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Transferir para modernizar: os feirantes e as relações capitalistas no alto sertão de Alagoas - Delmiro Gouveia (1980-1990)

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS CAMPUS SERTÃO LICENCIATURA EM HISTÓRIA. CARLA JANINE VIEIRA DE SOUZA. TRANSFERIR PARA MODERNIZAR: OS FEIRANTES E AS RELAÇÕES CAPITALISTAS NO ALTO SERTÃO DE ALAGOAS - DELMIRO GOUVEIA (19801990). DELMIRO GOUVEIA 2017.

(2) CARLA JANINE VIEIRA DE SOUZA. TRANSFERIR PARA MODERNIZAR: OS FEIRANTES E AS RELAÇÕES CAPITALISTAS NO ALTO SERTÃO DE ALAGOAS - DELMIRO GOUVEIA (1980/1990) Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Licenciada em História pela Universidade Federal de Alagoas – Campus do Sertão. Orientador: Prof. Dr. Aruã Silva de Lima. DELMIRO GOUVEIA 2017.

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(5) A todas as pessoas especiais em minha vida. Aos familiares e amigos..

(6) AGRADECIMENTOS Antes de começar a agradecer àqueles que estiveram presentes direta e indiretamente em meu processo de formação tanto profissional como pessoal; de construção do saber, dando-me suporte e todo apoio do qual precisava, gostaria de externar alguns sentimentos. Ao longo desses anos pude vivenciar inúmeras coisas que fizeram de mim uma mulher mais forte. Os problemas e crises por alguns momentos me fizeram fraquejar, confesso. Ocasiões difíceis tiveram que ser superados para que pudesse continuar, sobretudo, no início da graduação, e um pouco agora já perto de finalizar, e que apesar de ter deixado marcas em meu ser, não fizeram com que minha força diminuísse e me entregasse ao caos que habita em mim e que às vezes me faz pensar coisas as quais não vale a pena mencionar. Resisti e resisto. No final das contas tudo me fortaleceu. Pessoas que eu jamais imaginaria encontrar e fazer minha vida mais especial, me proporcionando muitas alegrias e me fazendo entender ainda mais que os laços que se firmam nos fazem melhores e, acima de tudo, por me fazer acreditar a cada dia que é possível e que não devemos nunca deixar de lutar por nossos sonhos, por uma vida mais digna, feliz e por um mundo melhor. Pessoas que com todo seu carinho e amor me fizeram acreditar e continuar. Aqui estou, depois de “trancos e barrancos”, encerrando mais um ciclo para que outro comece. Agradeço especialmente e imensamente a minha mãe pelos momentos em que me fez acreditar que era possível; pelas noites a minha espera, pela paciência, pelas palavras de incentivo e por todo amor que tem por mim. Sem ela eu nada seria! É por ela, é por nós. Ao meu pai por todo apoio e amor (do jeito dele (rs) que tens por mim e, apesar dos nossos desencontros em alguns momentos, de muitas discussões, eu sei que ele sempre acreditou e acredita em mim. Sou imensamente grata por tudo que fez. Aos meus irmãos e cunhado. Aos meus sobrinhos “terroristas” que por vezes me tiraram do sério quando tentava me concentrar nos estudos. A eles, todo o meu amor e carinho. Aos melhores amigos: Elielma, minha amiga-irmã mamãe do Aruanzinho que tenho um imenso amor e orgulho. És uma mulher extraordinária que tem todo o meu respeito e admiração. Vivemos momentos intensamente e que serão para sempre lembrados (a menos que eu sofra futuramente de Alzheimer!). José Brito, meu amigo-irmão “vinhado” que também amo de paixão e que fora de extrema importância nesse período me auxiliando de.

(7) diversas maneiras, me dando força e todo seu carinho para que eu pudesse chegar até aqui. Sem falar nos sermões e puxões de orelha em momentos oportunos. Obrigada! À pequena e forte Joe (Joyce) pela amizade e por estar sempre por perto me fazendo questionar sobre assuntos relacionados à pesquisa e também à vida. Nossa proximidade se deu na ocupação que ocorreu na Universidade e foi uma das melhores coisas que aconteceu. Tateenha (Tatiane Soares), a amiga gótica suave que conheci na ocupação e que descobri ser uma mulher de uma sensibilidade sem igual. És um ser lindo e iluminado e tenho certeza que sempre poderei contar e que tens também todo o meu apoio. Os melhores conselhos amorosos são os nossos rsrs! Grata! Maele a mulher dos alimentos saudáveis; mulher forte e batalhadora, Maerla, Douglas, Mara, Rômulo, Carla Alves e Mayk Oliveira “serumaninhos” incríveis que tem toda minha estima. Cada um com sua particularidade que os fazem especiais. Obrigada pelos momentos de descontração, de companheirismo e muitas risadas. Sucesso para todos nós! Sara, a “doida” dos signos rs! Você é linda, tem coração grande. Você cativa a todos ao seu redor. Obrigada pelas previsões astrológicas que divertiram meus dias. Meu muito obrigado a Cléberton Barboza pela ajuda com as informações do IBGE e a Clécio pelas conversas informais acerca da história da cidade e por disponibilizar alguns documentos. Marcão não poderia deixar de mencionar você, figura ímpar em minha vida. Conhecemonos no ensino médio e desde então se tornou especial para mim. Que bom que nos encontramos novamente para compartilharmos novos e bons momentos. Força e Sucesso, você não vai ser jubilado rs! Ao casal que amo: Su (pedagoga linda) e Lucas (conhecido por seus alunos como professor super choque em alusão a um super herói negro). Vocês são pessoas incríveis, ternos e que faz meus dias mais leves. É difícil expressar em palavras todo o carinho que também sinto por vocês. Vocês são lindos e emanam amor, tanto que não coube em vocês e se transformou em outra vida. Tenho certeza que serão os melhores pais para Sofia! Toda felicidade do mundo para vocês. A melhor turma de História; aos “boicoteiros rebeldes” que tive a honra de fazer parte, onde compartilhamos saberes e bons e proveitosos momentos. Gratidão: Elielma, Da Paz, Íris, Bárbara, Emicelania, Ryclesia, Juliana, Talita, Marília, Rosmane, Fabiana, Efigênio, Emanoell, Rinaldo, Rodrigo, Pedro, Leoneide, Ricardo, Eliane, Max e Anderson, com.

(8) participação especial do João Victor. Não poderia deixar de citar as meninas e os meninos da Copa. Obrigada pela empatia, pelo apoio. Sentirei saudades de Big e Lú, o casal da Xerox. Bigode, Rafael e as meninas da lanchonete e os seguranças, principalmente a figura do Nilton. Saudades também do seu Antônio que há algum tempo deixou de trabalhar na Universidade. Espero voltar em breve. A caminhada está apenas começando! Aos meus professores do curso de História da Ufal Sertão que tornaram possível esse momento e que por vezes não mediram esforços para fazer o melhor por nós; mas não todos! Aos entrevistados, em especial os feirantes da cidade que contribuíram com a pesquisa. À Larissa Penelu pela disponibilização da sua dissertação de mestrado, que fora de extrema importância para o meu trabalho. Quero deixar clara a importância que para mim teve o movimento “Ocupa Ufal – Campus do Sertão”, organização da qual fiz parte e reuniu estudantes de vários cursos em luta pelos direitos estudantis e dos trabalhadores. Foi um grande aprendizado estar com todos que acreditam que um mundo melhor é, sim, possível de conseguir. Avante! Aruã Silva de Lima, talvez eu não consiga expressar em palavras o sentimento de gratidão, respeito e admiração que tenho por você, admiração essa que ultrapassa a questão profissional. Acredito que um abraço diria muito mais do que qualquer palavra escrita neste papel. Obrigada pela paciência e ternura que tem me tratado nesses anos de Ufal. Obrigada por compreender minhas falhas e me dar força em momentos que pareciam que tudo ia desabar sob meus ombros; pelas palavras de conforto em momentos de crises. Você aguentou muito drama nesses anos, como suportou? rs! Sempre falando para acreditar mais em mim, no meu potencial para assim alçar voos mais altos, e eu sempre tão negativa, pessimista, com medos que chegam até mesmo ser absurdos e que precisam ainda ser superados. Os obstáculos que a vida nos apresenta a todo o momento são capazes de nos ensinar a viver nesse mundo e não precisamos temê-los tanto. Me falou e fala sempre que as vezes as saídas são fora da caixinha, que há um universo de possibilidades para se lutar, que é possível e basta tentar. Gratidão! Agradeço imensamente a banca por aceitar o convite. Enfim, disse tudo isso acima, mas, na verdade, eu queria mesmo agradecer a mim mesma pelo esforço, dedicação e paciência, apesar de quase ter enlouquecido no período de construção deste trabalho que fora extremamente cansativo e que me fez por vezes gastar.

