceremos, preliminarmente, algumas considerações sobre a questão do Exotismo e Orientalismo em música e, a seguir, nos propomos a comentar informações relevantes sobre as Exposições Universais de 1889 e 1990 e a participação musical do Japão em ambas para um esclarecimento sobre essa música.

17

In ‘Pagodes’, the slightly earlier D’uncahier esquisses, and ‘Reflets dans l’eau’ Debussy’s impressionistic piano style is born.

(31)

Capítulo 2 - Exotismo e Orientalismo

A relação entre Ocidente e Oriente especialmente em música é anterior aos pressupostos já citados e esse fascínio pelo não europeu é conhecido como Exotismo.

Nesse sentido, o exótico, do grego exotikó, tem significado primordial de “estrangeiro”. Trata-se de algo “de fora”, de exo-, “lado de fora”. Desse entendimento amplo, que inclui a noção de “estrangeiro, de outras terras”, no século XVII junta-se o significado de “estranho, diferente, inusual’ e com esta conotação melhor se adaptou a seu uso ao longo dos tempos até a presente data (VIRMOND; TOLON; NOGUEIRA, 2015, p. 375).

No entanto é importante notarmos que o exotismo não se limitava a Ásia e retratou lugares distantes da Europa como, no século XIX, eram vistos continentes como a África e mesmo países muito próximos, tais como a própria Espanha, mas que não se reconhecia como pertencente ao núcleo civilizatório central da Europa. Entretanto, em essência, a visão do exótico se dividia em dois “subgêneros”. À Ásia e o oriente médio, incluindo o norte da África, o exotismo se conhecia como Orientalismo. A América, particularmente o México, o Caribe e América do Sul, se enquadram no puro exotismo.

Com maior carga representativa, o orientalismo foi mais detidamente explorado pelos estudiosos em seus amplos aspectos sociais, culturais e econômicos. Para Edward W. Said, “o Orientalismo é um estilo de pensamento baseado em uma distinção ontológica e epistemológica feita entre ‘o Oriente’ e (a maior parte do tempo) ‘o Ocidente’” (SAID, 1996, p. 14). Ou seja, “Orientalismo é visto como a maneira de os ocidentais pensarem e estudarem o oriente: um conjunto de categorias e valores baseados nas necessidades políticas e sociais do ocidente em detrimento das realidades concretas do oriente” (VIRMOND; TOLON; NOGUEIRA, 2015, p. 375).

No que diz respeito ao Exotismo Musical, Ralph P. Locke define-o como uma forma de representar lugares exóticos através de obras musicais (LOCKE, 2007, p. 478). O autor ainda alega que a abordagem na literatura e nas artes visuais busca a representação do exótico através de objetos estéticos do que no estilo e que, no caso da música, a visão dos compositores é mais restrita a um léxico de dispositivos específicos já determinados e até conhecidos pelo público, que remetem, de forma correta ou

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incorreta, ao lugar citado (LOCKE, 2007, p. 479 e 480). Esse catálogo de ferramentas pode ser resultado de atitudes empíricas ou não e se utiliza de dispositivos como harmonias “primitivas”, modos não usuais, temas considerados como característicos, ritmos e sonoridades instrumentais e, devido a isso, torna-se útil apenas para obras instrumentais (LOCKE, p. 481 e 482). O caso desse processo empírico “permite que o compositor distorça as normas estilísticas de sua própria tradição musical (até que elas soem ‘diferentes’) ou possa até inventar um estilo surpreendente” (LOCKE, 2007, p. 482).

Ainda assim Locke busca uma compreensão mais ampla do Exotismo, considerando-o como um fenômeno que incorpora a abordagem estilística, mas também elementos extramusicais, como o enredo, palavras cantadas, cenários e figurinos no caso da ópera. Nesse contexto o Orientalismo ocorre em obras como Le Désert de Félicien David, Samson et Dalila de Camille Saint-Saëns e Madama Butterfly de Puccini.

