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A igreja católica e a luta pela terra no sertão: história do assentamento Peba, Delmiro Gouveia, Alagoas, 1980-1989

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS CAMPUS DO SERTÃO CURSO DE GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA. Estevão Firmo Soares. A IGREJA CATÓLICA E A LUTA PELA TERRA NO SERTÃO: HISTÓRIA DO ASSENTAMENTO PEBA, DELMIRO GOUVEIA, ALAGOAS, 1980 - 1989. Delmiro Gouveia 2018.

(2) ESTEVÃO FIRMO SOARES. A IGREJA CATÓLICA E A LUTA PELA TERRA NO SERTÃO: HISTÓRIA DO ASSENTAMENTO PEBA, DELMIRO GOUVEIA, ALAGOAS, 1980 - 1989. Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em História da Universidade Federal de Alagoas, Campus do Sertão, como requisito parcial para obtenção do título de Licenciado. Orientador: Dr. Jose Vieira da Cruz Coorientador: Dr. Pedro Abelardo de Santana. Delmiro Gouveia 2018.

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(5) RESUMO No século XX segmentos da Igreja Católica passaram a se contrapor à situação de pobreza na qual se encontrava o povo latino-americano. As consequências das crises econômicas originadas em parte pelo processo colonial, pelos sucessivos golpes de estado, contribuíram para aprofundar as desigualdades entre as classes sociais. Assim, a luta pela reforma agrária no Brasil, em Alagoas e Delmiro Gouveia era mais que urgente. No sertão alagoano a situação não era diferente, o latifúndio era imperioso e sabia tirar proveitos da situação de vulnerabilidade dos habitantes da região na época da ocupação da Fazenda Peba. Somente com organização se poderia consolidar a primeira ocupação de terras alagoanas na década de oitenta, correndo o risco de morte. O pioneirismo de trabalhadores do sertão de Alagoas, organizados pela Igreja Católica, ao realizar uma ocupação é o fato que inaugura a luta pela terra no Estado. No período da ocupação da Fazenda Peba, parta da Igreja Católica progressista subsidiada pela Teologia da Libertação atuou através das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), sindicatos e partidos políticos. Por meio da análise da memória de alguns sujeitos que tiveram participação nos acontecimentos verificou-se conflitos no campo social e com a hierarquia da Instituição Católica. Nesse conjunto de acontecimentos, foi notável o valor da Teologia da Libertação como releitura do homem do campo em busca de sua libertação.. Palavras chave: Teologia da Libertação, terra, reforma agrária, Igreja católica..

(6) ABSTRACT In the twentieth century segments of the Catholic Church began to oppose the situation of poverty in which the Latin American people were. The consequences of the economic crises caused in part by the colonial process, by successive coups, contributed to deepen inequalities among social classes. Thus, the struggle for agrarian reform in Brazil, in Alagoas and Delmiro Gouveia was more than urgent. In the backlands of Alagoas, the situation was no different, the latifundio was imperious and knew how to take advantage of the situation of vulnerability of the inhabitants of the region at the time of the occupation of the Peba Farm. Only with organization could the first land occupation of Alagoas be consolidated in the eighties, at the risk of death. The pioneerism of workers from the backlands of Alagoas, organized by the Catholic Church, when carrying out an occupation is the fact that inaugurates the struggle for land in the state. In the period of occupation of the Peba Farm, part of the Progressive Catholic Church subsidized by Liberation Theology acted through the Ecclesial Base Communities (CEBs), trade unions and political parties. Through the analysis of the memory of some subjects who participated in the events, there were conflicts in the social field and with the hierarchy of the Catholic Institution. In this set of events, the value of Liberation Theology as a rereading of the man of the field in search of his liberation was remarkable.. Key words: Theology of Liberation, land, agrarian reform, Catholic Church..

(7) AGRADECIMENTOS. Agradecer não é uma tarefa fácil para o ser humano, pois, muitas vezes, a palavra não é suficiente para expressar a nossa gratidão. Primeiramente a Deus, pela proteção, saúde e força para superar os momentos difíceis. A família, a minha esposa Kátia Mafra e o meu filho Paulo Estevão, pela compreensão em que muitas vezes tiveram de abdicar os momentos de lazeres. A esta Universidade e o seu corpo docente e técnico, em especial aos meus orientadores, o professor Dr. José Vieira da Cruz, e o professor Dr. Pedro Abelardo de Santana, pelo suporte na correção e incentivo de melhorar cada vez mais este trabalho. A todos que direta e indiretamente fizeram parte da minha formação, meu muito obrigado. Aos padres José Augusto e Luiz Torres, e a freira Lourdes Santana, pela disposição em ceder as entrevistas para referendar este trabalho. E por fim, agradeço a todos os amigos e amigas que estiveram comigo nesta jornada, e em especial o meu amigo de trabalhos е irmão na amizade, Giancard Matos..

(8) DEDICATÓRIA. Dedico este trabalho a todas as lideranças dos movimentos ligado a luta pela o direito do acesso a terra, entre elas podemos destacar o MST, CPT. Toda a equipe da Cáritas Brasileira NE II, em especial a Maria Aparecida Mafra Alves, com quem aprendi a captar as sutilezas e as riquezas do cotidiano dos movimentos sociais. À memória do grande líder do Alto Sertão Alagoano o Senhor Luiz Valério..

(9) Sumário 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 16 2 UMA IGREJA PARA OS POBRES OU OS POBRES PARA UMA IGREJA? ...... 20 2.1 As conferências de Medelín e Puebla ................................................................21 2.1.1 Medelín.........................................................................................................................21 2.1.2 Puebla ..........................................................................................................................23 2.2 Teologia da Libertação .........................................................................................26 2.3 As Comunidades Eclesiais de Base - CEBs no Brasil .....................................34. 3 A IGREJA COMO MEDIADORA DA LUTA POR REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL ................................................................................................................... 40 3.1 A Igreja na luta por reforma agrária no Nordeste .............................................45. 4 MOBILIZAÇÃO DA IGREJA CATÓLICA NA OCUPAÇÃO DA FAZENDA PEBA EM DELMIRO GOUVEIA .............................................................................. 51 4.1 Os motivos da ocupação ......................................................................................56 4.2 Ameaças das forças políticas e latifundiárias....................................................68. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 72 6 REFERÊNCIAS .................................................................................................... 74.

(10) 1 INTRODUÇÃO. Neste trabalho procuramos fazer uma retrospectiva histórica da Igreja Católica e dos segmentos que surgiram na segunda metade do século XX, contrapondo-se a situação de pobreza na cidade e no campo disseminado em todo o Brasil, visando a identificação de uma nova forma de organização destes homens e mulheres invisíveis na sociedade. No sertão alagoano a situação não era diferente, o latifúndio procurou tirar proveitos da situação de vulnerabilidade dos habitantes da região, obrigando o trabalho de mobilização e formação política, bem como a reorganização dos movimentos existentes. O nosso fator motivador é a busca pelo entendimento real dos fenômenos sociais surgidos nesta região entre o ano de 1980 a 1989, período este, que consideramos o ápice de atuação da Igreja no Alto Sertão de Alagoas com a chegada de padres e freiras impactados pela Teologia da Libertação, promovendo o surgimento de processos de mobilização e formação, construídos por eles, visando mudanças, viabilizando, assim, uma abertura para a consolidação de uma sociedade civil organizada interagindo com as políticas públicas e governamentais da atualidade. Leo Huberman (1986), no primeiro capítulo do livro História da Riqueza do Homem, traça um paralelo interessante entre as diferenças sociais da Idade Média com a realidade social do século XX. Demonstra o autor que a sociedade era como continua a ser, dividida em classes, em que alguns lutam, divertem-se ou rezam, enquanto muitos trabalham, gerando condições para que os primeiros não se preocupem com o trabalho. As diferenças de classes desenvolvidas no feudalismo e sedimentadas pelo liberalismo do século XIX são basicamente as mesmas dos dias atuais, nos quais algumas poucas pessoas da sociedade possuem riqueza, enquanto a maioria das pessoas trabalha, gerando riqueza para os primeiros em troca de proteção. Tais diferenças de classes geraram ao longo da história, principalmente em países em desenvolvimento como o Brasil, grandes desigualdades sociais,.