(9) minhas lágrimas a ponto de ficar desidratada em posição fetal e me perguntando o porquê de tudo isso. Vida que segue! Oremos! “Quem gostou, bate palma. Quem não gostou? Paciência” (BARRACO, Tati Quebra. 2016)..

(10) Procissão Dos Retirantes (Pedro Munhoz / Martim Cesar) Terra Brasilis, continente, Pátria mãe da minha gente Hoje eu quero perguntar Se tão grandes são teus braços, por que negas um espaço aos que querem ter um lar? Eu não consigo entender Que nesta imensa nação Ainda é matar ou morrer Por um pedaço de chão Lavradores nas estradas Vendo a terra abandonada sem ninguém para plantar Entre cercas e alambrados, vão milhões de condenados a morrer ou mendigar Eu não consigo entender Achar a clara razão de quem só vive pra ter E ainda se diz bom cristão No eldorado do Pará Nome índio carajás, o massacre aconteceu Nesta terra de chacinas essas balas assassinas todos sabem de onde vêm É preciso que a justiça e a igualdade sejam mais que palavras de ocasião É preciso um novo tempo em que não seja só promessa repartir até o pão A hora é essa de fazer a divisão Eu não consigo entender Que em vez de herdar um quinhão teu povo mereça ter só sete palmos de chão Nova leva de imigrantes Procissão dos retirantes Só a terra em cada olhar Brasileiros, vão com nós Vão gritando, mas sem voz Norte a sul não tem lugar Eu não consigo entender que nessa imensa nação ainda é matar ou morrer por um pedaço de chão […].

(11) RESUMO Apresentamos, no estudo a seguir, um trabalho sobre a transferência da feira livre de Delmiro Gouveia-AL em fins da década de 80 e início de 90, analisando como se deu a intervenção no comércio de alimentos da cidade. Ao analisarmos essas mudanças, verificamos também as consequências para os trabalhadores que abasteciam a cidade com seus gêneros alimentícios e demais produtos. Portanto, ao averiguar o processo de transferência, destacamos duas possibilidades (que parecem similares, mas que são contadas por diferentes sujeitos) que podem ter causado a retirada da feira livre da região central da cidade. Uma se refere a um projeto da CHESF (Companhia Hidrelétrica do São Francisco) que trata da construção da Usina Hidrelétrica de Xingó no baixo São Francisco, que possivelmente interferiu nas decisões do poder público em retirar daquele lugar a feira. A outra hipótese se refere mesmo ao processo de desenvolvimento da cidade, bem como no aumento gradativo do trânsito que, com a presença da feira livre naquela região, dificultava o mesmo e também a vida dos transeuntes. Para isso, utilizamos como metodologia a pesquisa bibliográfica e a História Oral. Algumas imagens também foram utilizadas para auxiliar no entendimento do passado desta cidade, nos permitindo compreender que a transferência da feira livre fora um processo que resultou em aspectos positivos para os feirantes, pois estes passaram a desfrutar de um espaço mais amplo para a época e com melhor organização para o comércio. Palavras-chave: Feira Livre, Transferência, Feirantes..

(12) RESUMEN En el presente estudio se analiza un trabajo sobre la transferencia de la feria libre de la ciudad de Delmiro Gouveia-AL a fines de la década de los 80 y principios del 90, analizando cómo ocorrió la intervención en el comercio de alimentos de la ciudad. Al analizar estos cambios, verificamos también las consecuencias para los trabajadores que abastecían a la ciudad con sus productos alimenticios y demás productos. Por lo tanto, al averiguar el proceso de transferencia, destacamos dos posibilidades (que parecen similares, pero que son contadas por diferentes sujetos) que pueden haber causado la retirada de la feria libre de la región central de la ciudad. Una se refiere a un proyecto de la CHESF (Compañía Hidroeléctrica del San Francisco) que trata de la construcción de la Usina Hidroeléctrica de Xingó en el bajo San Francisco, que posiblemente interfirió en las decisiones del poder público en retirar de aquel lugar a la feria. La otra hipótesis se refiere incluso al proceso de desarrollo de la ciudad, así como en el aumento gradual del tránsito que, con la presencia de la feria libre en aquella región, dificultaba el mismo y también la vida de los transeúntes. Para ello, utilizamos como metodología la investigación bibliográfica y la Historia Oral. Algunas imágenes también fueron utilizadas para auxiliar en el entendimiento del pasado de esta ciudad, permitiendo comprender que la transferencia de la feria libre fuera un proceso que resultó en aspectos positivos para los feriantes, pues éstos pasaron a disfrutar de un espacio más amplio para la época y con mejor organización para el comercio. Palabras-clave: Feria Libre, Transferencia, Feirantes..

(13) SUMÁRIO. CAPÍTULO I. INTRODUÇÃO……………………………………………………………13 CAPÍTULO II. RELAÇÕES CAPITALISTAS E IMPACTOS NA CULTURA DE CLASSE DOS TRABALHADORES …………………………………….. 18 2.1. CULTURA COSTUMEIRA VERSUS NOVA ECONOMIA POLÍTICA…………………………………………………………………….. 18 2.1.1. A CULTURA DOS TRABALHADORES E A ÓTICA CAPITALISTA: NORMATIZAÇÕES DO TRABALHO E O AVANÇO DO CAPITALISMO INDUSTRIAL INGLÊS……………………………………. …………………………………..25 2.2. CERCAMENTOS DOS CAMPOS E DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO AGRÁRIO INGLÊS NA PERSPECTIVA DE RAYMOND WILLIAMS…………………. 29 CAPÍTULO III. POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO PARA O NORDESTE: A INTERVENÇÃO DO ESTADO PARA INTEGRALIZAR O TERRITÓRIO NA DINÂMICA DE REPRODUÇÃO DO CAPITAL ………………………………. 38 3.1. A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA REGIÃO NORDESTE: SUDENE…………….45 3.1.2. ANÁLISE DA INTERVENÇÃO DO ESTADO NO NORDESTE SOB O SIGNO DO DEPARTAMENTO NACIONAL DE OBRAS CONTRA AS SECAS (DNOCS) ………………………. 48 3.1.3. FORMAÇÃO ECONÔMICA BRASILEIRA, DISPARIDADES REGIONAIS E AS PROPOSTAS DA SUDENE PARA INDUSTRIALIZAR O TERRITÓRIO……………………………………………………………………….53 3.1.4. A QUESTÃO REGIONAL: AS SECAS NA REGIÃO NORDESTE, O PROBLEMA AGRÍCOLA E A IMPLANTAÇÃO DA POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO PARA O NORDESTE…………………………………………………………………………57 CAPÍTULO IV. FEIRA LIVRE: UM ESTUDO A PARTIR DA TRANSFERÊNCIA DO MERCADO DE ALIMENTOS EM DELMIRO GOUVEIA (1980 – 1990) …………………………………………………………………………………………63 4.1. HISTÓRICO SOBRE O MUNICÍPIO DE DELMIRO GOUVEIA ………………………………………………………………………………………….67 4.2. BREVE TÓPICO SOBRE A FEIRA LIVRE E O PROCESSO DA DISCIPLINA DO TRABALHO…………………………………………………………………………...74 4.3. A IMPORTÂNCIA DA FEIRA LIVRE DE DELMIRO PARA OS TRABALHADORES FEIRANTES……………………………………………………………………………75 4.4. AS MUDANÇAS COM A TRANSFERÊNCIA DA FEIRA LIVRE E O IMPACTO DAS MODIFICAÇÕES PARA OS FEIRANTES………………………………………………………………………..... 79.