Puccini utilizou melodias oriundas do Japão em sua ópera Madama Butterfly que foram extraídas do Nippon Gakufu e de A Coleção de Música Japonesa para koto de Rudolf Dittrich18 (HARA, 2003, p. 56). Nessas obras Dittrich arranjou para piano melodias japonesas a partir do estilo musical ocidental, pois segundo Kunio Hara, o reflexo de sua formação musical conservadora o impediu de romper com a linguagem tonal da época 19 (HARA, 2003, p. 63). Na figura 13 pode-se ver um trecho do arranjo de Sakura feito por Dittrich e a utilização de Puccini (figura 13a) que apenas alterou a tonalidade para se ajustar a passagem ao contexto harmônico da ópera20 (HARA, 2003, p. 66):

18

Rudolph Dittrich’s collections of piano arrangements of Japanese melodies, Nippon Gakufu (1894 and 1895), are two of the most significant source materials for Japanese music that Puccini consulted in his creation of Madama Butterfly.

19 The predominantly Western musical style of Dittrich’s Nippon Gakufu, however,is perhaps best

understood as a manifestation of the composer’s musical background and the conservative leanings that prevented him from breaking away from the tonal language of his time.

20 Puccini incorporates the melodic as well as harmonic structures of Dittrich’s “Sakura” in the same

scene (see Examples 18a and 18b). Dittrich’s melody is kept intact, including some expressive markings such as the accent on the second half of the first two measures and the crescendo on the third measure of the excerpt. Puccini alters Dittrich’s harmonies only slightly. The arpeggiated pizzicato accompaniment in the ’cellos that lasts for two measures betrays the passage’s origin as a piano piece. The key is altered

(33)

Figura 13 - Sakura por Dittrich (compassos 5 ao 10)

Fonte: HARA, 2003, p. 106.

Figura 13b: Madama Butterfly (ato I, 5 compassos após o 75)

Fonte: HARA, 2003, p. 107.

from D minor to E minor, probably in order to accommodate a smoother transition from the previous passage in A minor.

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Apesar de Hara concluir que esses trabalhos “refletem o espírito do Japão Meiji, que visava o ‘compromisso’ entre as culturas japonesa e ocidental em geral”21

(HARA, 2003, p. 61), consideramos que esse material fonte utilizado por Puccini já trazia um olhar orientalista, pois a necessidade de harmonizar de maneira ocidental as melodias japonesas acarreta numa tentativa de encaixá-las em um sistema musical “superior” ao nativo das mesmas.

21Nevertheless, Dittrich’s settings of the Japanese melodies in Nippon Gakufu reveal his deep

understanding of Japanese culture and music,and they reflect the spirit of Meiji Japan, which aimed for the “compromise” between Japanese and Western cultures in general.

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Capítulo 3. Japonismo

Devido à restauração do período Meiji (1868 – 1912), o Japão passou a utilizar uma política de abertura para o exterior o que gerou um fluxo grande de exportação de

Ukiyo-ee outras Japonaiserie. O negociante de arte Tadamasa Hayashi (1853-1907) foi o primeiro a viajar para França em 1878 e posteriormente tornou-se diretor da Exposição de 1900. (FUNAYAMA apud PASLER, 1986, p. 274 e 275)22.

A grande aceitação da arte japonesa por parte da Europa e especialmente a França atingiu seu pico na Exposição de 1900 em um fenômeno chamado Japonismo e foi principalmente associado ao grupo Apaches formado por artistas, compositores e poetas como Maurice Ravel e Maurice Delage 23 (FUNAYAMA apud PASLER, 1986, p.273 e 275). Apesar dessa popularidade do Japonismo em diversas manifestações artísticas, a música tradicional japonesa quase nunca foi apresentada na Europa (FUNAYAMA in PASLER, 1986, p. 275 e 276)24.