(11) dividindo as pessoas da sociedade, marginalizando aqueles que são considerados pobres. Historicamente, a ocupação do Alto Sertão de Alagoas o transformou em uma região de enormes contradições e injustiças sociais que assumem proporções de calamidades num cenário de desafios dramáticos, quer na política, quer na economia e, em destaque, as questões sociais proporcionadas pelo acúmulo da miséria que é uma expressão das formas históricas de ocupação dos espaços e utilização dos recursos com base na concentração fundiária. Este fenômeno é, portanto, de natureza estrutural, a começar pela má distribuição da propriedade agrária, devido ao regime latifundiário, acrescido da concentração da água, da renda e do poder, culminando com as políticas públicas inapropriadas à região e a má aplicação dos recursos públicos. O Estado dominado por grupos de poder político esqueceu aqueles que deveriam ser o foco principal: os homens e mulheres do campo, que, inseridos em seu espaço, susceptível aos aspectos sociais e naturais locais e as relações construídas ao longo da história. Na seca de 1983, restavam poucas alternativas de sobrevivência, entre elas podemos destacar o trabalho em condições degradantes no corte da cana em usinas na região litorânea do estado promovendo, assim, o fluxo migratório intermunicipal e inter-regional, ficar e tentar trabalho nas chamadas “frentes de serviços” ou “frentes emergências”, apelidada pelos beneficiários como “magnú” ou “pior sem ela”, nos anos de seca, ação esta, desenvolvida com o apoio do Governo Federal via o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas – DNOCS, em parceria com o Estado e Municípios. No ano de 1983, segundo o DNOCS,1 foram alistados nas frentes emergenciais em todo o Nordeste brasileiro, três milhões e cem mil homens e mulheres, pequenos proprietários rurais, agregados, posseiros, meeiros, operários e outros, em toda a região semiárida brasileira recebendo um salário mensal de quinhentos cruzeiros (500,00) mensais para desenvolver diversas ações voltadas para a construção de diversos tipos de armazenamento de água. Ações como estas, porém, eram paliativas. Movimentavam o capital nas. 1. Relatório das Ações do DNOCS do ano de 1883..

(12) pequenas cidades, gerando subemprego, evitando o aumento do fluxo de migração, êxodo rural, as invasões e saques às feiras livres. Por outro lado, o impacto das políticas públicas que ora se esquecem, ora se lembram dessa região conforme os seus próprios interesses contribuíram para uma série de conflitos e manipulações políticas relacionadas à água, as sementes, terra, educação e saúde. O resultado de tudo isso nesta região, nos anos oitenta, é marcado por conflitos que muitas vezes ficaram invisíveis para quem não conhece esse espaço historicamente. Conflitos estes que, em muitas vezes, eram silenciosos, internos, cotidianos, permanentes ou disfarçados em alianças circunstanciais. Destacarei o conflito interno, pois abriga explicações para se entender a própria dinâmica dos/das camponeses/as do Alto Sertão Alagoano. Algumas famílias camponesas inquietas com a desigualdade e conscientes da importância da luta pelos direitos humanos, desencadeiam vários processos de discussões e mobilizações propondo um novo modelo de políticas públicas voltado para a melhoria real da qualidade de vida da população, indo de encontro aos grupos políticos detentores do poder local e regional. O presente trabalho surgiu a partir da nossa inquietação em produzir uma pesquisa pautada na história dos habitantes do Alto Sertão Alagoano, região periodicamente afetada pela “secas” e “cercas”, bem como, os processos de organização e resistências das famílias, e a postura da Igreja Católica em relação às classes sociais e aos processos de organização e mobilização. Procuraremos compreender as formas de mobilização e organização das famílias camponesas do município de Delmiro Gouveia e como se deu a construção da identidade e trajetória política dessas famílias. Partindo dessas premissas, investigamos quais formas de mobilizações e organizações essas famílias camponesas conseguiram desenvolver neste período agudo de exclusão social. Como se deu a construção de uma identidade e a trajetória política trilhada por estas famílias. Quais as ações de empoderamentos sociais foram conquistadas devido às lutas travadas por elas no sertão de Alagoas, e como as instituições de formação popular conseguiram influenciar estas famílias (Romero, 2002)..

(13) O aporte teórico da nossa pesquisa nos obrigou a desenvolver diálogos historiográficos diversos. Por se tratar de um tema aglutinador e para entender como se deu a primeira ocupação de terras no Estado de Alagoas, bem como, o surgimento do primeiro assentamento de reforma agrária, se faz necessária a análise dos movimentos internos da Igreja Católica e o seu posicionamento em relação as suas bases redefinindo as suas funções na nova conjuntura, analisando as relações entre a Igreja e os movimentos sociais. Contribuindo para o surgimento da Teologia da Libertação e Comunidades Eclesiais de Base – CEBs, que se tornam “porta vozes” das classes subalternas no campo ou cidade, visto que, também o seu papel educacional com os explorados na defesa dos seus direitos inalienáveis, entre eles o direito a terra. Visto que os debates em torno das questões agrárias no Alto Sertão de Alagoas também não são diferentes do cenário mundial, eles surgem como um elemento de mudanças em relação à escassez das representações sociais do lugar, as quais, muitas vezes são ignoradas ou até mesmo destruídas. As fontes utilizadas foram: entrevistas, diários, relatórios, folders, comunicados e convocatórias. Todo o trabalho está subdividido em três capítulos. No primeiro capítulo analisamos a Igreja Católica com toda a sua hegemonia, as visões sociais, políticas e culturais na consolidação das diversas lutas sociais. As mudanças ideológicas produzida pelo Concílio Vaticano II, também os documentos produzidos pelos congressos de bispos católicos em Medellín na Colômbia em 1968, e Puebla no México em 1979. No segundo capítulo investigamos o trabalho da Igreja com a disseminação das CEBs, no processo de organização, formação das famílias rurais e urbanas no Nordeste brasileiro, e as ações de direito a sobrevivência e a cidadania. No terceiro capítulo estudamos o primeiro processo de ocupação de terra do Estado de Alagoas realizado por camponeses, ocorrido no município de Delmiro Gouveia, na fazenda Mosquita, e a conjuntura em que este episódio ocorreu, seus participantes e os resultados..

(14) 2 UMA IGREJA PARA OS POBRES OU OS POBRES PARA UMA IGREJA?. Depois da segunda metade do século XX no mundo e, em especial, na América Latina pode-se observar, com maior intensidade, os problemas sociais se agravarem, como fome, desemprego e violência. Isso despertou a atenção de um grupo dentro da Igreja que produziu, a partir de uma leitura social, uma teologia que respondesse a estes problemas, organizando os católicos para a luta social. Foi com esse objetivo que surgiu a Teologia da Libertação. Uma Igreja complexa e heterogênea como a Católica, com as suas múltiplas visões social, política e cultural, e com vários segmentos internos, a começar pelas centenas de congregações religiosas que seguem um carisma de um fundador, as correntes teológicas que se enfrentam, na qual o espiritual perpassa como com uma transversalidade, essa suas múltiplas têm se tornado uma fonte de estudo para historiadores a fim de entender o surgimento e consolidação das diversas lutas sociais. Não se pode compreender esta mudança de ideologia sem estudar os documentos produzidos pelo Concílio Vaticano II, também os documentos produzidos pelos congressos de bispos católicos em Medelín, na Colômbia, em 1968 e Puebla, no México, em 1979. São os antecedentes históricos mais importantes, sem eles não há como entender porque apareceu um movimento teológico tão contundente como o da Teologia da Libertação. Foi neste contexto em que a Igreja descobriu um vasto campo de atuação. Cidade e campo estavam sufocados pelos diversos problemas como marginalização, questões religiosas, até questões agrárias. Surgindo assim, uma teologia diferenciada denominada de Teologia da Libertação. Bispos, padres, freiras e frades utilizando-se da filosofia em uma perspectiva crítica social e na teologia diferenciada e contextualizada, se dispuseram a disseminar a Teologia da Libertação, como era chamada pelos seus idealizadores Gustavo Gutiérrez, Leonardo Boff, Clodovis Boff, frei Beto, Enrique Dussel e Hugo Assmam..