(14) CONSIDERAÇÕES FINAIS ………………………………………………………..85 REFERÊNCIAS ……………………………………………………………………. 87 ANEXOS ……………………………………………………………………………..91.

(15) CAPÍTULO I INTRODUÇÃO. Quando surgiu a ideia de trabalhar com o tema da feira livre, lembrei-me de algumas histórias contadas por minha mãe de quando a feira se situava no atual centro de Delmiro Gouveia por volta das décadas de 80 e 90 aproximadamente. Uma delas é a de que meu avô paterno havia trabalhado como vendedor na antiga feira da cidade. Ele possuía um barraco onde vendia suas mercadorias em dia de feira. Outra lembrança se trata de uma pequena experiência pessoal. A partir de então, comecei minhas leituras e indagações acerca deste trabalho. João Vitor de Souza (velhinho barrigudo que não abria mão de usar seu chapéu preto de feltro), agricultor, morador de uma pequena cidade alagoana chamada Cacimbinhas, após deixar as terras onde havia passado parte do tempo plantando e colhendo nessa mesma região, passou a trabalhar como marchante ainda nessa cidade do interior alagoano. Quando se mudou para Delmiro Gouveia continuou com a profissão. Pouco tempo depois se aposentou e como já não aguentava o trabalho pesado, abandonou o posto e montou seu barraco de taipa na antiga feira livre da cidade no final da década de 80, onde vendia tortas, bolos, doces, fumo, cachaça. Seu barraco localizava-se próximo do que hoje é a Galeria Bezerra, loja de móveis e eletrodomésticos. Ele dividia o espaço com inúmeros outros barraqueiros e feirantes. Quando aconteceu a transferência da feira livre todos os barraqueiros foram também realocados para uma região próxima do novo pátio da feira livre e do novo mercado público municipal, porém, meu avô não os acompanhou, preferindo abandonar o trabalho. Lembro-me também das vezes que acompanhava minha mãe na feira livre da cidade, feira esta que já havia sido transferida há alguns anos. Era criança na época, mas adorava quando ela decidia me levar. Muitas dessas idas era para vender frutas que colhíamos no nosso próprio quintal, principalmente as acerolas, tínhamos muitas, mas levávamos em pouca quantidade. Entretanto, minha alegria em poder ir para aquela feira era para ver os pintinhos coloridos que lá vendiam. Ficava fascinada com aquilo. Como poderiam existir pintinhos coloridos? O ápice da felicidade era quando minha mãe podia comprar alguns. Ganhava o dia! A partir dessas lembranças passadas e da curiosidade em saber a história da feira da.

(16) cidade, bem como na busca para entender o que levou sua transferência e os impactos para os trabalhadores com essas mudanças, comecei a tecer algumas ideias e a colocar em prática a escrita da história da feira livre a partir da metodologia da história oral e da pesquisa bibliográfica. Importante salientar que a história que temos sobre a cidade é a história do seu próprio fundador, história essa que privilegia apenas o homem, Delmiro Augusto da Cruz Gouveia, como “herói” do Sertão, contando as experiências vividas por este homem no alto sertão de Alagoas, destacando principalmente seus feitos. Sendo assim, há uma necessidade em conhecer; em dar voz/visibilidade aos sujeitos e/ou grupos que se encontram à margem na historiografia. Este trabalho, como já dito, trata da feira livre de Delmiro Gouveia e tem como problemática a transferência da feira livre e suas consequências para os feirantes. O objetivo é compreender como se deu a intervenção no mercado de alimentos da cidade em fins da década de 80 e início de 90 aproximadamente, averiguando as possíveis causas para essa mudança de localidade da feira que há muitos anos existia no centro da cidade, e entender de que maneira isso interferiu na vida dos vendedores e vendedoras em Delmiro Gouveia. Autores como E. P. Thompson, Raymond Williams, Celso Furtado, Francisco de Oliveira, Telma de Barros Correia, Verena Alberti e Dilton Maynard foram fundamentais para dar suporte à pesquisa, para analisarmos os contextos e relacioná-los a essa realidade. Inicialmente a proposta era além de trabalhar com a pesquisa bibliográfica e a história oral, analisar também fontes documentais como atas de reuniões na câmara municipal da cidade referente a transferência da feira livre de Delmiro Gouveia no período entre 1980 a 1995 aproximadamente; processos, requerimentos, indicações, debates entre outros documentos que pudessem de alguma maneira contribuir com o trabalho. Importante ressaltar que não foi possível o acesso aos arquivos da Câmara. Depois de inúmeras viagens a Câmara Municipal da cidade, de conversas e explicações acerca do trabalho de pesquisa, o responsável pelo setor financeiro solicitou-me uma lista com o que eu precisaria para dar andamento a pesquisa. Feito isto, o mesmo disponibilizou apenas alguns documentos (duas indicações e um requerimento, as atas das sessões e um projeto de lei de 1983) além do Plano Diretor de 2006, o Código de Posturas da cidade de 2005. Os primeiros não dizem exatamente o que procuramos saber, mas são importantes, e os últimos não serão relevantes no momento para o que se pretende neste trabalho..

(17) Ao ser questionado sobre possíveis projetos de leis; sobre qualquer tipo de informação que tratasse da feira entre 80 e 90, ou discussões na câmara a respeito da transferência, o responsável pelo setor afirmou que toda a questão da feira livre fora resolvido “de boca”,isto é, com conversas informais, disse não existir nada de projeto, lei ou qualquer outro tipo de processo que se refira a transferência da feira da cidade. Ele chegou a afirmar ainda que na época a cidade não possuía nem Câmara Municipal. Por isso, não foi possível saber por esses meios a justificativa para essa mudança da feira livre. A história oral foi de suma importância nesse sentido. Não satisfeita, retornei à câmara na tentativa de conseguir mais informações. Ao solicitar então mais alguns detalhes que pudessem me auxiliar, o responsável pelo departamento de finanças da câmara afirmou não existir nenhum tipo de documentação a respeito da feira livre desta cidade nesse período ou mesmo qualquer informe sobre sua transferência, sendo que em visita anterior ao departamento, o mesmo havia entregado cópias de atas de reuniões da década de 80 e uma delas se referia a questões ligadas a própria feira da cidade. A saber, um dos documentos se refere a um requerimento datado de 1984, que deliberava a abertura de uma feira livre no povoado Barragem Leste, município de Delmiro Gouveia. Outra indicação, e esta ainda mais interessante, trata-se de um pedido de tomada de providência em relação à alta dos preços dos gêneros de primeira necessidade que eram comercializados na feira livre da cidade. Esta indicação data de 06 de Agosto de 1985. Sendo assim, como poderia não existir nenhum tipo de evidência documentada acerca da feira livre que acontecia no centro da cidade? E sua transferência como foi pensada/articulada? Como não existe nenhum resquício; nenhuma informação sobre a mesma? Com isso, a feira livre acabou sendo tratada como se nunca tivesse existido ou mesmo tendo sua existência e importância banalizada. Diante disso, não pudemos saber o que realmente tinha por trás desse novo projeto de feira livre e mercado público pela escassez das fontes. Não foi possível analisar como o poder público via a existência da feira livre ou ainda se as decisões para a realocação da feira livre tiveram algum tipo de relação com ano eleitoral ou não. No entanto, o trabalho teve como objetivo maior dar voz/visibilidade aos feirantes da cidade. Uma questão que também chamou a atenção foi que em um dos documentos cedidos pela câmara, veio uma indicação de um vereador da cidade para que fosse aprovada a criação de uma feira livre no bairro Pedra Velha, nesta cidade, que fora justificada para facilitar a vida.