Mas para Funayama, apesar de compositores como Debussy, Ravel e Satie que presenciaram a Exposição de 1900 conhecessem apenas a música javanesa e pouco ou

22 In the mid-nineteenth century, the Meiji restoration ended the exclusionist policies had prevailed from

the middle of the seventeenth century, and Japan joined the three great international exhibitions that took place in Paris in 1867, 1878, and 1900. After more than two centuries of national isolation, during which only an infinitesimally small number of art objects had been exported in Dutch trading vessels, Ukiyo-e prints and other "Japonaiserie' were taken overseas in large quantities. The art dealer Tadamasa Hayashi (1853-1907), who first traveled to France in 1878, collected and sold literally hundreds oi thousands of Ukiyo-e prints. He later became director of the 1900 exhibition.

23

"Japonisme'' a phenomenon that appeared in France in the latter hall of the nineteenth century, and more directly, his relationship with the "Apaches," a group of Parisian artists, composers, and poets (induding Maurice Ravel and Maurice Delage).

24 Arguably, Japonisme reached its peak m France with the great international exhibition held in Paris in

1900. Ukiyo-e's influence upon Edouard Manet, Claude Monet, and other members of the impressionist school, as well as upon other leading artists such as Van Gogh, Gauguin, and Toulouse-Lautrec, has been studied in detail by Japanese art historians. In contrast, the question of Japonisme in music has been almost completely overlooked. Whereas Japonaiserie in its manifold forms was introduced into Europe on occasions like the three great international exhibitions, Japanese traditional music was almost never performed in Europe.

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quase nada a japonesa, dificilmente não receberam influencias do Japonismo, pois era um fenômeno forte sobre a cultura europeia como um todo na época (FUNAYAMA in PASLER, 1986, p. 276) 25. Esse fato reforça novamente a ideia de que a arte japonesa sempre foi um elemento recorrente na vida de Debussy mesmo que não encontremos relatos que citem a presença do mesmo na Exposição Universal citada.

Jessica Elizabeth Stankis em Maurice Ravel as Miniaturist through the Lens of

Japonisme (2012) utiliza o Color Counterpoint26 (ou “contraponto de cores” em tradução livre) como uma ferramenta de análise metodológica do japonismo e especialmente a relação do Ukiyo-e em Ravel. Seguimos com a definição dessa técnica: Embora a música seja uma forma de arte que se desdobra ao longo do tempo, a exigência auditiva ao ouvir o contraponto de cores de Ravel é análoga a mover os olhos para diferentes caracteres visuais nas impressões em xilogravura para ter uma noção intuitiva do todo sem o auxílio de pontos de fuga claros. Embora semelhante às “variações simultâneas” encontradas no contraponto heterofônico de cores de Debussy em La Mer, o contraponto de cores de Ravel é definido por um maior senso de intensidade e independência das imagens sonoras - assim, um maior sentido de detalhe miniaturista em curtos intervalos de tempo musical (STANKIS, 2012, p. 28).27

Os conceitos acima são aplicados por Stankis na obra Le grillon (figura 14), segunda peça de Histoires naturelles composta em 1906 por Ravel com letra de Jules

25

French musicians who attended the 1900 exhibition, such as Debussy, Satie, Ravel, and Chabrier, were deeply moved upon hearing Indonesian gamelan music, but they had no knowledge whatsoever of Japanese music. However, these musicians could scarcely have remained unaffected by the phenomenon of Japonisme that was exerting such a strong influence upon European culture as a whole at the time.

26 Aqui é estabelecida uma analogia dessa técnica ao klangfarbenmelodie e a técnica de montagem e

colagem. [The idea is somewhat reminiscent of Anton Webern’s pointillistic interpretations of Schoenberg’s Klangfarben principle.Colorcounterpoint is also similar to collage and montage techniques ubiquitous in twentieth-century art (STANKIS, 2012, p. 26)].

27Although music is an art form that unfolds over time, the aural requirement in listening to Ravel’s color

counterpoint is analogous to moving the eyes to different visual characters in the woodblock prints to get an intuitive sense of the whole without the aid of clear vanishing points. While similar to the “simultaneous variants” found in Debussy’s heterophonic counterpoint of colors in La Mer, Ravel’s color counterpoint is defined by a greater sense of intensity and independence of sound images—thus, a greater sense of miniaturist detail in short spans of musical time.

