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FORMAÇÃO ECONÔMICA BRASILEIRA, DISPARIDADES REGIONAIS E AS PROPOSTAS DA SUDENE PARA INDUSTRIALIZAR O

REPRODUÇÃO DO CAPITAL

3.1. A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA REGIÃO NORDESTE: SUDENE

3.1.3. FORMAÇÃO ECONÔMICA BRASILEIRA, DISPARIDADES REGIONAIS E AS PROPOSTAS DA SUDENE PARA INDUSTRIALIZAR O

TERRITÓRIO

Antes de falar a respeito da formação da economia nordestina e as crescentes desigualdades no desenvolvimento entre as regiões, é importante frisar, de acordo com Celso furtado que “o desenvolvimento econômico, no mundo todo, tende a criar desigualdades. É uma lei universal inerente ao processo de crescimento: a lei da concentração. […]”152.

Complementa ainda da seguinte maneira.

Este grande país se formou, historicamente, ao longo de um processo de integração política de regiões desarticuladas, mas dotadas de um lastro cultural comum. Contudo, em seu processo de integração econômica, sofreu profundo desvio na primeira metade deste século, em consequência do processo mesmo de industrialização […]153”.

A formação da econômica brasileira é fundada na submissão, servidão, má distribuição de renda, trocas mercantis assimétricas e outras disparidades. No ponto de vista de Clélio Campolina Diniz, Celso Furtado parte da questão histórico-estrutural particular para explicar o processo econômico brasileiro154. A saber, Furtado

[…] toma os fundamentos históricos da colonização regional como determinante da dicotomia social da região. Em primeiro lugar, na faixa litorânea úmida, a empresa agrícola exportadora de açúcar estava baseada em trabalho escravo. Quando esse foi formalmente extinto, no final do século XIX, mantiveram-se relações de diferentes formas de semiescravidão, semiservilismo, de “meia” e de cambão. Em segundo lugar, ao demandar animais de carga e alimentos, a economia exportadora criou a própria

151Ibid. p. 53.

152FURTADO, Celso M. op. cit., p. 30. 153Id.

periferia no interior, a ela subordinada e dependente. O crescimento demográfico empurrava a população para as terras mais áridas, agravando as próprias condições de subsistência. Em terceiro lugar, a fazenda do semiárido se baseava em uma população camponesa, sem terra e sem salário, a qual trabalhava para o dono da terra na forma de “meia” (partilha da produção) para as culturas de exportação, principalmente algodão e, em compensação, podia produzir a sua subsistência. Essas três características perduram por séculos, caracterizando uma situação estrutural de subdesenvolvimento. Ou seja, mantinha-se uma estrutura agrária dual e arcaica, com relações mercantis para fora, ao lado de relações de trabalho pré-capitalistas ou não mercantis, especialmente das atividades voltadas para a subsistência155.

Antes de entrar nas questões das disparidades de níveis de crescimento entre as regiões brasileiras através da análise dos desdobramentos econômicos do Nordeste, que levou a criação da SUDENE, é interessante analisarmos um pouco o contexto em que foi lançada a “Operação Nordeste”.

A criação e desenvolvimento de ações da SUDENE foram pensadas na linha de desenvolvimento proposto pelo projeto social nacional-desenvolvimentista do governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), este que foi considerado “[…] dentre todos os presidentes eleitos da experiência democrática dos anos 1946-1964, aquele que mais se destacou como homem político de ação[…]”156. O projeto de superar o atraso da região Nordeste estava nos projetos do Plano de Metas desenvolvido pelo presidente para acelerar o crescimento do país, já que a SUDENE tinha como intento, promover e coordenar o desenvolvimento na região, de inserir o Nordeste no movimento de reprodução do capital.

Esse Plano do governo JK possuía 30 metas157 de desenvolvimento nacional com o intuito de transformar o país em uma nação desenvolvida, e isso se daria através da industrialização158, da modernização dos setores159. Deste modo, Vânia Moreira (2003),

155Ibid. p. 237.