(18) dos moradores daquele lugar bem como para gerar emprego àquela população. A indicação se refere ao ano de 2001. O que nos intriga é saber o que aconteceu com essa feira, compreender se ela realmente existiu, e se existiu quais os benefícios que trouxe para a comunidade. Esta é uma problemática que precisa ser averiguada posteriormente. No primeiro capítulo, ressaltamos a questão dos costumes e da disciplina do trabalho em Thompson, por meio da cultura popular inglesa. Nessa parte do trabalho é realizada uma análise dos costumes das classes trabalhadoras da Inglaterra do século XVIII e como estes costumes se tornaram símbolo de resistência para os trabalhadores que se viam diante de um sistema que cada vez mais passava a engolir suas tradições/hábitos cotidianos. Enfatizamos as mudanças ocorridas sociedade inglesa do século XVIII e de como fizeram os trabalhadores para amenizar situações que não lhes eram convenientes. A partir dessa discussão pudemos compreender um pouco a relação da feira livre com as mudanças na sociedade delmirense, principalmente em relação as modernizações ocorridas na cidade, salientando a resistência dos costumes feirantes a céu aberto perante as inovações dos mercados de alimentos, como por exemplo, as redes de super e hipermercados que concorrem cada vez mais com as feiras livres. Outro ponto discutido com base em Thompson se refere às disciplinas do trabalho com a implantação da indústria capitalista inglesa e como esse sistema impôs normas e regulamentações aos trabalhadores da época. A partir desse ponto, pudemos fazer uma pequena analogia acerca das regulamentações do trabalho na experiência dos trabalhadores da Fábrica de Linhas fundada em 1914 em Delmiro Gouveia, bem como para contrapor a ideia de trabalho do tipo formal (com suas regulamentações, leis, etc), com a informalidade da feira livre tida como espaço lúdico, de trocas socioculturais e não apenas lugar de comércio e trabalho. A questão do campo e da cidade é trazida para mostrar como o capitalismo submeteu um espaço ao outro, isto é, o campo à cidade. Isso é percebido desde o momento em que o autor Raymond Williams aborda as questões dos cercamentos de terras inglesas, onde os trabalhadores campesinos tiveram que sair desses locais e ir em busca de melhores condições nos centros, nas indústrias. No segundo capítulo, abordaremos como se deu o desenvolvimento capitalista no Nordeste do Brasil e quais políticas implantadas na região para amenizar os problemas socioeconômicos. Autores como Celso Furtado, Francisco de Oliveira, entre outros, são.

(19) utilizados nessa parte para compreendermos a questão regional nordestina, destacando os diferentes processos de capitalização das regiões brasileiras, destacando as disparidades entre Centro-Sul e Nordeste. Abordaremos também algumas críticas às intervenções do Estado no Nordeste sob o signo do DNOCS. Essas reflexões podem servir de apoio para refletirmos a respeito da introdução da indústria têxtil, das atividades que se desenvolveram após a chegada desta no Sertão Alagoano; de como se deu o desenvolvimento na cidade de Delmiro GouveiaAL. No terceiro capítulo, apresentaremos a história da feira livre de Delmiro Gouveia e tentaremos explicitar as possíveis causas para a transferência da feira. Para isso, duas hipóteses serão destacadas para tentar explicar o que levou o poder público a tomar essa decisão na época. Analisaremos também as consequências dessa mudança para os feirantes que compõem a feira livre da cidade. Neste recorte, de 1980 a 1990, utilizaremos a pesquisa bibliográfica e as entrevistas com os feirantes. A história oral, nesse sentido, deu vida e voz para àqueles (as) que são protagonistas dessa história, da história da feira livre da cidade. Como disse Raymond Williams, “não podemos descer as escadas rolantes do tempo” e informar daquilo que aconteceu no passado com todos os seus pormenores, mas podemos compreender a história por meio da oralidade e resgatar acontecimentos que sem esse método, e sem a vontade de conhecer, continuariam desconhecidos; ocultos e cairiam no esquecimento..

(20) CAPÍTULO II RELAÇÕES CAPITALISTAS E IMPACTOS NA CULTURA DE CLASSE DOS TRABALHADORES Duas obras foram indispensáveis para o entendimento do que se propõe neste capítulo, a saber: parte obra de Edward Palmer Thompson, “Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional”, e parte da obra “O campo e a cidade: na história e na literatura” de Raymond Williams. Dito isto, iniciaremos o texto com um capítulo que trata sobre a experiência da classe trabalhadora inglesa, enfatizando os direitos baseados nos costumes na Inglaterra do século XVIII, e o avanço do capitalismo industrial inglês, tendo como referencial E. P. Thompson. Em seguida, uma discussão acerca das relações entre campo e cidade, compreendendo os processos de cercamentos e o desenvolvimento do capitalismo agrário Inglês e as consequências da expansão capitalista na sociedade inglesa, debruçando-se sobre os conceitos de Raymond Williams, analisando, contudo, as expressões dessas relações na cultura de classe dos trabalhadores. Acreditamos que estes autores e essas reflexões podem servir de base para um entendimento do avanço capitalista no sertão alagoano.. 2.1 CULTURA COSTUMEIRA VERSUS NOVA ECONOMIA POLÍTICA Thompson apresenta uma preocupação em investigar a cultura popular inglesa, os costumes dos trabalhadores ingleses – e, a partir daí, como se deram as resistências das multidões (classes trabalhadoras) em meio às transformações na sociedade inglesa do século XVIII diante do avanço do capitalismo, mostrando que a economia entre os trabalhadores da época não estava sob influência ou de acordo com as regras da economia de mercado. Assim sendo, “a economia moral é invocada como resistência à economia de livre mercado” 1. Com isso, poderemos notar, através dessa experiência, como os costumes foram transformados em medidas de proteção à classe trabalhadora inglesa; como a tradição tornara-se lei e símbolo de resistência. 1THOMPSON. E. P. Costumes em comum: Estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p.258..

(21) A partir de dois modelos, Economia Moral e a nova economia política de “livre mercado”, o autor mostra os conflitos nessa sociedade. Desta luta se desdobraram mudanças nas relações políticas, sociais e, sobretudo, econômicas no século XVII que se intensificaram no século XVIII com o avanço do capitalismo, ou, para usar as palavras de Neto e Maciel (2006): “a revolução industrial no final do século XVIII e início do século XIX”2. Assim, veremos que com as transformações econômicas que vinham acontecendo na sociedade inglesa, os hábitos e costumes tradicionais passaram a ser engolidos pelo desenvolvimento capitalista, pelos interesses da burguesia. Porém, as camadas populares (trabalhadores – artesãos e camponeses, por exemplo) mostraram resistência e lutaram para manter vivos certos valores essenciais a eles, manifestando oposição às mudanças que não lhes beneficiavam, isto é, à modernização e ao avanço do mercado capitalista, “às novas imposições do capitalismo”. Quando as classes abastadas não seguiam ou não respeitavam os costumes e práticas, isto é, os “pressupostos éticos e morais” estabelecidos pela tradição, pelas práticas ou hábitos cotidianos transformadas em leis, a classe trabalhadora inglesa organizava levantes como forma de protesto, mobilizavam-se e partiam para a ação direta 3, inventando novas maneiras de resistir às transformações econômicas, ao aumento abusivo dos preços de alimentos, minimizando danos e lutando para manter uma mínima autonomia. No que se refere à forma de organizar-se dessa população, Thompson enfatiza que, por exemplo, “[…] o motim da fome não requeria um alto grau de organização. Requeria um consenso de apoio na comunidade e um padrão de ação herdado com seus próprios objetivos e limites”4. Thompson apresenta, ainda em sua obra, que não era apenas o aumento de preços que prejudicava a população menos abastada da sociedade inglesa. Os açambarcamentos de mercadorias/produtos e as exportações praticadas pelos grandes comerciantes afetaram grandemente a classe trabalhadora do período5. As exportações, apontadas pelo autor, promoviam a classe burguesa rural e desenvolvia/alimentava cada vez mais o sistema capitalista. O que fica bastante evidente é 2NETO, Alexandre Shigunov; MACIEL, Lizete Shizue Bomura. Transformação social e modo de produção: do sistema pré-industrial ao sistema capitalista de produção. Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, set./dez. 2006, p. 340; Acessível em: http://www.gestaoemacao.ufba.br/revistas/rgav9n3alexandreneto.pdf 3Motins; as multidões se reuniam e intimavam grandes fazendeiros e produtores rurais a negociar preços; estipulavam valores. Caso isso não ocorresse, os grandes fazendeiros e comerciantes poderiam perder seus produtos. Em alguns casos, as multidões atacavam moinhos e celeiros como forma de punição. THOMPSON. E. P. 1998, passim. 4THOMPSON. E. P. op. cit., p. 186. 5Ibid., passim..