(15) 2.1 As conferências de Medelín e Puebla 2.1.1 Medelín O Concílio Vaticano II foi um marco na história da Igreja no século XX. Uma instituição considerada esclerosada começava a dar sinais de abertura ao mundo moderno naquilo que ficou conhecido como aggiornamento da Igreja. O Concílio deu um novo significado a liturgia sobre a relação da Igreja com o mundo através de documentos que foram considerados, no meio secular, como bastante progressistas, entre eles, podemos citar a Constituição Pastoral Gaudium et Spes, 1965: Mas não faltam motivos de inquietação. Não poucos homens, com efeito, sobretudo nos países economicamente desenvolvidos, parecem dominados pela realidade econômica; toda a sua vida está penetrada por um certo espírito economístico tanto nas nações favoráveis à economia coletiva como nas outras. No preciso momento em que o progresso da vida econômica permite mitigar as desigualdades sociais, se for dirigido e organizado de modo racional e humano, vemo-lo muitas vezes levar ao agravamento das mesmas desigualdades e até em algumas partes a uma regressão dos socialmente débeis e ao desprezo dos pobres. Enquanto multidões imensas carecem ainda do estritamente necessário, alguns, mesmo nas regiões menos desenvolvidas, vivem na opulência e na dissipação. Coexistem o luxo e a miséria. Enquanto um pequeno número dispõe dum grande poder de decisão, muitos estão quase inteiramente privados da possibilidade de agir por própria iniciativa e responsabilidade, e vivem e trabalham em condições indignas da pessoa humana (PAPA PAULO VI, GAUDIUM ET SPES, 1965, p. 39).. Com o fim do Concílio Vaticano II, em 1968, foi convocada a II Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano – CGELA, em Medelin, Colômbia. Mas, o texto que daí surgiu não teve grande repercussão ou força teológica para se impor perante a cúria em Roma, pois a Teologia da Libertação estava ainda em fase embrionária. A II CGELA tinha a intenção de ser o interprete dos documentos do Concílio Vaticano II para a América Latina. O título sugerido para o encontro refletia essa necessidade: A Igreja na atual transformação da América Latina à luz do Concílio. O discurso dos bispos progressistas era de que Medelín é o Concílio Vaticano II interpretado e traduzido para a América Latina. O documento produzido em Medellín e amplamente divulgado estava amparado.

(16) no documento mais importante da Igreja em séculos. Durante o II CGELA, os teólogos mais progressistas e identificados com as interpretações que dominaram o Concílio Vaticano II fizeram a pergunta que o segmento conservador queria dar a resposta, mas nunca deram. Como ser cristão num continente de empobrecido? A resposta a essa pergunta veio na Teoria da Dependência. Refutando a ideia de que a pobreza no continente não era uma questão de seu desenvolvimento interno apenas, e que seria superada junto com o avanço do capitalismo, mas que as causas pertenciam a uma condição capitalista global em suas estruturas imperialistas. Assim, como estavam dentro de uma realidade que queriam atuar, na prática, os teólogos da libertação optaram pelo método da Ação Católica, o Ver-Julgar-Agir, que partia da realidade para julgá-la aos olhos da fé e atuar nela a partir desse julgamento. Esse método é até hoje empregado em todas as campanhas da fraternidade da CNBB no Brasil. Os documentos produzidos em Medellín não traziam um quadro definitivo que sustentasse a Teologia da Libertação de modo mais direto, mesmo assim, o documento foi interpretado como útil pela maioria do clero presente. Era rico em cartilhas e folhetos, além dos cursos, debates e palestras que visavam discutir a realidade da Igreja no continente. Com a produção desses materiais, foi possível impor uma leitura à esquerda do documento produzido em Medellín. Frei Betto em Puebla no México, em 1979, esclarece: Acho que teremos mais material de apoio do que em Medellín. Desta reunião na Colômbia, apoiávamos apenas em dois textos entre os dezesseis e em algumas frases. O importante, agora, é não ficar preocupado em analisar os textos em si mesmos, mas referi-los à prática da pastoral popular. (BETTO, 1979, p. 110). O que importou para os teólogos da libertação foi a interpretação feita em Medellín dos documentos produzidos. Os teólogos da libertação e as CEBs começam a ganhar projeção com o avanço do clero progressista. Os padres do movimento já estavam convencidos da necessidade de uma nova interpretação fora da teologia oficial. Isso aconteceu na prática em todo o continente com a produção de uma cristologia não descendente do céu, como habitualmente se.

(17) fazia, mas ascendente identificando Jesus com o homem e suas lutas sociais. A cristologia oficial é denominada de “doutrina e Cristo” e a principal obra de Jesus é a salvação dos homens. Outros aspectos do ministério de Jesus são secundários, isso é, resultado de um afunilamento da cristologia somente a partir dos escritos paulinos para quem as ações sociais de Jesus não interessam, muito menos o Jesus histórico, somente o Cristo cósmico como apresentado na teologia descrito por Rohden:. Paulo tem sido acusado de ter introduzido no cristianismo um Cristo diferente do Jesus dos evangelhos. De fato, ele fala mais do Cristo Rei imortal dos séculos” do que do Jesus, o carpinteiro de Nazaré, que ele não viu em carne. Ele se gloria de ser apóstolo, não do Jesus carnal, mas do cristo imortal, que lhe apareceu, às portas de Damasco e o transformou totalmente. (ROHDEN, 1993 p. 69). Uma teologia que ousa sair do espaço do sagrado nunca será bem vista por quem detém o poder. Tal esforço teológico incidirá inevitavelmente sobre as estruturas dominantes da sociedade, neste caso, para contestá-la. Não foi por acaso que, em 1971, a comissão da ditadura militar no Brasil que tinha diálogo aberto com os bispos conservadores como o cardeal Dom Eugênio Sales, do Rio de Janeiro, propôs um documento contra Medellín que fosse entregue nas paróquias aos fiéis. Mesmo sendo conservadores, esses bispos que lutaram em Medellín contra os clérigos centristas e de esquerda dentro da Igreja, não aceitaram: “Esse extraordinário documento revelava como os bispos centristas do Celam estavam reagindo às críticas dos bispos conservadoras contra Medellín, tentando controlar em silêncio seu impacto dentro da Igreja. Eles faziam propaganda das conclusões críticas de Medellín sobre dependência, subdesenvolvimento e violações dos direitos humanos. Porém, também buscavam moderar o clero progressista e os objetivos radicais de Medellín, ao defender uma abordagem pastoral mais tradicional, uma abordagem de cima para baixo para moldar a mudança social na América Latina” (SERBIN, 2001, p. 259). 2.1.2 Puebla A conferência dos bispos latino-americanos em Puebla, no México, seria a confirmação de que a Igreja Católica no continente tomaria novos rumos.