156 MOREIRA, Vânia Maria Losada. op. cit p. 157.

157O programa de governo de JK assumiu integralmente a “linguagem do desenvolvimento”. Mais conhecido como Plano de Metas, o programa era, na realidade, um documento essencialmente econômico. Dividia-se em 30 metas, distribuídas entre os setores de energia (metas 1 a 5), transporte (19 a 29) e educação (meta 30). A construção de Brasília só foi incorporada ao Plano de Metas durante a campanha presidencial, mas rapidamente se transformou em uma das prioridades de Juscelino[…]. MOREIRA, Vânia Maria Losada. Ibid., p. 159.

158 De acordo com Vânia Moreira, o projeto de industrialização proposto pelo governo JK e pelo próprio ISEB era, no entanto, liberal, burguês, capitalista. Mas a “ideologia do desenvolvimento nacional”, sobretudo na versão Juscelinista, ocultava a dimensão de classe subjacente ao projeto nacional-desenvolvimentista. Ofertava o “desenvolvimento nacional” como algo de todos e para todos, cujo resultado final seria a transição do Brasil para o mundo das nações ricas, modernas e portadoras de bem-estar social. MOREIRA, Vânia Maria Losada. Ibid., p. 165.

discorre que o governo JK tinha entre seus desafios a implantação de indústrias para acelerar o desenvolvimento do Brasil, e a meta do governo era “[…] fazer em cinco anos o que levaria cinquenta[…]160”.

Tomando por base ainda as análises de Vânia Maria Losada Moreira, o projeto de industrialização de tipo capitalista proposto pelo governo JK encontrou diversos impasses à sua realização. O próprio ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros) acreditava que o projeto desenvolvimentista de Juscelino encontraria resistência dos setores considerados mais “arcaicos161”, formados pelos latifundiários e os setores ligados a exportação e as classes médias tradicionais162.

Do mesmo modo, Furtado encontrou na região Nordeste um empecilho para a não industrialização da região por essa camada da sociedade considerada arcaica, isto é, a elite rural conservadora, que defendia a economia do tipo agrário-exportadora. Logo, “[…] a base econômica da burguesia do Nordeste foi indiscutivelmente a constituição da atividade de produção da cana e do açúcar […]163, e estes não queriam perder os benefícios conseguidos pelo mercado externo.

Com a crise de 1929164 ficou evidente o quanto a economia do tipo agrário-exportadora era instável e uma possível saída para a crise de exportação era, conforme Vânia Moreira, a industrialização do país. Assim sendo, “[…] o antídoto proposto para combater tal fraqueza da nacionalidade, era, não por mero acaso, o desenvolvimento de uma indústria nacional, cujo florescimento devia ancorar-se no mercado interno […]165”. Foi o que aconteceu, por exemplo, na região Centro-Sul quando esta conseguiu se desenvolver, conseguiu manter um mercado interno, não apenas de exportação como no Nordeste.

160 Ibidem, p. 157.

161[…] Os setores “arcaicos” eram definidos como um bloco heterogêneo, nascido e desenvolvido no contexto da economia agrário-exportadora que havia prevalecido no Brasil desde o período colonial até aproximadamente a década de 1930. Incluía, principalmente, os latifundiários, os setores ligados ao comércio exportador e a classe média tradicional. E, na avaliação Isebiana, esses grupos não tinham o menor interesse no novo e ainda frágil modelo de desenvolvimento nacional, baseado na indústria e no mercado interno. MOREIRA, Vânia Maria Losada. Ibid., p. 162.

162Idem.

163OLIVEIRA, Francisco de. op. cit., p. 59.