(22) que nesse sistema os “males” ou as consequências produzidas eram quase sempre pagas pela população pobre que passa a conviver com as dificuldades, como no caso inglês apontado por Thompson. As classes trabalhadoras do século XVIII passaram por graves problemas com as crises de alimentos e a própria carestia, já que a produção de alimentos era local e regional; de subsistência, e exportar produto para outras regiões/estados só agrava a situação. Assim sendo, ocorreram grandes embates do mercado de alimentos nessa sociedade préindustrial, confrontos entre a cidade e o campo; classes abastadas e os trabalhadores; capitalismo (Nova economia política) e o tradicionalismo (Economia Moral). Quando se trata em discorrer acerca da sociedade pré-industrial, os autores Alexandre Shigunov Neto e Lizete Shizue Maciel (2006) enfatizam o seguinte: “[…] por sociedade préindustrial, considere-se o período de transição entre o modo de produção feudal e o modo de produção capitalista[…]”6. Transição essa a qual Thompson alega que “não foi rápida, foi demorada e carregada de conflitos na Inglaterra”7. Thompson analisa que as duas formas de organização do comércio se opunham, gerando conflitos. As multidões agiam de acordo com costumes, direitos e leis antigas, oriundas da política paternalista, sendo estas reelaboradas de acordo com seus interesses, uma reconstrução desse antigo modelo para minimizar os danos que lhes eram causados. Sobre isso, Thompson argumenta: […] se as multidões sediciosas ou fixadoras de preços agiam segundo um modelo teórico consistente, esse era uma reconstrução seletiva do paternalismo, extraindo dele todas as características que mais favoreciam os pobres e que ofereciam uma possibilidade de cereais mais baratos. Porém, era menos generalizado que a visão dos paternalistas […]8.. A partir dessas reelaborações, através dos direitos tradicionais ou do direito consuetudinário, as multidões reclamavam seus direitos de subsistência cobrando da burguesia rural a fixação de preços dos alimentos. Os descontentamentos também se davam por outros motivos: “a indignação também podia se inflamar contra negociantes que, por um compromisso com mercado de fora, desbaratavam os suprimentos costumeiros da comunidade local”9. Os valores cobrados pelos alimentos, segundo Thompson, tornavam inacessíveis aos 6NETO, Alexandre Shigunov; MACIEL, Lizete Shizue Bomura. Transformação social e modo de produção: do sistema pré-industrial ao sistema capitalista de produção. Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, set./dez. 2006, p. 340. Acessível em: http://www.gestaoemacao.ufba.br/revistas/rgav9n3alexandreneto.pdf 7THOMPSON. E. P. op. cit., p. 289. 8THOMPSON. E. P. op. cit., p. 167. 9Ibid., p. 169..

(23) pobres principalmente nos períodos de grande escassez/crises; bem como as irregularidades do comércio e a fome, e, dessa maneira, os principais atingidos (as classes trabalhadoras), passaram a exigir de acordo com o tradicionalismo ou costumes tradicionais, o comércio aberto, isto é, na praça do mercado e não no campo ou em tavernas 10, como costumavam fazer os grandes fazendeiros e comerciantes que buscavam aumentar seus rendimentos, acumulando riquezas através da exploração dos trabalhadores. O mercado deveria, então, funcionar sem intermediários, isto é, “[…] o mercado deveria ser, na medida do possível, direto, do agricultor para o consumidor”11. E mais, “[…] à medida que o século avançava, os procedimentos do mercado se tornavam menos transparentes, pois os cereais passavam pelas mãos de uma rede mais complexa de intermediários […]”12. Os trabalhadores ingleses do século XVIII passaram a se mover pelas suas necessidades de sobrevivência, pela tradição, e defesa dos seus direitos, através da luta. Quando de alguma maneira as antigas práticas13 do comércio de alimentos se alteravam (principalmente em relação às alterações dos preços de grãos), logo deflagrava um grande sentimento de indignação e revolta na população. Com isso, podemos dizer que “[…] uma das funções dos motins era moderar o apetite de lucro desencadeado pelo ‘livre mercado’ em desenvolvimento […]” 14. Para que os direitos das multidões fossem “assegurados”, as autoridades validavam uma série de regulamentações15 no mercado de alimentos, isto é, o mercado era devidamente controlado, supervisionado, havia normas e restrições que deveriam ser cumpridas. Os que não cumprissem os requisitos empregados pelas leis eram penalizados. Em muitos casos, os motins da fome eram com frequência começados por mulheres que se moviam em direção aos mercados para, de certa forma, estabelecer seus preços na venda de cereais; fiscalizar, estabelecendo os direitos das camadas mais pobres. Sobre isso, Thompson 10Local onde geralmente os grandes fazendeiros se reuniam com o intuito de fixar preços irregulares de mercadorias ou produtos comercializados que eram essenciais, e fechar negócios com atravessadores/intermediários para assim lucrar em cima das necessidades dos pobres. THOMPSON. E. P. 1998, passim. 11Ibid., p.156. 12Ibid., p. 163. 13Referindo-se ao modelo de mercado direto; do agricultor para o consumidor, e vendidas na praça do mercado local. THOMPSON. E. P. 1998, passim. 14Ibid., p. 228. 15As normas e regulamentações estabelecidas no mercado era uma garantia aos direitos da classe trabalhadora da época, e servia para controlar o aumento abusivo de preços (carestia), os maus procedimentos com relação a pesos e medidas, evitar compras antecipadas, garantir o comércio direto, estabelecer as horas para comercialização, etc. THOMPSON. E. P. 1998, passim..

(24) discorre que “[…] eram naturalmente as mais envolvidas com as negociações face a face no mercado, as mais sensíveis ao significado dos preços, as mais experientes em detectar peso insuficiente ou qualidade inferior […]” 16. No modelo de economia baseado nos direitos consuetudinários, era necessário o respeito aos costumes, e para isto existiam fiscais17, pois todos tinham de cumprir seus deveres e funções, inclusive o próprio Estado. Se lhes privassem ou modificassem os seus direitos de compra a preços acessíveis, estando o desemprego em alta e a inflação, a população inglesa se rebelava, tendo estes, objetivos definidos de acordo com pontos de vista em comum, e que visava o bem-estar de todos. A respeito disso, Thompson afirma O motim da fome na Inglaterra do século XVIII era uma forma altamente complexa de ação popular direta, disciplinada e com objetivos claros […]. É certamente verdade que os motins eram provocados pelo aumento dos preços, por maus procedimentos dos comerciantes ou pela fome. Mas essas queixas operavam dentro de um consenso popular a respeito do que eram práticas legítimas e ilegítimas na atividade do mercado, dos moleiros, dos que faziam pão, etc. Isso, por sua vez, tinha como fundamento uma visão consistente tradicional das normas e obrigações sociais, das funções econômicas peculiares a vários grupos na comunidade, as quais, consideradas em conjunto, podemos dizer que constituem a economia moral dos pobres. O desrespeito a esses pressupostos morais, tanto quanto a privação real, era o motivo para a ação direta18.. Vimos através da análise que os motins da fome eram causados pelo não cumprimento de normas morais a respeito do comércio de alimentos na sociedade inglesa do século XVIII. Cada sujeito ou grupos tinham suas obrigações sociais, deveriam seguir os preceitos da moral tradicional, dos costumes. Dessa forma, os levantes organizados pelos pobres eram uma forma de se proteger dos interesses agrários em crescimento, de controlar a exploração dos trabalhadores, uma tentativa de minimizar as consequências da economia de livre mercado em desenvolvimento; de conter as transformações econômicas nessa sociedade pré-industrial. No mercado de alimentos ficava explícita a exploração aos pobres. O comércio passava a seguir as regras da economia de mercado. A burguesia era adepta da autorregulação do mercado de alimentos; à liberdade de comércio, e toda barganha de negociações (principalmente em relação a preços) eram feitos às escondidas e, de acordo com seus 16Ibid., p. 184. 17Havia neste caso, a presença de fiscais do comércio para manter o controle sobre compras e vendas no mercado de alimentos, multando aqueles que se recusavam negociar os valores dos produtos a serem comercializados, e por pesos e medidas insuficientes. THOMPSON. E. P. 1998, passim. 18Ibid., p.152.