(18) pastorais. Para frei Betto (1979), essa conferência foi realizada um ano após a eleição do cardeal polonês Karol Józef Wojtyla, o João Paulo II. Cardeal e agora papa com grande experiência com o Partido Comunista Polonês com quem teve muitos problemas e divergências. Ele foi eleito com o objetivo de dialogar com a “cortina de ferro” na Europa e incentivar movimentos nacionais contra regimes comunistas. Foi um papa que viajou muito ao longo do seu pontificado, e sua primeira viagem foi a Puebla para a conferência dos bispos latinos para acompanhar a III Conferência Geral do Episcopado Latino Americano fazendo uma verdadeira cruzada contra a Teologia Liberal européia, o comunismo e a Teologia da Libertação. João Paulo II queria um documento que refletisse a doutrina social da Igreja, que para ele respondia de modo mais equilibrado do que a Teologia da Libertação às demandas do homem na América Latina. Mesmo diante de sua presença não foi isso que aconteceu: O documento de Puebla não é um tratado de teologia, isto é, um discurso sistemático e metódico sobre a compreensão da fé. Não é um documento de natureza jurídica, destinado a traçar uma conduta obrigatória e devida. Trata-se de um documento pastoral, que pretende ser fonte de inspiração para a caminhada da Igreja em nosso continente. Abre pistas, ilumina, denuncia e anuncia, e, sobretudo, incita à criatividade, ao prosseguimento. E justamente aqui que se encontra a sua força e autoridade. Ainda mais: dentro de suas limitações e preocupação com a ortodoxia, reflete, no seu todo, dez anos de prática de uma Igreja que se definiu pela libertação dos pobres (DOCUMENTO DE PUEBLA, 1979, p. 49,). Segundo frei Beto (1979), foi em Puebla no ano de 1979 que ocorreu o primeiro debate público entre o clero progressista e o clero conservador dentro da Igreja. Os progressistas contavam na ocasião com os documentos de Medellín e com muitos teólogos adeptos ao movimento, bem embasados e de grande prestígio social por seus trabalhos junto às comunidades eclesiais de base e pastorais. Para frei Beto (1979), João Paulo II tratou de interferir diretamente na conferência proibindo que os teólogos ligados aos bispos participassem fazendo assessoria aos prelados. Queria isolar os bispos dos grupos peritos em teologia ligados Cúria. Os bispos ficaram somente com a memória, pois perderam uma grande quantidade de pesquisas e reflexões que compunham o.

(19) quadro. das. manifestações. teológicas. das. conferências. episcopais. e. diocesanas:. Muitos teólogos progressistas foram secretamente a Puebla e se hospedaram em uma casa e realizaram discussões e redigiram contribuições que eram entregues aos bispos à noite ou de modo sorrateiro durante o evento. Em 10 de fevereiro, Trujillo flagrou o cardeal Arns sendo orientado por Leonardo Boff e Jon Sobrino (curiosamente dois teólogos posteriormente condenados pelo Vaticano), pediu a saída dos teólogos e mandou reforçar a segurança do evento, proibindo inclusive que qualquer documento fosse passado para dentro do evento por qualquer pessoa (BETTO, 1979, p. 110).. João Paulo II como papa tinha muita influência para mudar os rumos da conferência. Na conferência declarou: A teologia da Libertação não é uma verdadeira teologia. Ela deturpa o verdadeiro sentido do evangelho. Conduz os que se deram a Deus para longe do papel verdadeiro que a Igreja lhes atribuiu. Quando começam a utilizar meios políticos, deixam de ser teólogos. Se é um programa social, então é matéria para a Sociologia. Se se refere à salvação do homem, então é eterna teologia, que tem dois mil anos de idade (BERNSTEIN, POLITI, 1996, p.207).. Foi um recado direto aos bispos presentes, que já estavam, a partir disso, acusados de se desviarem da caminhada da Igreja de dois mil anos. Os bispos conservadores deram logo a notícia à imprensa sobre a condenação da Teologia da Libertação pelo papa. Eles trabalhavam nos bastidores para garantir um final favorável à Roma. O cardeal Baggio, então Presidente da Congregação para a América disse: É uma interpretação „redutiva‟ de Medellín. Nesta reunião foram elaborados documentos sobre dezesseis temas, mas parece que a atenção de muitos só se fixou nos textos sobre Justiça e Paz. Pretendeu-se que Medellín tivesse centrado seu interesse apenas nesses pontos conflitivos. E houve exagerada deformação de Medellín, como se quisesse levar a Igreja a certos métodos de violência e de luta. Só uma leitura parcial, tendenciosa de Medellín, pode levar a isso (BETTO, 1979, p. 67).

(20) Conforme frei Beto (1979), a Conferência de Puebla demarcou os lados conservador e progressista, mas ainda existiam os bispos de centro, a maioria. Esse evento deixou marcas profundas na Igreja, que agora via de modo claro uma profunda divisão. Os bispos moderados, a maioria, apesar da absorção e concordância com os documentos que exigiam uma mudança eclesial continuaram a se mover de acordo com as circunstâncias que melhor respondessem a suas necessidades pastorais. Mesmo com a intervenção da Cúria romana foi possível a produção de um texto considerado progressista, sobretudo na afirmação da “opção preferencial pelos pobres”, como explica frei Betto (1979), que passou a nortear todas as ações pastorais no continente. Era a afirmação de uma Igreja comprometida com a libertação histórica dos oprimidos na América Latina, refletida em sua prática e discursos com o objetivo de destruir as estruturas sócio históricas vigentes e instaurar uma sociedade sem classes, que, se traduzia nessa linguagem, como a instauração do Reino de Deus na Terra. A Conferência de Medellín foi um fato novo na história da Igreja no continente, produziu um documento crítico da realidade social que serviu de base para a Teologia da Libertação se desenvolver, contudo, não houve recuo do bloco conservador que preferiu optar pela doutrina social da Igreja. Em Puebla, os conservadores e progressistas publicamente delimitaram seus espaços e campos de ação, a diferença é que nessa conferência os conservadores contam com forte apoio do papa João Paulo II. Mesmo assim, o documento produzido foi considerado progressista e preocupado com os destinos do homem no continente, o que desencadeou uma reação mais dura do Vaticano que, nos anos oitenta, lança uma campanha sistemática contra a Teologia da Libertação, a partir de três vertentes: controle do governo na Igreja, controle dos “representantes” de Deus e controle das ideias.. 2.2 Teologia da Libertação. Quando refletimos sobre a Igreja Católica no campo das ciências sociais, a imagem que nos foi legada é de uma instituição obscurantista, inimiga. dos. progressos. da. ciência,. profundamente. dogmática. e. de.