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Renard. Na análise dos oito primeiros compassos a autora considera que o trecho é composto por texturas formadas de pequenos sons e gestos pontilhistas justapostos em camadas simultâneas (STANKIS, 2012, p. 28 e 29).28

Figure 14: Le grillon (compassos 1 a 8)

Fonte: STANKIS, 2012, p. 29.

Os fragmentos marcados no exemplo acima são denominados como “traços sonoros” (sound strokes) em uma analogia a caligrafia japonesa, aonde os kanjis29

são justapostos verticalmente ou horizontalmente. O exemplo citado (figura 14a) é da palavra ongaku (música) formada por on (音 - som) e gaku (楽 - conforto/comodidade):

28 Consider the first eight measures of Ravel’s “Le grillon” (The cricket) from Histoires naturelles de

Jules Renard (1906). The texture is crafted by sound pockets and pointillistic gestures that are juxtaposed and arranged in simultaneous layers—a textural counterpoint related to yet distinct from tonal counterpoint.

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Figura 14a: Maneiras de organizar kanjis

Fonte: editado pelo autor.

Fica evidente uma nova utilização do material sonoro distinto do uso tradicional e apesar de bem refutada, consideramos essa abordagem demasiadamente abstrata, os argumentos acima não possuem nenhum precedente específico na música japonesa e mesmo com todo o fascínio gerado pelo Ukiyo-e, a música foi uma manifestação constituinte desse momento histórico como é visto no relado de Jirohachi Satsuma, que organizou para os Apaches um recital de shamisen com execução Sakichi Kineya. Segue o relato de Satsuma:

Eu imediatamente consultei Ravel e Delage, e decidi dar uma festa de boas-vindas para Sakichi e sua esposa na casa do pianista Gil-Marchex. Sakichi se apresentou em um cobertor vermelho cercado por uma tela dobrável dourada. Ravel e Delage ficaram encantados com a

performance (FUNAYAMA apud PASLER, 1986, p. 278)30.

Portanto para adquirirmos uma real compreensão sobre essa música, consideramos necessário um aprofundamento nos conceitos e elementos que a constituem.

30 I immediately consulted Ravel and Delage and decided to hold a welcome party for Sakichi and his

wife at the home of the pianist, Gil-Marchex. Sakichi performed on a red blanket surrounded by a golden folding screen. Ravel and Delage were enthralled by the performance.

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Capítulo 4 - A música japonesa sob um olhar outsider.

4.1. A Exposição de 1889

O interesse europeu pela Ásia passa a crescer com as Exposições Universais31 que ocorreram em Paris em 1889 e 1900, sendo que a primeira foi a pioneira a fornecer ao público ocidental uma impressão das manifestações culturais não europeias. Os países com a chamada cultura “exótica” foram apresentados quase como “zoológicos humanos” e isto deixa claro como esse mecanismo foi utilizado para reforçar o sentimento de superioridade cultural através de uma percepção ocidental e branca sobre o Outro (YOUNG, 2008, p. 353). Entretanto, no que tange a música, não se pode negar que esta oportunidade, ainda que com um forte viés imperialista, permitiu uma aproximação, talvez não prevista, das experiências e das características musicais do oriente, ou do Outro, com uma população ocidental pouco atenta, por motivos compreensíveis, com esta cultura musical.

Anik Devriès (1977) cita o desinteresse por parte da impressa a respeito da música na exposição:

Os relatos de testemunhas e jornalistas publicados pela imprensa parisiense da época: Le Ménestrel, La Vie Parisienne, Le Figaro, Le

Temps, Les Billets du Matin, Art & Critique fornecem uma imagem

nítida e claro anedótica desta exposição. [...] Os artigos de imprensa, raramente escritos por músicos, se relatam fatos interessantes sobre a organização, os eventos, os programas da exposição, dão somente indicações vagas no nível musical. (DEVRIÈS, 1977, p. 25).