(25) interesses. Esse modelo, para usar as palavras de Thompson, funcionava do seguinte modo: Em termos práticos […] a situação natural da oferta e demanda do mercado livre maximizaria a satisfação de todos os grupos e estabeleceria o bem comum. O mercado nunca era mais bem regulado quando deixavam que se regulasse por si mesmo. No curso de um ano normal, o preço dos cereais se ajustaria pelo mecanismo do mercado […]19.. Com isso, eram cobrados altos preços pelos alimentos, e isso prejudicava os pobres que não podiam pagar caro pelas mercadorias, principalmente em períodos de escassez e racionalização20 de alimentos. Essa situação contrariava a classe trabalhadora que passava a protestar em oposição à economia de livre mercado, para assegurar seus direitos, como dito em outros momentos. Importante enfatizar ainda que o mercado além de ser espaço para comercialização; negociações, era também local onde a classe trabalhadora reivindicava seus direitos, socializavam e lutavam para manter vivos os costumes, tentando controlar os maus procedimentos cometidos pelos grandes fazendeiros e comerciantes no mercado. Enfim, “aconteciam nesse espaço, transações de todos os tipos”. Dessa forma, Thompson argumenta, “[…] mas se o mercado era o ponto em que os trabalhadores mais frequentemente se sentiam expostos à exploração, era também o ponto, […], em que eles podiam mais facilmente se organizar […]”21. E ainda, “[…] o mercado era o lugar onde as pessoas, por serem numerosas sentiam por um momento que tinham grande força […]”22, pois agiam em coletividade para o bem-estar de todos. Para o governo e para as classes abastadas inglesas, as multidões ou os trabalhadores do século XVIII eram tidos como uma ameaça à ordem e à propriedade. Dessa maneira, as autoridades locais sancionavam leis e medidas de proteção para assegurar “a paz”, uma forma de acalmar os ânimos e evitar maiores transtornos na sociedade. Validando leis/normas, conquistavam a confiança dos trabalhadores e mantinham as aparências do governo, pois oferecia uma espécie de amparo aos pobres, uma espécie de garantia dos seus direitos 23. De acordo com Thompson, as autoridades (estrategicamente) demonstravam, portanto, interesse 19 Ibid., p.161. 20 Quando nos momentos de desvalorização dos alimentos, tanto a classe média quanto os mais ricos do meio rural inglês optavam para o método de racionalização. Os fazendeiros médios seguravam suas mercadorias com o objetivo de aguardar um mercado mais elevado para então expor e comercializar. Os grandes fazendeiros (gentry agricultora) guardavam parte das suas mercadorias ainda por mais tempo para pegar o auge do mercado. THOMPSON. E. P. 1998, p. 162. 21Ibid., p. 201. 22 Idem. 23Ibid., p. 160..

(26) pelas causas dos pobres, e agiam em vigilância para que as leis dos costumes fossem minimamente respeitados, e os trabalhadores se tornassem “livres” do sistema de livre mercado e da exploração pela burguesia rural. Tendo isso em vista, isto é, correspondendo às multidões, o “Estado garantia sua legitimidade e seu poder”24. Tendo que respeitar os direitos baseados nos costumes na sociedade inglesa, a burguesia rural nesse período passou então a ser “controlada”; teria que seguir as normas do mercado de alimentos ou seriam penalizados. Com todo controle por parte das autoridades sobre o mercado de alimentos, a classe dominante tivera que aceitar os acordos que lhes eram estabelecidos, já que a classe trabalhadora se apoiava no direito consuetudinário que lhes evitavam maiores prejuízos. Importante notar ainda que se o Estado não fizesse valer as leis e os sujeitos da então nova economia de livre mercado25 continuassem explorando trabalhadores e confrontando com os costumes tradicionais, a população se encarregava de puni-los, faziam valer a justiça e agiam com violência, com ação direta para manter o controle dos preços dos alimentos, como dito anteriormente. Entretanto, o que vemos na realidade é que o estabelecimento desses regulamentos – dessa fiscalização dos mercados – e de todo controle nessas relações, acabava incidindo sobre os pequenos vendedores locais, pequenos produtores, enquanto as classes agrárias capitalistas em desenvolvimento não eram atingidas a ponto de serem prejudicadas26. Contudo, podemos notar que “os interesses em comum da comunidade estavam acima de qualquer outra coisa, acima dos lucros de uns poucos”27.. 24Os governantes não poderiam se negar a prestar ajuda/proteção aos trabalhadores, principalmente em tempos difíceis como os períodos de escassez. Era conveniente manter leis que garantiam os direitos das populações e, de quebra, evitavam as ameaças de motins ou insurreições. THOMPSON. E. P. 1998, passim. 25Caracterizado pela retenção de oferta dos produtos que seriam comercializados pelos pequenos e grandes fazendeiros. Estes retinham a oferta até o momento em que os preços do mercado aumentassem de acordo com seus interesses. THOMPSON. E. P. 1998, passim. 26Ibid., passim. 27Ibid., p. 258..

(27) 2.1.1. A CULTURA DOS TRABALHADORES E A ÓTICA CAPITALISTA: NORMATIZAÇÕES. DO. TRABALHO. E. O. AVANÇO. DO. CAPITALISMO. INDUSTRIAL INGLÊS Thompson também analisa a questão das novas disciplinas de trabalho que são impostas com a nova percepção de tempo (com horários mais precisos), e como isto impulsionou o avanço do capitalismo industrial na Inglaterra. A partir disso, poderemos perceber como se deram as mudanças nessa sociedade capitalista industrial nascente; como as relações capitalistas de trabalho e produção, e a expressão dessas relações na cultura da classe trabalhadora. O período manufatureiro que é uma característica do modo de produção capitalista desenvolvido entre os séculos XVI e XVIII, é uma forma menos complexa do sistema capitalista plenamente desenvolvido, pois aquele “[…] é o período em que os trabalhadores apesar de venderem sua força de trabalho ao capitalista, ainda exercem seus ofícios de forma manual, ou seja, atuam sobre uma realidade objetiva que é o trabalho”28. Logo, esse período manufatureiro passa a oferecer condições propícias ao surgimento do sistema fabril, abrindo caminho para a introdução da industrialização moderna, tendo o processo de industrialização seus propósitos definidos, no qual certamente se trata de “[…] reduzir custos e aumentar o lucro do capitalista […]”29, e ainda toda a maquinaria implantada “[…]é meio para produzir mais-valia”30. (MARX (1987 Apud NETO, Alexandre S; MACIEL, Lizete S., 2006). Dessa maneira, todas as transformações nos processos de produção (modos de produção capitalistas) se deram por conta da Revolução Industrial nos séculos XVIII e XIX, e incidiu diretamente sobre a vida do Homem. Com a implantação do sistema de produção fabril, da industrial desenvolvida, moderna e madura do período, novos hábitos de trabalho e uma nova disciplina aos trabalhadores fora implantada, de acordo com Thompson, modificando os costumes dos trabalhadores. A mudança na percepção do tempo passou a afetar a disciplina de trabalho, passando este a ser 28NETO, Alexandre S; MACIEL, Lizete S. Transformação social e modo de produção: do sistema préindustrial ao sistema capitalista de produção. Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, set./dez. 2006. p. 342. Acessível em: http://www.gestaoemacao.ufba.br/revistas/rgav9n3alexandreneto.pdf 29Id. 30Ibid., p.343..