(21) incapacidade da abertura para o diferente humano que pensa de modo diverso. É uma imagem verdadeira, mas, ao mesmo tempo, não podemos ignorar os movimentos internos de contestação que sempre exigiram uma retomada da ética presente no evangelho como os movimentos reformadores europeus. O movimento dos teólogos da libertação é um tipo de fenômeno desafiador, possui aquilo que eles denominaram de tom profético, que não se compromete com as estruturas identificadas como dominadoras da sociedade e responsáveis diretas pela miséria do povo, aprisionado em condição de pobreza absoluta. Eles foram buscar na literatura profética hebraica essa característica. O cristão comprometido com a libertação deve se comportar como os profetas do Antigo Testamento que não se calavam diante das injustiças sociais e denunciavam até mesmo a religião. Textos presentes no Antigo Testamento eram lidos e trazidos a discussão como parte do livro do profeta Amós (4:1): “Ouvi esta palavra vós, vacas de Basã, que estais no monte de Samaria, que oprimis aos pobres, que esmagais os necessitados, que dizeis a vossos senhores: Dai cá, e bebamos”.2 Conforme Gonzáles (1983), a Igreja Católica é uma instituição universal, a maior igreja cristã do mundo e o único império duas vezes milenar ainda de “pé” no planeta. A Igreja sempre teve um comportamento rígido em relação à teologia e a doutrina. Até o papa Paulo VI os vigários de Cristo quase não deixavam o vaticano. Depois de Lutero e dos movimentos reformados que se consolidaram na Europa, ao longo dos anos, a Igreja Católica vivia tranquila com relação aos seus movimentos intelectuais internos. Pode-se dizer que a Igreja estava com pelo menos quatrocentos anos sem debates teológicos de grande importância. Para Teixeira (2014), o surgimento da Teologia da Libertação se deu em 1968, com o teólogo peruano Gustavo Gutiérrez, que apresenta o primeiro esboço acerca desta orientação teológica. Esboço este que foi publicado no ano de 1969 intitulado de: Hacia una teología de la liberacíon, e muda esse panorama. A Congregação para Doutrina da Fé (Santo Ofício), relegada aos livros de história será despertada e equipada com o que havia de melhor na Cúria em Roma (peritos em teologia ortodoxa, filosofia e história da Igreja). O. 2. Bíblia Pastoral. São Paulo: Paulus, 2013..

(22) chefe desse grupo é o cardeal Ratzinger, que veio a ser eleito o papa Bento XVI. Doutor em dogmática, considerado o teólogo ortodoxo mais preparado, no momento, para estabelecer os limites do pensamento teológico e fazer com que toda ciência teológica produzida seja obrigada a expressar a doutrina da Igreja. Segundo Betto (1979), o cardeal Ratzinger conseguiu isso fechando seminários e cursos de Teologia da Libertação em toda América Latina. A Congregação para Doutrina da Fé teve apenas que esperar as lideranças do movimento falecer e formar, aos poucos, o novo clero continental na lógica teológica da Cúria. A grande pergunta do período era: O que é teologia? Qual a função do padre? Do teólogo? Pelo que devem optar? Uma das afirmações mais combatidas pela Igreja no período foi feita pelo teólogo Leonardo Boff.. A teologia da libertação e do cativeiro, tal como se articula na América Latina, não quer ser uma teologia de compartimentos e de genitivos como a teologia do pecado, da revolução, da secularização, da vida religiosa, isto é, um ti tema entre outros da teologia. Quer apresentar-se, ao contrário, como uma maneira global de articular praxisticamente na Igreja a tarefa da inteligência da fé. (BOFF, 2014, p. 29). Uma afirmação que nega a teologia do pecado e por consequência a doutrina da salvação (soteriologia) foi entendida como uma não expressão da teologia no sentido estrito da palavra. Leonardo Boff deixa clara sua opção. Não está preocupado com a doutrina, nem vai expressá-la. O teólogo esclarece seu entendimento que não partirá do dogma histórico, mas da vida humana para sua reflexão teológica não ortodoxa mais ortoprática (teórica e prática). A Congregação para Doutrina da Fé vai inquirir em tempo oportuno Leonardo Boff, querendo saber basicamente três coisas, depois de ler as obras mais polêmicas dele. A origem de onde está partindo sua teologia, metodologia utilizada e qual o fim dessa teologia. Em 1984, o então cardeal e presidente da Congregação para Doutrina da Fé, Ratzinger, em seu documento Eu vos explico o que é a teologia da libertação, escreveu: Para um teólogo que tenha aprendido a sua teologia na tradição clássica e que tenha aceitado a sua vocação espiritual, é difícil imaginar que seriamente se possa esvaziar a realidade.

(23) global do Cristianismo em um esquema de práxis sócio-político de libertação. A coisa é, entretanto, mais difícil, já que os teólogos da libertação continuam a usar grande parte da linguagem ascética e dogmática da Igreja em clave nova, de tal modo que aqueles que lêem e que escutam partindo de outra visão, podem ter a impressão de reencontrar o patrimônio antigo com o acréscimo apenas de algumas afirmações um pouco estranhas, mas que, unidos a tanta 10religiosidade, não poderiam ser tão perigosas (RATZINGER, 2010). Estava definida a compreensão que o magistério ordinário da Igreja tinha da Teologia da Libertação. Uma teologia desvirtuada das verdades da fé histórica de Nicéia,3 que precisava ser enfrentada com rigor e destruída por seu forte comprometimento ideológico marxista, o que era encarado como um perigo para a fé católica histórica de mais de dois mil anos. A Teologia da Libertação não é simplesmente uma invenção de teólogos da Igreja na América Latina. Ela é fruto de outras caminhadas e tentativas históricas de se produzir teologia sem os limites do magistério ordinário da Igreja. Ela tem influência do evangelho social das igrejas norte-americanas, trazido ao Brasil pelo teólogo Richard Shaull, a teologia da esperança do teólogo protestante Jurgen Moltmann e a teologia a antropo-política que tinha como teóricos: o católico Baptist Metz, na Europa, e o batista Havery Cox, nos Estados Unidos. A novidade teórica da Teologia da Libertação é a introdução do marxismo como “chave hermenêutica” para se entender a Bíblia que passou a ser lida toda em perspectiva de libertação através da luta de classes. Segundo Augustus Nicodemus (1989), a Igreja Católica tinha grande preocupação com os regimes comunistas ateus. Enquanto duraram ela nunca reconheceu a Teologia da Libertação como parte integrante da teologia oficial da Igreja. Era embaraçosa uma teologia de viés marxista integrar o pensamento teológico da Igreja porque também fundamentava os estados oficialmente ateus. Somente quando a “cortina de ferro” caiu na Europa a possibilidade de dialogar com a Teologia da Libertação passou a ser uma realidade. Com a queda do muro de Berlim, a fragmentação da Rússia e o fim do socialismo real na Europa, as teologias que de alguma forma estavam associadas ao marxismo caíram em descrédito.. 3. Concílio realizado pelo imperador romano Constantino no ano 325..

(24) Em sua obra mais polêmica, Igreja carisma e poder (1994), Boff explica: A Teologia da Libertação é composta por quatro fases: a preparação, coleta do material que será seu referencial teórico, sua formulação, metodologia, sistematização como caminho teológico válido e, por último, a revisão da teologia até aqui apresentada pela tradição do cristianismo histórico. Esta última fase era um projeto ousado porque colocará a Igreja também sob suspeita de não ser um agente que deseja a construção do reino de Deus na terra, entendido como o fim das classes sociais. A Igreja deverá ser constatada como elemento social de opressão, ser denunciada e chamada a conversão. Isso, de fato, foi colocado em prática em vários países da América Latina, inclusive o Brasil:. A Igreja se aproxima das classes dominantes que controlam o Estado e organiza suas obras a partir dos interesses das classes dominantes: assim, os colégios, as universidades, os partidos cristãos, etc. Evidentemente trata-se de uma visão do poder do sagrado articulado com o poder civil. A Igreja dá sua interpretação a este pacto: ela quer servir o povo e a as grandes maiorias pobres; estes são carentes, não tem meios de instrução, participação. Para ajudá-los a Igreja se aproxima daqueles que efetivamente tem condições de ajudar, que são as classes abastadas. Educa-lhes os filhos para que imbuídos de espírito cristão, libertem os pobres. Nesta estratégia se criou uma vasta rede de obras assistenciais. A igreja aparece como uma Igreja para pobres e não tanto com os pobres e dos pobres. (BOFF, 1994, p.23,). A Igreja como sociedade é uma monarquia, ainda em moldes medievais, e não permitiria ser relativizada. A reação foi imediata contra todos os teólogos da libertação que foram reduzidos ao silêncio obsequioso, proibidos de lecionar nos seminários e de publicar livros. A Igreja se considera fundada pelo próprio Cristo e com uma missão especifica de guiar o mundo até Deus. Como um empreendimento desse porte, idealizado por Jesus, segundo a tradição, poderia ser chamada a conversão? Os teólogos punidos insistiam na posição de que a Igreja fazia parte da “engrenagem do sistema” e que somente se arrependendo dos seus pecados praticados no continente com a permissão da escravização dos negros e fazendo passar a instituição, ou seja, a Igreja deixar de existir como estado, ela seria capaz de ser aceita pela ética evangélica. A Igreja não aceitou e partiu.