No entanto houve algumas tentativas de registrar os fenômenos musicais da exposição como a de Julien Tiersot, que na obra Musiques pittoresques: Promenades

musicales à l’exposition de 1889 o próprio autor assume os desafios e a imperfeição na

transcrição de tais motivos musicais:

Não tenho o mínimo problema em reconhecer que os motivos acima nos dão uma ideia imperfeita do caráter alegre e ruidoso da música

annamite como ela apareceu nas representações, para a generalidade

dos espectadores. Escritos de cabeça limpa, sob o ditado do músico indígena na doçura de uma bela manhã de junho, levou, assim, um

31 Apesar do pluralismo cultural dessas Exposições Mundiais, o Impressionismo possui relação direta com

o Japão. Devido a esse fato, no presente trabalho será descarta manifestações do Extremo-Oriente ou outras localidades.

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caráter mais calmo; mas, no teatro, essa inundação de notas caindo rapidamente e com um tipo de fúria foi muito evasiva, e duvido que qualquer músico teria sido qualificado o suficiente para anotadas exatamente. Teria exigido pelo menos o fonógrafo! (TIERSOT, 1889, p. 17).

O relato de Tiersot engloba a música russa, norueguesa, espanhola, javanesa, árabe, romena e alguns países africanos. Segue abaixo as impressões do autor sobre uma orquestra de Gamelão:

[...] com exceção de um único instrumento de arco, o rebab, um tipo de violino de duas cordas, com um pescoço longo e muito esguio e um estojo curiosamente trabalhado, todos os instrumentos do gamelang são atingidos por martelos ou tampões: o gambang, uma espécie de xilofone, formado por lâminas de madeira vibrantes; o saron-barong, diferente do anterior em que as chaves são em metal sólido, liga de cobre e estanho, e não em madeira; o bonang-ageng, composto de bacias de metal apoiadas em cordas apertadas, atingido por uma almofada envolta em pano (este parece ser o principal instrumento do gamelang, é pelo menos aquele cujos sons são mais percebidos; forma uma espécie de família, porque se subdivide em dois instrumentos, um grave e outro agudo); depois, gongos de várias espécies e tamanhos, até o maior, todos notáveis, embora às vezes muito sérios, e sintonizados na forma de tímpanos. (TIERSOT, apud DEVRIÈS, 1977, p. 35 e 36).

Houve também a abordagem de Louis Benedictus, que transcreveu para piano algumas dessas músicas no álbum de peças intitulado Les Musiques Bizarres A

L’exposition publicado pela G. Hartmann et Cie. (figura 15). Nesse caderno foi inserido

um desenho da nação citada e em seguida a transcrição da música desse país. Notamos aqui uma proposta de maior cunho artístico do que um registro propriamente musicológico.

É interessante notarmos a presença do Japão apenas em Les Musiques Bizarres A

L’exposition (figura 15a) que infelizmente não traz nenhum relato sobre como ocorreu a

performance nipônica. No entanto em Livre d’or de l’Exposition, verificou-se relatos da participação do Japão na Horticultura, na História da Habitação e uma breve descrição da música. Segue abaixo um desses relatos:

A música japonesa é representada por uma série de instrumentos bizarros que certamente teriam um desempenho ruim na “nona”, como

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os alemães chamam a obra-prima do imortal Beethoven. Apesar disso, eles não são sem charme, embora um pouco "dança do ventre", as melodias do Japão. Um encanto triste, cuja melancolia é aumentada pela repetição das mesmas palavras na música. (HUARD, 1889. p. 615)32.

Figura 15: Capa de Les Musiques Bizarres a L’exposition

Fonte BENEDICTUS, Louis, 1889, p. 78.

32 La musique japonaise est représentée par une série d'instruments bizarres qui, certes, exécuteraient mal

la neuvième, comme disent Ies Allemands pour désigner le chef-d’œuvre de l'immortel Beethoven. Malgré cela, elles ne sont pas sans charme, quoique un peu "danse du ventre", les mélodies du Nippon. Charme triste, dont la mélancolie s'augmente de la répetition des mêmes paroles dans le chant.