(28) regulado31 e controlado pela burguesia inglesa, por quem possuía os meios de produção, o capital. A nova forma de medição do tempo se tornou meio de exploração de mão de obra. As mudanças redefiniram, assim, a organização da produção e das relações de trabalho. Sobre isso, Thompson indaga […] até que ponto, e de que maneira, essa mudança no senso do tempo afetou a disciplina do trabalho, e até que ponto influenciou a percepção interna de tempo dos trabalhadores? Se a transição para a sociedade industrial madura acarretou uma reestruturação rigorosa dos hábitos de trabalho – novas disciplinas, novos estímulos, e uma natureza humana em que esses estímulos atuassem efetivamente –, até que ponto isso se relaciona com mudanças na notação interna do tempo?32 .. Podemos considerar, em concordância com Thompson, que a mudança de percepção e medição do tempo se deu pela disseminação do relógio 33 que passou a regular os horários de trabalho, bem como a ser objeto de valor, isto é, o tempo deveria ser gasto de maneira produtiva e não desperdiçado com situações que não rendessem ganhos. O tempo passou a ser sinônimo de dinheiro para os capitalistas. De acordo com o autor, “[…] o empregador deve usar o tempo da sua mão de obra e cuidar para que não seja desperdiçado: o que predomina não é a tarefa, mas o valor do tempo quando reduzido a dinheiro. O tempo é agora moeda: ninguém passa o tempo, e sim o gasta”34. Dessa maneira, o tempo passou a ser mercadoria e saber utilizá-lo era lucrativo, lucro esse que se dava através da exploração do proletariado que vendia sua força de trabalho para as indústrias. Com isso, “o pequeno instrumento que regulava os novos ritmos da vida industrial era ao mesmo tempo uma das mais urgentes dentre as novas necessidades que o capitalismo industrial exigia para impulsionar seu avanço”35. Thompson destaca inicialmente que antes da introdução do relógio e da nova noção de tempo (através da tecnologia), as atividades desempenhadas se davam de acordo com o ciclo natural de trabalho do homem, “as atividades demarcavam o tempo”36, principalmente no meio rural. Não havia a noção de “trabalho de horário marcado”, a medição ou a percepção 31De acordo com Thompson, apesar das regulações, as durações de tempo do trabalho eram bastante excessivas. THOMPSON. E. P. 1998, passim. 32Ibidem, p. 270. 33Antes da introdução do relógio como meio para se orientar nas tarefas/trabalhos do dia a dia, Thompson enfatiza que os sinos serviam como orientador de atividades, do cotidiano da população. THOMPSON. E. P. 1998, passim. 34Ibid., p. 272. 35Ibid., passim. 36Nos tempos primitivos, como enfatizou Thompson, a maneira de medir o tempo acontecia de acordo com períodos de trabalho; com o ciclo de tarefas domésticas, por exemplo. THOMPSON. E. P. 1998, passim..

(29) deste se dava por meio da realização de tarefas do cotidiano do trabalhador, principalmente o de pequenas oficinas de manufatura na sociedade inglesa da época. Dessa forma, o autor chama essas relações de “orientação pelas tarefas” 37. Neste caso, havia uma maior “liberdade” nesse modo de organização do trabalho, liberdade essa no sentido de não haver tanta responsabilidade e rigor, pois nesse tipo de trabalho não havia o controle/normas, as atividades não possuíam cronogramas e não tinham a fiscalização rigorosa por terceiros. Importante ressaltar que este modo de trabalho e a vida social de alguma forma se “harmonizavam”, se referindo ao fato de que as relações sociais e o trabalho estavam associados de modo que um não prejudicava ou interferia negativamente nas funções do outro. Assim, “[…] as relações sociais e o trabalho são misturados – o dia de trabalho se prolonga ou se contrai segundo a tarefa – e não há grande senso de conflito entre o trabalho e o ‘passar do dia” 38, diferentemente do que acontece quando das transformações na sociedade e das relações capitalistas no trabalho, que passa a exigir cada vez mais do trabalhador consumindo quase todo o seu tempo de vida. Com o estabelecimento do relógio e com ele as novas regras/normas do trabalho, isto é, a sua reestruturação, as coisas mudaram. O tempo passa agora a ser controlado, e o trabalho horário marcado. Tornou-se preciso “disciplinar uma força de trabalho ao modo de vida industrial”39. Com a necessidade de empregar mão de obra para realização de atividades, o tempo tornase ainda mais valioso, e precisava ser gasto de maneira rentável, logo, o trabalhador teria que se alinhar às novas regras de trabalho que se tornou sincronizado, mais exato. Isso se deu principalmente quando da implantação do sistema fabril, do crescimento na indústria, no qual o relógio se tornou instrumento de controle dos trabalhadores e da disciplina do trabalho. Os ritmos de trabalho foram regulados, novos hábitos foram impostos; a classe trabalhadora tendo agora horários mais precisos, passou a possuir carga horária e regras para serem cumpridas. E ainda, apesar de toda essa regulamentação do trabalho assalariado, nesse período, as horas continuavam “abusivas” e havia punições40 para os que não seguissem as regras impostas pelo capitalismo industrial. 37Ibid., p. 271. 38Ibid., p. 271-272. 39Ibid., p. 300. 40As punições poderiam ser através do pagamento dos salários, podendo estes serem reduzidos ou pelas horas a mais no trabalho. Havia folha de controle do tempo, multas, entre outros. THOMPSON. E. P. 1998, passim..

(30) Nas novas disciplinas do trabalho, o proletário fica subordinado às regras daquele que detém o poder (o detentor dos meios de produção). Esse fenômeno, certamente, teve muita importância para o capitalismo, pois a nova organização da produção e das relações de trabalho impulsionou ainda mais o sistema de produção e venda inglês, acumulando assim, mais riquezas. As novas imposições do sistema capitalista incidiram também nas relações sociais. A disciplina imposta nos novos modos de produção e trabalho não servia apenas para as fábricas ou indústrias, mas também interferiu no meio social, como por exemplo, no ambiente doméstico e em instituições como a escola. Se tornou necessário a utilização do “uso econômico do tempo” para melhor aproveitamento deste em todas as esferas da sociedade que seguiam sob a hegemonia do capitalismo. A respeito disso, Thompson discorre que “[…] na escola as crianças eram disciplinadas, aprendiam trabalhar e evitavam assim o desperdício do tempo nas ruas […]” 41. No espaço escolar as crianças eram disciplinadas, isto é, “[…] eram ensinadas a levantar cedo, observar as horas com pontualidade […]”42, enfim, aprendiam atividades e evitavam o desperdício de tempo. Sendo assim, os objetivos disciplinares da escola, ou a função desta, não era educar para o crescimento intelectual ou pessoal da criança, mas sim, educá-los para a disciplina e ordem do trabalho, isto é, para as relações alienantes do trabalho capitalista, negando sua condição humana, e seria também mais uma maneira de manter o sistema. Importante atentar que não apenas os alunos eram alvos desse sistema. Os professores também deviam seguir e considerar os regulamentos, como respeitar horários, por exemplo. Tudo muito bem disciplinado. Com isso, não podemos deixar de mencionar que estes, isto é, os regulamentos e normas impostas aos trabalhadores e que serviam para manter o controle da ordem vigente, eram difíceis para uma sociedade baseada em costumes tradicionais e hábitos antigos de trabalho. Os campesinos foram ferramentas essenciais para a industrialização, segundo Thompson43. É sabido que a expropriação e expulsão da população campesina das suas propriedades pela burguesia, fez com que essa grande massa se deslocasse para os centros urbanos, principalmente para as áreas periféricas, fazendo com que estes, para sobreviver, tivessem que 41Ibid., p. 292. 42Id. 43 Ibid., passim..