164A crise de 1929, ao provocar generalizada recessão econômica no mundo capitalista, colocou às claras o problema das desigualdades regionais na maioria dos países industrializados, as quais vinham se formando desde o século anterior, mas não eram explicitadas. A tomada de consciência dessas desigualdades e a mudança na concepção do papel do Estado, com a Revolução Keynesiana e o avanço das técnicas e práticas de planejamento, promoveram a criação de políticas de redução das desigualdades regionais e de reordenamento do território em vários países, com a criação de instituições específicas para a implementação dessas políticas […]. DINIZ. Clélio Campolina. op. cit., p. 228/229.

No entanto, apesar de toda recessão econômica no mundo capitalista, o Brasil por volta da década de 30 mostrou um acelerado processo de crescimento na sua economia166 e continuou expandindo após os anos 30 e principalmente na década de 50, tendo a região de São Paulo como locus de reprodução e concentração do capital167.

Na visão de Celso Furtado, apesar de um crescimento considerável da economia brasileira no último quarto do século, esta tem sido ou tem se distribuído de maneira desigual, principalmente entre as regiões Centro Sul e Nordeste, uma em mais expansão do que a outra168. Dessa maneira, o autor afirma: “[…] o ritmo de crescimento econômico do Centro Sul é sensivelmente mais intenso que a região do Nordeste169”.

Nas palavras de Francisco de Oliveira, estão expostos os motivos do Centro Sul estar à frente do Nordeste. Ele discorre que “[…] a hegemonia do Centro-Sul sobre a burguesia industrial do Nordeste começa a ocorrer exatamente pela troca de mercadorias, pela invasão de mercadorias produzidas no Centro-Sul, onde a produtividade do trabalho estava em crescimento […]”170.

Oliveira faz análise acerca dessa expansão do sistema capitalista no Centro-Sul e como essa região se sobressaiu às demais regiões brasileiras, principalmente em relação ao Nordeste brasileiro. O autor discute a questão da centralização do poder nessa região, do seu progresso e concentração de capital que fizera com que se configurasse como “centro capitalista nacional171”, e, consequentemente, aumentando as disparidades regionais de crescimento. A saber, Francisco de Oliveira destaca a expansão do sistema capitalista comandada pela região Sul, com concentração de capital industrial comandada por São Paulo, e enfatiza de que forma isso se deu.

No momento, pois, em que a expansão do sistema capitalista no Brasil tem seu locus na “região” Sul comandada por São Paulo, o ciclo toma espacialmente a forma de destruição das economias regionais, ou das “regiões”. Esse movimento dialético destrói para concentrar, e capta o excedente das outras regiões para centralizar o capital. O resultado é que, em sua etapa inicial, a quebra das barreiras inter-regionais, a expansão do sistema de transportes facilitando a circulação nacional das mercadorias, produzidas agora no centro de gravidade da expansão do sistema, são em si mesmas tantas formas do movimento de concentração; e a exportação de

166DANIEL, Paulo. O desenvolvimento regional brasileiro. Publicado em 10/10/2011. Revista Carta Capital.

http://www.cartacapital.com.br/politica/o-desenvolvimento-regional-brasileiro Acesso em: 09/02/2017. 167OLIVEIRA, Francisco de. op. cit., p. 82.

168 FURTADO, Celso M. op. cit., p. 33. 169 Id.

170OLIVEIRA, Francisco de. op. cit., p. 65. 171Ibid., p. 75.

capitais das “regiões” em estagnação são a forma do movimento de centralização. Aparentemente, pois, sucede de início uma destruição das economias regionais, mas essa destruição não é senão uma das formas da expansão do sistema em escala nacional172.

O que ficou evidente com as transformações que vinham acontecendo no plano econômico, como a expansão capitalista a partir do Centro-Sul, onde, de acordo com Oliveira, consolidou-se uma burguesia industrial173, foi a questão das disparidades entre as regiões do país quando começaram a se industrializar, no sentido de que umas demonstraram crescimento mais do que outras, o que tornou necessário a criação de políticas públicas174 para amenização das desigualdades regionais de crescimento.