(25) para reação no campo prático. Em parecer final da Congregação para Doutrina da Fé, Joseph Ratzinger colocou no index – índice de livros proibidos - o livro Igreja, carisma e poder, de Leonardo Boff. Disse o cardeal:. Ao tornar público o que acima ficou exposto, a congregação sente na obrigação de declarar, outrossim, que as opções aqui analisadas de frei Leonardo Boff são de tal natureza que põe em perigo a sã Doutrina da fé, que esta congregação tem como dever de promover e tutelar. (JOSEPH RTAZINGER, 1985). O teólogo Gustavo Gutiérrez, um dos palestrantes do concílio, já estava convencido de que o caminho tomado pela teologia na América Latina até aquele. momento. não. mais. respondia. aos. problemas. do. homem. contemporâneo no continente. Como estudioso ele sabia da relação que a filosofia sempre teve com a teologia ao longo da história, seja se utilizando dela para fundamentar e explicar suas crenças como a da trindade, que se utiliza do conceito de substância de Aristóteles para elaborar a expressão “Jesus consubstancial ao Pai”, válida até hoje, ou refutando-a quando contraria as suas afirmações. Então, se utiliza mais uma vez da filosofia para fazer teologia. Por meio de uma ação cultural o homem oprimido percebe e modifica sua relação com o mundo e com os outros homens. Passa deste modo de uma consciência ingênua a uma consciência crítica. O oprimido extrojeta a consciência opressora que nele habita, adquire conhecimento de sua situação, encontra sua própria linguagem, menos dependente, mais livre, comprometendo-se na transformação da sociedade. (GUTIÉRREZ, 1968 p. 27). Ao se ler os escritos da Teologia da Libertação é perceptível que o movimento não somente absorveu as ideias do Concílio Vaticano II, como o reinterpretou. Produziram uma teologia que se posicionou ao lado dos excluídos, a fim de conhecer suas necessidades. Passando pelo evangelho, podemos constatar que ele se encontrava com os doentes para curá-los, com os endemoninhados, os cegos, os coxos, os paralíticos, os aleijados, enfim, com todos aqueles que sofriam com alguma forma de opressão. A finalidade de Jesus ao estar com as pessoas que carregavam na sua história a marca da opressão era de libertá-los de seus sofrimentos. Jesus decidiu assim fazer uma opção preferencial pelos pobres partindo de sua.

(26) realidade social concreta de miséria e injustiça. O mesmo deveria ser feito na América Latina e Caribe. Assim, as ações de Jesus passam a ser lidas e interpretadas através de mediações hermenêuticas e ele passa a ser visto como militante em defesa dos pobres, que exige uma ressignificação para a fé cristã na América Latina. Na obra Jesus Cristo libertador, Leonardo Boff esclarece a questão: Viver a fé em Jesus Cristo libertador supõe um compromisso com a libertação histórica dos oprimidos. A partir de um compromisso (lugar social) se procura dar relevância a todas as dimensões libertadoras presentes no ministério de Jesus Cristo. Enfatiza-se a prática libertadora do Jesus Histórico, pois como filho encarnado proclamou uma determinada mensagem e se comportou de tal forma que tinha como efeito a produção de uma atmosfera alvissareira para todo o povo. Estes conteúdos fundam o segmento dos cristãos em contexto de dominação que deve ser superada por um processo de libertação. (BOFF, 1980, p. 15). Definindo sua metodologia e assumindo os riscos que podiam resultar, a Teologia da Libertação cresceu e se espalhou por toda a América Latina. Não somente dentro da Igreja Católica, mas também vários teólogos luteranos, metodistas e anglicanos passaram a acreditar que a única saída para o problema social num continente cristão, era a Teologia da Libertação como reflexão crítica sobre a prática. Como a teologia é algo ligado à Igreja (s), seu discurso gozaria de credibilidade e, de fato, foi o que aconteceu durante os anos que se seguiram até a queda dos regimes comunistas na Europa. Os teólogos protestantes no Brasil e na América Latina aderiram sim a Teologia da Libertação. Uma fonte literária não temos. Como exemplo prático, temos o antigo ITER – Instituto de Teologia do Recife que era ecumênico, com vários professores protestantes como o padre Claudio Satory, ortodoxo russo, e Milton Shwantes, pastor Luterano. Segundo o livro da arquidiocese de São Paulo Brasil Nunca Mais, 1985, no Brasil, a Teologia da Libertação teve grande força a partir da década de setenta e serviu como a voz da Igreja contra o regime militar instaurado em 1964. Neste cenário, os teólogos da libertação tinham o campo perfeito para desenvolver sua práxis eclesial, porque estavam sob um regime ditatorial e ao lado de um povo pobre e sem as condições mínimas de sobrevivência. Era.

(27) função da teologia mostrar o caminho a seguir e o único possível era libertar-se do julgo opressor militar que impunha uma situação econômica burguesa e capitalista. Com um olhar numa perspectiva a partir dos pobres os padres e teólogos da libertação fizeram o enfrentamento contra o regime militar. As vozes se multiplicaram pelo país em defesa da vida e contra a ideia falsa de manutenção da segurança nacional, que, em nome dela tudo era permitido. Os maiores expoentes contra a ditadura no Brasil, no seio da Igreja Católica, foram Dom Helder Câmara e Dom Aloísio Lorscheider. Eles tinham uma vantagem em relação aos padres, faziam parte do alto clero católico como bispos, o que dificultava para a ditadura tentar algo contra eles. Sempre defenderam os ideais do Vaticano II, como o presente na Constituição pastoral do Concílio vaticano II, Gaudium et Spes: Nunca o gênero humano teve ao seu dispor tão grande abundância de riquezas, possibilidades e poderio económico; e, no entanto, uma imensa parte dos habitantes da terra é atormentada pela fome e pela miséria, e inúmeros são ainda os analfabetos. Nunca os homens tiveram um tão vivo sentido da liberdade como hoje, em que surgem novas formas de servidão social e psicológica. Ao mesmo tempo que o mundo experimenta intensamente a própria unidade e a interdependência mútua dos seus membros na solidariedade necessária, ei-lo gravemente dilacerado por forças antagónicas; persistem ainda, com efeito, agudos conflitos políticos, sociais, económicos, «raciais» e ideológicos, nem está eliminado o perigo duma guerra que tudo subverta. Aumenta o intercâmbio das ideias; mas as próprias palavras com que se exprimem conceitos da maior importância assumem sentidos muito diferentes segundo as diversas ideologias. Finalmente, procura-se com todo o empenho uma ordem temporal mais perfeita, mas sem que a acompanhe um progresso espiritual proporcionado. (PAPA PAULO VI, GAUDIUM ET SPES, p. 68). Para frei Betto (1979), o papa João Paulo II foi convencido pelos teólogos da Cúria a também interpretar o concilio. O que na verdade aconteceu no Concilio Vaticano II, foi que os conservadores não estavam preparados e organizados para enfrentar os teólogos progressistas que conseguiram encaminhar no Concílio suas ideias. Não por acaso, os documentos produzidos sempre foram muito reivindicados pelos teólogos da libertação, como a prova de que aquilo que eles estavam produzindo na América Latina estava em sintonia com o pensamento da Igreja em Roma. Mas, João Paulo II não.