(31) vender sua força de trabalho nos centros industriais, ocasionando multidão de reserva de mão de obra44. Essa abundância de mão de obra acarretou na exploração do trabalhador que se viu diante de horas extensivas de trabalho e baixos salários. Esse foi um processo que acelerou o crescimento econômico e ocasionou a elevação de taxas de mais-valia, pois aumentaria a lucratividade com a carga horária de serviço maior, associado aos baixos salários devido o desemprego. Para elencar melhor essa questão de exploração do trabalho e formação de excedentes, Evandro Machado (2010) enfatiza: Com efeito, tendo comprado a força de trabalho do proletário, o possuidor dos meios de produção tem o direito de consumi-la como bem entender. Se o detentor dos meios de produção determinar ao proletário uma carga horária de trabalho equivalente a 8, por exemplo, mas em apenas 6 horas (tempo de trabalho estimados como necessário) o trabalhador cria uma quantidade de produtos suficientes para cobrir as despesas com sua própria manutenção , o tempo restante (2 horas) é de ‘posse’ do capitalista. Assim sendo, este período de duas horas remanescentes (tempo de trabalho estimando como ‘suplementar’) servirá para o operário produzir mercadorias que o capitalista não pagará por elas. E é justamente isso que o dono dos meios de produção deseja, certo que seu capital crescerá à custa de mão de obra quase sem remuneração45.”. Diante dessas condições no trabalho fabril sob normatizações/regulamentações, conseguimos perceber como esse sistema mudara por completo os hábitos; a cultura das classes trabalhadoras inglesas do século XVIII e, a partir disso, verificamos o avanço do capitalismo industrial.. 2.2.. CERCAMENTOS. DOS. CAMPOS. E. DESENVOLVIMENTO. DO. CAPITALISMO AGRÁRIO INGLÊS NA PERSPECTIVA DE RAYMOND WILLIAMS. Retomando o discurso da expropriação de terras da população do campo já iniciada anteriormente, e relacionando-o a formação das grandes propriedades nos séculos XVII e XVIII na Inglaterra, Raymond Williams (1989), enfatiza como se deu esse processo e suas consequências na sociedade inglesa. Dito isto, o autor atenta para a questão dos cercamentos 44MACHADO, Evandro José. Considerações em torno da obra O Capital de Karl Marx no que tange à mercadoria, valor e trabalho. Kínesis, Vol. II, nº 03, Abril – 2010. p. 89 – 102. Passim. Disponível em: http://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/Kinesis/7_EvandroJoseMachado.pdf Acesso: 15/01/2017 45Ibid., p. 96..

(32) das terras, abolição de comunidades comunais ou aldeias, e o desenvolvimento do capitalismo agrário nas zonas rurais. Antes de adentrar nessas discussões sob a perspectiva de Williams, é preciso compreender que esse processo de desenvolvimento da agricultura sob o domínio do capital não se deu por toda a Europa. É importante considerar que “somente algumas áreas levaram o desenvolvimento agrário mais adiante, rumo a uma agricultura capitalista. A Inglaterra era a principal deles46[…]”. E é sobre isso que será tratado aqui; o desenvolvimento do capitalismo agrário inglês e suas consequências. Com isso, apontamos que a formação das grandes propriedades em fins do século XVII e início do XVIII na Inglaterra, se deu a partir da retirada de pequenos proprietários do campo através de um novo método que fora implantado como forma de usurpar as terras produtivas, isto é, as apropriações de terras cultiváveis se deram a partir da imposição de um novo procedimento que favorecia a burguesia: a ordem parlamentar nos séculos XVIII e XIX que garantia por lei os cercamentos de terras para as classes dominantes do campo. Para elencar melhor essa questão, Raymond Williams discorre acerca dos períodos em que houve os cercamentos de terras. Não há por que negar a importância crucial do período dos cercamentos por ordem parlamentar, do segundo quartel do século XVIII até o primeiro quartel do século XIX. Através de quase 4 mil atos legislativos, mais de 2,4 milhões de hectares de terras foram apropriados pelos proprietários politicamente dominantes: cerca de um quarto da totalidade das terras cultivadas47.. Os cercamentos de terras nesse período se deram assim, através de ordens parlamentares, onde as terras que antes pertenciam a pequenos proprietários ou ocupadas por arrendatários foram açambarcadas e se tornaram legalizadas, ou seja, a expropriação tornou-se “legal”, mas não legítima, por meio da introdução de “um sistema social capitalista 48” formado pela aristocracia rural que extirpou os direitos das classes trabalhadoras do campo, através da usurpação das propriedades por meio de elaboração de leis. Podemos entender melhor essa questão a partir da fala de Williams, quando este diz que houve “[…] nas regiões economicamente dinâmicas, a imposição de um sistema social 46HOBSBAWM. Eric. J., 1917. “O mundo na década de 1780”, In: A era das Revoluções: 1789 – 1848. pag. 42. São Paulo: Paz e Terra. 47Ibid., p. 138. 48Sistema que realizava confiscos (por meio de decretos) que eram realizados por representantes das classes beneficiadas. Ver em: WILLIAMS, Raymond. O campo e a cidade: na história e na literatura. São Paulo: Companhia das letras, 1989, p. 139..

(33) capitalista através de confiscos legalizados, realizados por representantes da classe beneficiada […]49”, e mais, “[…] o recurso ao Parlamento para promover cercamentos tornou esse processo ao mesmo tempo mais público e mais bem documentado50”. Reforçando ainda a questão da formação das grandes propriedades, na qual se deu pela posse e expulsão de pequenos proprietários de terras agrícolas, onde essas propriedades passaram a ser cercadas (consequência do avanço do capitalismo agrário), é importante frisar que não foram apenas as pequenas propriedades de terras ou pequenos arrendatários que foram afetados pelo capitalismo agrário na Inglaterra, as aldeias ou comunidades comunais (e outras) também sofreram impactos; sentiram forte pressão do capital agrícola em desenvolvimento. Sobre isto, o autor enfatiza: A importância social dos cercamentos, pois, não é terem introduzido na estrutura social um elemento inteiramente novo, e sim o fato de, ao abolirem as últimas aldeias onde vigorava o sistema de campo aberto e os direitos comuns, em algumas das regiões mais populares e mais prósperas do país, complementaram a pressão econômica geral sentida pelos pequenos proprietários e, especialmente, pelos pequenos arrendatários; em muitos casos, os cercamentos até foram causados por tais pressões 51.. Levando em conta também outros espaços que foram alvos da expansão capitalista no meio rural, vale complementar que, Os cercamentos por ordem parlamentar não atingiram somente as terras comunais e urzais. Houve ainda os cercamentos de terras baldias que nos séculos XVIII e XIX totalizaram cerca de 800 mil hectares, e os cercamentos de terras aráveis abertas, já cultivadas, cerca de 1,6 milhões de hectares 52.. A partir dessa discussão, podemos elencar ainda a questão de como se deram esses cercamentos; compreender os motivos que levaram a essas ações que modificou por inteiro o campo; e, consequentemente, causando também transformações nas estruturas das urbes, que passaram a receber grandes quantidades populacionais originários do meio rural. Os problemas que ocorreram no campo aconteceram também na cidade, os efeitos do desenvolvimento capitalista são sentidos assim, nos dois espaços. Contudo, como dito anteriormente, esses cercamentos aconteceram através de elaborações de leis o que implicou numa grande quantidade de terras atingidas53. Isso pode ser explicado 49Id. 50Ibid., p. 138. 51Ibid., p. 138-139. 52Ibid., p. 144. 53Ibid., passim..

Referências

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