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Figura 15a: Index contendo as obras do livro

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4.2. A Exposição de 1900

Em 1900, Paris recebe novamente grupos de artistas do oriente em uma Exposição Mundial. Diante dessa ocasião, Tiersot mais uma vez se debruça no desafio de relatar o ocorrido e demonstra os resultados em Notes d’Ethographie Musicale (1905). Nessa obra, é relatada a música das seguintes localidades: Japão; China e Indochina; Índia; Ásia Central e Armênia e Arábia.

A participação do Japão ocorreu durante toda a Exposição, 15 de abril a 12 de novembro de 1900 e os principais relatos foram de Judith Gautier e Julien Tiersot a respeito do teatro, dança e música.

4.2.1. O teatro e a dança japonesa

O teatro japonês foi representado por Kawakami Sadayakko33o ou Sada Yacco (figura 16) como era conhecida, que adaptou seu espetáculo para o gosto

ocidental pelo exotismo (WRIGHT, 2001, p. 27). Sua passagem pela França causou um impacto nos artistas do simbolismo como Stéphane Mallarmé, que identificou relação nos preceitos dramáticos da artista japonesa e sua própria filosofia estética que foi descrita por Charles Morice como “a suprema celebração e síntese da arte e de todas as artes” (BERG, 1995, p. 375 e 376). A associação feita por Mallarmé é correta, pois no teatro Kabuki34 de Sadayakko ocorre:

a "síntese das artes", uma fusão de texto, cenografia, música e movimento, de uma forma irrealista para produzir seus efeitos. Sinais e símbolos são centrais para o conceito de performance kabuki: flores de cerejeira podem evocar a efemeridade da vida, um leque pode se tornar mar, lua ou montanha, dependendo do contexto da peça (BERG, 1995, p. 376).

Apesar do grande impacto e fama que sua performance causou, tal atitude de adaptação citado acima acaba descaracterizando sua arte em relação a manifestação musical “autêntica” do Japão como afirma Julien Tiersot:

33川上 貞奴 (かわかみさだやっこ). 34 歌舞伎 (かぶき)

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As performances da Sra. Sada Yacco, cujas turnês tiveram tanto sucesso não só na Exposição de Paris, mas no resto da Europa e América, são sem dúvida uma interessante manestação da arte japonesa, mas de uma arte muito moderna: elas não podem nos dar de forma alguma uma idéia do teatro no Japão como era feito até o século XIX(TIERSOT, 1905, p. 23).

Figura 16: Kawakami Sadayakko

Fonte: BERG, 1995, p. 361.

Pelo fato de não ser musicista, Gautier abordou de maneira geral as danças (em especial a atuação de Sadayakko) e as transcrições musicais foram solicitadas a Louis Benedictus que realizou um trabalho semelhante ao de 1889 no qual não houve nenhum detalhamento sobre seus procedimentos. De qualquer maneira, consideramos relevante conhecermos suas impressões sobre a música japonesa:

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Quanto à música que acompanha as danças, tocada no Koto, é muito difícil elogiá-la. A música japonesa precede da música chinesa; mas ela nos parece muito degenerada. Só se ouvem guinchos escassos, vozes estranguladas miando de aflição. No entanto, quando conseguimos notar a melodia, ela parece mais bonita e bem construída do que se acreditava. É que os instrumentos japoneses que o executam são particularmente ingratos: Shamisen, Biwa, Koto e o Kokyū não soam uns melhores dos outros (GAUTIER, 1900, p. 22).

Em tom elogioso, Tiersot relata algumas impressões sobre a dança japonesa: Esta é uma das coisas mais bonitas que mostramos nos shows exóticos que recebemos em Paris. As danças das garotas japonesas da Exposição de 1900 nos deixaram uma impressão de arte fina e delicada que, em um tipo diferente, pode ser colocada em paralelo com a das mulheres javanesas de 1889.