(28) acreditou e, com toda sua experiência com o Partido Comunista Polonês, se apegou a uma parte do discurso do papa João XXIII, feito na abertura do Concilio, e reduziu tudo o que foi produzido a este trecho. Disse o papa João XXIII, em 1962:. O que mais importa ao Concílio Ecumênico é o seguinte: que o depósito sagrado da doutrina cristã seja guardado e ensinado de forma mais eficaz. Essa doutrina abarca o homem inteiro, composto de alma e corpo, e a nós, peregrinos nesta terra, manda-nos tender para a pátria celeste. (MATEI, 2011 p 15). Convencido de que a Teologia da Libertação era um perigo, João Paulo II procurou como estratégia enfraquecer os documentos do Concílio Vaticano II e supervalorizou o catecismo como Doutrina e o Direito Canônico como norma. Foram os livros mais divulgados e estudados em seu pontificado que durou 28 anos. Isso encarcerou a Teologia da Libertação que agora via seu discurso comprometido e acusado de desvio de doutrina. Isso atingiu em cheio a maior expressão da Teologia da Libertação no Brasil, as Comunidades Eclesiais de Base.. 2.3 As Comunidades Eclesiais de Base - CEBs no Brasil As Comunidades Eclesiais de Base – CEBs foram grandes motivadoras dos católicos no Brasil para a luta política. Muitos destes fieis se tornaram militantes de referência em vários movimentos sociais no Brasil. A ideia de conscientização, democratização e organização sãos até hojes elementos fundamentais para todos os agentes de pastoral católica que ainda acreditam na TDL – Teologia da Libertação e nesse modelo comunitário como o único possível a nossa realidade eclesial. São cristãos com forte ação social em contextos diversos no país, católicos com ideias de libertação do modelo atual econômico e social. Conforme Lanza (2001), a Igreja Católica é sem dúvida alguma, uma das instituições mais importantes do Brasil. Durante seus mais de quinhentos anos de estadia nestas terras, ela deu contribuição no campo da educação e cultura, deixando marcas profundas. É elemento determinista na cosmovisão do povo brasileiro ainda muito católico. Mas, durante séculos nunca ousou.

(29) duvidar ou contestar a ordem social estamental desde o Brasil Império. Com a Teologia da Libertação em nossas terras esse panorama vai se modificando. Principalmente com as CEBs – maior expressão da ação concreta da Teologia da Libertação no Brasil. Essas comunidades são muito importantes porque foram elas as responsáveis e pioneiras no país, pela construção de uma pedagogia política que formou muitas pessoas que passaram a ser agente multiplicadores de ideias de libertação socioeconômica no continente. As CEBs foi um movimento que, assumindo a Teologia da Libertação, fez frente a própria Igreja Católica no Brasil. Como movimento pós concilio, acredita que se faz necessária uma nova leitura dos textos bíblicos fazendo uma mediação hermenêutica com a realidade. Para isso, usou a tipologia Bíblica Social, por exemplo, ao lerem os textos da saída do povo hebreu para o Egito, não se apegavam a glória das ações do Deus de Israel presentes ao texto, mas trazem o texto para os dias atuais tentando identificar, no momento atual, comportamentos de líderes do povo semelhantes aos de faraó. Segundo Burdick (1998): Contrariamente à Igreja pré-conciliar, a ortodoxia pós-Vaticano II declara que Deus não sente necessidade de testar o amor de Seus Filhos, nem de exigir que se provem pela via crucis. Os católicos pós-conciliares, portanto, seguem um passo adiante da relutância pré-conciliar em falar do mau olhado, e de questionar sua realidade. Na visão pré-conciliar, pessoas malévolas manipulam as forças do mal e pessoas fracas sucumbem a elas; para o católico pós-conciliar, Deus não permite que tais forças testem Seus filhos. (BURDICK, 1998, p. 36).. Assim, os leigos e padres pós-conciliares não aceitam a submissão como resposta a Deus diante das injustiças sociais, vivem o evangelho como exigência de justiça como o ponto de partida da implantação do Reino de Deus dito por Jesus. Nesse sentido: Os teólogos da libertação argumentam que as profecias tanto do Velho quanto do Novo Testamento prometem um Reino no qual a humanidade viverá em paz, igualdade e justiça, e, como profetizado no Apocalipse, que este Reino será realizado não no céu, mas na Terra. Além disso, como Deus usou Moisés para libertar Seu povo, assim também Ele estabelecerá Seu Reino com a assistência da ação humana. Esta é a razão pela qual os liberacionistas declaram que cabe à Humanidade a iniciativa de lutar por este Reino. (BURDICK, 1998, p.11)..

(30) Esse comportamento dos leigos e padres na América Latina é fruto dos documentos do Concílio Vaticano II que foram interpretados pela Conferência Episcopal de Medellín (1968), na qual a Igreja no continente definiu sua opção preferencial pelos pobres, a partir de uma teologia que pudesse responder aos enfrentamentos proporcionados pelo sistema capitalista aqui implantado. A conferência teve como tema: A presença da Igreja na Atual Transformação da América Latina. Essa conferência abriu uma discussão sobre a necessidade de um novo modelo de catolicismo que agora deveria se preocupar com os problemas sócio-políticos e, ao mesmo tempo, legitimar uma nova forma de organização social dentro do capitalismo. Concílio Vaticano II: uma história nunca escrita de Matei (1986): Dar de comer ou de beber é em nossos dias um ato político: significa a transformação de uma sociedade estruturada em benefício de poucos que se apropriam da mais-valia do trabalho dos demais. Transformação que deve ir então até a mudança radical do embasamento dessa sociedade: a propriedade dos meios de produção. (MATEI, 2011, p.144). Segundo frei Betto (1983), no Brasil, as CEBs são fundadas na década de 1960, com o objetivo claro de organizar as comunidades católicas onde não existisse ministro ordenado, o padre, e acabaram por se tornar ao longo do processo um lugar de estudos, debates e conscientização dos cristãos para o enfretamento dos graves problemas sociais e eclesiais no país. Assim, seria inevitável que as comunidades eclesiais de base se aproximassem dos movimentos sociais em todo o país, o que de fato ocorreu. Acabou também por ser a maior expressão do período que ficou conhecido como a igreja dos pobres. Em seus quadros passou a ter leigos, religiosos, padres, bispos e teólogos que a difundiam através da Teologia da Libertação. Entre as muitas situações em que as CEBs organizaram para a construção de uma variedade de lutas por justiça social no Brasil, incentivando a formação de líderes políticos de esquerda, destacamos o chamamento dos seus fiéis católicos e protestantes para a luta política, essas lideranças desenvolveram organizações em comunidades, sindicatos e associações. Para frei Betto (1983), as CEBs não negam seu conteúdo ideológico bem definido com uma pedagogia de libertação das estruturas econômicas..