Seus próprios nomes têm uma poesia saborosa e ingênua35. Um é chamado "Salgueiro-chorão" (Diu); outro, pedra preciosa (Tama); então "Primavera" (Arou),. Borboleta (Tio), Aurora, fio de seda "tem Prosperidade, e também" Crisântemo (Kikou) a Madame Crisântemo do romance, talvez! (TIERSOT, 1905, p.7)

4.2.2 A música japonesa

A música é descrita como leve com ritmos vagos e notas fugazes. Os desafios em reconhecer uma forma musical específica foram:

[...] porque o que caracteriza essas formas musicais é que, em vez de serem compostas de motivos curtos e repetidos incessantemente, como é o caso usual de canções populares, elas acontecem de uma ponta à outra, indefinidamente renovada. (TIERSOT, 1905, p. 7 e 8).

Os intrumentos utilizados foram o koto e shamisen e receberam a classificação como da família das cordas pinçadas. De importância capital para essas músicas, o Koto é descrito como um instrumento com um tampo harmônico largo e estreito com treze

35 Provavelmente Gautier e Tiersot não tiveram acesso ao sistema Hepburn (ヘボン式, Hebon-shiki),

sistema de romanização do japonês iniciado em 1867com a publicação do Shūsei Hebon-shiki ( 修正ヘボ ン式) pelo reverendo James Curtis Hepburn Com isso, segue a escrita apenas das palavras que foram traduzidas: salgueiro-chorão 柳 (りゅう); pérola 珠 (たま); primavera 春 (はる); borboleta 蝶(ちょう); crisântemo 菊(きく).

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cordas a partir de um sistema pentatônico de modalidade menor sem semitons36. Toca-se utilizando dedais de marfim chamado Tsume37 para beliscar as cordas. Segue abaixo (figura 17) a afinação descrita por Tiersot em notação ocidental:

Figura 17: Afinação Hirajōshi do Koto

Fonte: TIERSOT, 1905, p. 9.

O shamisen é comparado a um alaúde em seu formato (uma caixa de ressonância estreia de formato triangular38 acoplada em um longo braço que recebe suas cordas) e na forma de tocar. Possui três cordas afinadas em quartas, sendo que a terceira corresponde a mais grave do koto. Consideramos relevante esclarecermos alguns pontos sobre a afinação do shamisen.

Segundo TAMBA (1988, p. 21 a 23), esse instrumento possui três formas de afinar: honchôshi, niagari e sansagari (figura 18)39. Quando ocorre a execução junto ao

koto em hirajôshi, deve afinar o shamisen em honchôshi ou niagari (figura 18a).

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Existem doze formas de afinar o Koto e essa afinação chama-se Hirajōshi ( 平調子 , ひらじょうし) ou “afinação padrão” (TAMBA, 1988, p. 11). Cabe a nós refutarmos tal escrito, pois o próprio exemplo do autor nos mostra uma escala contendo semitons.

37爪 (つめ).

38 Não foi encontrado nenhum relato na literatura especializada de um shamisen triangular, apenas no

formato retangular.

39本調子 (ほんちょうし) ou “afinação base”. 二上がり (にあがり) ou “subir a dois”, pois nessa

afinação altera-se a segunda corda um tom acima em relação a honchôshi. 三下がり(さんさがり ou “baixar a três”. Nesse caso a terceira corda é contraída em um tom abaixo da honchôshi.

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Figura 18: Afinações do shamisen

Fonte: TAMBA, 1988, p. 21.

O shamisen é tocado pressionando as cordas com a mão esquerda através do braço do instrumento e atacadas com um grande plectro triangular chamado bachi40 que

pode ferir golpes ascendentes (com menor ressonância e menos frequência de uso) e descendentes (de maior ressonância e com maior frequência de uso).

Figura 18a: Modos de afinar o shamisen junto ao koto

Fonte: TAMBA, 1988, p. 23.

A interação desses dois intrumentos é feita quase sempre em uníssono ou oitava com cordas duplas gradativamente. Há também a inclusão de cantos descritos como discretos miados e Tiersot atesta que apenas pode notar tais nuances executadas separadamente (TIERSOT, 1905).

As etapas do registro musical ocorreram de três formas: audições na platéia para uma compreensão geral da música; audições nos bastidores para um contato direto com

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