(31) Inevitavelmente, esse modelo de igreja tende a assumir uma proposta cada vez mais racionalizada e politizada se aprofundando cada vez mais nos dilemas sociais do povo. Um fator importante é que essa preocupação social e guiada pelos ritos católicos que tem lugar fundamental nessa caminhada, mais os símbolos comunitários que são reinterpretados como lembranças que devem ser sempre levadas à prática libertadora. Em sua expansão, as CEBs chegaram no sertão de Alagoas, mais precisamente no ano de 1980, através da vinda para Delmiro Gouveia do padre José Augusto e das irmãs missionárias franciscanas de Santo Antônio. Delmiro Gouveia como toda cidade encravada no sertão nordestino, tinha à época característica clientelista do ponto de vista político e aglomerado de bolsões de miséria. Como relata o Pe. José Augusto: “Eu cheguei a Delmiro no dia 08 de junho de 1980, [...] Naquele momento em que eu cheguei a Delmiro Gouveia, nós nos interessamos em agrupar reunir as comunidades, então a Pedra Velha e o Ponto Chic, sobretudo a Pedra Velha, houve uma adesão imediata e nós começamos a nos organizar como comunidade na fé e nasceu ali já tinha a devoção a santo Antônio e nasceu a comunidade de Santo Antônio na Pedra Velha, ali eu conheci diversos agricultores que trabalhavam a terra, mas não possuíam terra, eles trabalhavam ali por perto, o Peba é muito próximo da Pedra Velha e eles (ocupavam) arrendavam essa terra ao seu Miguel Guandu e eram muitas famílias que estavam nessa posição depois nasceu com a chegada das irmãs , chegou um grupo de irmãs franciscanas de santo Antônio e foram morar na Pedra Velha, então a chegada das irmãs suscitou uma consciência maior naquela comunidade e dali gerou-se esse passo, chegou a notícia de que seria vendida a propriedade de seu Miguel e aquelas famílias se perguntavam e nós como vai ser? Nós que tiramos o nosso sustento dali o que vamos fazer?” (Entrevista 1 - Padre José Augusto S. Mello, 2014).. Antes de 1980, a Igreja Católica local era profundamente conservadora e deu inclusive integral apoio ao golpe militar de 1964. Seu pároco, à época, monsenhor Fernando Soares Vieira, não aceitava as formulações do Concílio Vaticano II que, para ele, eram não somente estranhas, mas distantes da compreensão de igreja que ele tinha. Era uma Igreja que mantinha o pacto com as elites. Alagoas tem sua história ligada a capitania hereditária de Pernambuco que resultou em.

(32) latifúndios e monocultura da cana que perdura até os dias atuais. As famílias poderosas dessa época chegaram até nossos dias com enorme poderio econômico e político. Diferente de Olinda e Recife, a Igreja Católica alagoana não teve forte referencial no campo episcopal, os bispos daqui, na época, não eram adeptos da Teologia da Libertação e optaram sempre pelos documentos mais rígidos do Concilio Vaticano II. Entendiam Medellín e Puebla como uma cisão que precisava ser sanada pela força doutrinária da Cúria Romana. Invocavam o catecismo e o direito canônico como as fontes que deveriam nortear a vida da Igreja Católica no estado. A Igreja aqui tem comportamento descrito pelo CELAM (2005): A religião cristã serviu e ainda serve da ideologia justificadora da dominação dos poderosos. O cristianismo tem sido na América Latina uma religião funcional ao sistema. Seus ritos, templos e obras contribuíram para canalizar a insatisfação popular para um além totalmente desconhecido do mundo presente pelo qual o cristianismo tem freado o protesto ante um sistema injusto e opressor. (CELAM, 2005 p. 36).. O quadro eclesial no sertão alagoano começa a mudar com a chegada de padres, frades e feiras das diversas ordens religiosas que assumiam a opção preferencial pelos pobres e seguiam a Teologia da Libertação e as diretrizes de Medelín e Puebla. A prática pastoral sofre uma virada. Deixa o pacto com os donos do poder e as famílias tradicionais latifundiárias e passa a exigir conversão dos ricos e organização dos pobres para a luta, Reino de Deus, entendido aqui nessa linguagem religiosa. Era a mistura de fé e ação política seguindo à risca o que disse o teólogo Gustavo Gutierrez: Fé e ação política só entram em relação correta e fecunda mediante o projeto de criação do novo tipo de homem numa sociedade diferente mediante a utopia... [A] utopia, longe de fazer do lutador político um sonhador, radicaliza-lhe o compromisso e ajuda-o para que sua obra não lhe atraiçoe o propósito, a vontade de alcançar um encontro real entre os homens no seio de uma sociedade livre e sem desigualdades sociais (Gutierrez,2000, p.79).. Entre 1980 e 1988, as CEBs tiveram papel decisivo na construção de consciência crítica da realidade local, nas reuniões eram debatidas as questões urbanas urgentes como a desnutrição e mortalidade infantil e, no campo, a.

(33) condição da agricultura familiar e o latifúndio. Questões que foram enfrentadas aqui com uma prática pastoral efetiva. Conforme a freira Lourdes relata:. Bom quando nós chegamos em Delmiro Gouveia no ano de 1986 existia já uma comunidade religiosa lá, existia todo um trabalho organizativo da igreja, e a situação das famílias as quais a gente se dirigia eram famílias bastantes pobres, muitas abaixo da pobreza né? Uma pobreza muito extrema mesmo, doía no coração da gente, a gente perceber a miséria pelas quais as nossas famílias passavam, e eu particularmente com mais 3 irmãs, morei na periferia da cidade de Delmiro Gouveia, chamada Pedra Velha, lá as famílias eram, na sua maioria agricultores, trabalhavam em terras arrendadas dos fazendeiros, isso era um costume não só na cidade de Delmiro Gouveia mas em toda região ali do sertão né? (Entrevista 2 Lourdes Santana, 2016).. Os grupos da região do Alto Sertão alagoano compreendiam as cidades de Delmiro Gouveia, Água Branca, Pariconha, Olho D‟água do Casado, Piranhas, Inhapi, Canapi e Mata Grande. Todas as cidades na época da chegada das CEBs tinham estrutura social muito semelhante, eram dominadas politicamente por clãs familiares e com uma estrutura fundiária concentrada nas mãos dos ricos. Delmiro Gouveia se sobressaia por ter, além dessas características, a classe operária funcionária no período da Multifabril Mercantil. As CEBs no sertão alagoano tinham o laboratório prático para o seu discurso traduzido nos pobres que precisavam ser organizados para irem à luta. A década de oitenta foi de muitas lutas por conquistas urbanas e rurais, o que deixou a região sob suspeita da sede episcopal, que nunca deu uma palavra de apoio, mais pelo menos também não falou contra a inserção cristã nas lutas sociais..

(34) 3 A IGREJA COMO MEDIADORA DA LUTA POR REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL. A Igreja Católica no Brasil, no final da década de 1970, dará uma virada em seu comportamento eclesial. Se faz presente em grande parte das lutas sociais por causa de situações que ocorreram em que as contradições e conflitos chegarão no interior dela. Assim, deixará de apenas se preocupar com o espiritual do rebanho e passa a organizar o povo para as lutas sociais nas cidades e no campo. Além dos prelados brasileiros assumirem as diretrizes do Concílio Vaticano II, ainda servirá de inspiração as conhecidas lutas de Canudos e Contestado, nas quais são perceptíveis que o viés religioso messiânico foi fundamental como pano de fundo ideológico para a construção e manutenção dessas comunidades de luta por justiça social. Villa esclarece:. Canudos foi o grande momento da história nordestina do final do século XIX e significou a negação radical de uma sociedade marcada pelo racionalismo cientificista, pelo mandonismo e pela lógica do capital, acabando por se transformar em uma das maiores referências da História do Brasil. (VILLA, 1995, p.244-245). Segundo Lowy (1991), na década de 1950, a Igreja no Brasil já reconhecia sua impotência diante dos dilemas do trabalho urbano. Sem uma teologia que a fizesse responder com precisão aos trabalhadores ela havia perdido espaço de luta e poder de articulação e mobilização nos grandes centros. Preocupada também em não perder sua influência sobre o campesinato, em setembro de 1950, a Igreja Católica publicou seu primeiro documento sobre a questão agrária brasileira. Esse documento foi produzido por Dom Inocêncio Engelke, bispo de Campanha - Minas Gerais, e apresentado na Primeira Semana Ruralista. O documento fazia uma forte provocação ao afirmar que a Igreja já havia perdido os operários e não poderia perder também os camponeses. Também descrevia a situação de pobreza a que os camponeses estavam submetidos e convocava a Igreja para a liderança de um grande movimento na.

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